Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
Mostrar mensagens com a etiqueta Wallace. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Wallace. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 23 de abril de 2024

Léon Denis e o Cristianismo ~


Relações com os Espíritos dos Mortos

(I de II)

  Os primeiros cristãos comunicavam-se com os Espíritos dos mortos e deles recebiam ensinamentos. Não há nenhuma dúvida sobre este ponto, porque são abundantes os testemunhos. Resultam dos próprios textos dos livros canónicos, textos que conseguiram escapar às vicissitudes dos tempos e cuja autenticidade é indubitável. (ii)

  O Cristianismo repousa inteiramente em factos de aparição e manifestação dos mortos e fornece inúmeras provas da existência do mundo invisível e das almas que o povoam.

  Estas provas são igualmente abundantes no Antigo e no Novo Testamento. Num, como no outro, se encontram aparições de anjos (iii) dos Espíritos dos justos, avisos e revelações feitos pelas almas dos mortos, o dom de profecias (iv) e o dom de curar. (v) No Novo Testamento são referidas as aparições do próprio Jesus, depois do seu suplício e sepultura.

  A existência do Cristo havia sido uma constante comunhão com o mundo invisível. O filho de Maria era dotado de faculdades que lhe permitiam conversar com os Espíritos. Estes, muitas vezes, se tornavam visíveis a seu lado. Os seus discípulos viram-no, assombrados, conversar um dia no Tabor com Elias e Moisés. (vi)

  Nos momentos críticos, quando uma questão o embaraça, como no caso da mulher adúltera, ele evocava as almas superiores e com o dedo traçava na areia a resposta a dar, do mesmo modo que nos nossos dias o médium, movido por força estranha, traça caracteres na ardósia.

  Estes factos são conhecidos, relatados, mas muitos outros, relacionados com esta troca assídua com o invisível, permaneceram ignorados dos homens, mesmo daqueles que o cercavam.

  As relações do Cristo com o mundo dos Espíritos afirmam-se pelo amparo constante que do Além recebia o mensageiro divino.

  Por vezes, apesar da sua coragem, da abnegação que inspiram todos os seus actos, perturbado pela grandeza da tarefa, ele eleva a alma a Deus; ora, implora novas forças e é atendido. Um grandioso sopro lhe bafeja a mente. Sob um impulso irresistível, ele reproduz os pensamentos sugeridos; sente-se reconfortado, socorrido.

  Nas horas solitárias, os seus olhos distinguem letras de fogo que exprimem as vontades do céu; (vii) soam vozes aos seus ouvidos, trazendo-lhe resposta às suas ardentes preces. São a transmissão directa dos ensinos que deve divulgar, são preceitos regeneradores para cuja propagação baixara à Terra. As vibrações do pensamento supremo que animam o Universo lhe são perceptíveis e lhe incutem esses eternos princípios que espalhará e que jamais se hão de apagar da memória dos homens. Ele percebe melodias celestes e os seus lábios repetem as palavras escutadas, sublimes revelações, mistério ainda para muitos seres humanos, mas para ele a confirmação absoluta dessa constante protecção e das intuições que lhe provêm dos mundos superiores.

  E quando essa grande vida terminou, quando se consumou o sacrifício, depois que Jesus foi pregado na cruz e baixou ao túmulo, o seu Espírito continuou a afirmar-se através de novas manifestações. Essa alma poderosa, que em nenhum túmulo poderia ser aprisionada, aparece aos que na Terra havia deixado tristes, desanimados e abatidos. Vem dizer-lhes que a morte não é nada. Com a sua presença lhes restitui a energia, a força moral necessária para cumprirem a missão que lhes foi confiada.

  As aparições do Cristo são conhecidas e tiveram numerosos testemunhos. Apresentam analogias flagrantes com as que nos nossos dias são observadas em diversos graus, desde a forma etérea, sem consistência, com que aparece a Maria Madalena e que não suportaria o mínimo contacto, até à completa materialização, tal como a pôde verificar Tomé, que tocou com a sua própria mão as chagas do Cristo. (viii) Daí esse contraste nas palavras de Jesus: “Não me toques” – diz ele a Madalena – ao passo que convida Tomé a pôr um dedo nos buracos dos cravos: “Chega também a tua mão e mete-a em mim”.

