a evolução do pensamento ~
Uma lei, já o dissemos, rege a evolução do pensamento, como
a evolução física dos seres e dos mundos; a compreensão do universo,
desenvolve-se com o progresso do espírito humano.
Essa compreensão geral do universo e da vida, foi expressa
de mil maneiras, sob mil formas diversas no passado. Ela é-o hoje, em termos
mais amplos e
sê-lo-á, sempre com mais amplitude,
à medida que a humanidade for subindo, os degraus da sua ascensão.
A Ciência, vê alargar-se sem cessar, o seu campo de
exploração. Todos os dias, com auxílio dos seus poderosos instrumentos de
observação e análise, descobre novos aspectos da matéria, da força e
da vida; mas o que esses instrumentos verificam, já há muito tempo o
espírito discernira, porque o voo do pensamento, precede sempre e
excede os meios de acção da ciência positiva. Os instrumentos nada seriam sem
a inteligência, a vontade que os dirige.
A Ciência é incerta e mutável, renova-se sem cessar. Os seus
métodos, teorias e cálculos, com grande custo arquitectados, desabam perante
uma observação mais atenta ou uma indução mais profunda, para dar lugar a novas
teorias, que não terão maior estabilidade. (i) A teoria
do átomo indivisível, por exemplo, que há dois mil anos servia
de base à Física e à Química, é actualmente qualificada como hipótese e
puro romance pelos
nossos químicos mais eminentes.
Quantas decepções análogas não têm demonstrado, no passado,
a fraqueza do espírito científico, que só chegará à realidade
quando se elevar acima da miragem dos factos materiais para estudar-lhe as
causas e as leis!
Foi dessa maneira que a Ciência pôde determinar os
princípios imutáveis da Lógica e das matemáticas. Não sucede o mesmo nos outros
campos de investigação. Na maior parte das vezes, o sábio, para eles leva os
seus preconceitos, tendências, práticas rotineiras, todos os elementos de uma
individualidade acanhada, como se pode verificar no domínio dos
estudos psíquicos, principalmente na França, onde até agora poucos sábios
houve suficientemente corajosos e suficientemente ilustrados para seguirem a estrada já
amplamente traçada pelas mais belas inteligências de outras nações.
Não obstante, o espírito humano avança passo a passo no
conhecimento do ser e do universo; o nosso saber, quanto à força e à matéria,
modifica-se dia a dia; a individualidade humana revela-se com aspectos
inesperados. À vista de tantos fenómenos verificados experimentalmente, em
presença dos testemunhos que de toda a parte se acumulam, (ii) nenhum
espírito perspicaz pode continuar a negar a
realidade da outra vida, a esquivar-se às consequências e às responsabilidades que
ela acarreta.
O que dizemos da Ciência poder-se-ia, igualmente, dizer das
filosofias e das religiões que se têm sucedido através dos séculos. Constituem
elas outros tantos estádios ou trechos percorridos pela humanidade, ainda
criança, elevando-se a planos espirituais cada vez mais vastos e que se ligam
entre si. No seu encadeamento, essas crenças diversas nos aparecem como o
desenvolvimento gradual do ideal divino, que o pensamento reflecte, com tanto
mais brilho e pureza quanto mais delicado e perfeito se vai tornando.
É essa a razão pela qual as crenças e os conhecimentos de um
tempo ou de um meio parecem ser, para o tempo ou o meio onde reinam, a
representação da verdade, tal qual a podem alcançar e
compreender os homens dessa época, até que o desenvolvimento das suas faculdades
e consciências os tornem capazes de perceber uma forma mais elevada, uma
radiação mais intensa dessa verdade.
Sob esse ponto de vista, o próprio feiticismo, apesar dos
seus ritos sangrentos, tem uma explicação. É o primeiro balbuciar da alma infantil,
ensaiando-se para soletrar a linguagem divina e fixando, em traços grosseiros,
em formas apropriadas ao seu estado mental, a concepção vaga, confusa,
rudimentar de um mundo superior.
O Paganismo representa uma concepção mais
elevada, posto que mais antropomórfica. Nele os deuses são semelhantes aos homens, têm todas as suas paixões, todas as
suas fraquezas; mas, agora, a noção do ideal se aperfeiçoa com a do bem. Um
raio de beleza eterna vem fecundar as civilizações no berço.
Mais acima, vem a ideia cristã, essencialmente feita
de sacrifício e abnegação. O paganismo grego era a
religião da Natureza radiosa; o Cristianismo é a da humanidade sofredora,
religião das catacumbas, das criptas e dos túmulos, nascida na perseguição e na
dor, conservando o cunho de sua origem. Reacção necessária contra a sensualidade pagã,
tornar-se-á ela, pelo seu próprio exagero, impotente para vencê-la, porque, com
o cepticismo,
a sensualidade renascerá.
