Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Victor Hugo e o invisível ~


PORQUÊ A CRÍTICA LITERÁRIA ESCONDE O PENSAMENTO ESPÍRITA DE VICTOR HUGO?

   A crítica literária dedicada à obra de Victor Hugo nunca se dignou referir as suas investigações mediúnicas. Sem dúvida, que a sua obra é como um relâmpago proveniente do invisível e só poderá realmente ser compreendida  à luz da filosofia espírita. É incompreensível que a crítica tema o conceito espírita do homem e da arte, posto que não são poucos os poetas que directa ou indirectamente se têm relacionado com a mediunidade. A crítica parece ignorar que uma interpretação mediúnica da arte daria lugar a uma melhor compreensão do próprio fenómeno surrealista, que tantas vinculações possui com o fenómeno mediúnico. O surrealismo na ordem artística e literária está pois inspirado num neo-mediunismo cujas origens, apesar dos cuidados que teve André Breton em não os misturar com o mediunismo espírita, são similares às práticas kardecianas.

   A poesia e a mediunidade estão intimamente ligadas. O verdadeiro poeta é sempre um médium nos seus momentos de inspiração poética. Fazer pois do poeta um simples obreiro da pena seria desconhecer o que é a beleza como expressão do homem espiritualizado. O poeta, como repentista, está sujeito a transes especiais pelos quais se podem alcançar as mais belas manifestações poéticas. O poeta não é um escritor cerebral; ao contrário, o poeta está sempre exposto ao transe poético, o que não ocorre quando as letras são cultivadas como simples ofício. A crítica literária, dominada por antigos juízos, não se dispõe a reconhecer na obra de Victor Hugo uma inspiração proveniente do mundo invisível. Considera que um Victor Hugo espírita diminuiria o valor do grande poeta da França. Sem dúvida, a crítica terá de evoluir para o reconhecimento do fenómeno mediúnico se deseja na realidade compreender a verdadeira essência do génio poético e artístico. Os factos que estão a produzir-se actualmente a obrigarão a despojar-se de toda a prevenção contra o mediunismo. O génio poético foi sempre de natureza mediúnicaA beleza é uma contínua infiltração do invisível no visível. Por isso, uma poesia sem mediunidade não será mais que um esqueleto; donde, a crítica literária equivoca-se ao se deixar dominar por juízos intelectuais e não reconhecer o aspecto mediúnico da obra poética de Victor Hugo. Aqui estamos frente ao génio, que será sempre um mistério enquanto se recusar penetrá-lo por meio do que hoje se chama o homem psi ou mediúnico.


O ADVENTO DA LITERATURA MEDIÚNICA E ESPÍRITA

   A obra literária de Victor Hugo – pode dizer-se – é a origem da aparição da literatura espírita e mediúnica. Esta nova corrente nada terá de raro se nos recordarmos de escolas como a dadaísta, cubista, ultraísta, surrealista, romântica e existencialista, baseadas noutros recursos estéticos supranormais. A literatura mediúnica difere dessas correntes ao basear-se numa nova visão do homem e do universo. E mais, a literatura espírita mediúnica apresenta duas notáveis modalidades: uma baseada na criação inspirada e outra puramente mediúnica. Ambas respondem ao mesmo fim espiritual, social e religioso. Victor Hugo, iluminado pelos tripés da ilha de Jersey, acentuou de tal maneira a sua criação literária que poetas e escritores europeus, especialmente espanhóis, trataram de seguir as suas geniais pegadas. Salvador Sallés, o grande poeta espírita, autor do livro Rumo ao Infinito, deu origem a uma poesia realmente existencial. Com o seu poema ''En la noche de difuntos'', a poesia espírita se apresenta como uma nova esperança para o ser quando diz:

?Por qué las lentas campanas
clamam dolientes a muerto
si de! fúnebre concierto
las vibraciones son vanas?
Cese en la regiôn vacia
ese lamento profundo:
desde el principio dei mundo
nadie ha muerto todavia;
nadie en tan larga jornada
sufrió tan misera suerte:
no ha muerto más que la muerte,
no ha muerto más que la nada.

   Esta poesia espírita que chegou a comover espiritualmente poetas como Antonio Hurtado, Miguel Giménez Eieto, Vicente Neria, Krainfort de Nínive e até o próprio Núñez de Arce produziu em Espanha dos fins do século XIX obras de grande valor literário e filosófico. Mas foi pela psicografia mediúnica que se obtiveram obras preciosas no fundo e na forma como Marietta y Estrella, Páginas de dos existencias, escrita por Daniel Suárez Artazu. Sobre a mesma o filósofo espírita espanhol, Quintín Lopez Gómez, disse que era a obra literária "mais bela recebida mediunicamente em idioma espanhol".

   Em toda a Espanha espiritualista dos fins do século passado a filosofia espírita produziu obras de grande valor estético e literário, especialmente na poesia e filosofia. Mas, o que realmente comoveu os críticos opositores ao Espiritismo foi a monografia de Ernesto Bozzano intitulada Literatura do além-túmulo, onde as obras criticadas foram escritas por escritores médiuns. Na América do Sul este tipo de literatura tem produzido obras poéticas consideráveis. O psicógrafo brasileiro, Francisco Cândido Xavier, deu à publicidade livros de poemas como Parnaso de Além-Túmulo, Antologia dos Imortais e outros títulos de não menos importância, que desconcertaram os críticos literários. O caso dos escritos mediúnicos de Humberto de Campos, notável escritor brasileiro, resultou em litígio jurídico ante os tribunais, em razão das reclamações da viúva do escritor, que acreditou que o seu esposo havia sido vítima de roubo de originais ao comprovar a grande similitude de estilo nos escritos recebidos por Francisco Cândido Xavier.