  Jesus aparece e desaparece instantaneamente. Entra numa casa com as portas fechadas. Em Emaús conversa com dois dos discípulos, que não o reconhecem e, desaparece repentinamente. Encontra-se de posse desse corpo fluídico, etéreo, que há em todos nós, corpo subtil que é o invólucro inseparável de todas as almas e que um alto Espírito como o seu soube dirigir, modificar, condensar, rarefazer à vontade. (ix) E a tal ponto o condensa, que se torna visível e tangível aos assistentes.

  As aparições de Jesus depois da morte são mesmo a base, o ponto capital da doutrina cristã e foi por isso que São Paulo disse: “Se o Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé.” O Cristianismo não é uma esperança, é um facto natural, um facto apoiado no testemunho dos sentidos. Os apóstolos não acreditavam só na ressurreição; estavam convencidos dela.

  E é por esta razão que a sua prédica adquiria aqueles tons veementes e penetrantes, que incutia uma convicção robusta. Com o suplício de Jesus o Cristianismo era ferido em pleno coração. Os discípulos, consternados, estavam prestes a se dispersarem.

  O Cristo, porém, lhes apareceu e a sua fé tornou-se tão profunda que, para a confessar, afrontaram todos os suplícios. As aparições do Cristo depois da morte asseguraram a persistência da ideia cristã, oferecendo-lhe como base todo um conjunto de factos.

  A verdade é que os homens lançaram a confusão sobre estes fenómenos, atribuindo-lhes um carácter miraculosoO milagre é uma postergação das leis eternas fixadas por Deus, das obras que são da sua vontade e, seria pouco digno da suprema Potência exceder da sua própria natureza e variar nos seus decretos.

  Jesus, conforme a Igreja, teria ressuscitado com o seu corpo carnal. Isso é contrário ao texto primitivo do Evangelho. As aparições repentinas, com mudanças de forma, que se produzem em lugares fechados, não podem ser senão manifestações espíritas, fluídicas e naturais. Jesus ressuscitou, como ressuscitaremos todos, quando o nosso espírito abandonar a prisão de carne.

  Em Marcos e Mateus e, na descrição de Paulo (l Coríntios, XV), estas aparições são narradas do modo mais conciso. Segundo Paulo, o corpo do Cristo é incorruptível; não tem carne nem sangue. Esta opinião procede da mais antiga tradição. A materialidade só veio mais tarde, com Lucas. A narrativa complica-se então e é enfeitada com particularidades maravilhosas, no intuito evidente de impressionar o leitor. (x)

  Este modo de ver, como em geral toda a teoria do milagreresulta de uma falsa interpretação das leis do Universo. O mesmo acontece com a ideia do sobrenatural, que corresponde a uma concepção deficiente da ordem do mundo e das normas da vida. Na realidade, nada existe fora da Natureza, que é a obra divina na sua majestosíssima expansão. O erro do homem provém da acanhada ideia que ele faz da Natureza e das formas da vida, limitadas para ele à esfera traçada pelos seus sentidos. Ora, os nossos sentidos apenas abrangem uma porção muitíssimo restrita do domínio das coisas. Além destes limites que eles nos impõem, a vida desdobra-se sob aspectos ricos e variados, sob formas subtis, quintessências, que se graduam, se multiplicam e renovam até ao infinito.

  A este domínio do invisível pertence o mundo fluídico, povoado pelos Espíritos dos homens que viveram na Terra e se despojaram do seu invólucro grosseiro. Subsistem eles sob essa forma subtil de que acabamos de falar, forma ainda material posto que etérea, porque a matéria afecta muitos estados que não nos são familiares. Essa forma é a imagem, ou antes, o esboço dos corpos carnais que estes Espíritos animaram nas suas vidas sucessivas. Eles passam, mas a forma permanece, como a alma, de que é o organismo indestrutível.

  Os Espíritos ocupam posições diferentes em harmonia com a sua elevação moral. A sua irradiação, o brilho, o poder, são tanto maiores quanto mais alto houverem subido na escala das virtudes, das perfeições e, quanto maior tiver sido a sua dedicação em servir à causa do bem e da Humanidade. São estes seres, ou Espíritos, que se manifestam em todas as épocas da História e em todos os lugares, tendo como intermediários sensitivos especialmente dotados e que, conforme os tempos, se chamaram adivinhos, sibilas, profetas ou médiuns.