O Cristianismo, na sua origem, deve ser considerado
como o maior esforço tentado pelo mundo invisível para
comunicar ostensivamente com a nossa humanidade. É, segundo a expressão
de F. Myers, “a primeira mensagem autêntica
do Além”. Já as religiões pagãs eram ricas em fenómenos ocultos de toda a
espécie e de factos de adivinhação; mas a ressurreição, isto é, as aparições
do Cristo materializado, depois de ter morrido, constituem a
mais poderosa manifestação de que os homens têm sido
testemunhas. Foi o sinal de uma entrada em cena do mundo dos Espíritos, entrada
que, nos primeiros tempos cristãos, se produziu de mil maneiras. Dissemos em
outro lugar (iii) como e por que pouco a pouco foi descendo de
novo o véu do Além e o silêncio se fez, salvo para alguns privilegiados:
videntes, extáticos, profetas.
Assistimos hoje a uma nova florescência do
mundo invisível na História. As manifestações do Além, de passageiras e
isoladas, tendem a converter-se em permanentes e universais. Entre os dois
mundos desdobra-se um caminho, a princípio simples carreiro, estreita senda,
mas que se alarga, melhora pouco a pouco e, que se tornará estrada larga e
segura. O Cristianismo teve como ponto de partida fenómenos de natureza
semelhante aos que se verificam nos nossos dias, no domínio das ciências
psíquicas. É por esses factos que se revelam a influência e a acção de um mundo
espiritual, verdadeira morada e pátria eterna das
almas. Por meio deles se rasga um claro azul na vida infinita. Vai renascer
a esperança nos corações angustiados e a humanidade vai
reconciliar-se com a morte.
As religiões têm contribuído poderosamente para
a educação humana; têm oposto um freio às
paixões violentas, à barbaria das idades de ferro e, gravado fortemente a noção
moral no íntimo das consciências. A estética religiosa criou
obras-primas em todos os domínios; teve parte activa na
revelação da arte e da beleza que prossegue pelos séculos fora. A arte grega criara
maravilhas; a arte cristã atingiu o sublime nas catedrais
góticas que se erguem, bíblias de pedra sob o céu, com as suas altaneiras
torres esculpidas, as suas naves imponentes, cheias das vibrações dos órgãos e
dos cantos sagrados, as suas altas ogivas, de onde a luz desce em ondas e se
derrama pelos afrescos e pelas estátuas; mas o seu papel está a terminar,
visto que, actualmente, ou se copia a si mesma, ou, exausta, entra
em descanso.
O erro religioso, principalmente o católico, não
pertence à ordem estética, que não engana; é de ordem lógica.
Consiste em encerrar a Religião em dogmas estreitos, em moldes rígidos.
Enquanto o movimento é a própria lei da vida, o Catolicismo imobilizou o
pensamento, em vez de provocar-lhe o voo.
Está na natureza do homem, exaurir todas
as formas de uma ideia, ir até aos extremos, antes de prosseguir o curso normal
da sua evolução. Cada verdade religiosa, afirmada por um inovador, enfraquece-se
e altera-se com o tempo, por serem quase sempre incapazes, os discípulos, de se
manterem à altura a que o Mestre os atraíra. Desde esse momento a doutrina
torna-se uma fonte de abusos e provoca pouco a pouco um
movimento contrário, no sentido do cepticismo e da negação. À fé cega, sucede a
incredulidade; o materialismo, faz a sua obra e somente quando ele mostra toda
a sua impotência na ordem social é que se torna possível uma renovação
idealista.
Correntes diversas – judaica, helénica, gnóstica –
misturam-se e chocam-se, desde os primeiros tempos do Cristianismo, na esteira
da religião nascente; declaram-se cismas. Sucedem-se rupturas, conflitos, no
meio dos quais, o pensamento do Cristo se vai pouco a pouco velando e
obscurecendo.
Mostrámos (iv) quais as alterações, as
acomodações sucessivas de que foi objecto a doutrina cristã na sucessão dos
tempos. O verdadeiro Cristianismo, era uma lei de amor e
liberdade, as igrejas fizeram dele, uma lei de temor e escravidão.
Daí o se afastarem, gradualmente, da igreja os pensadores; daí o
enfraquecimento do espírito religioso.