   Os críticos e os juristas brasileiros viram-se na necessidade de arquivar o processo, porquanto qualquer decisão resultaria tendenciosa. Se condenassem o médium por roubo de originais estariam  a cometer um grande erro moral e jurídico considerando a sua vida limpa e honrada, e se aprovassem os seus escritos como mediúnicos estariam reconhecendo que os mortos vivem e são capazes de transmitir o seu pensamento filosófico e estético aos médiuns. O certo é que a mediunidade literária de Francisco Cândido Xavier é um verdadeiro expoente das bases da literatura espírita e mediúnica. Monteiro Lobato disse que se os poemas de Parnaso de Além-Túmulo fossem de Francisco Cândido Xavier, este poderia ocupar quantas cadeiras quisesse na Academia Brasileira de Letras.

   Outra escritora-médium de nacionalidade irlandesa foi Geraldine Cummins, que recebeu páginas ao estilo religioso e evangélico que comoveram a crítica teológica e literária internacional. A sua obra, Escritos de Cleófas, foi reconhecida como uma ampliação suplementar para maior conhecimento do livro Os Actos dos Apóstolos, contido no Novo Testamento. Foi considerada uma obra mediúnico-literária de verdadeiro valor histórico e como "crónica sagrada" complementar de Actos dos Apóstolos, que nos chegaram mutilados em algumas partes, consequência da perseguição aos primeiros cristãos (ver Literatura do Além-Túmulo, de Ernesto Bozzano).

   Este livro mediúnico chamou a atenção do célebre escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle e de destacadas personalidades católicas. Além disso, nesse mesmo período brilhante para as letras mediúnicas apareceram escritores-médiuns como Willian Sharp e Hester Dowen, que receberam as partes não concluídas de trabalhos de Oscar Wilde e comédias póstumas deste mesmo autor. Seguiram na Patience Worth, entidade desencarnada que, segundo os críticos anti-espíritas era ''uma fracção da personalidade da médium", conceito que ela assim contestou: "Quem ousa sustentar que sou uma parte da imaginação da médium? Quem ousa dizer que uma grande intelectualidade é filha da imaginação de uma pequena intelectualidade? A voz de quem proclama este absurdo cairá sem eco. Que venha e que me una à médium se lhe apraz; o futuro di-lo-á tonto.

   "Que pequena é a sua pena! A minha é de ouro e está molhada na sabedoria antiga. Não canto por cantar, mas para que o meu canto permaneça. A ideia de apresentar-me como uma fracção da harpa vivente que eu emprego equivale a distribuir a crianças livros, crânios, espadas, vinho e sacramentos para que se divirtam. Vede, toco a harpa vivente e ela responde vibrando em uníssono com a voz da sabedoria antiga''.

   Não existe neste ditado mediúnico um estilo parecido com o pensamento de Victor Hugo? Não se deduz que a autêntica mediunidade literária possui expressões que fazem pensar no génio?

   Este fenómeno literário-mediúnico que ocorria na época não muito distante da presente contribuiu notavelmente para o desenvolvimento deste novo aspecto da literatura no campo internacional da filosofia espírita.

   Vamos referir-nos agora a um volume que colaborou de forma brilhante na luta contra a escravidão na América do Norte. Falamos dessa genial novela chamada A Cabana do Pai Tomaz que, segundo a sua autora, Harriet Beecher-Stowe, não foi escrita por ela, mas que Deus a escreveu através de sua inspiração mediúnica.

   Entre esses médiuns poetas e escritores cabe mencionar o psicógrafo italiano Héctor Bernardini, de dez anos de idade, que recebeu em menos de seis meses 314 tercetos, "nos quais descreve, segundo disse o escritor Mariano D' Aragona, à luz da moderna razão, as penas transitórias do além-túmulo, sobre a base da revelação espírita, corrigindo assim as impressões vertidas na sua obra de seis séculos atrás". Logo acrescentou: "Os 314 tercetos ditados ao médium de dez anos são de tão formosa feitura poética e num todo similares ao estilo trecentesco do divino vate, que deixaram perplexos e desorientados os mais modernos estudiosos do classicismo. Os tercetos foram publicados em Nápoles, em 1904, em edição de escassos exemplares que foram disputados por insignes escritores, sem outra posterior edição porque o tempo maduro (assim disseram alguns) para nova revelação só recentemente está a penetrar na consciência humana".

   Esta reaparição mediúnica de Dante Alighieri é da mesma natureza da que Victor Hugo obteve através desta entidade espiritual chamada A Sombra do Sepulcro, que disse: "Subi ao Sinai e me entendereis no fulgor dos relâmpagos... Ascendei ao Gólgota e me vereis nos raios. Eu sou a realidade".

   O doutor Santiago Smith, presidente da Sociedade Dantesca de Londres, no último decénio do século passado obteve inequívocas comunicações mediúnicas com o grande poeta florentino, que possuíam o mesmo estilo poético e profundo. A revista Luce e Ombra, de Milão, publicou uma relação referente a tão extraordinário acontecimento literário, a qual conclui com esta declaração do excelso poeta: ''Enquanto escuto as invocações da terra, cultivo no meu pensamento uma segunda Divina Comédia''.