  As aparições que assinalam os primeiros tempos do Cristianismo, como as épocas bíblicas mais longínquas, não são fenómenos isolados, mas a manifestação de uma lei universal, eterna, que presidiu sempre às relações entre os habitantes dos dois mundos, o mundo da matéria grosseira, a que pertencemos e, o mundo fluídico invisível, povoado pelos Espíritos dos que denominamos, tão impropriamente, de mortos. (xi)

  Foi apenas em época recente que esta ordem de manifestações pôde ser estudada pela Ciência. Graças às observações de numerosos sábios, a existência do mundo dos Espíritos foi positivamente estabelecida e as leis que o regem foram determinadas com certa precisão.

  Conseguiu reconhecer-se a presença, em cada ser humano, de um duplo fluídico que sobrevive à morte, no qual foi reconhecido o envoltório imperecível do Espírito. Este duplo, que já se desprende durante o êxtase e o sono, que se transporta e opera à distância durante a vida, torna-se, depois da separação definitiva do corpo carnal e, de um modo mais completo, o instrumento fiel e o centro das energias activas do Espírito.

  Mediante este invólucro fluídico é que o Espírito preside a tais manifestações de além-túmulo, que já não são segredo para ninguém, desde que comissões científicas lhe estudaram os múltiplos aspectos, chegando a pesar e fotografar os Espíritos, como o fizeram W. Crookes com o Espírito de Katie KingRussell Wallace e Aksakof com os de Abdullah e John King. (xii)

  É provável que o dom das línguas, conferido aos apóstolos, oferecesse analogias com o fenómeno que, sob o nome de xenoglossia, actualmente conhecemos. A força ódica de Reichenbach e a matéria radiante explicam a auréola dos santos; as chamas ou “línguas de fogo”, que apareceram no dia de Pentecostes, reproduzem-se hoje em dia nos factos comunicados ao Congresso Espiritualista de 1900 pelo Doutor Bayol, senador pelo Distrito das Bocas do Ródano, (xiii) e finalmente as visões dos mártires são fenómenos da mesma ordem que os no nosso tempo observados no momento da morte de certas pessoas. (xiv) Assim, também, o desaparecimento do corpo de Jesus do sepulcro em que fora depositado, pode explicar-se pela desagregação da matéria, observada há alguns anos em sessões de experimentação psíquica. (xv)

  Durante muito tempo os homens não viram nisso senão factos miraculosos, provocados pelo próprio Deus ou pelos seus anjos, opinião cuidadosamente alimentada pelos padres, a fim de impressionar a imaginação das massas e torná-las mais submissas ao seu poder.

  Nas Escrituras encontramos exemplos frequentes dos erros de que foram objecto esses fenómenos. Em Patmos, João vê aparecer um génio que, a princípio, ele quer adorar, mas que lhe afirma ser o Espírito de um dos profetas seu irmão. (xvi) Neste caso, foi dissipado o erro; o Espírito deu a conhecer a sua personalidade; em quantos outros casos, porém, não foi ele mantido? É o mesmo que se dá com a intervenção, tão frequente, dos anjos da Bíblia. É preciso pormo-nos em guarda contra as tendências dos judeus e dos cristãos no sentido de atribuir a Deus e aos seus anjos fenómenos produzidos pelos Espíritos dos mortos e, a cujo respeito competia à nossa época fazer luz, restabelecendo-os na sua verdadeira categoria.

  Na época de Jesus, a crença na imortalidade estava enfraquecida. Os judeus encontravam-se divididos a respeito da vida futura. Os cépticos saduceus aumentavam em número e influência. Chegado Jesus. Torna mais amplas as vias de comunicação entre o mundo terrestre e o mundo espiritual. Aproxima a tal ponto os invisíveis dos humanos, que eles se podem corresponder novamente. Com mão possante levanta o véu da morte e surgem visões do âmago da sombra; no meio do silêncio fazem-se ouvir vozes; e essas visões e essas vozes vêm afirmar ao homem a imortalidade da vida.

