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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

metapsíquica | humana


~~~ análise crítica de uma alínea sofística

Lamento sinceramente ter de interromper aqui o exame dos argumentos que o nosso autor, profusamente, espalha em volta das experiências feitas com a Sra. Piper. Se me fosse dado continuar esse exame, dele resultaria uma crítica bastante instrutiva, pois teria de continuar, através dos factos, a demonstrar que, na sua maioria, os incidentes verificados com esta médium são inexplicáveis pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia (clarividência, *)”, embora não seja necessário mais do que ficou dito para fazer ruir, nesse primeiro embate, o castelo de sofismas e paralogismos, tão laboriosamente edificado por Sudre. Impus-me, entretanto, o dever de analisar todos os pontos abordados por ele num livro exageradamente parcial; longo, portanto, é o percurso a cobrir e minguado o espaço para refutar as inexactidões, as afirmações gratuitas, os paralogismos e os sofismas que como serpentes se entrelaçam uns nos outros, não raro amontoando-se às dezenas numa só página. A maior dificuldade está na escolha. Eis uma pequena amostra. Na página 338, apresenta-nos ele este parágrafo surpreendente:

“Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer, de um lado, que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos e, de outro, que no fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos. Discutem então sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas, quando não se vêm apoiar audaciosamente no animismo, para provar o Espiritismo, sem a necessária preparação para distinguirem um do outro. Mas os espíritas que o fanatismo não cega desistem de encontrar nos factos provas cruciais. Sabem que as suas presunções serão aceites como provas, segundo a concepção que cada um tem “das probabilidades dramáticas da Natureza” (para usar a expressão original de William James). Como Myers, como Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico, fundado noutras ciências, que não a Metafísica, quando não sobre postulados morais. Assim o Espiritismo dito “científico”, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec (i) que, em si, não é, de todo, mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

Não existe no trecho acima uma única afirmação que não seja errónea, gratuita, insidiosa ou sofística. Sudre começa dizendo: “Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos.” Ora, os espíritas sempre o reconheceram; foi justamente um espírita, Alexandre Aksakof, que, há quarenta anos, classificou os fenómenos medianímicos em três categorias; fenómenos de Personismo, de Animismo e de Espiritismo, demonstrando que as duas primeiras categorias provinham das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana, sem qualquer intervenção do Espírito dos mortos.

Com que direito, pois, dizer que os espíritas foram “hoje” compelidos a reconhecer esse facto?

Continua Sudre afirmando que (“hoje” sempre) os espíritas foram obrigados a concordar que no “fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos”. Abstracção feita do “sempre”, que é aí demasiado, posso afirmar que os espíritas, pelo contrário, reconheceram o facto desde a alvorada do movimento espírita. Eis, por exemplo, como se exprime um espírita, de primeira, Adin Ballou, na página 67 do seu livro Spirit Manifestation, vindo à luz em 1852:

“O que se passa através do médium deve, em verdade, estar sujeito à influência do espírito dos vivos. As ideias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos, os pontos de vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos dos mortos procuram transmitir, por intermédio de um cérebro alheio. Além disso, as influências mesméricas e psicológicas da parte da mentalidade dos experimentadores, que podem dominar a do médium, devem igualmente produzir um efeito perturbador análogo. Segue-se que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são transmitidas ou, mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente diferentes, daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um francês se comunicasse com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco familiarizado com aqueles dois idiomas. O interlocutor inglês teria não pequena dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido. Nos casos desta natureza, nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida uma tradução perfeita do que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir.”

Eis o raciocínio de Adin Ballou, há setenta e cinco anos e, esta sua opinião encontra-se transcrita nas obras de Capron (1858), do professor Robert Hare (1855), do Dr. Wolfe (1869), de Alexandre Aksakof (1889); mas para Sudre só “hoje” os espíritas foram obrigados a reconhecê-lo e, isso mesmo, graças à força esclarecedora das pesquisas dos metapsiquicos destes últimos tempos.

Mas continuemos. O nosso autor ainda assim se exprime: “Então discutem (os espíritas) sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pela teoria metapsíquica.” Estas “algumas” categorias de fenómenos inexplicáveis pela teoria metapsíquica” são antes numerosas e nada mais natural que os espíritas as declarem inexplicáveis pela hipótese naturalista, pois, de facto, o são. Os próprios metapsiquistas anti-espíritas de tal forma o compreendem e, com isso, tal embaraço experimentam, que evitam prudentemente discuti-las, contentando-se de apenas a elas aludir, de modo geral, em nada concludente ou a elas não se referindo de modo algum, o que ainda é mais cómodo. Isso não impede, porém, que esses mesmos metapsiquistas continuem a inculcar a sua argumentação anti-espírita, como se houvessem respondido, refutado, destruído a dos seus opositores. Mais tarde voltaremos a este ponto, particularmente importante.

A continuação do trecho, cujo exame empreendemos, é curiosíssima. Com efeito, ele faz-nos saber que os espíritas “se apoiam audaciosamente no animismo para provar o Espiritismo, sem terem a necessária preparação para distinguir um do outro”. A primeira parte desta objecção é estupenda e, a segunda completamente falsa. Estou eu entre aqueles que, de há trinta anos para cá, se apoiam “audaciosamente” no animismo para provar o Espiritismo; nos números de Novembro-Dezembro de 1925 e de Janeiro-Fevereiro de 1926, da Revue Spirite fiz sair um longo artigo, rigorosamente documentado, com o fim de demonstrar que o Animismo, sob o ponto de vista de demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma, era mais importante e decisivo do que o próprio Espiritismo; e nesse artigo fiz ressaltar a circunstância, altamente eloquente, de Frank Podmore, isto é, o adversário mais encarniçado da hipótese espírita, haver, mesmo ele, reconhecido essa verdade, nos termos que se seguem:

“Seja ou não verdade que as condições do além permitem, às vezes, aos que lá se encontram, entrar em comunicação com os vivos, é, em todo o caso, claro que essa questão se tornaria de importância secundária se se chegasse a demonstrar, sobre a base das faculdades inerentes ao espírito, que a vida da alma não está ligada à vida do corpo. Noutros termos, deve necessariamente admitir-se que, se é verdade que no sono medianímico ou extático, o Espírito conhece o que, à distância, se passa, percebe coisas escondidas, prevê o futuro e lê no passado, como num livro aberto, então – considerando que estas faculdades não foram certamente adquiridas no processo de evolução terrena, cujo meio lhes não é próprio nem lhes justifica a emergência – então, dizia, parece que se poderá inferir que estas faculdades demonstram a existência de um outro mundo mais elevado, no qual elas se deverão exercer livremente, em harmonia com outro ciclo evolutivo, que já não seria regido pelo nosso meio terreno. É importante acrescentar que a teoria aqui esboçada não é nenhuma especulação filosófica, fundada em suposições não verificáveis; é uma hipótese científica, baseada na interpretação de uma categoria precisa de factos... Seria inútil contestar que, se se pudesse provar a autenticidade dos fenómenos de premonição, de clarividência e tantos outros que testemunhassem que no nosso espírito se encontram faculdades psíquico-sensoriais transcendentais, então o facto da independência do espírito do corpo seria manifesta.”

Por conseguinte, segundo Podmore “seria inútil contestar” a sobrevivência da alma, desde que se provasse a existência de fenómenos de “metagnomia”. E não é outra coisa o que, por minha vez, tenho sustentado desde sempre. O que pensa disto Sudre? Amarga decepção deve ter sido a sua, quando viu, pelo meu artigo anterior, que o próprio Podmore, audaciosamente, pensava que o Animismo constituía prova para o Espiritismo! E o que de mais “trágico” se verifica na situação de Sudre é que Podmore pelo menos se mantinha dentro da ilusão de poder reduzir todos os fenómenos metapsíquicos exclusivamente à telepatia e de, consequentemente, poder negar os fenómenos de metagnomia propriamente dita. Com isto ele se sentia garantido na sua qualidade de campeão mundial do anti-espiritismo; enquanto que Sudre não deve ter fácil a porta de saída, ele que está firmemente convencido da existência das faculdades supranormais em questão.

Como, pois, salvar do naufrágio inevitável o frágil barquinho do seu anti-espiritismo materialista? Com as “bolsas de vento” que lhe prende às bordas? Não; nem será com as frases ocas e retumbantes, das que lança mão nos momentos críticos, que poderá enfrentar a argumentação que, intimamente, reconhecendo invulnerável, não ousa atacar de frente. É o que ainda agora se dá ao ter de enfrentar o caso da demonstração irrefutável do Espiritismo pelo Animismo; interpõe no período a palavra audaciosamente, com a qual pretende insinuar que as pretensões dos espíritas a esse respeito são injustificáveis e temerárias.

Deve ele compreender bem que as frases apenas para armar não produzem refutação, não constituem provas e são de duração efémera; mas ele se dá por satisfeito, desde que elas produzam pelo menos uma pequena impressão deletéria no espírito dos leitores menos prudentes e pouco ao corrente da discussão. É possível que consiga isso algumas vezes, o que não impede, entretanto, que, demonstrando não poder responder à argumentação firme e lógica dos espiritualistas, ele vote a sua causa a irremediável desastre. E o seu livro transborda dessas frases, do mesmo modo que os seus artigos delas vêm salpicados. Por mais de uma vez fui visado pelos rasgos, um tanto embotados, dessa fraseologia, rasgos que, antes, me divertiram, porque, nas circunstâncias em que me procuraram atingir, não representaram para o seu autor mais do que uma satisfação demasiado efémera. O meu contraditor não havia conseguido responder à refutação de uma das suas teses, apesar de imprudentemente haver prometido pronta resposta que, a seu ver, não poderia deixar mesmo de ser “muito fácil”. Chegado, porém, o momento, a coisa lhe pareceu, ao contrário, bem difícil, ou, para ser mais claro, só então se convenceu de ser logicamente impossível refutar aqueles argumentos.

Mesmo assim, Sudre continua a servir-se da hipótese reduzida a zero, tal como se a houvesse vitoriosamente defendido, ou pelo menos refutado com algum êxito a minha argumentação.

Voltando ao assunto, deixo aqui consignado que se Sudre lançar uma das suas frases habituais, a propósito da afirmação irrefutável de que o Animismo constitui uma prova para o Espiritismo, não me hei de assustar, antes farei ao meu antagonista um apelo formal – em nome da investigação sincera e apaixonada da Verdade pela Verdade – para que nos oriente do modo pelo qual explica a existência, na subconsciência humana, de faculdades e sentidos supranormais, independentes da lei da evolução biológica.

O que peço a Sudre é que, ao elucidar-nos, o faça do único modo plausível, isto é, destruindo com lógica os argumentos por mim, nesse sentido, expostos no artigo, cujo texto já dei e que pode ser por ele encontrado na Revue Spirite, artigo em que eu demonstrava, de modo decisivo, que sempre que os nossos antagonistas pensam combater a hipótese espírita, recorrendo aos poderes da metagnomia, nada mais fazem, na realidade, do que demonstrar a existência e a sobrevivência da alma, apenas colocando a questão, antes, sob o ponto de vista do Animismo que do Espiritismo, o que, em suma, vem a ser uma e a mesma coisa.

Espero o meu contraditor no terreno da prova; mas sinceramente digo estar, de antemão, convencido de que ele terá o cuidado de não responder a esta questão de valor decisivo para o ponto de vista espiritualista. Não impedirá isso, no entanto, de continuar a fazer prevalecer imperturbável a sua opinião contrária à sobrevivência da alma e a tachar de audaciosos os argumentos que ele é incapaz de demonstrar que sejam falsos. São inconsequências fatais naqueles que têm o espírito obscurecido por irredutíveis preconceitos.

Poderiam objectar-me ser inútil a minha insistência em procurar convencer os que se obstinam em não querer compreender, mas a minha insistência não visa convencer o meu competidor e tão-somente a levar a tranquilidade de espírito àqueles poucos que, por acaso, se tenham deixado perturbar pelas suas insinuações sofísticas.