   A literatura mediúnica é, como se pode ver, uma nova realidade espiritual, que vem ampliar o campo das letras. Se na literatura e nas artes não se operar um renascimento sobre a base do génio mediúnico, ou seja, na relação com o mundo dos espíritos, a alma do homem acabará por afogar-se nos abismos aterradores do niilismo e do nada. O médium-poeta e escritor é uma necessidade moral e existencial nos tempos modernos; sem ele a criação literária se converterá num jogo de palavras vazias e áridas.

   Victor Hugo sentiu na sua época a necessidade do génio literário-mediúnico, razão porque se ufanou ao dar à cultura universal obras de raiz supranormal, que nunca serão esquecidas. Experimentou um real e vivo contacto com o mundo invisível que, lamentavelmente, a crítica literária não quer considerar nem reconhecer. Mas o seu elevado espírito está agora gravitando sobre as almas predispostas para isso que foi chamado "o outro lado das coisas". O seu canto espiritual está a chegar à terra através da mediunidade do homem e das vozes misteriosas do vento, do trovão e do mar.

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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, PORQUÊ A CRÍTICA LITERÁRIA ESCONDE O PENSAMENTO ESPÍRITA DE VICTOR HUGO? / O ADVENTO DA LITERATURA MEDIÚNICA E ESPÍRITA, 13º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VIII

Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (III)

   Ora, aquilo que tantas religiões ensinaram e ensinam ainda e, que tantos pensadores, antigos e modernos, discerniram por meio da reflexão profunda, o Espiritismo acaba de demonstrar pela experiência. Ele tem para si não somente o testemunho universal do mundo dos espíritos, que se levanta de todos os pontos do globo e sobre o qual falaremos mais adiante, mas ele já reuniu um conjunto de factos comprovantes dos quais vamos citar alguns.

   Notemos, inicialmente, que um ser suficientemente evoluído, quando o estado normal da consciência e o estado subconsciente estão em equilíbrio, isto é, atingem uma estabilidade perfeita, quando esse ser se desliga dos ambientes materiais, ele pode lembrar-se das vidas anteriores e perceber, por intuições profundas, suscitadas pelos espíritos desencanados, a forma das suas vidas passadas.

   Daí as lembranças de certos homens célebres, o reconhecimento dos lugares onde eles viveram. Por exemplo, o caso de Lamartine na sua viagem ao oriente, de Mery pela Índia e à Flórida e de tantos outros casos análogos que poderíamos lembrar.

   Mencionemos os testemunhos publicados (i) por certas revistas inglesas relativos às crianças hindus que, durante o período de crescimento, no decorrer do qual a incorporação da alma não é completa, conservam o uso da memória subconsciente e a lembrança das suas vidas passadas.

   Casos análogos não são raros no ocidente, mas não se lhes dá muita atenção, pois considera-se sempre, sem razão, as narrações infantis como imaginárias.

   Às vezes, me pedem para dar as razões pelas quais creio nas minhas vidas anteriores e as provas pessoais que possuo. Para isso basta me recolher e, nas horas de calma e de silêncio, interrogar as camadas profundas da minha memória, para aí encontrar alguns vestígios do meu passado. Se eu me dedico a uma análise severa e rigorosa do meu carácter, dos meus gostos, das minhas faculdades, reconstituo o encadeamento das causas e dos efeitos, por meio dos quais se formou a minha personalidade, o “eu” consciente através dos tempos.

   O detalhe dos acontecimentos me foi comunicado pelos meus guias, porquanto a minha clarividência não atinge tão longe. É precisamente esse rigoroso exame interior que serve de verificação e de controlo, porque nele eu encontro a confirmação e a prova da exactidão das revelações feitas e que compreendem os nomes, as datas, as identidades recolhidas nas minhas pesquisas bibliográficas.

   Com esse método de estudos, o que não se pode obter no estado de vigília pode provocar-se pela exteriorização completa do “eu” no estado hipnótico; é o que, frequentemente, pude realizar com a minha excelente médium, Sra. Forget. Sob a influência magnética do guia, ela reconstituía as suas personalidades anteriores com atitudes, linguagem e um conjunto de detalhes que lhe teria sido impossível imaginar.

   É preciso notar, entretanto, que os resultados obtidos, através da sua natureza íntima, não podem interessar e convencer a não ser aos experimentadores. Mas raros são os homens do nosso tempo que se dispõem a fazer essas pesquisas. A sua vida é toda exterior e eles ignoram os recursos ocultos na alma. Existe aí toda uma psicologia misteriosa que é preciso explorar com extrema prudência e que reserva aos pesquisadores avisados, grandes surpresas.

   As experiências realizadas por Albert de Rochas, administrador da Escola Politécnica de Paris, e relatadas no seu livro As Vidas Sucessivas, foram contestadas; entretanto, não se teria razão de rejeitá-las no seu todo, porque, se em certos casos a superstição foi evidente, noutros elas apresentavam um aspecto real de sinceridade. Assim parece ser o caso de Joséphine, a moça de Voiron (Isère), que, adormecida por de Rochas, se encontrava na sua personalidade anterior de Claude Bourdon, habitante, outrora, de uma aldeia do Departamento de Ain, onde Joséphine nunca estivera. Ali se encontrou o atestado de nascimento de Claude no registo da paróquia. Este facto foi enriquecido de muitos detalhes curiosos que constituem, no seu conjunto, bons elementos de autenticidade.