  O Cristianismo primitivo afecta, pois, este carácter particular de ter aproximado as duas humanidades, a terrestre e a celeste; tornou mais intensas as relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Efectivamente, em cada grupo espírita, as pessoas se entregavam a evocações; havia médiuns falantes, inspirados, de efeitos físicos, como está escrito no capítulo XII da primeira epístola de Paulo aos Coríntios. Então, como hoje, certos sensitivos possuíam o dom da profecia, o dom de curar, o de expelir os maus Espíritos. (xvii)

  Na Epístola citada, S. Paulo fala também do corpo espiritual, imponderável, incorruptível:

  “O homem é colocado na terra como um corpo animal e, ressuscitará como um corpo espiritual; do mesmo modo que há um corpo animal, há um corpo espiritual.” (I Coríntios, XV, 44)

  Fora um fenómeno espírita, a aparição de Jesus no caminho de Damasco, o que havia feito de S. Paulo um cristão; (xviii) Paulo não conhecera o Cristo e, no momento dessa visão, que decidiu do seu destino, bem longe estava de se encontrar preparado para a sua ulterior tarefa. “Respirando sempre ameaças de morte contra os discípulos do Senhor”, munido contra eles de ordens de prisão, seguira para Damasco a fim de os perseguir. Neste caso, não cabe invocar, como a respeito dos apóstolos se poderia fazer, um fenómeno de alucinação, provocado pela constante recordação do Mestre. Esta visão, ao demais, não foi isolada; em todo o curso subsequente de sua vida, Paulo entreteve assíduas relações com o invisível, particularmente com o Cristo, de quem recebia as instruções indispensáveis à sua missão. Ele mesmo diz que haure inspirações nos colóquios secretos com o filho de Maria.

/…
(ii) Ver nota complementar nº 6 ( link para aceder à nota).
(iii) Em hebraico, o verdadeiro sentido da palavra anjo, melach, é de mensageiro.
(iv) O dom de profecia não consistia simplesmente em predizer o futuro, mas, de um modo mais extenso, em falar e transmitir ensinos sob a influência dos Espíritos.
(v) Ver, quanto ao conjunto desses fenómenos, a nota complementar n° 7 ( link para aceder à nota), sobre "Os factos espíritas na Bíblia".
(vi) Jesus tinha escolhido discípulos, não entre homens instruídos, mas entre sensitivos e videntes, dotados de faculdades mediúnicas.
(vii) Estes pormenores, que talvez surpreendam o leitor, não são o produto da nossa imaginação. Foram-nos comunicados por um alto Espírito, cuja vida esteve envolvida com a do Cristo. O mesmo se dá em muitas passagens deste livro.
(viii) João, XX, 15-17 e 24-28.
(ix) Ver a nota complementar nº 9 ( link para aceder à nota), sobre "O perispírito ou corpo fluídico".
(x) Clemente de Alexandria (i) refere uma tradição que circulava ainda no seu tempo, segundo a qual João enterrara a mão no corpo de Jesus e o atravessara sem encontrar resistência. ("Jesus de Nazareth", por Albert Réville, 2°- vol., nota à pág. 470).
(xi) Ver as minhas outras obras, especialmente, "Depois da Morte" e "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade".
(xii) W. Crookes, "Pesquisas sobre os fenómenos espíritas"; Russell Wallace, "O moderno espiritualismo"; Aksakof, "Animismo e Espiritismo". Relativamente a uma série de fenómenos análogos e mais recentes, ver também Léon Denis, "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade", cap. XX.
(xiii) Ver, "No Invisível", "Espiritismo e Mediunidade", pág. 332.
(xiv) Ver a morte de Estevão: Actos, VII, 55 e 56.
(xv) Ver, "No Invisível", pág. 346.
(xvi) Apocalipse, XIX, 10.
(xvii) Apocalipse, XIX, 10.
(xviii) Idem.


Léon Denis (1846-1927) (i)Cristianismo e Espiritismo, Título Original em Francês; Léon Denis - Christianisme et Spiritisme, Librairie des Sciences Psychiques, Paris (1898). – Relações com os Espíritos dos Mortos, 5 (I de II), 6º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel)

terça-feira, 28 de novembro de 2023

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas)

(por Léon Denis)

Chegamos agora a uma ordem de manifestações que se produzem à distância sem o concurso dos órgãos, tanto em vigília quanto no sono. Esses fenómenos, conhecidos pelo termo um tanto genérico e vago de telepatia, não são, dissemos, actos doentios e mórbidos da personalidade, como certos observadores o têm acreditado, mas, pelo contrário, casos parciais, rebentos isolados da vida superior no seio da humanidade. Deve ver-se neles o primeiro aparecimento dos poderes futuros com que o homem terrestre será dotado. O exame desses factos levar-nos-á a reconhecer que o “eu” exteriorizado durante a vida e o “eu” que sobrevive após a morte são idênticos e representam dois aspectos sucessivos da existência de um único e mesmo ser.