Abro aqui um parêntesis para tratar com o professor Charles Richet.

Havia acabado de escrever as páginas acima, quando recebi o número de Janeiro-Fevereiro da Revue Metapsychique, 1926, onde, num breve artigo, o Prof.Richet, fazendo notar a existência, nos nossos dias, de um certo número de sensitivos clarividentes, pensa que pode isto traduzir o prelúdio do próximo aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”. Passando a examinar cientificamente a origem presumível desse novo sentido, procura explicar o facto pela teoria muito conhecida do Dr. Vries, sobre as “mutações bruscas” transmissíveis à descendência, tal como se observa no reino vegetal.

Ouso lembrar ao Prof. Richet que a frequência actual de sensitivos clarividentes – frequência aliás muito relativa – decorre exclusivamente do facto de, nestes últimos anos, entre os povos civilizados, serem esses indivíduos muito procurados e observados, ao passo que antigamente eram em geral conduzidos à fogueira, o que, em muito, lhes reduzia o número. Nada, entretanto, de novo sobre o caso. Se interrogarmos a respeito a história da antiguidade clássica, bíblica, egípcia, babilónica, se ascendermos a eras mais remotas, até às crónicas sagradas dos povos do Oriente, encontraremos os melhores elementos para nos provar que as faculdades de clarividência permanecem em estado absolutamente estacionário, através dos séculos, não obstante as civilizações e as raças, o que já não é pouco para condenar aquela hipótese.

Mas outra circunstância de facto, que contradiz a tese do Prof. Richet, de modo decisivo, é a frequência de fenómenos de clarividência, sob as suas múltiplas formas, no meio dos povos selvagens.

Pessoalmente estudei o assunto, em longa monografia que, como todas que a precederam, não é fruto de pesquisas superficiais, mas de acurado estudo, em longo período de 35 anos. Adquiri, portanto, certa competência no assunto e posso afirmar não existir tribo selvagem que não tenha o seu feiticeiro-curador, com predicados absolutamente análogos aos dos clarividentes, entre os povos civilizados.

Os relatórios dos exploradores e dos missionários estão repletos de casos dessa natureza, que se contam por centenas. Daí podermos concluir em sentido diametralmente oposto ao que nos sugere o Prof. Charles Richet, isto é, que, se as faculdades de clarividência sob todas as formas são mais frequentes entre os povos primitivos que entre os civilizados, não há razão para admitirmos a hipótese do aparecimento, no homem, de um “sexto sentido” graças à lei biológica das “mutações bruscas”.

Devemos, além disso, ter presente uma outra consideração, teoricamente de grande importância, qual a do Prof. Richet se não haver lembrado da impossibilidade de se tratar de um “sexto sentido” em gestação, por isso que os fenómenos de clarividência se produzem pela utilização dos sentidos existentes: visão, audição e tacto. Acrescentaremos que, por outro lado, deixou ele de considerar que esses fenómenos, ao contrário de serem determinados pela percepção directa, isto é, da periferia para o cérebro, como se deveriam produzir para todo e qualquer sentido biológico passado, presente ou futuro, eles se determinam por percepção inversa, ou seja, do cérebro para a periferia, sob a forma de visões ou audições subjectivas, projectadas fora e quase sempre de natureza simbólica, mais ou menos manifesta. Ora, a natureza simbólica de quase todas as percepções supranormais reveste-se de alto valor teórico, porque mostra que essas percepções independem, não somente dos sentidos periféricos, mas também dos centros cerebrais correspondentes. Com efeito, o simbolismo das percepções prova que os centros cerebrais não percebem activamente, mas registam passivamente o que lhes é transmitido, por um terceiro agente a elas estranho, único a perceber directamente, para depois transmitir os seus conhecimentos ao sensitivo, sob a forma de representações simbólicas. Isto, evidentemente, porque sendo as suas percepções qualitativamente diferentes das que podem assimilar os centros cerebrais do sensitivo, ele é obrigado a transmiti-las sob a forma de objectivações alucinatórias, que o sensitivo ou os interessados podem, facilmente, interpretar. E como esse terceiro agente estranho ao cérebro, outro não pode ser senão a personalidade integral subconsciente do sensitivo, conclui-se que, baseando-se nas circunstâncias expostas, nós veremos emergir, manifesta e incontestável, a contraprova de que a “personalidade integral subconsciente” é uma “entidade espiritual” independente de toda a ingerência funcional, directa ou indirecta, do órgão cerebral. Resulta ainda, disso, que as faculdades supranormais, esporadicamente assinaladas, de todos os tempos e em todos os lugares, na Humanidade são, na realidade, as faculdades de sentidos espirituais da personalidade integral subconsciente, em estado latente, na subconsciência humana, para emergir e se exercer num meio espiritual, após a crise da morte; do mesmo modo que no embrião se encontram formadas, de antemão e em estado latente, as faculdades de sentidos terrenos, à espera do momento que lhes há de permitir se exerçam no seio do meio terrestre, após a crise do nascimento.

Como se pode verificar, as induções sobre a base dos factos nos arrastam para longe da hipótese aventada pelo Prof. Richet, hipótese que aparece insustentável, sob o ponto de vista biológico, psicológico e metapsíquico.

Dito isto, devo confessar sinceramente que o artigo do Prof. Richet me produziu, pessoalmente, uma impressão dolorosa, de profundo desalento. Revela-me a inutilidade dos esforços intelectuais, a que me submeto há trinta e cinco anos, com o fim de dar a minha contribuição à investigação da ciência metafísica. Se o Prof. Richet, antes de expor a sua hipótese, houvesse demonstrado o erro da minha argumentação, eu teria testemunhado o meu reconhecimento àquele que assim me houvesse esclarecido sobre problema do mais alto valor científico. Mas o Prof. Richet enuncia a sua hipótese sem fazer a mínima alusão à existência de um estudo recente sobre o assunto, estudo que o contradiz no terreno dos factos. Ora, como do choque das ideias é que ressalta a centelha da Verdade, se no meio metapsíquico, uma das partes segue o seu caminho sem se preocupar com o que faz a outra, não se chegará, nesse ramo de ciência, a qualquer conclusão. Nessas condições, tanto vale não escrever coisa alguma, cada um se limitando egoisticamente a estudar apenas para si, deixando que os demais pensem como melhor lhes parecer.

Agora que já me expliquei com o Prof. Richet, fecho o longo parêntesis e retomo a discussão com o Sr. René Sudre, examinando a segunda parte do curto mas virulento trecho do seu trabalho, em cuja análise me detive.

Havia eu dito que a primeira parte deste trecho era estupenda e a segunda inteiramente falsa. Com efeito, nesta segunda parte, o autor tem a “audácia” (para usar-lhe do termo) de escrever que os espíritas afirmam que o Animismo prova o Espiritismo “sem estarem preparados para entre os dois poderem discernir”. Para colocar logo as coisas nos seus lugares (pois a insinuação de Sudre tem por fim apenas embaralhar), devo lembrar que a questão que acabamos de tratar, relativamente aos fenómenos anímicos, que só por eles demonstram a sobrevivência da alma, nada tem de comum com aquela que distingue os casos de animismo dos de Espiritismo. Referindo-se, agora, de um modo directo, à objecção formulada e, segundo a qual, os espíritas não estão em condições de poder distinguir os fenómenos anímicos dos espíritas, lembro ao meu opositor que toda a discussão, que vimos de sustentar a propósito da Sra. Piper, prova, ao contrário, a existência de critérios analíticos capazes de permitir fácil distinção entre os fenómenos positivamente espíritas e aqueles que não o são ou, mais precisamente, aqueles que não apresentam suficientes garantias científicas nesse sentido.

Reservo-me a voltar posteriormente ao assunto, trazendo novos factos e novos argumentos. Convido, pois, o meu contraditor a me responder também sobre este ponto, refutando toda a argumentação que a precede e a que se vai seguir. Se, porém, ele preferir o meio mais cómodo do silêncio, isto quererá dizer que ele reconhece não poder responder. Quanto a mim, pelo contrário, reconheço estar em condições de responder em todas as circunstâncias – graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo. Assim, não deixarei passar uma só objecção contrária sem convenientemente a refutar.

Continuando a análise do trecho referido, vemos que Sudre diz: “Mas os espíritas que o fanatismo não cega e, que têm uma cultura científica suficiente, renunciam a encontrar nos factos provas cruciais.”

Se se trata de “provas cruciais”, no sentido de “provas absolutas”, a renúncia, de facto, existe, por isso que não há quem ignore ser absurdo e impossível pretender uma “prova absoluta” num ramo de saber qualquer ou numa circunstância da vida, seja ela qual for. Esperamos que os nossos contraditores comecem por nos fornecer a “prova absoluta” daquilo que adiantam, em sentido negativo. Não o podem fazer, assim como também nós, porque nenhum representante da ciência oficial nunca poderá fornecer a “prova absoluta” de qualquer coisa. E isso pela simples razão de que nós mesmos, pobres individualidades condicionadas, vivemos no “relativo”, não podendo, por isso, jamais afirmar uma coisa em termos de certeza absoluta. Mas se Sudre, ao contrário, pela expressão de que faz uso, quer aludir às provas científicas suficientes para legitimar uma hipótese, então labora em grande erro, pois os espíritas de “cultura científica” são da opinião do professor Hyslop, que tinha essa cultura e que solenemente afirmou esta verdade nos seguintes termos:

“Não existe outra explicação racional dos factos senão a hipótese da sobrevivência da alma; as provas cumulativas, que convergem em seu favor, são por tal forma peremptórias que não hesito em declará-las em tudo equivalentes, senão mesmo superiores, àquelas que confirmam a teoria da evolução.” (Contacts with the other world, pág. 328.)

Acrescenta, afinal, Sudre: “Como Myers e Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico edificado sobre outras ciências que não a metafísica, quando não sobre postulados morais.” Ignoro a que se quer referir o nosso autor quando cita Myers e Geley, mesmo porque, ao se citarem autoridades deste valor em defesa de uma tese, tem-se por dever reproduzir as opiniões para as quais se apela, sem o que os nomes invocados não representam mais do que simples expediente de retórica.

Em todo o caso, afirmo, por meu lado, que nada pode haver de tão contrário à verdade, como de supor que os defensores da hipótese espírita firmem o seu ponto de vista sobre a base de um “acto de fé”. É justamente o contrário que se verifica. A força de expansão do Espiritismo, precisamente, reside no facto de haver ele banido para sempre os “actos de fé”, baseando-se exclusivamente nas induções e nas deduções dos factos, do mesmo modo que sobre a convergência das provas, tudo exactamente como em todo o outro departamento do saber humano. Quanto a mim, posso mesmo acrescentar que sempre tive pelos actos de fé uma espécie de “fobia”, que ressalta em todos os meus escritos, baseados sempre nos factos e na dedução dos factos.

Eis-nos, enfim, diante das conclusões a que chega Sudre, no trecho em análise. Elas valem o resto. Com efeito, ele conclui: “Assim, o Espiritismo dito científico e, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é de todo mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

É de supor que as vãs ilusões, de que fala Sudre, devam referir-se às próprias esperanças iludidas, no que se prende ao Espiritismo científico, cuja falência esperava, mas que, na realidade, nunca teve vitalidade e pujança como actualmente.

É que ele contempla as fases evolutivas da nova Ciência da Alma do cimo do observatório nebuloso dos seus preconceitos.

E basta para este parágrafo.

/…
(*) metagnomia – em metapsíquica (ver fonte ), termo usado por alguns autores para indicar o que hoje se chama comummente; conhecimento paranormal ou percepção extra-sensorial e, também como sinónimo do termo tradicional de clarividênciaNota desta publicação.

(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto do leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); III – Análise crítica de uma alínea sofística, 3º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de JosefinaRobirosa)

terça-feira, 6 de agosto de 2024

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Manifestações depois da morte ~

(por Léon Denis)

Acabámos de seguir o espírito do homem através das diferentes fases do desprendimento: o sono ordinário, o sono magnético, o sonambulismo, a transmissão do pensamento e a telepatia, em todas as suas formas. Vimos a sua sensibilidade e os seus meios de percepção aumentarem na razão do afrouxamento dos laços que o prendem ao corpo. Vamos agora vê-lo no estado de liberdade absoluta, isto é, depois da morte, manifestando-se ao mesmo tempo física e intelectualmente aos seus amigos da Terra. Não há solução de continuidade entre estes diferentes estados psíquicos. Quer estes fenómenos se dêem durante a vida material ou depois, são idênticos nas suas causas, nas suas leis e nos seus efeitos; produzem-se segundo modos constantes.