   Pode acrescentar-se a este caso o de Mayo, moça de Aix-en-Provence, que, transformando-se nas suas personalidades de outros tempos, revivia as cenas trágicas das suas vidas. Por exemplo, o estado de gravidez e de asfixia por imersão foram constatados pelo Dr. Bertrand, prefeito de Aix, convencido de que esses estados não podiam ser simulados por uma pessoa de 18 anos. Deve ver-se neste caso, como alguns pensam, a revelação de uma lei fisiológica pouco conhecida, uma correlação do físico e do mental que abre o caminho a investigações de uma nova ordem, a descobertas biológicas de uma alta importância? Seja como for, esses factos vêm confirmar as nossas asserções a propósito do poder do pensamento sobre os fluidos e sobre a própria matéria concreta.

   Um fenómeno mais complexo ainda, pela variedade de formas que envolve, é a reencarnação, na mesma família, da pequena Alexandrine, filha do Dr. Samona, de Palermo, que voltou uma segunda vez após uma morte prematura. Encontram-se nesse caso todas as particularidades morais e físicas muito características da sua curta vida precedente. Alexandrine conta muitas lembranças dessa existência, por exemplo uma excursão a Montreal, onde ela encontrou sacerdotes gregos vestidos de vermelho, o que é pouco comum na Sicília.

   Este segundo nascimento, anunciado antes pela manifestação de espíritos, ainda que considerado pelos parentes como impossível, por causas patológicas, realizou-se no dia marcado. Esses factos apoiam-se sobre uma série de atestados de testemunhas e de amigos que relataram todas as fases desse fenómeno.

   Hoje (1927) Alexandrine tem 13 anos, escreveu Gabriel Delanne na sua última obra Documentos para servir ao estudo da Reencarnação, (ii) e pode acompanhar-se, através dessa moça, todo o desenvolvimento das primícias indicadas pelos espíritos.

   Não podemos enumerar aqui todos os casos de reencarnação anunciados de antemão, todos os fenómenos de lembranças de vidas anteriores, com crianças e adultos, e os casos relativos à regressão hipnótica de lembranças.

   Mas, independentemente dos factos de ordem experimental, à nossa volta, quantas anomalias anunciados não são explicadas pela noção das anterioridades; em muitas fisionomias nós poderíamos ler a demonstração disso. Essas mulheres de corpos pesados, de gestos masculinos, esses homens de maneiras efeminadas, que todos nós conhecemos, não são eles os espíritos que mudaram de sexo ao se reencarnarem? No meio do povo, a despeito da lei da hereditariedade, todas essas inteligências, esses talentos, até esse génio, que surgissem entre famílias, de preferência materiais e grosseiras, não são eles a manifestação de trabalhos e aptidões anteriores? O mesmo problema se relaciona a esses temperamentos delicados e apurados, vindos de pessoas rudes e não evoluídas.

   Pelo contrário, entre certos anarquistas, fomentadores de greves, ávidos de subversão e de desordem, não se reconhecem os antigos burgueses egoístas, condenados a renascer entre aqueles que eles exploravam outrora e aos quais um vago instinto torna a sua nova situação insuportável? E quantos outros contrastes, extravagâncias inexplicáveis na aparência, se esclarecem pela lei dos renascimentos. Pode reconhecer-se César em Napoleão, Virgílio em Lamartine, Vercingétorix no general Desaix. Certos espíritos ainda acrescentam: Pompeu em Mussolini.

   Há individualidades que reaparecem no decorrer dos séculos, de tal modo que se pode reconhecê-las pela originalidade dos caracteres que se formam com a nitidez de uma efígie, como o perfil de uma medalha antiga.

   Mas não insistamos, pois que estas comparações poderiam ser a fonte de muitos abusos. Devido a essa hipertrofia do “eu”, que é uma doença tão espalhada, muita gente seria tentada a ver em si a reencarnação de alguma celebridade da antigamente.

   A cada renascimento, o véu da carne recai sobre a memória subconsciente, o acúmulo de lembranças submerge nas profundezas do ser. Só há excepção para certos casos de crianças e de pessoas evoluídas que podem exteriorizar as suas faculdades psíquicas, como nós vimos anteriormente. Mas, para a generalidade dos humanos, o esquecimento das vidas anteriores é uma regra e, talvez, um benefício da natureza, porque, nos mundos inferiores e atrasados, como naquele em que nós habitamos, o panorama das vidas primárias está longe de ser reconfortante para as almas, muito mescladas de angústias, de impressões dolorosas e humilhantes, de pesares supérfluos, cuja intensidade paralisaria sempre a nossa acção, enfraqueceria a nossa iniciativa, pois que nós aqui voltamos para resgatar e para evoluir. O detalhe dos acontecimentos torna-se inútil e o que importa é conhecer a grande lei que religa todas as nossas existências e as torna solidárias umas com as outras.

   Essa concepção palingenésica parece oferecer-nos o remédio indispensável para o estado de espírito de muitos de nossos contemporâneos. Com efeito, uma brisa de pessimismo sopra em certos momentos sobre o nosso país. Chega até a duvidar-se do futuro da França, da possibilidade do seu reerguimento, semeando assim o desânimo entre as almas. Esse pessimismo é o fruto mórbido do cepticismo materialista que corrói, desde há um século, a sociedade contemporânea. A nossa literatura tem, em parte, a responsabilidade.

   Escreve-se muito na nossa época, mas, entre os autores, a maioria não sente que é uma honra temível falar às massas ignorantes e impressionáveis. Esses escritores não parecem conhecer este vasto mundo invisível que nos envolve e que nos domina, nem essas imensas reservas de forças e de almas que, pela reencarnação, vêm incessantemente alimentar, entreter e renovar as correntes da vida humana. Eis por que este estudo da reencarnação se impõe, pois sem ela não se pode resolver nenhum dos problemas relativos à vida e à evolução dos seres e das sociedades.

