Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Victor Hugo e o invisível ~


PORQUÊ A CRÍTICA LITERÁRIA ESCONDE O PENSAMENTO ESPÍRITA DE VICTOR HUGO?

   A crítica literária dedicada à obra de Victor Hugo nunca se dignou referir as suas investigações mediúnicas. Sem dúvida, que a sua obra é como um relâmpago proveniente do invisível e só poderá realmente ser compreendida  à luz da filosofia espírita. É incompreensível que a crítica tema o conceito espírita do homem e da arte, posto que não são poucos os poetas que directa ou indirectamente se têm relacionado com a mediunidade. A crítica parece ignorar que uma interpretação mediúnica da arte daria lugar a uma melhor compreensão do próprio fenómeno surrealista, que tantas vinculações possui com o fenómeno mediúnico. O surrealismo na ordem artística e literária está pois inspirado num neo-mediunismo cujas origens, apesar dos cuidados que teve André Breton em não os misturar com o mediunismo espírita, são similares às práticas kardecianas.

   A poesia e a mediunidade estão intimamente ligadas. O verdadeiro poeta é sempre um médium nos seus momentos de inspiração poética. Fazer pois do poeta um simples obreiro da pena seria desconhecer o que é a beleza como expressão do homem espiritualizado. O poeta, como repentista, está sujeito a transes especiais pelos quais se podem alcançar as mais belas manifestações poéticas. O poeta não é um escritor cerebral; ao contrário, o poeta está sempre exposto ao transe poético, o que não ocorre quando as letras são cultivadas como simples ofício. A crítica literária, dominada por antigos juízos, não se dispõe a reconhecer na obra de Victor Hugo uma inspiração proveniente do mundo invisível. Considera que um Victor Hugo espírita diminuiria o valor do grande poeta da França. Sem dúvida, a crítica terá de evoluir para o reconhecimento do fenómeno mediúnico se deseja na realidade compreender a verdadeira essência do génio poético e artístico. Os factos que estão a produzir-se actualmente a obrigarão a despojar-se de toda a prevenção contra o mediunismo. O génio poético foi sempre de natureza mediúnicaA beleza é uma contínua infiltração do invisível no visível. Por isso, uma poesia sem mediunidade não será mais que um esqueleto; donde, a crítica literária equivoca-se ao se deixar dominar por juízos intelectuais e não reconhecer o aspecto mediúnico da obra poética de Victor Hugo. Aqui estamos frente ao génio, que será sempre um mistério enquanto se recusar penetrá-lo por meio do que hoje se chama o homem psi ou mediúnico.


O ADVENTO DA LITERATURA MEDIÚNICA E ESPÍRITA

   A obra literária de Victor Hugo – pode dizer-se – é a origem da aparição da literatura espírita e mediúnica. Esta nova corrente nada terá de raro se nos recordarmos de escolas como a dadaísta, cubista, ultraísta, surrealista, romântica e existencialista, baseadas noutros recursos estéticos supranormais. A literatura mediúnica difere dessas correntes ao basear-se numa nova visão do homem e do universo. E mais, a literatura espírita mediúnica apresenta duas notáveis modalidades: uma baseada na criação inspirada e outra puramente mediúnica. Ambas respondem ao mesmo fim espiritual, social e religioso. Victor Hugo, iluminado pelos tripés da ilha de Jersey, acentuou de tal maneira a sua criação literária que poetas e escritores europeus, especialmente espanhóis, trataram de seguir as suas geniais pegadas. Salvador Sallés, o grande poeta espírita, autor do livro Rumo ao Infinito, deu origem a uma poesia realmente existencial. Com o seu poema ''En la noche de difuntos'', a poesia espírita se apresenta como uma nova esperança para o ser quando diz:

?Por qué las lentas campanas
clamam dolientes a muerto
si de! fúnebre concierto
las vibraciones son vanas?
Cese en la regiôn vacia
ese lamento profundo:
desde el principio dei mundo
nadie ha muerto todavia;
nadie en tan larga jornada
sufrió tan misera suerte:
no ha muerto más que la muerte,
no ha muerto más que la nada.