Há continuidade absoluta e graduação entre todos estes factos, desvanecendo-se assim a noção de sobrenatural, que por muito tempo os tornou suspeitos à Ciência. O antigo adágio: “A Natureza não dá saltos” verifica-se mais uma vez. A morte não é um salto: é a separação e não a dissolução dos elementos que constituem o homem terrestre; é a passagem do mundo visível ao mundo invisível, cuja delimitação é puramente arbitrária e devida simplesmente à imperfeição dos nossos sentidos. A vida de cada um de nós no Além é o prolongamento natural e lógico da vida actual, o desenvolvimento da parte invisível do nosso ser. Há concatenação no domínio psíquico, como no domínio físico.

Nas duas ordens de aparições, quer dos vivos exteriorizados, quer dos defuntos, é sempre, como vimos, a forma fluídica, o veículo da alma, a reprodução ou, antes, o esboço do corpo físico, que se concretiza e se torna perceptível para os sensitivos. A Ciência, depois dos trabalhos de BecquerelCurieLe Bon, etc., familiariza-se de dia para dia com os estados subtis e invisíveis da matéria, numa palavra, com os fluidos utilizados pelos Espíritos nas suas manifestações, e que os espíritas bem conhecem. Graças às descobertas recentes, a Ciência se pôs em contacto com um mundo de elementos, de forças, de potências, cuja existência nem sequer imaginava, e mostrou-se-lhe afinal a possibilidade de formas de existência durante muito tempo ignoradas.

Os sábios que estudaram o fenómeno espírita, Sir William CrookesRussel WallaceRobert Dale OwenAksakofOliver LodgePaul GibierMyers, etc., verificaram numerosos casos de aparições de pessoas mortas. O Espírito Katie King, que durante três anos se materializou (i) em casa de Sir W. Crookes, membro da Academia Real de Londres, foi fotografado em 26 de Março de 1874, na presença de um grupo de experimentadores. (ii)

Sucedeu o mesmo com os Espíritos Abdullah e John King, fotografados por Aksakof. O académico R. Wallace e o Dr. Thompson obtiveram a fotografia espírita de suas respectivas mães, falecidas havia muitos anos. (iii)

Myers fala de 231 casos de aparições de pessoas mortas. Cita alguns tirados dos Phantasms(iv) Assinalemos nesse número uma aparição anunciando uma morte iminente: (v)

“Um caixeiro viajante, homem muito saudável, teve certa manhã a visão de uma sua irmã que falecera havia nove anos. Quando contou o caso à família, foi ouvido com incredulidade e cepticismo; mas, ao descrever a visão, mencionou a existência de uma arranhadura na face da irmã. Essa particularidade de tal maneira impressionou sua mãe, que ela caiu desmaiada. Depois que voltou a si, contou que fora ela que, sem querer, fizera essa arranhadura à filha, no momento em que a depunha no caixão; que, em seguida, para disfarçar, cobrira-a com pós, de modo que ninguém no mundo estava a par dessa particularidade. O sinal que o seu filho vira, pois, prova a veracidade da visão e ela viu nele ao mesmo tempo o anúncio da sua morte que, efectivamente, sobreveio algumas semanas depois.” (vi)

Devem ser citados igualmente os casos seguintes: o de um mancebo que se comprometera, se morresse primeiro, a aparecer a uma donzela, sem lhe causar grande susto. Apareceu efectivamente um ano depois à irmã dela, no momento em que ia subir para uma carruagem; (vii) o caso do Sr. Town, cuja imagem foi vista por seis pessoas; (viii) o caso da Sra. de Fréville, que gostava de frequentar o cemitério e passear em volta da campa do marido e aí foi vista, sete ou oito horas depois do seu falecimento, por um jardineiro que por ali passava; (ix) o de um pai de família, falecido em viagem e que apareceu à filha com um vestuário desconhecido que, depois de morto, uns estranhos lhe haviam vestido. Falou-lhe de uma quantia que ela ignorava estar em seu poder. A exactidão desses dois factos foi reconhecida ulteriormente; (x) o caso de Edwin Russell, que se fez visível ao seu mestre de capela com a preocupação das obrigações e compromissos contraídos durante a vida. (xi) Finalmente, o caso de Robert Mackenzie. Quando ainda o patrão ignorava a sua morte, apareceu-lhe ele para se desculpar de uma acusação de suicídio que pesava sobre a sua memória. Foi reconhecida a falsidade dessa acusação, por ter sido acidental a sua morte. (xii)

Na memória apresentada ao Congrès International de Psychologie de Paris, em 1900, o Dr. Paul Gibier, director do Instituto Pasteur de Nova Iorque, fala das “materializações de fantasmas” (xiii) obtidas por ele no seu próprio laboratório, na presença de muitas senhoras da sua família e dos preparadores que habitualmente o auxiliavam nos seus trabalhos de biologia. As ditas senhoras tinham especialmente o encargo de vigiar a médium, Sra. Salmon, despi-la antes da sessão para lhe examinarem os vestidos, sempre pretos, ao passo que os fantasmas apareciam de branco. Por excesso de precaução, metiam a médium dentro de uma gaiola metálica fechada com cadeado e, durante as sessões, o Dr. Gibier não largava a chave.

Foi nessas condições que se produziram, à meia-luz, formas numerosas, talhes diferentes, desde aparições de crianças até fantasmas de alta estatura. A formação é gradual, opera-se à vista dos assistentes. As formas falam, passam de um lado para o outro, apertam as mãos dos experimentadores. “Interrogadas – diz Paul Gibier –, declaram todas ser entidades, pessoas que viveram na Terra, Espíritos desencarnados, cuja missão é nos mostrarem a existência da outra vida.”

A identidade de um desses Espíritos foi estabelecida com precisão: a de uma entidade chamada Blanche, uma familiar falecida de duas senhoras que assistiam às sessões, as quais puderam abraçá-la repetidas vezes e conversar com ela em francês, língua ignorada da médium.

No congresso espiritualista realizado no mesmo ano em Paris, na sessão de 23 de Setembro, o Dr. Bayol, senador das Bocas do Ródano, ex-governador de Dahomey, expunha verbalmente os fenómenos de aparição dos quais foi testemunha em Arles e Eyguières. O fantasma de Acella, donzela romana, cujo túmulo está em Arles, no antigo cemitério de Aliscamps, materializou-se ao ponto de deixar uma impressão do seu rosto em parafina fervente, não em entalhe, como se produzem habitualmente as moldagens, mas em relevo, o que seria impossível a qualquer ser vivo. Essas experiências, cercadas de todas as precauções necessárias, efectuaram-se na presença de personagens tais como o prefeito das Bocas do Ródano, o poeta Mistral, um general de Divisão, médicos, advogados, etc. (xiv)

Numa acta, com a data de 11 de Fevereiro de 1904, publicada pela Revue des Études Psychiques, de Paris, (xv) o Prof. Milèsi, da Universidade de Roma, “um dos campeões mais estimados da nova escola psicológica italiana”, conhecido na França pelas suas conferências na Sorbonne sobre a obra de Auguste Comte, deu testemunho público da realidade das materializações (i) de Espíritos, entre outras a de sua própria irmã falecida em Cremona havia três anos.

Damos aqui um extracto dessa acta:

“O que de mais maravilhoso houve nessa sessão foram as aparições, que eram de natureza luminosa, posto que se produzissem na meia claridade. Foram em número de nove; todos os assistentes as viram... As três primeiras foram as que reproduziram as feições da irmã do Prof. Milèsi, falecida havia três anos em Cremona, no convento das Filhas do Sacré-Coeur, com a idade de 32 anos. Apareceu sorridente, com o esquisito sorriso que lhe era habitual. Do mesmo modo o Sr. Squanquarillo viu uma aparição, na qual reconheceu a sua mãe. Foi a quarta. As cinco restantes reproduziam as feições dos dois filhos do Sr. Castoni. Este afirma ter sido abraçado pelos filhos. Ter conversado com eles várias vezes, ter recebido respostas suas e apertos de mãos; sentiu-os, mesmo, sentarem-se nos seus joelhos.” Assinaram J. B. Milèsi, P. Cartoni, F. Simmons, J. Squanquarillo, etc.

No seu artigo do Figaro de 9 de Outubro de 1905, intitulado: Par delà la ScienceCharles Richet, da Academia de Medicina de Paris, dizia, a propósito de outros fenómenos da mesma ordem: “O mundo oculto existe. Correndo embora o risco de ser tido pelos meus contemporâneos como insensato, creio que há fantasmas.”

O célebre Prof. Lombroso, da Universidade de Turim, no número de Junho de 1907 da revista italiana Arena, expõe o resultado das suas experiências com Eusápia Paladino: fenómenos de levitação, transportes de flores, etc. e acrescenta:

“O leitor vai interpelar-me com compaixão e perguntar-me: “Não se deixou simplesmente ludibriar por farsantes vulgares?” O facto indiscutível é que com Eusápia se tomaram as medidas de precaução mais absolutamente rigorosas contra a possibilidade de qualquer fraude, ligavam-se-lhe as mãos e os pés, ficando uns e os outros cercados por um fio eléctrico que, ao menor movimento, accionava uma campainha. O médium Politi foi, na Sociedade de psicologia de Milão, metido nu em pêlo, num saco, e a Sra. d’Espérance ficou imobilizada numa rede como um peixe e, não obstante, os fenómenos produziram-se.

Depois de tudo isso assisti ainda a sessões em que Eusápia Paladino em transe dava respostas exactas e muito sensatas em línguas que ela não conhecia, como, por exemplo, o inglês. Juntando a esses factos pessoais tudo o que soube das experiências de Crookes com Home e Katie King, das do médium alemão que fazia às escuras as mais curiosas pinturas, adquiri a convicção de que os fenómenos espíritas se explicam, em grande parte, por forças inerentes ao médium e também, por outro lado, pela intervenção de seres supraterrestres, que dispõem de forças das quais as propriedades do radium podem dar uma ideia, por analogia.

...Um dia, depois do transporte, sem contacto, de um objecto muito pesado, Eusápia, em estado de transe, disse-me: “Por que estás a perder o tempo com bagatelas? Sou capaz de fazer com que vejas a tua mãe; mas é necessário que penses nisso com veemência.” Impulsionado por essa promessa, ao fim de meia hora de sessão, tomou-me o desejo intenso de vê-la cumprir-se e a mesa, levantando-se com os seus movimentos habituais e sucessivos, parecia dar a sua anuência ao meu pensamento íntimo. De repente, na meia obscuridade, à luz vermelha, vi sair dentre as cortinas uma forma um tanto curvada, como era a de minha mãe, coberta com um véu. Contornou a mesa para chegar até mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas que a minha meia-surdez não me permitiu escutar. Como, sob a influência de uma viva emoção, eu lhe suplicava que as repetisse, ela me disse: “Cœsar, fiol mio!” o que, confesso, não era costume seu, visto que, sendo de Veneza, dizia mio fiol; depois, afastando o véu, deu-me um beijo.”

Lombroso fala, depois, das casas mal-assombradas e diz:

“Convém acrescentar que os casos de casas em que, durante anos, se reproduzem aparições ou barulhos, concordando com a narrativa de mortes trágicas e observadas sem a presença de médiuns, rivalizam contra a acção exclusiva destes em favor da acção dos mortos.” (xvi)

No Grupo de estudos que por muito tempo dirigi em Tours, os médiuns descreviam aparições de defuntos visíveis apenas a eles, é verdade, mas que nunca haviam conhecido, de quem nunca tinham visto nenhum retrato, ouvido fazer nenhuma descrição, e que os assistentes reconheciam pelas suas indicações.

Às vezes os Espíritos materializam-se ao ponto de poderem escrever, na presença de pessoas humanas e à sua vista, mensagens numerosas, que ficam como outras tantas provas da sua passagem. Foi o que se deu com a mulher do banqueiro Livermore, cuja letra foi reconhecida como idêntica à que ele tinha durante a sua existência terrestre; (xvii) mas, muito mais frequentes vezes, os Espíritos se incorporam no invólucro (corpo) de médiuns adormecidos, falam, escrevem, gesticulam, conversam com os assistentes e lhes fornecem provas certas da sua identidade.

Nesses fenómenos, o médium abandona momentaneamente o corpo; a substituição é completa. A linguagem, a atitude, a letra e o jogo de fisionomia são os de um Espírito estranho ao organismo de que dispõe por algum tempo.

Os factos de incorporação da Sra. Piper, minuciosamente observados e comprovados pelo Dr. Hodgson e pelos Profs. James HyslopWilliam James, Newbold, Oliver Lodge e Myers, constituem o complexo de provas mais poderoso em favor da sobrevivência. (xviii) A personalidade de G. Pelham revelou-se, post mortem, aos seus próprios parentes, a seu pai, a sua mãe, aos seus amigos de infância, cerca de trinta vezes, a tal ponto que não deixou dúvida alguma no espírito deles acerca da causa destas manifestações.

Sucedeu o mesmo com o Prof. Hyslop, que, tendo feito ao Espírito do seu pai 205 perguntas sobre assuntos que ele mesmo ignorava, obteve 152 respostas absolutamente exactas, 16 inexactas e 37 duvidosas, por não poderem ser verificadas. Essas verificações foram feitas no decurso de numerosas viagens efectuadas através dos Estados Unidos para se chegar a conhecer minuciosamente a história da família Hyslop, antes do nascimento do professor, história a que essas perguntas se referiam.

Os Annales des Sciences Psychiques de Paris, Julho de 1907, lembram o seguinte facto, que igualmente se produziu na América no ano de 1860:

“O grande juiz Edmonds, presidente do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Nova Iorque, presidente do Senado dos Estados Unidos, tinha uma filha, Laura, em quem surgiu uma mediunidade com fenómenos espontâneos, que se produziram em volta dela e não tardaram a despertar a sua curiosidade, de tal modo, que começou a frequentar sessões espíritas. Foi então que ela se tornou médium-falante. Quando nela se manifestava outra personalidade, Laura falava por vezes diferentes línguas que ignorava.

Numa noite, em que uma dúzia de pessoas estavam reunidas em casa do Sr. Edmonds, em Nova Iorque, o Sr. Green, artista nova-iorquino, veio acompanhado por um homem que ele apresentou com o nome do Sr. Evangelides, da Grécia. Não tardou a manifestar-se na Senhorita Laura uma personalidade, que falava, em inglês, ao visitante e lhe comunicou grande número de factos tendentes a provar que a personalidade era a de um amigo falecido em casa dele, havia muitos anos, mas de cuja existência nenhuma das pessoas presentes tinha conhecimento. Por momentos intercalares a donzela pronunciava palavras e frases inteiras em grego, o que deu ensejo a que o Sr. Evangelides lhe perguntasse se podia falar em grego. Ele falava efectivamente com dificuldade o inglês. A conversa continuou em grego da parte de Evangelides e alternativamente em grego e inglês da parte da Srta. Laura. Momentos houve em que Evangelides parecia muito comovido. No dia seguinte renovou a sua conversa com a Srta. Laura, depois explicou aos assistentes que a personalidade invisível, que parecia manifestar-se com a intervenção da médium, era a de um dos seus amigos íntimos, falecido na Grécia, irmão do patriota grego Marc Bótzaris. Esse amigo informava-o da morte de um filho seu, também de nome Evangelides, que ficara na Grécia e passava bem no momento em que o seu pai partira para a América.

Evangelides voltou a estar com o Sr. Edmonds várias vezes ainda e, dez dias depois da sua primeira visita, informou-o de que acabava de receber uma carta participando-lhe a morte do seu filho. Essa carta devia vir a caminho quando se realizou a primeira conversa do Sr. Evangelides com a Srta. Laura.

“Estimaria – disse o juiz Edmonds a esse respeito – que me dissessem como devo encarar este facto. Negá-lo é impossível; é demasiado flagrante. Também então podia negar que o Sol nos ilumina.”

Isto passou-se na presença de oito a dez pessoas, todas instruídas, inteligentes, discretas e também todas capazes de fazerem a distinção entre uma ilusão e um facto real.” (xix)

O Sr. Edmonds informou-nos que a sua filha não tinha ouvido até então uma única palavra em grego moderno. Acrescentou que noutras ocasiões ela chegou a falar mais de treze línguas diferentes, entre as quais o polaco e o indiano, quando, no seu estado normal, apenas sabia inglês e francês, este último como se pode aprender na escola. É preciso notar que o Sr. J. W. Edmonds não é uma personalidade qualquer. Nunca lhe puseram em dúvida a perfeita integridade do seu carácter e as suas obras provam a sua luminosa inteligência.

Fenómenos da mesma ordem foram muitas vezes obtidos na Inglaterra. Citemos, neste número, uma manifestação do célebre Prof. Sidgwick pelo organismo da Sra. Thompson, adormecida. Figura nos Proceedings. O Sr. Piddington, secretário da Sociedade, testemunha do facto, redigiu um relatório que foi lido na sessão de 7 de Dezembro de 1903. Fez circular de mão em mão, entre os assistentes, diferentes escritos automáticos, nos quais os amigos e parentes de Sidgwick, o eminente psicólogo que foi o primeiro presidente da Sociedade, reconheceram a sua letra. Ao menos uma vez Sidgwick ter-se-ia esforçado por falar pela boca da Sra. Thompson. O Senhor Piddington descreveu esta cena como a experiência mais realista e impressionante que se encontra em todo o curso das suas investigações. “Não era, diz ele, como se tivesse sido Sidgwick; era ele realmente, ao que se podia julgar.” A personalidade de Sidgwick fez alusão, entre outras coisas, a um incidente que se dera numa das reuniões do Conselho de direcção da Society, “e do qual, se pode dizer com certeza quase absoluta, a Sra. Thompson não podia ter conhecimento”. Uma das pessoas que assistiam à sessão, membro do Conselho de direcção, o Sr. Arthur Smith, levantou-se para dizer que se lembrava muito bem daquela circunstância. (xx)

Relataremos ainda um fenómeno de comunicação durante o sono, obtido pelo Sr. Chedo Mijatovitch, ministro plenipotenciário da Sérvia, em Londres, e reproduzido pelos Annales des Sciences Psychiques, de 1 e 16 de Janeiro de 1910.

“A pedido de espíritas húngaros, para que se pusesse em relação com um médium, a fim de elucidar um ponto da História a respeito de um antigo soberano sérvio, morto em 1350, dirigiu-se à casa do Sr. Vango, de quem muito se falava nessa época e a quem nunca tinha visto até então. Adormecido, o médium anunciou a presença do Espírito de um jovem, ansioso por se fazer ouvir, mas de quem não compreendia a linguagem. No entanto, acabou conseguindo reproduzir algumas palavras.

Elas eram em sérvio, sendo esta a tradução: “Peço-te escrevas à minha mãe Nathalie, dizendo-lhe que imploro o seu perdão.”

O Espírito era o do rei Alexandre.

Chedo Mijatovitch não duvidou, ainda mais quando novas provas de identidade logo se juntaram à primeira: o médium fez a descrição do defunto e este mostrou o seu pesar por não ter seguido um conselho confidencial que lhe havia dado, dois anos antes de ser assassinado, o diplomata consultante.”

Na França, entre um certo número de casos, assinalaremos o do abade Grimaud, director do asilo dos surdos-mudos de Vaucluse. Por meio dos órgãos da Sra. Gallas, adormecida, recebeu, do Espírito Forcade, falecido havia oito anos, uma mensagem pelo movimento silencioso dos lábios, de acordo com um método especial para surdos-mudos, que este Espírito inventara, comunicado ao abade Grimaud, venerável eclesiástico, que era o único dos assistentes que podia conhecê-lo. Há pouco tempo que publicámos a acta dessa notável sessão com as assinaturas de doze testemunhas e o atestado do abade Grimaud. (xxi)

O Sr. Joseph Maxwell, advogado geral no Tribunal de Apelação de Bordéus e doutor em Medicina, na sua obra Phénomènes Psychiques (xxii) estuda o fenómeno das incorporações, que observou em casa da Sra. Agullana, esposa de um estucador, e assim se exprime:

“A personalidade mais curiosa é a de um médico falecido há cem anos. A sua linguagem médica é arcaica. Dá às plantas os nomes medicinais antigos. O seu diagnóstico é geralmente exacto; mas, a descrição dos sintomas internos que ele vê é bem própria a causar admiração a um médico do século XX... Há dez anos que observo o meu colega do além-túmulo. Não tem variado e apresenta uma continuidade lógica surpreendente."

Eu mesmo observei frequentes vezes este fenómeno. Pude, como noutra obra expus; (xxiii) conversar por intermédio de diversos médiuns, com muitos parentes e amigos falecidos, obter indicações que estes médiuns não conheciam e que, para mim, constituíam outras tantas provas de identidade. Se levarmos em conta as dificuldades que comportam a comunicação de um Espírito a ouvintes humanos, por meio de um organismo e, particularmente, de um cérebro que ele não apropriou, a que não deu flexibilidade mediante uma longa experiência; se considerarmos que, em razão da diferença dos planos de existência, não pode exigir-se de um desencarnado todas as provas que a um homem material se pediria, é preciso reconhecer que o fenómeno das incorporações é um dos que mais concorrem para demonstrar a espiritualidade e o princípio da sobrevivência.

Não se trata, nestes casos, de uma simples influência à distância. Há um impulso a que o sujet não pode resistir e que na maior parte das vezes se transforma na tomada de posse do organismo inteiro. Este fenómeno é análogo ao que verificamos nos casos de segunda personalidade. Neste, o “eu” profundo substitui o “eu” normal e toma a direcção do corpo físico, com um fim de fiscalização e regeneração. Mas, aqui é um Espírito estranho que desempenha esse papel e substitui a personalidade do médium adormecido.

As palavras possessão ou posse, de que acabamos de nos servir, foram muitas vezes tomadas em sentido lamentável.

Atribuía-se no passado aos factos que elas designam um carácter diabólico e terrificante, como muito bem disse Myers(xxiv) “O diabo não é uma criatura desconhecida pela Ciência. Nestes fenómenos encontramo-nos somente na presença de Espíritos que foram outrora homens semelhantes a nós e que estão sempre animados dos mesmos motivos que nos inspiram.”

A esse propósito Myers faz uma pergunta: “É a possessão algumas vezes absoluta?”... e responde nestes termos: “A teoria que diz que nenhuma das correntes conhecidas da personalidade humana esgota toda a sua consciência e que nenhuma das suas manifestações conhecidas exprime toda a potencialidade do seu ser, pode igualmente aplicar-se aos homens desencarnados.” (xxv)

Com isso abordaríamos o ponto central do problema da vida humana, a mola secreta, a acção íntima e misteriosa do Espírito sobre um cérebro, quer sobre o seu, quer, nos casos de que nos ocupamos, sobre um cérebro estranho.

Considerada sob esse aspecto, a questão toma importância capital em Psicologia. Myers acrescenta: (xxvi)

“Com o auxilio destes estudos, as comunicações cada vez se tornarão mais fáceis, completas, coerentes, e atingirão níveis mais elevados de consciência unitária. Grandes e numerosas devem ter sido as dificuldades; mas nem de outro modo pode ser quando se trata de reconciliar o espírito com a matéria e de abrir ao homem, do planeta onde está encarcerado, uma fresta para o mundo espiritual...

Assim como, pela clarividência migratória (Myers chama assim à clarividência dos sonâmbulos), o Espírito muda de centro de percepção, no meio das cenas do mundo material, assim também há transmissões espontâneas do centro de percepção para as regiões do mundo espiritual. A concepção do êxtase, no seu sentido mais literal e sublime, resulta assim, sem esforço, quase insensivelmente, de uma série de provas modernas.

Em todas as épocas se tem concebido o Espírito como susceptível de deixar o corpo ou, se não o deixa, de estender consideravelmente o seu campo de percepção, fazendo nascer um estado que se parece com o êxtase. Todas as formas conhecidas de êxtase concordam neste ponto e se baseiam num facto real.”

Vê-se que, graças a experiências, a observações, a testemunhos mil vezes repetidos, a existência e a sobrevivência da alma saem doravante do domínio da hipótese ou da simples concepção metafísica, para se converterem em realidade viva, em facto rigorosamente averiguado. O sobrenatural tocou o fim dos seus dias; o milagre já não passa de uma palavra. Todos os terrores, todas as superstições que a ideia da morte sugeria aos homens se desfazem em fumo. Dilata-se a nossa concepção da vida universal e da obra divina e, ao mesmo tempo, a nossa confiança no futuro fortifica-se. Vemos nas formas alternadas da existência carnal e fluídica o progresso do ser, o desenvolvimento da personalidade a prosseguir e uma Lei Suprema a presidir à evolução das almas através do tempo e do espaço.

/…
(ii) Ver W. Crookes (i) – Recherches sur les Phénomènes du Spiritisme.
(iii) Aksakof (i) – Animismo e Espiritismo, págs. 620 e 621.
(iv) F. Myers (i) – La Personnalité Humaine, pág. 268.
(v) Idem, pág, 280.
(vi) Há necessidade de fazer notar que o Espírito quis aparecer com esse “arranhão” somente para dar, por esse meio, uma prova da sua identidade. O mesmo se dá em muitos dos casos que se vão seguir, em que Espíritos se mostraram com trajes ou atributos que constituíam outros tantos elementos de convicção para os percipientes.
(vii) Proceedings, X, 284.
(viii) Idem, X, 292.
(ix) Phantasms of the Living, I, 212.
(x) Proceedings, X, 283.
(xi) Proceedings, VIII, 214.
(xii) Proceedings, II, 95.
(xiii) Ver Compte rendu officiel du IV Congrès de Psychologle, Paris, F. Alcan, Fevereiro de 1901, reproduzido in extenso pelos Annales des Sciences Psychiques (i).
(xiv) Ver Compte rendu du Congrès Spiritualiste International de 1900 (i), pág. 241 e seguintes. Leymarie, editor.
(xv) Número de Março de 1904.
(xvi) Recomendamos a leitura da obra Hipnotismo e Mediunidade, de Lombroso (i). (N.E.)
(xvii) Ver Aksakof – Animismo e Espiritismo, págs. 620 e 631.
(xviii) Ver o caso de Mrs. Piper. Proceedings, XIII, 284 e 285; XIV, 6 e 49, resumidos na minha obra No Invisível, cap. XIX.
(xix) Havia, entre outras pessoas, Mr. Green, artista; o Sr. Allen, presidente do Banco de Boston; dois empreiteiros dos caminhos de ferro nos Estados do Oeste; Miss Jennie Keyer, sobrinha do juiz Edmonds, etc.
(xx) Revue des Etudes Psychiques (i), Paris, Janeiro de 1904.
(xxi) Ver No Invisível, cap. XIX.
(xxii) Phénomènes Psychiques (i), pág. 26.
(xxiii) No Invisível, caps. VIII, XIX e XX; Cristianismo e Espiritismo, cap. XI.
(xxiv) F. Myers – La Personnalité Humaine, pág. 369.
(xxv) F. Myers – La Personnalité Humaine, pág. 297.
(xxvi) Idem, ibidem.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VII – Manifestações depois da morte, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)

sábado, 11 de maio de 2024

metapsíquica | humana