   De acordo com os elementos que a reencarnação nos fornece, o nível moral se baixa ou se eleva. Quando ela traz sobre o nosso globo os contingentes dos mundos inferiores, a perturbação se acentua e a humanidade parece recuar. Mas, também, pela reencarnação, nas horas de angústia, indivíduos poderosos podem surgir para dirigir em caminhos mais seguros os passos hesitantes da caravana em marcha.

   É isso que ocorre, neste momento, no nosso país. Os espíritos evoluídos e outros de uma ordem elevada vêm aqui tomar lugar, por meio de renascimentos, com a finalidade de regeneração. Esse movimento vai continuar, dizem os nossos instrutores invisíveis, e em vinte anos poder-se-á assistir a uma obra de reedificação dos povos ocidentais e, particularmente da França.

   Não se deve desesperar. Os prognósticos sombrios, os julgamentos pessimistas, os temores e os alarmes são provenientes de uma concepção insuficiente da existência à qual uma ciência rotineira impõe os limites reduzidos da nossa curta duração e do nosso pequeno globo, enquanto que, na realidade, a vida possui recursos infinitos, visto que ela se desenrola no seio dos espaços de onde ela inspira, estimula e fecunda a vida terrestre.

   Se a nossa literatura, a nossa filosofia e a nossa política continuam a se inspirar em regras de uma ciência limitada e envelhecida; se uma compreensão geral da vida evolutiva e de suas leis não vem penetrar, impregnar, transformar a alma humana, haverá menos esperança de se ver mudar a situação moral e social do nosso país. É, sobretudo, a noção de uma única vida que alterou tudo, obscureceu tudo e tornou incompreensível a evolução do ser e da justiça de Deus.

   Se a vida terrestre fosse também restrita, os nossos estudos e progressos estariam perdidos, para o indivíduo e para a humanidade, enquanto que, pela reencarnação, tudo se perpetua e tudo se renova. Nós trabalhamos para todos e, consequentemente, trabalhamos para nós mesmos. Assim, nada se perde, os indivíduos e as gerações são solidários entre si, solidários através dos séculos.

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(i) Ver estudo ordenado pelo Marajá de Bhartpur e confiado ao Dr. Rao Bahadur que o realizou com uma perfeita consciência científica; a revista Kàlpaka publicou quatro casos circunstanciados e detalhados de lembranças de vidas passadas em crianças. Ver Revue de Métapsychique de Paris, Julho e Agosto, 1924.
(ii) Editado em português, pela FEB, sob o título A Reencarnação. (N.T.)



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo VIII Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (3 de 5) 26º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

o grande desconhecido ~


O Sexo e a Genética no | Espiritismo

Falar em sexo é falar em moral, porque o sexo se tornou, na cultura religiosa, o pivô de todos os sistemas morais. Nas civilizações agrárias e pastoris o problema sexual, embora carregado pelos tabus da selva, não se deixou esmagar por essa carga. A moral das primeiras civilizações revelou-se, de maneira geral, muito aberta em relação ao sexo, chegando mesmo a encará-lo como sagrado. Na remota Suméria e mesmo nas civilizações teocráticas a era fálica desenvolveu-se de maneira espantosa. O falo, ou, como dizia Rilke, o membro da geração, era objecto de culto religioso. O acto sexual era considerado sagrado. Podemos ver na Bíblia que a civilização agrária judaica foi, durante os primeiros tempos, bastante liberal no tocante ao sexo. Mas na proporção em que as questões de linhagem e direitos sucessórios exigiram disciplinação, o sexo foi sendo encarado com progressivas suspeitas.

Na Grécia e na Roma arcaicas a licença sexual chegou ao extremo das festas religiosas em homenagem aos deuses da sensualidade e da fecundidade. Por todo o Antigo Oriente o culto sexual dominou amplamente, aprimorando-se as cerimónias do sexo com requintes dionisíacos na China, no Japão, na Arábia, na Pérsia... Técnicas requintadas ainda subsistem actualmente em vários países, servindo para o incentivo do comércio turístico e pesando favoravelmente na balança de exportações. Os ritos da virilidade produziram em Esparta a prática oficial e obrigatória do homossexualismo na educação dos adolescentes, com repercussões acentuadas em Atenas, na Pérsia e em Roma. Na época de Sócrates o problema era encarado com ambivalência, como verificamos no Banquete de Platão. Mas ainda nessa época os gregos chegaram a organizar, como relata Werner Jaeger, um exército de andrógenos para conquistar Siracusa, partindo da ideia de que os amantes não se acovardavam quando juntos e queriam brilhar aos olhos uns dos outros. Episódio que mostra a plurivalência do sexo nas culturas clássicas.