   Esta poesia espírita que chegou a comover espiritualmente poetas como Antonio Hurtado, Miguel Giménez Eieto, Vicente Neria, Krainfort de Nínive e até o próprio Núñez de Arce produziu em Espanha dos fins do século XIX obras de grande valor literário e filosófico. Mas foi pela psicografia mediúnica que se obtiveram obras preciosas no fundo e na forma como Marietta y Estrella, Páginas de dos existencias, escrita por Daniel Suárez Artazu. Sobre a mesma o filósofo espírita espanhol, Quintín Lopez Gómez, disse que era a obra literária "mais bela recebida mediunicamente em idioma espanhol".

   Em toda a Espanha espiritualista dos fins do século passado a filosofia espírita produziu obras de grande valor estético e literário, especialmente na poesia e filosofia. Mas, o que realmente comoveu os críticos opositores ao Espiritismo foi a monografia de Ernesto Bozzano intitulada Literatura do além-túmulo, onde as obras criticadas foram escritas por escritores médiuns. Na América do Sul este tipo de literatura tem produzido obras poéticas consideráveis. O psicógrafo brasileiro, Francisco Cândido Xavier, deu à publicidade livros de poemas como Parnaso de Além-Túmulo, Antologia dos Imortais e outros títulos de não menos importância, que desconcertaram os críticos literários. O caso dos escritos mediúnicos de Humberto de Campos, notável escritor brasileiro, resultou em litígio jurídico ante os tribunais, em razão das reclamações da viúva do escritor, que acreditou que o seu esposo havia sido vítima de roubo de originais ao comprovar a grande similitude de estilo nos escritos recebidos por Francisco Cândido Xavier.

   Os críticos e os juristas brasileiros viram-se na necessidade de arquivar o processo, porquanto qualquer decisão resultaria tendenciosa. Se condenassem o médium por roubo de originais estariam  a cometer um grande erro moral e jurídico considerando a sua vida limpa e honrada, e se aprovassem os seus escritos como mediúnicos estariam reconhecendo que os mortos vivem e são capazes de transmitir o seu pensamento filosófico e estético aos médiuns. O certo é que a mediunidade literária de Francisco Cândido Xavier é um verdadeiro expoente das bases da literatura espírita e mediúnica. Monteiro Lobato disse que se os poemas de Parnaso de Além-Túmulo fossem de Francisco Cândido Xavier, este poderia ocupar quantas cadeiras quisesse na Academia Brasileira de Letras.

   Outra escritora-médium de nacionalidade irlandesa foi Geraldine Cummins, que recebeu páginas ao estilo religioso e evangélico que comoveram a crítica teológica e literária internacional. A sua obra, Escritos de Cleófas, foi reconhecida como uma ampliação suplementar para maior conhecimento do livro Os Actos dos Apóstolos, contido no Novo Testamento. Foi considerada uma obra mediúnico-literária de verdadeiro valor histórico e como "crónica sagrada" complementar de Actos dos Apóstolos, que nos chegaram mutilados em algumas partes, consequência da perseguição aos primeiros cristãos (ver Literatura do Além-Túmulo, de Ernesto Bozzano).

   Este livro mediúnico chamou a atenção do célebre escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle e de destacadas personalidades católicas. Além disso, nesse mesmo período brilhante para as letras mediúnicas apareceram escritores-médiuns como Willian Sharp e Hester Dowen, que receberam as partes não concluídas de trabalhos de Oscar Wilde e comédias póstumas deste mesmo autor. Seguiram na Patience Worth, entidade desencarnada que, segundo os críticos anti-espíritas era ''uma fracção da personalidade da médium", conceito que ela assim contestou: "Quem ousa sustentar que sou uma parte da imaginação da médium? Quem ousa dizer que uma grande intelectualidade é filha da imaginação de uma pequena intelectualidade? A voz de quem proclama este absurdo cairá sem eco. Que venha e que me una à médium se lhe apraz; o futuro di-lo-á tonto.