~~~ a propósito da mediunidade da Sra. Piper

Passando às experiências feitas com a Sra. Piper, o nosso autor em muito reduz a sua tarefa. Recorre ao sistema de citar tudo o que foi obtido de menos probante e mesmo de negativo com esta médium, principalmente no transcorrer de certos períodos da sua longa carreira profissional, em que nela se verificava uma decadência medianímica, transitória é verdade, mas pronunciada. Nesses momentos, ela não mantinha o seu papel de médium, na verdadeira acepção do termo; tornava-se antes um paciente sonambúlico, sugestionado em determinada direcção ou podendo sê-lo à vontade dos experimentadores, mormente quando estes eram pretensos homens de ciência, mas de tal modo incapazes que, longe de se conservarem passivos, a fim de não provocarem interferências desta natureza, intencionalmente, sugestionavam a médium em transe, por meio de insidiosas interrogações. Obtinham, destarte, justamente o que procuravam, como teriam conseguido com qualquer paciente hipnóticoE esse sistema é tanto mais extravagante, quanto ninguém põe em dúvida a possibilidade de, através de sugestões apropriadas, conseguir-se perturbar e mesmo suprimir as delicadas condições medianímicas, sempre oscilantes, num estado instável de equilíbrio, e transformá-las nas do sonambulismo propriamente dito. Daí a possibilidade de se poder provocar, à vontade, o fenómeno hipnótico da “objectivação dos tipos”. Ora, de uma vez, aconteceu que a Sra. Piper, insidiosamente sugestionada no sentido da “objectivação de um tipo”, o personificou, como fazem os pacientes hipnóticos, enquanto pretenso “Espírito Guia” da médium parecia levar a sério a personificação sugerida; compreende-se, entretanto, que o pretenso “Guia” não era mais do que a personificação subconsciente que, por efeito auto-sugestivo, havia tomado o nome de um “Espírito Guia” autêntico. Como era de prever em tais circunstâncias, nenhuma prova de conhecimentos supranormais de outra natureza foi obtida. Deveria o facto bastar ao experimentador para que ele compreendesse a diferença existente entre um caso de “objectivação de um tipo” e a manifestação de uma personalidade autêntica espírita. Mas o pseudo-sábio não estava à altura para poder discernir; pelo contrário, serviu-se triunfante da sua “admirável” descoberta, para os fins que tinha em vista. E esta se reduzia, evidentemente, a uma verdade elementar, dado ninguém jamais haver contestado que, em determinadas circunstâncias, um médium em transe possa ser transformado em paciente sonambúlico. Se nos quisermos lembrar que o professor Hyslop demonstrou, em polémica memorável, como esses factos devem ser interpretados, chegando a conclusões decisivas, veremos que existe, de sobra, motivo para desânimo ao constatar que, ainda hoje, haja quem persista em ressuscitar essas experiências tolas e deploráveis, como se Hyslop não as houvesse, para sempre, marcado com o ferrete da futilidade.