No Cristianismo o sexo caiu em desgraça. Nem mesmo os tópicos bíblicos altamente sensuais puderam salvá-lo. Os cristãos caíram no complexo de castração. O sexo transformou-se em pecado mortal e a Igreja instituiu o celibato obrigatório dos clérigos e restabeleceu a virgindade sagrada das vestais, do culto pagão da deusa Vesta. Em conflito com o próprio mandamento divino do crescei e multiplicai-vos, a geração tornou-se impura e as crianças não nasciam inocentes, mas maculadas pelo pecado original. O horror ao sexo provocou epidemias de crises místicas nos conventos e mosteiros, dando incremento às perversões sexuais e aos delírios de histeria. Os íncubos e súcubos, demónios pervertidos, atacavam os padres e as freiras nos dormitórios sagrados, levando-os a pecados horrendos e a penitências e cilícios que geravam explosões satânicas de masoquismo. A asfixia das fontes biológicas da espécie custava tão caro que os clérigos tiveram de apelar à hipocrisia e à mentira. Bispos criaram taxas especiais para que os clérigos pudessem socorrer-se às escondidas, escapando aos delírios do sexo com a compra de autorizações eclesiásticas para pecar sem perigo para a pureza suposta das almas.

E todas essas loucuras, que perduram ainda, se repercutiram por todo o mundo em atrocidades de toda a espécie, perseguições e torturas, excomunhões e maldições, fogueiras assassinas, tudo ao canto das litanias piedosas, ao clamor diuturno das preces, no desespero e na angústia das famílias mutiladas, em nome do Cristo que salvara a mulher adúltera da lapidação dos hipócritas e transformara Madalena em santa, porque ela muito amara. O tempo passou, é verdade, mas as almas esmagadas perderam-se na revolta impotente, marcadas a fogo pela descrença em Deus e nos homens.

Não fazemos um libelo tardio, mas não se pode tratar dessas fases históricas com a indiferença dos cínicos. A lição do passado precisa gravar-se nas nossas mentes de maneira indelével, com as cores trágicas da loucura, para não cairmos de novo nas armadilhas da arrogância e da ferocidade selvagem que continuam armadas em nós mesmos. Seria um crime de lesa-humanidade ocultar essa verdade áspera. E mais ainda, seria uma traição ao futuro passar ao de leve sobre um problema tão grave, tão carregado de consequências que ainda continuam a ameaçar-nos. A herança tenebrosa corre ainda nas nossas veias. A peçonha da serpente edénica envenena o nosso sangue, e o seu sibilar remoto ainda cicia aos nossos ouvidos, incitando-nos à loucura de novas tentativas de santidade e pureza extremas, como se pudéssemos sair do barro da carne para elevar-nos, num segundo, à condição angélica. A pretensão da santidade, formal, feita de atitudes fictícias, de fanatismo bronco, de orgulho satânico, ainda empolgam os que se julgam melhores do que os outros. As duras lições do passado mostram-nos que só podemos aproximar-nos do Cristianismo através da humildade consciente e da simplicidade espontânea. Basta um grãozinho de orgulho, de pretensão a saberete ou santo, para perdermos o Cristo de vista e entrarmos na procissão dos anjos de asas de papel.

Espiritismo oferece-nos a última oportunidade de voltarmos a Cristo e reencontrarmos o seu ensino e o seu exemplo. Em todas as religiões cristãs exalta-se a importância do exemplo de Cristo, mas a própria instituição igrejeira, herdada do judaísmo e do paganismo, opõe-se brutalmente a qualquer assimilação da naturalidade cristã pelos adeptos. A erva daninha da vaidade pessoal e de grupo, asfixia com as suas folhas de urtiga as sementes do Semeador. A sumptuosidade das Federações e dos Centros Espíritas com instalações pomposas excitam a vaidade das pessoas simples que as integram com boas intenções, mas logo se embriagam com as posições que assumem, considerando-se autoridades doutrinárias e portanto capazes de ditar normas, estabelecer disciplina, fixar posições doutrinárias e exigir obediência e respeito. Convencidos de possuir um conhecimento superior, muito acima da fatuidade da sabedoria igrejeira e da ignorância espiritual dos sábios materialistascriaturas desprovidas de um mínimo de cultura geral julgam-se aptas a ensinar a Verdade e até mesmo de reformular a Doutrina com os dados supostos de suas precárias experiências. Não conseguem sequer assimilar os princípios espíritas, mas porque se tornaram figuras socialmente importantes nos quadros institucionais passam a falar grosso e a semear na seara o joio de suas especulações ilógicas. Nada mais desolador do que esse espectáculo de ignorância enfatuada, não raro dado por indivíduos de formação universitária mal assimilada, em que se apoiam nos seus títulos para sustentar o seu falso prestígio. A última novidade que se espalha no meio espírita é a mais velha de todas: a da castidade para homens e mulheres, a fuga ao sexo, esse instrumento do Diabo que é também o instrumento da criação, do povoamento da Terra pelas criaturas de Deus. Esses anjos assexuados que surgem agora, em revoadas místicas, no meio espírita, não são jejunos apenas em questões genéticas, mas também e principalmente em Espiritismo. Nada conhecem da poderosa síntese histórica e espiritual que Kardec nos deixou. Devem ter saído ontem de alguma sacristia medieval escondida num mosteiro de frades analfabetos do deserto, que para servir a Deus andavam descalços e em trapos, guardavam a sua sagrada ignorância como as vestais a sua virgindade sagrada, e não tomavam banho para terem a glória de morrer com cheiro de santidade, ou seja, de suor e sujeira no corpo desnutrido coberto de chagas.