Com a perturbação que invadiu os espíritos e as
consciências, o materialismo ganhou terreno. A sua moral, que
pretende foros de científica, que proclama a necessidade da luta pela vida, o
desaparecimento dos fracos e a selecção dos fortes, reina hoje, quase como
soberana, tanto na vida pública, quanto na vida privada. Todas as actividades
se aplicam à conquista do bem-estar e dos gozos
físicos. Por falta de preparação moral e
de disciplina,
a alma perde as suas energias; insinuam-se por toda a parte o
mal-estar e a discórdia, na família e na nação. É, dizíamos, um período de
crise. Não obstante as aparências, nada morre; tudo se transforma e renova. A
dúvida, que assedia as almas na nossa época, prepara o caminho para as
convicções de amanhã, para a fé inteligente e esclarecida, que
há de reinar no futuro e estender-se a todos os povos, a todas as raças.
Embora jovem e dividida pelas necessidades de território, de
distância, de clima, a humanidade começou a ter consciência de
si mesma. Acima e fora dos antagonismos políticos e religiosos, constituem-se
agrupamentos de inteligências. Homens preocupados com os mesmos problemas,
aguilhoados pelos mesmos cuidados, inspirados pelo Invisível, trabalham numa
obra comum e procuram as mesmas soluções. Pouco a pouco vão aparecendo,
fortificando-se, aumentando, os elementos de uma ciência psicológica e de uma
crença universais. Um grande número de testemunhas imparciais, vê nisso o
prelúdio de um movimento do pensamento, tendendo a abranger todas as sociedades
da Terra. (v)
A ideia religiosa, acaba de percorrer o seu ciclo inferior e
vão-se desenhando os planos de uma espiritualidade mais elevada. Pode dizer-se
que, a Religião é o esforço da humanidade para comunicar com a Essência
eterna e divina. É essa a razão,
pela qual haverá sempre religiões e cultos, cada vez mais liberais e conformes
às leis superiores da Estética, que são a expressão da harmonia
universal. O belo, nas suas regras mais elevadas, é uma lei divina e, as suas
manifestações em relação com a ideia de Deus, revestirão forçosamente um carácter religioso.
À proporção que o pensamento se vai aperfeiçoando, missionários de
todas as ordens vêm
provocar a renovação religiosa no seio da humanidade. Assistimos ao prelúdio de
uma dessas renovações, maior e mais profunda que as precedentes. Já não
tem somente homens
por mandatários e intérpretes, o que tornaria a nova dispensação tão precária
como as outras. São os Espíritos inspiradores, os génios do espaço,
que exercem ao mesmo tempo a sua acção, em toda a superfície do Globo e em
todos os domínios do pensamento. Sobre todos os pontos, aparece um novo
espiritualismo.
Imediatamente surge a pergunta: “Que és tu, ciência ou
religião? Espíritos de pouco alcance, credes então que o pensamento há de
seguir eternamente os carreiros abertos pelo passado?!”
Até aqui, todos os domínios intelectuais, têm
permanecido separados uns dos outros, cercados de barreiras,
de muralhas – a Ciência de um lado, a Religião do outro. A Filosofia e a
Metafísica, estão eriçadas de silvas impenetráveis. Quando tudo é simples,
vasto e profundo, no domínio da alma como no do universo, o espírito de sistema
tudo complicou, apoucou, dividiu. A Religião foi emparedada no sombrio ergástulo dos dogmas e dos mistérios; a Ciência foi enclausurada, nas mais baixas camadas
da Matéria. Não é essa a verdadeira religião, nem a verdadeira ciência.
Bastará, nos elevemos acima dessas classificações arbitrárias, para
compreendermos que tudo se concilia e reconcilia numa visão mais alta.
A nossa ciência, posto que elementar, quando se entrega ao
estudo do espaço e dos mundos, não provoca, desde logo e imediatamente, um
sentimento de entusiasmo, de admiração quase religiosa? Lede as obras dos
grandes astrónomos, dos matemáticos de génio. Dir-vos-ão que o universo é
um prodígio de
sabedoria, de harmonia, de beleza e, que já na penetração das leis
superiores se realiza a união da
Ciência, da Arte e da Religião, pela visão de Deus, na sua obra. Chegado a
essas alturas, o estudo, converte-se em contemplação e o pensamento em prece!
O Espiritualismo moderno, vai acentuar, desenvolver, essa
tendência, dar-lhe um sentido mais claro e mais rigoroso. Pelo lado
experimental, ainda não é mais do que uma ciência; pelo objectivo das suas
investigações, penetra nas profundezas invisíveis e eleva-se até aos mananciais
eternos, donde dimanam, toda a força e
toda a vida. Por essa forma, une o homem ao Poder Divino e torna-se uma
doutrina, uma filosofia religiosa. É, além disso, o laço que reúne,
as duas humanidades. Por ele, os Espíritos prisioneiros na carne e os que estão
livres, chamam e respondem uns aos outros. Entre eles, estabelece-se uma
verdadeira comunhão.