A telepatia, ou projecção à distância do pensamento e mesmo da imagem do manifestante, faz-nos subir mais um degrau na escala da vida psíquica. Aqui, encontramo-nos na presença de um acto poderoso da vontade. A alma comunica-se a si própria, comunicando a sua vibração, o que demonstra à evidência que a alma não é um composto, uma resultante nem um agregado de forças, mas sim, pelo contrário, o centro da vida e da vontade, centro dinâmico que governa o organismo e lhe dirige as funções. As manifestações telepáticas não têm limites. O poder e a independência da alma nelas se revelam soberanamente, porque o corpo nenhum papel representa no fenómeno. É mais um obstáculo do que um auxílio. Produzem-se, por esse motivo, ainda com maior intensidade, depois da morte, como veremos a seu tempo.

“A auto-projecção, diz Myers(ii) é o único acto definido que o homem parece capaz de executar, tanto antes como depois da morte corporal.”

A comunicação telepática à distância foi estabelecida por experiências que se tornaram clássicas. Podemos citar as do Sr. Pierre Janet, hoje professor da Sorbonne e, do Dr. Gilbert, do Havre, no seu sujet Léonie que eles, de noite, a um quilómetro de distância, fazem vir ao seu encontro por meio de chamamentos sugestivos. (iii)

Desde então as experiências foram-se multiplicando com êxito constante. Apontemos apenas vários casos de transmissão de pensamento a grande distância.

Os Annales des Sciences Psychiques, Paris, 1891 (i), pág. 26, relatam uma experiência de transmissão mental de imagem, feita a 171 quilómetros de distância, de Paris a Ribemont (Aisne). Os operadores eram os Senhores Debaux e Léon Hennique.

Daily Express, de 17 de julho de 1903, refere notáveis ensaios de troca de pensamentos, que se efectuaram nos escritórios da Review of Reviews, em Norfolk Street, Strand, Londres. Essas experiências eram fiscalizadas por uma comissão de seis membros, da qual faziam parte o Dr. Wallace, de Harley Street, 39 e, o eminente escritor W. Stead. As mensagens telepáticas foram enviadas pelo Sr. Richardson, de Londres e, recebidas pelo Sr. Franck, de Nottingham, a uma distância de 110 milhas inglesas.

Finalmente, o Banner of Light, de Boston, no seu número de 12 de agosto de 1905, informa-nos que uma americana, a Sra. Burton Johnson, de Des Moines, conquistou recentemente o recorde nesse género de transmissão. Sentada no seu quarto do Hotel Vitória, recebeu quatro vezes mensagens telepáticas de Palo Alto (Califórnia), que fica à distância de três mil milhas. Trata-se, diz o jornal, de factos devidamente comprovados, rigorosamente fiscalizados e que não deixam subsistir quaisquer dúvidas.

A transmissão dos pensamentos e das imagens opera-se, dissemos, indistintamente, tanto durante o sono, como no estado de vigília. Já expusemos vários casos; serão encontrados outros, em grande número, nas obras especiais. Mencionemos, por exemplo, o de um médico chamado telepaticamente durante a noite e o de Agnés Paquet, citados por Myers(iv) Acrescentemos o caso da Sra. Elgee, que, estando no Cairo, teve a visão de um amigo que, naquele mesmo momento, em Inglaterra, pensava nela ardentemente. (v)

“Nos últimos dias de sua vida, a minha mãe via-me muitas vezes junto de si, em Tours, conquanto eu andasse então muito longe dali, em viagem pelo oriente da França.”

Todos estes fenómenos podem ser explicados pela projecção da vontade do manifestante, que evoca no percipiente a própria imagem do agente.

Nos casos a seguir, veremos a personalidade psíquica, a alma, destacar-se completamente do invólucro corpóreo e aparecer na sua forma de fantasma. A esse respeito são inúmeros os testemunhos.

