Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

| o grande enigma ~

necessidade da ideia de | Deus

Demonstrámos nos capítulos precedentes a necessidade da ideia de Deus. Ela se afirma e se impõe, fora e acima de todos os sistemas, de todas as filosofias, de todas as crenças. É também livre de todo o liame com qualquer religião, a cujo estudo nos entreguemos, na independência absoluta do nosso pensamento e da nossa consciência.

Deus é maior que todas as teorias e todos os sistemas. Eis a razão por que não pode Ele, ser atingido, nem minorado pelos erros e faltas que os homens têm cometido em seu nome.

Deus é soberano a tudo.

O Ser divino escapa a toda a denominação e a qualquer medida, e se lhe chamamos Deus é por falta de um nome maior, assim o disse Victor Hugo.

A questão de Deus é o mais grave de todos os problemas suspenso sobre as nossas cabeças e cuja solução se liga, de maneira estrita, imperiosa, ao problema do ser humano e do seu destino, ao problema da vida individual e da vida social.

O conhecimento da verdade sobre Deus, sobre o mundo e a vida é o que há de mais essencial, de mais necessário, porque é Ele que nos sustenta, nos inspira e nos dirige, mesmo à nossa revelia. E essa verdade não é inacessível, como veremos; é simples e clara; está ao alcance de todos. Basta procurá-la, sem preconceitos, sem reservas, ao lado da consciência e da razão.

Não lembraremos aqui as teorias e os sistemas inúmeros que as religiões e as escolas filosóficas arquitectaram através dos séculos. Pouco nos importam hoje as controvérsias, as cóleras, as agitações vãs do passado.

Para elucidar tal tema, temos agora recursos mais elevados que os do pensamento humano; temos o ensino daqueles que deixaram a Terra, a apreciação das Almas que, tendo franqueado o túmulo, nos fazem ouvir, do fundo do mundo invisível, os seus conselhos, os seus apelos, as suas exortações.

Verdade é que nem todos os Espíritos são igualmente aptos a tratar dessas questões. Acontece com os Espíritos do Além-Túmulo o mesmo que com os homens. Nem todos estão igualmente desenvolvidos; não chegaram todos ao mesmo grau de evolução. Daí as contradições, as diferenças de vistas. Acima, porém, da multidão das Almas obscuras, ignorantes, atrasadas, há Espíritos eminentes, descidos das altas esferas para esclarecer e guiar a Humanidade.

Ora, que dizem esses Espíritos sobre a questão de Deus?

A existência da Potência Suprema é afirmada por todos os Espíritos elevados. Aqueles, dentre nós, que têm estudado o Espiritismo filosófico sabem que todos os grandes Espíritos, todos aqueles cujos ensinamentos têm reconfortado as nossas almas, mitigado as nossas misérias, sustentado os nossos desfalecimentos, são unânimes em afirmar, em repetir, em reconhecer a alta Inteligência que governa os seres e os mundos. Eles dizem que essa Inteligência se revela mais brilhante e mais sublime à medida que se escalam os degraus da vida espiritual.

O mesmo se dá com os escritores e filósofos espíritas, desde Allan Kardec até aos nossos dias. Todos afirmam a existência de uma causa eterna no Universo.

Não há efeito sem causa – disse Allan Kardec – e todo o efeito inteligente tem forçosamente uma causa Inteligente.” Eis o princípio sobre o qual repousa o Espiritismo. Esse princípio, quando o aplicamos às manifestações do Além-Túmulo, demonstra a existência dos Espíritos. Aplicado ao estudo do mundo e das leis universais, demonstra a existência de uma causa inteligente no Universo. Eis por que a existência de Deus constitui um dos pontos essenciais do ensino espírita. Acrescento que é inseparável do resto desse ensino, porque, neste último, tudo se liga, tudo se coordena e se encadeia. Que não nos falem de dogmas! O Espiritismo não os comporta. Ele nada impõe; ensina. Todo o ensino tem os seus princípios. A ideia de Deus é um dos princípios fundamentais do Espiritismo.

Dizem-nos frequentemente: – “Para que nos ocuparmos dessa questão de Deus? A existência de Deus não pode ser provada!” Ou ainda: – “A existência de Deus ou a sua não existência é sem predomínio sobre a vida das massas e da Humanidade. Ocupemo-nos de alguma coisa mais prática; não percamos o nosso tempo em dissertações vãs, em discussões metafísicas.” Pois bem! Em que pese àqueles que mantêm essa linguagem, repetirei que é questão vital por excelência; responderei que o homem não se pode desinteressar dela, porque o homem é um ser. O homem vive e importa-lhe saber qual é a fonte, qual é a causa, qual é a lei da vida. A opinião que tem sobre a causa, sobre a lei do Universo, quer queira quer não, quer saiba ou não, reflecte-se nos seus actos, em toda a sua vida pública ou particular.

Qualquer que seja a ignorância do homem no que respeita às leis superiores, na realidade – e segundo a ideia que forma dessas leis, por mais vaga e confusa que possa ser tal concepção – é em conformidade com essa ideia que a criatura age. Desta opinião – sobre Deus, sobre o mundo e sobre a vida (notareis que esses três assuntos são inseparáveis) –, as sociedades humanas vivem ou morrem! É ela que divide a Humanidade em dois campos.

Por toda a parte vêem-se famílias em desacordo, em desunião intelectual, porque há muitos sistemas acerca de Deuso padre inculca um à mulher; o professor ensina outro ao homem, quando não lhe sugere a ideia do Nada.

Essas polémicas e essas contradições explicam-se, entretanto. Têm a sua razão de ser. Devemos lembrar-nos que nem todas as inteligências chegaram ao mesmo ponto de evolução; que nem todos podem ver e compreender de igual modo e no mesmo sentido. Daí, tantas opiniões e crenças diversas.

A possibilidade que temos de compreender, de julgar e de discernir só se desenvolve lentamente, de séculos em séculos, de existências em existências. O nosso conhecimento e nossa compreensão das coisas se completam e se tornam claros à medida que nos elevamos na escala imensa dos renascimentosTodos sabem que alguém, colocado ao pé da montanha, não pode descortinar o mesmo panorama aberto ao que já chegou ao vértice; mas, prosseguindo a sua ascensão, um chegará a ver as mesmas coisas que o outro. O mesmo acontece com o Espírito na sua ascensão gradual. O Universo não se revela senão pouco a pouco, à medida que a capacidade de lhe compreender as leis se desenvolve e engrandece no indivíduo.

Daí vem o sistema, as escolas filosóficas e religiosas, que correspondem aos diversos graus de adiantamento dos Espíritos que nuns e noutros se fiam e, muitas vezes, aí se insulam.

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Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, V Necessidade da ideia de Deus, 16º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)

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