Cumpre, pois, não ver nele uma religião, no sentido
restrito, no sentido actual, dessa palavra. As religiões do nosso tempo, querem
dogmas e sacerdotes e, a doutrina nova não os comporta; está
patente, a todos os investigadores.
O espírito de livre crítica, exame e verificação preside às suas investigações.
Os dogmas e os sacerdotes, são necessários e sê-lo-ão por muito
tempo ainda, às almas jovens e
tímidas, que todos os dias penetram, no círculo da vida terrestre e não se
podem reger por si, nem analisar, as suas necessidades e sensações.
O Espiritualismo moderno,
dirige-se principalmente às almas desenvolvidas,
aos espíritos livres e emancipados, que querem por si mesmos, encontrar a
solução dos grandes problemas e, a fórmula do seu Credo.
Oferece-lhes uma concepção, uma interpretação das verdades e das leis
universais, baseada na experiência, na razão e no ensino dos Espíritos.
Acrescentai a isso, a revelação dos deveres e das responsabilidades, única condição que dá base sólida, ao nosso instinto de justiça; depois, com
a força moral, as satisfações do coração, a alegria de
tornar a encontrar, pelo menos com o pensamento, algumas vezes até com a forma, (vi) os seres amados que julgávamos
perdidos. À prova da sua sobrevivência, junta-se a certeza de irmos ter com
eles e com eles, reviver vidas inumeráveis, vidas de ascensão, de felicidade ou
de progresso.
Assim, se esclarecem, gradualmente, os problemas mais
obscuros, entreabre-se o Além; o lado divino dos seres e das
coisas se revela. Pela força, desses ensinamentos, a alma humana cedo ou tarde
subirá e, das alturas a que chegar, verá que tudo se liga, que as
diferentes teorias, contraditórias e hostis na aparência, não são mais do que
aspectos diversos, de um mesmo todo. As leis do majestoso universo,
resumir-se-ão, para ela, numa lei única, numa força ao mesmo tempo inteligente e consciente, modo de
pensamento e acção. Por ela encontrar-se-ão ligados, numa mesma unidade
poderosa, todos os mundos, todos os seres, associados numa mesma harmonia,
arrastados para um mesmo fim.
Dia virá, em que todos os pequenos sistemas acanhados e
envelhecidos, se fundirão numa vasta síntese, abrangendo todos os reinos da
ideia. Ciências, filosofias, religiões, divididas hoje, reunir-se-ão na luz e
será então a vida, o esplendor do espírito, o reinado do Conhecimento.
Nesse acordo, magnífico, as ciências fornecerão a precisão e
o método na ordem dos factos; as filosofias, o rigor das suas
deduções lógicas; a Poesia, a irradiação das suas luzes e
a magia das suas cores; a Religião, juntar-lhes-á as qualidades do sentimento
e a noção da estética elevada. Assim, se realizará a beleza na
força e na unidade do pensamento. A alma orientar-se-á para os mais altos
cimos, mantendo ao mesmo tempo, o equilíbrio de relação necessário para regular
a marcha paralela e ritmada da inteligência e da consciência
na sua ascensão, para a conquista do bem e da verdade.
/…
(i) O Professor Charles Richet assim o reconhece: “A Ciência nunca
deixou de ser uma série de erros e aproximações, elevando-se constantemente
para constantemente cair com rapidez tanto maior quanto mais elevado é o seu
grau de adiantamento.” (Anais das Ciências Psíquicas, Janeiro de 1905, pág.
15.)
(ii) Ver a minha obra No Invisível, (passim).
(iii) Ver Cristianismo e Espiritismo, cap. V.
(iv) Cristianismo e Espiritismo (1ª parte, passim).
(v) “Sir O.
Lodge, reitor da Universidade de Birmingham, membro da Academia Real, vê
nos estudos psíquicos o próximo advento da nova e mais livre religião (Annales des Sciences Psychiques, Dezembro de 1905, pág.
765.) Ver também Os fenómenos psíquicos, pág. 11, de Maxwell, advogado geral na Corte de Apelação de Paris.
(vi) Ver: No Invisível - “Aparições e materializações de
Espíritos”.
Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O
Problema do Ser, I A evolução do pensamento, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe),
de uma pintura atribuída a Josefina
Robirosa)
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