Relatamos noutra obra (vi) os resultados dos inquéritos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres. Permitiram eles que se recolhessem cerca de mil casos de aparições, à distância, de pessoas vivas, apoiados por atestados de alto valor. Os testemunhos foram consignados em muitos volumes, sob a forma de autos. Foram assinados por homens de ciência pertencentes a academias ou a diversos corpos científicos. Entre estes nomes figuram os de GladstoneBalfour, etc.

Atribui-se, geralmente, a estes fenómenos, carácter subjectivo; mas essa opinião não resiste a um exame atento. Certas aparições foram vistas sucessivamente, por várias pessoas, nos diferentes andares de uma casa; outras impressionaram animais, como cães, cavalos, etc. Em certos casos, os fantasmas actuam sobre a matéria, abrem portas, deslocam objectos, deixam indícios no pó que cobre os móveis; ouvem-se vozes, que dão informações a respeito de factos ignorados, sendo mais tarde essas informações reconhecidas como exactas.

No número destes casos devemos incluir o da Senhora Hawkins, cujo fantasma foi visto simultaneamente por quatro pessoas e do mesmo modo; (vii) as visões de Mac-Alpine, de Carrol, Stevenson; (viii) a de um marinheiro que, estando a velar junto de um camarada moribundo, viu aparecer uma família inteira de fantasmas, trajando luto; (ix) o caso de Clerk em que o irmão moribundo apareceu a uma negra que nunca o conhecera. (x)

Na França, foram recolhidos numerosos factos da mesma natureza e publicados pelos Annales des Sciences Psychiques, do Dr. Dariex e do Prof. Charles Richet e por Camille Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos.

Vamos citar um caso recentíssimo. Os grandes jornais de Londres, o Daily Express, o Evening News, o Daily News, de 17 de maio de 1905, o Umpire, de 14 de maio, etc., narram a aparição, em plena sessão do Parlamento, na Câmara dos Comuns, do fantasma de um deputado, o Major Sir Carne Rasch, retido nesse momento em casa por causa de uma indisposição. Três outros deputados atestam a realidade da manifestação. Sir Gilbert Parker exprime-se da seguinte maneira: (xi)

“Eu queria tomar parte no debate, mas esqueceram-se de me chamar. Quando voltava para o meu lugar, dei com os olhos em Sir Carne Rasch sentado perto do seu lugar do costume. Como sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe: “Estimo que esteja melhor”; mas ele não deu nenhuma resposta, o que me causou admiração. A fisionomia do meu amigo estava muito pálida. Ele estava sentado, quieto, com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura. Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne, ele havia desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo no vestíbulo; mas Rasch não estava lá; ninguém aí o vira...

O próprio Sir Carne não duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo, por causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto.”

No “Daily News” de 17 de maio de 1905, Sir Arthur Hayter junta o seu testemunho ao de Sir Gilbert Parker. Diz que ele também não só viu Sir Carne Rasch, como chamou a atenção de Sir Henry Campbell Bannerman para a sua presença na Câmara.

A exteriorização, ou desdobramento, do ser humano pode ser provocada pela acção magnética. Fizeram-se experiências que tornam impossível a dúvida. O paciente, adormecido, desdobra-se e vai produzir, à distância, actos materiais.

Citamos o caso do magnetizador Lewis. (xii) Em outras circunstâncias semelhantes foi a aparição fotografada. Aksakof, na sua obra Animismo e Espiritismo, cita três desses casos; outros factos análogos foram observados pelo Capitão Volpi e por W. Stead, director do Borderland.

No caso Istrati e Hasdeu – este último senador da Romania – a forma desdobrada do professor Istrati impressionou placas fotográficas, à noite, à distância de 50 quilómetros do lugar onde estava o seu corpo adormecido. Assim, a objectividade da alma, com a sua forma fluídica manifestando-se em pontos afastados daquele onde o corpo se encontra em descanso, está demonstrada de maneira positiva e não pode ser contestada seriamente.

Ao demais, basta consultar a História para se reconhecer que o passado está cheio de factos deste género. Os fenómenos de bilocação dos vivos são frequentes nos anais religiosos. O passado não é menos rico em narrações e testemunhos a respeito dos Espíritos dos mortos e essa abundância de afirmações, essa persistência através dos séculos são bem próprias para indicar que, no meio das superstições e dos erros, alguma coisa de realidade deve existir.