Enfim, por mais que desta última observação ressalte o esforço ingente de tentar fazer-se ouvir por aqueles que fecham propositadamente os ouvidos, eu venho aqui demonstrar, firmando-me nos factos, que uma série inumerável de casos de identificação de Espíritos de mortos foi conseguida com a medianimidade da Sra. Piper. Esses casos permanecem, de modo absoluto, inexplicáveis pela teoria da “prosopopese-metagnomia”, teoria que longe está de ser nova, pois sob a capa de todos esses neologismos se encontram apenas as antigas hipóteses das “personificações sonambúlicas” e da “clarividência telepática”. A hipótese mesmo da “criptestesia” aí a descobriremos. Empreendendo a tarefa que aqui me incumbe, devo lembrar a máxima, cientificamente sem possibilidade de apelo, de Sir William Crookes, segundo a qual “o valor teórico de cem experiências negativas fica literalmente anulado por uma só experiência positiva bem observada”.

Vou começar por um exemplo que Sudre transcreve no seu livro, embora o faça de modo abreviado, ao ponto de lhe tirar todo o valor teórico:

“George Pelham, incorporado na Sra. Piper, reconhece os seus amigos, dentre as pessoas que lhe são apresentadas, e lhes dirige palavras, como o teria feito quando vivo. É verdade que a prova fracassa quando chega a vez da Srta. Warner, que conhecera menina, mas os esforços que faz para se recordar o lançam sobre a pista de novas provas de identidade.”

O episódio acima parece relatado com fidelidade, mas se tivermos em conta o ponto de vista antiespírita do autor, veremos que foi resumido com “grande habilidade”. Como está, aqueles que desconhecem o texto não podem imaginar que o incidente negativo, ocorrido com a Srta. Warner, contém a prova positiva de que as hipóteses combinadas da “prosopopese-metagnomia” são impotentes para explicar o caso da identificação de George Pelham.

Vamos, por isso, reproduzir o incidente em apreço, relatando integralmente a parte que se prende ao caso.

Como se sabe, à personalidade medianímica de George Pelham foram apresentados, cada um de per si, trinta dos seus antigos amigos, que foram imediatamente por ela reconhecidos, sem que uma só pessoa haja sido com eles confundida. E não só Pelham chamou cada um desses pelos próprios nomes, mas ainda a todos dirigiu a palavra, em tons diferentes, como fazia em vida. (Nós não falamos, aqui na Terra, do mesmo modo com todos os nossos amigos; o carácter da nossa conversa varia de acordo com a categoria das pessoas, com a sua idade, com a intimidade que com elas temos e com a estima ou afeição que a cada uma nos prende.)

Chega, enfim, a vez da Srta. Warner, rapariga que Pelham conhecera pequenina, quando contava apenas 8 anos. Pelham não a reconheceu, perguntando ao Dr. Hodgson quem podia ela ser. Hodgson respondeu que a mãe da jovem era amiga da Sra. Howard, que Pelham havia, com alguma familiaridade, conhecido. Reproduzo o diálogo que, em seguida, se travou entre Pelham e a Srta. Warner:

G. P. – Não creio ter-vos conhecido muito.

Srta. W. – Muito pouco, com efeito; vínheis algumas vezes visitar a mamã.

G. P. – Devo, portanto, também ter-vos visto.

Srta. W. – Sim, algumas vezes. Vínheis acompanhado do Sr. Rogers.

G. P. – Interessante! Noutro dia, quando pela primeira vez vos notei a presença, pensei, não sei porque, em Rogers.

Srta. W. – Compreendo, mas não falastes.

G. P. – Não obstante isso, não chego a reconhecer-vos e desejava muito reconhecer todos os meus amigos, o que consegui até agora... Talvez me encontre já muito afastado da esfera terrestre. Em suma, não me posso recordar da vossa fisionomia... Deveis estar muito mudada, não é?

Nesse momento interveio o Dr. Hodgson: – “Vejamos, não te lembras, por acaso, da Sra. Warner?”

A mão da médium traduziu uma forte excitação:

G. P. – Sim, sim, de facto dela me lembro; porventura será a sua filhinha?

Srta. W. – Sim, sou eu mesma.

G. P. – Meu Deus, como crescestes!... Oh, eu conheci muito bem a vossa mãe.

Srta. W. – Realmente, ela apreciava muito a vossa conversa.

G. P. – Tínhamos as mesmas aspirações.

Srta. W. – Como escritores?

G. P. – Sim, precisamente. Mas então conhecestes o Sr. Marte?

Srta. W. – Encontrei-me, de facto, algumas vezes com ele.

G. P. – A vossa mãe compreenderá o motivo por que a ele me refiro. Perguntai-lhe se ainda se lembra do livro que lhe emprestei.

Srta. W. – Perguntar-lhe-ei, podeis estar certo.

G. P. – Perguntai-lhe ainda se ela se recorda das nossas longas palestras, à noite, em sua casa.

Srta. W. – Não sei se delas se lembra, mas perguntarei.

G. P. – Quisera ter-vos reconhecido melhor; não podeis imaginar como é agradável voltar ao passado em companhia dos amigos da Terra!

Srta. W. – Eu era ainda muito criança e não seria de esperar que melhor me houvésseis reconhecido.”

Tal foi o interessante episódio do não reconhecimento, por parte de George Pelham, de uma pessoa que conhecera, quando vivo. O Dr. Hodgson faz a seguinte observação:

“Esta sessão, cumpre não esquecer, realizou-se cinco anos depois da morte de Pelham, e este, ao morrer, havia já três ou quatro anos não via a Srta. Warner. Além disso, convém repetir que a Srta. Warner era apenas uma menina quando, pela última vez, Pelham a vira, de quem não podia, portanto, ser o que se chama um amigo particular, devendo ao mesmo tempo ter sensivelmente mudado depois dos 8 anos. Esse episódio interessante, de não reconhecimento por parte de George Pelham, torna-se, portanto, inteiramente natural. O facto, porém, de estar eu perfeitamente informado do nome e do prenome da Srta. Warner e de sabê-la conhecida de Pelham, dá, ao do não reconhecimento, valor do melhor argumento possível, em favor da tese da existência independente de George Pelham, visto contrapor-se à hipótese de uma personalidade secundária, dependente, para as suas informações, da consciência e da subconsciência de pessoas vivas.”

A ninguém escapará que as considerações do Dr. Hodgson encerram, implicitamente, a refutação da hipótese da “prosopopese-metagnomia”, hipótese que é apenas a reprodução, sob denominação nova, das antigas hipóteses a que Hodgson se refere na sua crítica. Repito, portanto, que, se se tratasse de uma “personificação subconsciente”, assistida pelas faculdades clarividentes da médium, a personalidade de que se trata poderia ter colhido das subconsciências dos assistentes as informações necessárias para uma mistificação, ou, por outra, deveria ter reconhecido imediatamente, na moça que tinha diante de si, a menina que Pelham havia conhecido, quando vivo. Por que não o conseguiu, quando lhe foi possível fazê-lo em relação a todos os demais amigos? Que consequências teóricas daí se devem tirar? Se fosse o caso de uma “personificação subconsciente”, esta, em tais circunstâncias, deveria reconhecer a Srta. Warner, sem hesitar. Se, pelo contrário, se tratasse da presença real do Espírito de George Pelham, este não a deveria reconhecer, dado que ele só a havia visto algumas vezes na primeira infância, sendo ela agora uma mulher. Noutros termos: no caso da interpretação espírita dos factos, observa-se uma concordância admirável entre o que se devia passar e o que, de facto, se passou; enquanto que na hipótese oposta se verifica uma discordância desastrosa, que se manifesta precisamente no momento crítico da “corroboração” experimental da hipótese em apreço. Somos, portanto, obrigados a optar pela hipótese que explica realmente os factos e que não pode ser senão a espírita, pois outra não existe, nem pode existir, capaz de explicar casos análogos. Ora, os casos dessa natureza se contam por centenas nas experiências com a Sra.Piper.

Ainda assim, como a fertilidade sofística dos nossos antagonistas não conhece limites, não deixaria de ser útil acautelar-nos, desde já, imaginando as objecções de que poderiam lançar mão. E não descubro mais que duas.

Vejamos a primeira. Poderiam objectar que as investigações metapsíquicas têm demonstrado que o médium ou o sensitivo não percebe senão com grande dificuldade uma coisa pensada, em dado momento, pelo consultante, enquanto que facilmente a apreende desde que este dela tire o sentido; quer isto dizer que os sensitivos lêem, em geral, facilmente no subconsciente dos indivíduos e só com grande dificuldade na sua mentalidade consciente. Poder-se-ia, pois, presumir que, no caso ora examinado, a personalidade sonambúlica não tivesse apreendido as informações pedidas, pelo facto de nelas estar pensando o consultante. A esta objecção especiosa respondo que, se assim fosse, não haveria como explicar os trinta casos dos amigos, anteriormente reconhecidos, não obstante ter cada um deles em mente os seus próprios nomes, prenomes, parentesco e 16 qualidades, exactamente como se dava com a Srta. Warner e com o Dr. Hodgson. A objecção assim formulada não se mantém de pé; tem contra si os factos, que a deitam por terra.

Abordando a segunda das duas objecções presumíveis, percebo bem que poderiam lembrar que, se a “metagnomia” existe, ninguém afirma deva ela exercer-se permanentemente, donde a possibilidade de não haver ela funcionado no caso em litígio. Que seja. Admitamo-lo, embora aquele diálogo medianímico contenha outras coisas, que merecem ser esclarecidas, além do detalhe que nos prende; mas admitamo-lo, por um momento, ao menos para vermos surgir, formidável, a outra ponta do dilema. De facto, se para o caso que agora nos interessa a metagnomia não funcionava, qual a origem dos detalhes verídicos dados, de conta própria, pelo comunicante? Não; não há fugir: ou admitimos que a metagnomia funcionou e então prova decisiva nos é dada da sua impotência para explicar os casos de identificação espírita, análogos ao citado, ou sustentamos que a metagnomia não funcionou e evidente se torna que as provas de identificação pessoal, fornecidas pelo comunicante, provinham do Espírito do morto que, ali, se declarava presente. Para este dilema outra solução não existe.