No Espiritismo não há lugar para a volta à era fálica nem para o restabelecimento das castidades forçadas. Na sua natureza de síntese cultural, o Espiritismo coloca o problema sexual acima das antigas condições de ambivalência do sexo. O capítulo sobre a Lei de Reprodução em O Livro dos Espíritos é decisivo: a lei de reprodução é encarada como lei natural e humana, de ordem moral, correspondendo às exigências divinas da evolução dos seres, das raças e de toda a Humanidade. O celibato é condenado como fuga egoísta aos compromissos sociais, a menos que seja determinado por motivos graves. O sexo não é nem pode ser pecaminoso. A sua função é evidentemente necessária para o progresso dos espíritos. O que se condena é o excesso, o abuso e o aviltamento do sexo. Lei natural, estabelecida por Deus para todas as formas de vida, o sexo é o meio de transmissão da vida na sucessão das gerações. Nos reinos da Natureza, o vegetal, o animal e o hominal, o sexo é a garantia da continuidade da vida e o factor das reencarnações. As superstições anti-sexuais revelam estreiteza mental, tendência ao misticismo igrejeiro do passado, ao beatismo ignorante, ao masoquismo lúbrico e à necrofilia, ou seja, apego mórbido à morte. Esse é um problema bem conhecido em Psicologia e as suas consequências pertencem ao campo da Psiquiatria. Esse conjunto de elementos negativos produziu no passado religioso as mais estranhas manifestações de delírios pseudo-místicos e desequilíbrios de afectividade. Incontáveis casos de loucura e pseudo-possessões demoníacas brotaram dos conventos e mosteiros medievais pela prática forçada e criminosa de abstinências sexuais que, não raro, acabavam em perversões.

Os desvios da afectividade levam criaturas inocentes a imperceptíveis ligações amorosas com outras criaturas da mesma tipologia psicológica, chegando a extremos criminosos de perversão de crianças em internatos de rigor espartano, em cujo clima asfixiante as exigências biológicas fazem renascer as flores venenosas das práticas de Esparta. Em contrapartida, surgem também os casos de delírios senis em criaturas envelhecidas, que no declínio da vitalidade se tornam ridículas e perigosas, tentando reactivar as suas energias genéticas sem a compulsão das frustrações de toda uma vida em que esmagaram os seus impulsos afectivos. Já sem forças para sustentar as lutas disciplinares da mocidade contra os impulsos naturais, essas vítimas da ilusão religiosa são condenadas e julgadas como seres depravados que só então revelam o que são. É o duro preço pago pelos que não tiveram a coragem de escalar as encostas do Olimpo para roubar o fogo celeste de Zeus.

O mesmo acontece no tocante às condenações rigorosas contra as pessoas apegadas a hábitos comuns na sociedade, mas que o puritanismo espírita reprime em nome do bom conceito que os adeptos devem sustentar no meio social, uma imagem forçada, artificial e quase sempre insustentável. Os espíritas não constituem uma comunidade à parte no meio social, não podem e não devem isolar-se ou distinguir-se por atitudes ou comportamento especiais. Jesus podia ter nascido príncipe, como o Buda, ou podia nascer numa família abastada que o encaminhasse para o sacerdócio e as honras do rabinato. Preferiu a humildade de uma família pobre de Nazaré, pequena cidade de uma província desprezada pela sua numerosa população de gentios, e a condição inferior de carpinteiro. Viveu no meio do povo, convivendo com criaturas renegadas como os publicanos, cobradores de impostos, os soldados e centuriões romanos, os pescadores do Mar da Galiléia, os mercadores, os cegos e os leprosos (lixos do povo, desprezados por Deus, segundo as normas do Templo) com os fabricantes de azeite da região de Betânia, os pastores árabes da Transjordânia, sendo anunciado pelo profeta popular do Deserto, João Baptista, que se cobria com pele de animais. Comia com eles sem obedecer aos rituais fariseus, não respeitava as leis discriminatórias da pureza judaica, hospedava-se em casas impuras, conversava com samaritanos segregados, defendia em praça pública as mulheres adúlteras, para afinal morrer na cruz infamante entre ladrões, sob o peso da mesma condenação desses companheiros da hora extrema. Nesse convívio com o populacho atendia a todos, semeava as sementes do seu ensino em corações puros ou impuros, sem condená-los pela sua impureza convencional. Os espíritas, que desejam ser os Seus amigos e companheiros de hoje, não podem entregar-se a puritanismos discriminatórios, criando exigências formalistas para si mesmos e para os outros. O verdadeiro cristão é sal do mundo e precisa misturar-se na massa que deve salgar.

Espiritismo não criou igrejas, não precisa de templos sumptuosos e tribunas luxuosas com pregadores enfatuados. Não tem rituais, não dispensa bênçãos, não promete lugar celeste a ninguém, não confere honrarias em títulos ou diplomas especiais, não disputa regalias oficiais. A sua única missão é esclarecer, orientar, indicar o caminho da autenticidade humana e da verdade espiritual do homem. Se não compreendermos isso e nisso não nos integrarmos estaremos sendo pedras de tropeço para os que desejam realmente evoluir, não por fora, mas por dentro. E esse por dentro não quer dizer reforma, mas desenvolvimento das potencialidades do espírito. A teoria da reforma intima é um engodo que levou muitos companheiros aproveitáveis à vaidade adulteradora. Não há reforma para o que não se estraga. O espírito é o mesmo em todos e só necessita de uma coisa: desenvolvimento. Enquanto não desenvolver a sua capacidade de compreender, analisar, julgar, discernir e respeitar a verdade não terá condições para modificar-se por dentro. Mesmo porque essa modificação só pode acontecer pelo esforço pessoal de cada um. A expressão reforma intima é inadequada, pois implica a ideia de substituição de coisas, conserto, modificação em disposições internas, como numa casa ou numa loja. As disposições internas do espírito correspondem ao seu grau de evolução, como nos mostra a Escala Espírita de Kardec. O espírito é vida e não arranjo. O seu desenvolvimento depende de experiências, estudos, reflexão – tudo isso com mente aberta para a realidade e não fechada em esquemas artificiais. Ninguém se reforma nem pode reformar os outros. Mas todos podem superar as suas condições actuais, romper os limites em que a mente se fechou e transcender-se. Os modelos de figurino espiritual são inócuos e até mesmo prejudiciais. A responsabilidade espírita é individual, cada qual responde por si mesmo e não pode prender-se a supostos mestres espirituais.