Com efeito, a comunicação e manifestação à distância entre Espíritos encarnados (i) conduzem, lógica e necessariamente, à comunicação possível entre Espíritos encarnados e desencarnados. A esse respeito, assim se expressa Myers: (xiii)

“Nós podemos impressionar-nos reciprocamente à distância e, se os nossos Espíritos encarnados podem assim actuar, de maneira independente do organismo carnal, há nisto uma presunção favorável à existência de outros Espíritos independentes dos corpos e susceptíveis de nos impressionarem do mesmo modo.”

Os habitantes do espaço têm facultado muitas provas experimentais da lei da comunhão universal na fraca e estreita medida em que na Terra ela pode ser verificada com rigor.

Devemos apontar, entre outros factos, a experiência da Sociedade de Pesquisas de Londres, à qual o mundo sábio é devedor de tantas descobertas no domínio psíquico. Estabeleceu ela um sistema de permutas de pensamentos entre os Estados Unidos e a Inglaterra, simplesmente com a ajuda de dois médiuns em transe, que serviram para transmitir uma mensagem de um Espírito para o outro Espírito. A mensagem consistia em quatro palavras latinas e o latim era língua que os médiuns não conheciam.

Esta experiência foi feita sob a vigilância e fiscalização do Prof. Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque e, foram tomadas todas as precauções necessárias para serem evitadas as fraudes. (xiv)

Quando se estuda, nos seus diversos aspectos, o fenómeno da telepatia, as visões gerais que daí resultam aumentam pouco a pouco e somos levados a reconhecer nele um processo de comunicação de alcance incalculável. A princípio, esse fenómeno foi-nos apresentado como uma simples transmissão, quase mecânica, de pensamentos e imagens entre dois cérebros; mas o fenómeno vai revestir as formas mais variadas e impressionantes. Depois dos pensamentos vêm as projecções, à distância, dos fantasmas dos vivos, as dos moribundos e, finalmente, sem que nenhuma solução de continuidade interrompa o encadeamento dos factos, as aparições dos mortos, quando o vidente, na maior parte dos casos, nenhum conhecimento tem do falecimento das pessoas que aparecem. Há aí uma série contínua de manifestações, que se vão graduando nos seus efeitos e concorrem para demonstrar a indestrutibilidade da alma.

A acção telepática não conhece limites; vence todos os obstáculos e liga os vivos da Terra aos vivos do espaço, o mundo visível aos mundos invisíveis, o homem a Deus; une-os da maneira mais estreita, mais íntima.

Os meios de transmissão que ela nos revela constituem a base das relações sociais entre os Espíritos, o seu modo usual de permutarem as ideias e as sensações. O fenómeno que na Terra se chama telepatia não é outra coisa senão o processo de comunicação entre todos os seres pensantes na vida superior e a oração é uma das suas formas mais poderosas, uma das suas aplicações mais elevadas e mais puras. A telepatia é a manifestação de uma lei universal e eterna.

Todos os seres, todos os corpos trocam vibrações. Os astros exercem influência através das imensidades siderais; do mesmo modo, as almas, que são sistemas de forças e focos de pensamentos, impressionam-se reciprocamente e podem comunicar-se a todas as distâncias. (xv) A atracção estende-se às almas como aos astros; atrai-os para um Centro comum, eterno e divino. Uma dupla relação se estabelece. As suas aspirações sobem para ele na forma de apelos e orações. E, sob a forma de graças e inspirações, descem os socorros.

Os grandes poetas, escritores, artistas, os sábios e os puros conhecem esses impulsos, essas inspirações súbitas, esses clarões de génio que iluminam o cérebro como relâmpago e parecem provir de um mundo superior, cuja grandeza e inebriante beleza reflectem, ou então são visões da alma. Num arrojo extático ela vê entreabrir-se esse mundo inacessível, percebe-lhe as radiações, as essências, as luzes.

Tudo isso nos demonstra que a alma é susceptível de ser impressionada por meios diferentes dos órgãos, que ela pode recolher conhecimentos que excedem as faculdades humanas e provêm de uma causa espiritual. Graças a esses clarões, a esses relâmpagos, ela entrevê, na vibração universal, o passado e o futuro; percebe a génese das formas, formas de arte e pensamento, de beleza e santidade, da qual perenemente derivam formas novas, numa variedade inesgotável como o manancial de onde emanam.