Tendo, de modo completo e decisivo, elucidado este primeiro caso contrário à tese “prosopopese-metagnomia” e a todas as outras hipóteses naturalistas forjadas até hoje para explicar os casos de identificação espírita, venho trazer outros exemplos do mesmo género, tirados todos das experiências feitas com a Sra. Piper, limitando-me a fazê-los acompanhar apenas de certos esclarecimentos, por isso que a todos se adaptam aos comentários de ordem geral, que acabo de fazer.

No caso que se segue, a circunstância inconciliável com a hipótese da “prosopopese-metagnomia” consiste em que a personalidade comunicante se equivoca sobre a significação de uma pergunta a ela feita pelo experimentador e responde, citando factos que, embora exactos e apropriados, não correspondem à pergunta; entretanto, rectifica o erro, logo que o percebe.

No decorrer de uma sessão, a que assistia o professor James Hyslop, manifestou-se uma entidade que dizia ser Carruthers, tio do professor. Pergunta-lhe este:

“– Poderás dizer-me algo sobre um passeio de carro que ambos fizemos, pouco tempo depois da morte de meu pai?

– Lembras-te, James, da epígrafe colocada...

– Colocada... onde?

– Sobre o túmulo.

– Sim, meu tio, mas sobre que túmulo?

– Sobre o túmulo de teu pai.

– Sim, lembro-me perfeitamente.

– É a esse passeio de carro que te queres referir?

– Não.

– Aludes, então, à visita que juntos fizemos a Nannie?

– Também não. Diz-nos o que se passou connosco durante um passeio.

– Ah! Julgava que aludias ao dia em que colocamos a epígrafe sobre o túmulo... mas vejo que estamos a pensar em duas coisas diferentes... Deixa-me reflectir. Queres falar da tarde de um domingo...

– Sim, meu tio, é isso mesmo.

– Recordo-me agora; e tu... lembras-te do acidente...

(Esta palavra está em lugar de ruptura; assim explicou o “Espírito-guia” Rector, que, como se sabe, prestava-me a servir de intermediário, com o fim de facilitar as comunicações.)

– Ruptura está muito bem; continua.

– Espera um pouco, James, eu disse que tinha havido uma ruptura e eu a liguei com a... Peguei uma faca e fiz um furo, depois, como nos foi possível, consertamos as rédeas com um cordel...

(Aqui Rector intervém novamente, dizendo: “Ele experimenta tão grande emoção que eu não consigo apanhar-lhe todas as palavras.”) E logo depois a entidade Carruthers recomeçou a expor, em frases entrecortadas, mas de modo claro e minucioso, o incidente em todos os seus detalhes.”

Prof. Hyslop comenta:

“O incidente do nosso passeio ao cemitério, para ver o epitáfio que havia mandado colocar no túmulo de meu pai, é verdadeiro e verificou-se um ano depois da morte deste. Mas eu o tinha completamente esquecido e dele só me lembrei depois que o Espírito de meu tio a ele se referiu. É claro, pois, que absolutamente eu não pensava nele, quando fiz a pergunta. Uma circunstância interessante do diálogo está no facto de a entidade perceber em determinado momento que nós estávamos a pensar em duas coisas diferentes e de assinalá-lo imediatamente...” (American Proceedings, vol. IV, págs. 536-537.)

Trata-se, é certo, de um detalhe teoricamente importante, na sua espontaneidade sugestiva. Dá ele impressão do fragmento de uma conversa entre duas pessoas vivas, que se não houvessem, desde logo, bem compreendido. Esses incidentes parecem de pouca monta, mas sob o ponto de vista teórico têm alta significação em favor da existência real de duas mentalidades independentes, enquanto que se não poderiam de modo algum enquadrar dentro da hipótese da “prosopopese-metagnomia”. Acresce que eles correspondem exactamente aos incidentes não menos insignificantes que, nos tribunais de justiça humana, servem para esclarecer os juízes e o fazem ao ponto de determinar a condenação ou a absolvição do réu.

Neste outro episódio análogo, a personalidade medianímica, dizendo-se o Dr. Hodgson, engana-se sobre o sentido de uma pergunta que lhe é feita pela Sra. William James, esposa do célebre psicólogo.

A Sra. James nunca havia estado em casa do Dr. Hodgson, enquanto ele vivo, e apenas uma vez, depois dele morto. Pensando nessa visita, perguntou-lhe ela:

“– Podeis dizer-me quando estive em vossa casa?  

– Vós, em minha casa! Para tomar chá?

– Não.

– Para consultar documentos, talvez?

– Também não.

– Quem sabe, então, se depois de minha morte?

– Sim, para buscar objectos que vos tinham pertencido...

– Muito bem; eis uma boa prova. Lodge e Piddington ligam grande importância aos incidentes em que me não posso lembrar das coisas que não aconteceram...”

(Proceedings, vol. XXII, pág. 103.)

Esta última reflexão do Dr. Hodgson constitui um traço bem característico do experimentado psiquista, quando vivo. Com efeito, sob o ponto de vista teórico, deve ligar-se importância máxima aos casos em que a entidade comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas, declarando não se lembrar, sempre que tal acontece. E quando se trata, como no caso supra, de um falso indício, que tende insinuar a ideia de incidentes pessoais precisos, esquecidos pelo comunicante, mas que, na realidade, nunca aconteceram, a coisa reveste-se ainda de maior importância, diante da sugestão, nesses casos, forte bastante para ser acolhida até mesmo por pessoas vivas e normais. O facto, em tal circunstância, de não se lembrar de coisas que não se deram, demonstra a presença de uma individualidade independente que, naturalmente, não deve ser outra senão a do defunto, que se diz presente.

Há ainda a observar a natural espontaneidade do diálogo. Já pela primeira exclamação: “Vós, em minha casa!”, Hodgson mostra claramente não se recordar que a Sra. James tenha ido vê-lo; já porque, não confiando demasiadamente na sua memória de Espírito comunicante, ele continua a questionar com certa perplexidade, como o teria feito, com a maior simplicidade, qualquer mortal. Sob o nosso ponto de vista, é evidente que, se se tratasse de “prosopopese-metagnomia”, a personalidade, neste caso mistificadora, teria imediatamente discernido a intenção da Sra. James, ao invés de procurar alcançá-la por meio do critério eliminatório.

Seguem-se dois incidentes análogos e interessantes que, pela preocupação de ser breve, exporei, aproveitando-me do excelente resumo feito por M. Sage, no trabalho por ele consagrado às experiências da Sra. Piper:

“Quando vivia no Estado de Ohio, o Sr. Robert Hyslop, pai do Prof. Hyslop, tinha por vizinho um certo Samuel Cooper. Os cães deste último mataram, certo dia, alguns carneiros de Robert Hyslop, o que provocou, entre ambos, uma desavença, que durou anos. Numa sessão, onde se manifestava uma entidade que dizia ser a de Robert Hyslop, o Dr. Hodgson, que substituía o Prof. Hyslop, fez àquele uma pergunta, que este último lhe havia enviado por escrito, pretendendo, por ela, chamar a atenção do pai sobre os incidentes da sua vida em Ohio. A pergunta era assim concebida: “Lembras-te de Samuel Cooper e a respeito poderias dizer-nos alguma coisa?” O comunicante respondeu: “James quer referir-se ao velho amigo que eu tive no Oeste. Recordo-me perfeitamente das visitas que mutuamente nos fazíamos, e das longas palestras em que nos entretínhamos sobre assuntos filosóficos.” Noutra sessão, onde o Dr. Hodgson ainda estava só, ele voltou ao assunto: “Eu tive um amigo chamado Cooper, cujo espírito apresentava uma feição muito filosófica; nutria por ele um grande respeito. Tivemos oportunidade de muitas vezes, como amigos, discutir; trocamos mesmo muitas cartas, algumas das quais guardei, que talvez possam ser ainda encontradas.” Noutro dia, estando então presente o Prof. Hyslop, o comunicante disse ainda: “Procurei lembrar-me da escola de Cooper.” E no dia imediato, mais uma vez tornou: “Tu me perguntaste, James, o que eu sabia de Cooper: pensaste, por acaso, que ele tivesse deixado de ser meu amigo? Havia guardado algumas das suas cartas, que julgava estivessem contigo.”

Em tudo isso o Prof. Hyslop não encontrava qualquer sinal de Samuel Cooper. Não sabia mesmo que pensar a respeito, quando, por uma pergunta directa, procurou conduzir o pai ao assunto que ele tinha em mente:

– Queria saber – disse ele – se te lembras dos cães que mataram os nossos carneiros.

– Oh, lembro-me perfeitamente, mas me havia esquecido. Foi a causa da desavença entre Samuel Cooper e eu. Mas eu não pensei nele, desde logo, porque não era dos meus parentes nem dos meus amigos. Se eu tivesse compreendido que era dele que querias falar, teria feito um esforço para me recordar. Ele está aqui, mas eu o distingo apenas vagamente.

Este episódio é interessante. Tudo o que Robert Hyslop havia dito até então relativamente a Cooper, nada se referia a Samuel, mas a um velho amigo seu, o Dr. Joseph Cooper. Robert Hyslop havia tido efectivamente com ele numerosas discussões filosóficas e comummente se correspondiam. O Prof. Hyslop talvez tivesse ouvido pronunciar o nome desse homem, mas ignorava completamente houvesse sido íntimo do seu pai. Foi a sua madrasta que lhe forneceu tais pormenores no decorrer das investigações que fez, junto dos seus, com o fim de esclarecer os incidentes das sessões, para ele obscuros. Nota-se que, como nós, os desencarnados são passíveis de se enganarem.

Vou passar, agora, ao incidente certamente mais dramático do caso. O Prof. Hyslop, lembrando-se que o seu pai dava o nome de “catarro” à sua última doença, enquanto que ele, James Hyslop, pensava tratar-se de um cancro da laringe, fez-lhe calculadamente uma pergunta para trazer à baila a palavra “catarro”. Para isso, serviu-se de um termo de que não temos o equivalente, tendo, ao mesmo tempo, dois sentidos, o que impede traduzir a pergunta à letra. Efectivamente a palavra trouble tanto pode significar aflição física como mal-entendido. Deu isso lugar a um curioso equívoco da parte do comunicante, equívoco que a hipótese da telepatia dificilmente poderá explicar. Este, denotando grande espanto, disse:  

– Eu não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, qualquer mal-entendido; se me não falha a memória, tivemos sempre um pelo outro viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido, certamente, com outra pessoa.

– Compreendeste mal, meu pai; quero referir-me à doença.

– Ah! então bem, isso sim; eu sofria do estômago.

– Não sofrias, por acaso, de outra coisa?