   "Que pequena é a sua pena! A minha é de ouro e está molhada na sabedoria antiga. Não canto por cantar, mas para que o meu canto permaneça. A ideia de apresentar-me como uma fracção da harpa vivente que eu emprego equivale a distribuir a crianças livros, crânios, espadas, vinho e sacramentos para que se divirtam. Vede, toco a harpa vivente e ela responde vibrando em uníssono com a voz da sabedoria antiga''.

   Não existe neste ditado mediúnico um estilo parecido com o pensamento de Victor Hugo? Não se deduz que a autêntica mediunidade literária possui expressões que fazem pensar no génio?

   Este fenómeno literário-mediúnico que ocorria na época não muito distante da presente contribuiu notavelmente para o desenvolvimento deste novo aspecto da literatura no campo internacional da filosofia espírita.

   Vamos referir-nos agora a um volume que colaborou de forma brilhante na luta contra a escravidão na América do Norte. Falamos dessa genial novela chamada A Cabana do Pai Tomaz que, segundo a sua autora, Harriet Beecher-Stowe, não foi escrita por ela, mas que Deus a escreveu através de sua inspiração mediúnica.

   Entre esses médiuns poetas e escritores cabe mencionar o psicógrafo italiano Héctor Bernardini, de dez anos de idade, que recebeu em menos de seis meses 314 tercetos, "nos quais descreve, segundo disse o escritor Mariano D' Aragona, à luz da moderna razão, as penas transitórias do além-túmulo, sobre a base da revelação espírita, corrigindo assim as impressões vertidas na sua obra de seis séculos atrás". Logo acrescentou: "Os 314 tercetos ditados ao médium de dez anos são de tão formosa feitura poética e num todo similares ao estilo trecentesco do divino vate, que deixaram perplexos e desorientados os mais modernos estudiosos do classicismo. Os tercetos foram publicados em Nápoles, em 1904, em edição de escassos exemplares que foram disputados por insignes escritores, sem outra posterior edição porque o tempo maduro (assim disseram alguns) para nova revelação só recentemente está a penetrar na consciência humana".

   Esta reaparição mediúnica de Dante Alighieri é da mesma natureza da que Victor Hugo obteve através desta entidade espiritual chamada A Sombra do Sepulcro, que disse: "Subi ao Sinai e me entendereis no fulgor dos relâmpagos... Ascendei ao Gólgota e me vereis nos raios. Eu sou a realidade".

   O doutor Santiago Smith, presidente da Sociedade Dantesca de Londres, no último decénio do século passado obteve inequívocas comunicações mediúnicas com o grande poeta florentino, que possuíam o mesmo estilo poético e profundo. A revista Luce e Ombra, de Milão, publicou uma relação referente a tão extraordinário acontecimento literário, a qual conclui com esta declaração do excelso poeta: ''Enquanto escuto as invocações da terra, cultivo no meu pensamento uma segunda Divina Comédia''.

   A literatura mediúnica é, como se pode ver, uma nova realidade espiritual, que vem ampliar o campo das letras. Se na literatura e nas artes não se operar um renascimento sobre a base do génio mediúnico, ou seja, na relação com o mundo dos espíritos, a alma do homem acabará por afogar-se nos abismos aterradores do niilismo e do nada. O médium-poeta e escritor é uma necessidade moral e existencial nos tempos modernos; sem ele a criação literária se converterá num jogo de palavras vazias e áridas.

   Victor Hugo sentiu na sua época a necessidade do génio literário-mediúnico, razão porque se ufanou ao dar à cultura universal obras de raiz supranormal, que nunca serão esquecidas. Experimentou um real e vivo contacto com o mundo invisível que, lamentavelmente, a crítica literária não quer considerar nem reconhecer. Mas o seu elevado espírito está agora gravitando sobre as almas predispostas para isso que foi chamado "o outro lado das coisas". O seu canto espiritual está a chegar à terra através da mediunidade do homem e das vozes misteriosas do vento, do trovão e do mar.

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Humberto MariottiVictor Hugo Espírita, PORQUÊ A CRÍTICA LITERÁRIA ESCONDE O PENSAMENTO ESPÍRITA DE VICTOR HUGO? / O ADVENTO DA LITERATURA MEDIÚNICA E ESPÍRITA, 13º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

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