Consideremos estas coisas sob um ponto de vista mais directo; vejamos as suas consequências no meio terrestre. Já pelos factos telepáticos se acentua a evolução humana. O homem conquista novos poderes psíquicos que lhe permitirão, um dia, manifestar o seu pensamento a todas as distâncias, sem intermediário material. Esse progresso constitui um dos mais magníficos estádios da humanidade para uma vida mais intensa e livre. Poderá ser o prelúdio da maior revolução moral que se tenha realizado no nosso Globo. Dessa forma seria realmente vencido, ou consideravelmente atenuado, o mal.

Quando o homem já não tiver segredos, quando se lhe puder ler no cérebro os pensamentos, ele já não se atreverá a pensar no mal e, por conseguinte, a fazer o mal. Assim, a alma humana elevar-se-á sempre, subindo pela escala dos desenvolvimentos infinitos. Tempos virão em que a inteligência há de predominar cada vez mais, desembaraçando-se da crisálida carnal, estendendo, afirmando o seu domínio sobre a matéria, criando com os seus esforços meios novos e mais amplos de percepção e manifestação. Apurando-se, por sua vez, os sentidos, verão eles ampliar-se-lhes o círculo de acção. O cérebro humano tornar-se-á um templo misterioso, de vastas e profundas naves, cheias de harmonias, vozes e perfumes, instrumento admirável ao serviço de um Espírito que se tornou mais subtil e poderoso.

Ao mesmo tempo em que a personalidade humana, alma e organismo, a pátria terrestre se transformará. Para que se opere a evolução do meio é preciso que primeiramente se efectue a evolução do indivíduo. É o homem que faz a humanidade e esta, por sua acção constante, transforma a morada daquele. Há equilíbrio absoluto e relação íntima entre o moral e o físico. O pensamento e a vontade são a ferramenta, por excelência, com a qual tudo podemos transformar em nós e à nossa volta.

Tenhamos apenas pensamentos elevados e puros; aspiremos a tudo o que é grande, nobre e belo. Pouco a pouco sentiremos regenerar-se o nosso próprio ser e, com ele, do mesmo modo, todas as camadas sociais, o globo e a humanidade! E, em nossa ascensão, chegaremos a compreender e praticar melhor a comunhão universal que une todos os seres. Inconsciente nos estados inferiores da existência, essa comunhão torna-se cada vez mais consciente, à medida que o ser se eleva e percorre os graus inumeráveis da evolução, para chegar, um dia, ao estado de espiritualidade em que cada alma, irradiando o brilho das potências adquiridas nos impulsos do seu amor, vive da vida de todos e a todos se sente unida na obra eterna e infinita.

/…
(ii) F. Myers (i) - La Personnalité Humaine, pág. 250.
(iii) Ver Bulletin de la Société de Psychologie Physiologique, I, pág. 24.
(iv) Phantasms of the living, I, 267. Proceedings, VII, págs. 32 e 35.
(v) Idem, II, 239.
(vi) Ver Depois da Morte, 3ª parte; e No Invisível, cap. XI.
(vii) Phantasms of the Living, II, 18.
(viii) Proceedings, X. 332, Phantasms of the Living, II, 96 e 100.
(ix) Phantasms of the Living, II, 144.
(x) Phantasms of the Living, II, 61.
(xi) The Umpire de 14 de maio de 1905, reprodução feita pelos Annales des Sciences Psychiques (i), julho de 1905.
(xii) Revue Scientifique du Spiritisme, fevereiro de 1905, pág. 457.
(xiii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 25.
(xiv) Pode ler-se a narração desse facto na Daily Tribune, de Chicago, 31 de outubro de 1904, e nos Proceedings da S.P.R.
(xv) Sir William Crookes (i), num discurso na British Association em 1898, sobre a lei das vibrações, declara que ela é a lei natural que rege “todas as comunicações psíquicas”. Parece que a telepatia até se estende aos animais. Existem factos que indicam uma comunicação telepática entre homens e animais. Ver, nos Annales des Sciences Psychiques, agosto de 1905, págs. 459 e seguintes, o estudo bem documentado de E. Bozzano (i)Perceptions Psychiques et les Animaux.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VI – Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas), 7º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)