Um espírita que se sujeita às lições de um mestre pessoal não é espírita, é um beato seguindo António Conselheiro. O despertar da consciência na experiência é o seu caminho único de progresso. Ele não confia em palavras, mas nos factos. Não busca a ilusão de uma salvação confessional, mas aprofunda-se no conhecimento doutrinário para saber por si mesmo onde pisa e para onde vai...

Os que precisam de mestres não confiam em si mesmos, fazem-se ovelhas de um rebanho. No Espiritismo não há rebanhos nem pastores: há trabalho a fazer, afinidades a estabelecer entre companheiros em pé de igualdade, toda uma batalha a vencer; há os pesados resíduos teológicos, supersticiosos e obscurantistas que esmagam a ingenuidade das massas. Espiritismo é uma tomada de consciência da responsabilidade do homem na existência, da sua liberdade e da sua transcendência. Os espíritas que ainda se alimentam de leite – como escreveu Paulo – precisam tratar de crescer e alimentar-se de coisas mais sólidas, consistentes.

O problema da Genética no Espiritismo refere-se ao princípio da reencarnação. Os críticos da Doutrina denunciam o suposto conflito entre a herança biológica e o controlo espiritual na formação do novo corpo. Entendem que o determinismo da hereditariedade cria dificuldades ao desenvolvimento do esquema programado para a nova encarnação. O temperamento e as condições biopsíquicas e biofisiológicas do nascituro não estariam sujeitos às exigências reencarnatórias das provas e expiações que o espírito teria de enfrentar na nova existência. Mas essas objecções decorrem do antigo conceito dualista do homem, com separação absoluta dos elementos corporais anímicos. A Ciência Espírita demonstrou que espírito e matéria se conjugam, como energia estruturadora e massa estruturável, subordinando-se, portanto, a matéria ao espírito. Segundo os princípios doutrinários, podemos colocar o problema genético na seguinte disposição no plano evolutivo:

a) simples acção de aglutinação das partículas materiais livres, dispersas no espaço, para a formação dos átomos e a seguir das estruturas atómicas do reino mineral;

b) complexa estruturação dos átomos na formação das moléculas no plano vital, para a produção das espécies do reino vegetal;

c) complexíssima elaboração dos elementos orgânicos, nos reinos anteriores, para a formação dos seres vivos;

d) transcendente elaboração dos resultados de todo esse processo no plano espiritual para a organização das formas matrizes e os seus centros de energias padronizadoras, para a organização das formas perispiríticas dos seres vivos e particularmente dos superiores, para a ligação espírito-matéria, em que o primeiro, como inteligência activa e criadora, exercerá as funções determinantes.

A espantosa intuição dos gregos já havia captado, no desenvolvimento do atomismo filosófico, particularmente entre os fisiólogos, como Leucipo e Demócrito, a existência dos átomos de fogo da alma e das homeomerías, modelos infinitesimais que se ligam para a produção das formas materiais. Essas homeomerías (do grego, homo – semelhante) seriam minúsculas partículas na forma do pé, do braço, da cabeça. e de cada membro a ser produzido. As pesquisas actuais no campo da Biologia comprovaram a existência dos centros padronizadores nos seres vivos. A perna da frente de um embrião de rato, deslocada para o lugar de uma perna traseira (e vice-versa) adquire, no desenvolvimento do animal, a forma de perna traseira. Assim, as homeomerías, que pareciam uma concepção fantasiosa e ingénua, revelam-se como símbolo dos centros padronizadores dos corpos dos seres vivos. Nas pesquisas soviéticas sobre o corpo bioplásmico (perispírito) ficou cientificamente provada a acção modeladora desse corpo sobre o desenvolvimento do corpo material humano.

Dessa maneira, ficou demonstrada a interferência de um poder maior do que o da hereditariedade na formação dos embriões humanos; o determinismo do código genético não pode ser considerado como absoluto e cego, estabelecido por leis mecânicas. A Inteligência Universal que responde pela estruturação de toda a realidade revela-se minuciosa na especificação da infinita variedade das coisas e dos seres. Não há, pois, nenhum conflito entre as forças naturais no processo da reencarnação. Por outro lado, a própria flexibilidade do processo da hereditariedade, há muito cientificamente constatada, que permite o aparecimento surpreendente de caracteres de ancestrais remotos em exemplares de gerações recentes, poderiam contestar as dúvidas dos críticos. Não se precisa ser especialista em Biologia para se compreender esse problema, cuja solução, em face da Doutrina Espírita, pertence ao campo da lógica. Por isso Kardec sustentava: “O Espiritismo é uma questão de bom senso”.

Essas questões de sexo e genética mostram claramente a posição científica do Espiritismo, que não apela jamais para explicações místicas ou soluções imaginosas dos problemas reais. É com os pés na realidade que o Espiritismo avança em todos os sentidos.

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José Herculano Pires, Curso Dinâmico de Espiritismo, (4) Sexo e Genética no Espiritismo, 5º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes, pintura em acrílico de Costa Brites)