– Sim, do estômago, do fígado e da cabeça. Tinha grande dificuldade de respirar; o meu coração, James, o meu coração me fazia sofrer bastante. Não te recordas com que dificuldade eu respirava? Creio, mesmo, que era o meu coração o que mais me fazia sofrer; o coração e os pulmões. Tinha a impressão de que alguma coisa me constringia o peito e me sufocava. mas, por fim... adormeci.

Um pouco depois acrescentou:

– Sabes que a última coisa de que me lembro foi de te ouvir falar: Foste o último a falar. Recordo-me perfeitamente de haver visto o teu rosto, mas estava já demasiado fraco para poder dizer alguma coisa.

Este diálogo desconcertou o Prof. Hyslop, que viu baldados todos os esforços no sentido de obter do pai o nome da doença, que este julgava ter nos últimos tempos de vida. Só um pouco mais tarde, ao redigir a acta da sessão, foi que notou haver o pai descrito, em termos muito seus, as suas últimas horas de vida. O médico havia constatado uma dor no estômago, às 7 horas da manhã; às 9:30 o bater do coração tornou-se menos sensível; pouco depois, a dificuldade de respirar era enorme e o moribundo expirava. Cerrando-lhe os olhos, o filho, James Hyslop, disse: “Tudo está acabado”. Foi o último a falar. Este incidente parece indicar que a consciência nos moribundos dura muito mais tempo do que, em geral, se pensa.” (M. Sage – Mme. Piper, etc., págs. 201-295.)

É de notar que, neste último caso, além dos episódios onde o comunicante se engana na interpretação das perguntas que lhe são feitas, respondendo de acordo – atitude inexplicável pela hipótese da “prosopopese-metagnomia” –, um se apresenta, análogo ao precedentemente citado, em que o comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas; levado por estas a supor que se não pode lembrar dos acontecimentos importantes de sua vida, sente-se tão senhor de si mesmo, que recusa admitir esse esquecimento. Com efeito, o comunicante Robert Hyslop, tendo-se equivocado sobre a significação de uma palavra e crendo que o seu filho fizesse alusão a um mal-entendido ocorrido entre ambos, diz com verdadeira surpresa: “Não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, o menor mal-entendido. Se me não falha a memória, sempre tivemos, um pelo outro, a mais viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido certamente com outra pessoa.” A espontaneidade eloquente dessa linguagem a ninguém deixará de impressionar, assim como a importância teórica de episódios semelhantes, somente explicáveis com o auxílio da hipótese espírita.

Neste outro exemplo, de que nos vamos ocupar, a inaplicabilidade da hipótese da “prosopopese-metagnomia” ressalta do facto de a personalidade do comunicante chegar às últimas particularidades de que se lembra, sobre o leito de morte, e que coincidem com alguns dos seus movimentos, indicando a própria consciência, sem invadir o campo das recordações complementares, presentes no pensamento do interlocutor, recordações efectivamente pouco conciliáveis com as condições comatosas em que se encontrava o moribundo.

Numa sessão muito interessante, onde a entidade comunicante era a finada esposa do professor Hyslop, ela disse, dirigindo-se ao marido:

“Lembras-te da noite anterior à minha morte? Estavas sentado comigo, ou antes, perto de mim; mas, a não ser disso, de bem pouco mais me recordo.

– Lembro-me perfeitamente, Maria.

– E tu tomaste a minha mão; não foi?

– Sim, exactamente.

– E eu me recordo, ao contrário, de muito pouca coisa.

(Não tendo sido esta última frase enunciada claramente, Rector explica que ela queria dizer que se lembrava muito pouco do incidente e que ele se devia recordar melhor.)”

Prof. Hyslop comenta:

“A minha mulher piorara na manhã de sexta-feira. Havia passado ao estado de inconsciência (dentro do que era possível presumir) na noite de quarta-feira, às 11 horas, e assim permaneceu, pelo menos aparentemente, até à morte. Na tarde de quinta-feira, se não me engano (o que não é provável, por haver de tudo tomado nota logo após o falecimento), encontrando-me à sua cabeceira, tomei-lhe a mão e fiquei surpreendido de constatar que, se eu fazia determinado sinal, ela demonstrava dele ter consciência, de modo evidente... Para não diminuir o valor de ulteriores alusões, da parte dela, e ainda possíveis, sobre esse incidente, abstenho-me de dizer como me conduzi nessa ocasião. Basta se saiba, por enquanto, que o conteúdo da mensagem é exacto, parecendo apenas, como é provável e natural, que ela se lembra de bem pouca coisa além dos pormenores comunicados... Nestas condições, como poderia a telepatia chegar a circunscrever os limites do estado de coma, em que se encontrava a suposta comunicante, ao ponto de saber distinguir os detalhes conciliáveis com as condições em que se encontrava, daqueles que só por mim podiam ter sido apreendidos? Por que não fornecer os outros pormenores complementares? Por que parar tão oportunamente?” (American Proceedings of the S.P.R.; vol. IV, pág. 545.)

De facto, se pensarmos que os detalhes complementares estavam presentes no espírito do consultante, nem mais nem menos que os outros observados, não poderíamos compreender o mistério de uma selecção tão sábia da parte da... “prosopopese-metagnomia”.

Longa já vai a lista dos exemplos que opus às malfadadas hipóteses aqui combatidas; resumirei, portanto, mais dois apenas.

Nas sessões experimentais da Srta. Macleod, uma irmã desta, de nome Etta, manifestou-se quando ainda viva e atormentada pelo mal que a devia levar ao túmulo, julgava ela sofrer de uma doença do estômago; as demais pessoas da família sabiam, entretanto, tratar-se de uma doença do coração. Ora, na mensagem medianímica, ela, entre outras, faz alusão à causa da sua morte, atribuindo-a a uma doença do estômago. (Proceedings of the s.P.R., vol. XIII, pág. 351.)

Como conciliar esse género de erros com a hipótese da “prosopopese-metagnomia”? A Srta. Macleod conhecia a verdade, os familiares ausentes também a não ignoravam; nem a metagnomia com os presentes nem com os ausentes, bastaria para elucidar o incidente.

Difícil ainda seria harmonizar a “prosopopese-metagnomia” com este outro incidente. No admirável caso de identificação dos gémeos do casal Thaw, o “Espírito-guia” Phinuit, que afirmava os estar a ver exactamente como se apresentavam em vida, equivocou-se, julgando fosse um menino a menina Ruthy; ora, enquanto eles vivos, toda a gente que via a menina Ruthy tomava-a por um menino. (Proceedings, vol. XIII, pág. 384.)

A confissão feita por Phinuit não precisa ser comentada, desde que tomemos à letra a sua própria afirmação de estar a ver os gémeos, exactamente como eram em vida; mas nada se explicaria, ao contrário, pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia”, se considerarmos que os pais, presentes, conheciam bem o sexo da filhinha e deveriam, por conseguinte, ter telepaticamente influído sobre Phinuit.

Antes de nos despedirmos dos casos que se relacionam com a medianimidade da Sra. Piper, convém abordar um outro facto negativo, sobrevindo nas experiências com essa médium. Sudre a ele liga grande importância, encarando-o como prova decisiva, em apoio da sua tese. Mal se concebe não tenha percebido que, embora negativo, desastroso é ele para as hipóteses da “prosopopese-metagnomia”.

A personalidade medianímica, que afirmava ser o Espírito de Myers, não conseguiu revelar o conteúdo de um invólucro lacrado, pelo eminente psiquista deixado antes de morrer, a fim de poder, depois de morto, provar, medianimicamente, a própria identidade. Daquilo que, sob o ponto de vista espírita, pode ser facilmente explicado, com o auxílio das considerações feitas pelo Prof. Hyslop, relativamente às interferências perturbadoras que se produzem no acto da comunicação, não nos ocuparemos por enquanto. O que urge deixar bem claro é que, depois de diversas tentativas, os directores da Society for Psychical Research, depositários do invólucro, decidiram abri-lo e tomar conhecimento do seu conteúdo. Se a medianimidade da Sra. Piper consistisse realmente numa forma de metagnomia combinada com a prosopopese, deveria ela ter desalojado o famoso segredo, ao menos de uma das subconsciências que então já o possuíam, e isso com tanto maior razão, quanto os detentores do segredo se encontravam habitualmente presentes nas sessões realizadas posteriormente. Não obstante, nada foi revelado.

O mesmo se pode dizer do caso do Sr. Blodgett, e este com a circunstância notável de, constatado o insucesso e aberto o invólucro, continuar ele as sessões com o fim deliberado de, ainda que demasiado tarde, obter qualquer manifestação a respeito. Renovaram-se as tentativas também da parte da personalidade comunicante, ou da médium em transe, se preferirem, para a revelação do conteúdo já conhecido do Sr. Blodgett e do Prof. W. James, mas tudo resultou também inútil.

Como vimos, mesmo nos dois últimos casos com a Sra. Piper, em que as circunstâncias eram em extremo favoráveis, não conseguiu essa médium captar telepaticamente o pensamento consciente ou subconsciente dos assistentes ou dos ausentes. Quer isto dizer que nos casos com a Sra. Piper a hipótese da “prosopopese-metagnomia” foi ainda uma vez rebatida pelos factos, que se encarregaram de demonstrar que os incidentes de identificação pessoal de defuntos, que se produziram por intermédio dessa médium, devem ser considerados como autenticamente espíritas.

Ainda uma observação. Os casos acima, que na sua totalidade representam variadas formas de manifestações inexplicáveis por qualquer uma das hipóteses naturalistas, oferecem-nos o ensejo de formular uma conclusão de ordem geral, mas de excepcional valor teórico a que cheguei, isto é, que a repulsa que se verifica no campo dos metapsiquistas puros pela explicação espírita dos casos de identificação dos mortos deve ser atribuída, principalmente, à circunstância de ali estarem sinceramente convencidos de que o simples facto da existência da metagnomia (ou clarividência ou criptestesia, se mais preferem) torna supérflua a hipótese espírita, por poderem explicar cientificamente todos os casos dessa natureza por meio das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana. Mas absolutamente assim não é. Aquela opinião, fruto de uma análise superficial dos factos, não passa de um preconceito deplorável, de um erro evidente, que precisa ser combatido com energia, se quisermos que as investigações metapsíquicas enveredem pela senda de uma orientação menos partidária.

Vimos, com efeito, que em todas as circunstâncias análogas às que tive ocasião de citar, de casos de identificação pessoal de mortos, os mesmos não são absolutamente explicáveis pela metagnomia. Vimos, ao mesmo tempo, que nas circunstâncias acima referidas se podem facilmente discernir os casos autenticamente espíritas dos que o não são, ou mais precisamente, dos que não apresentam suficientes garantias nesse sentido.

Longe, portanto, de concordarmos que graças a “prosopopese-metagnomia” se conseguem explicar os casos de identificação de mortos, deveremos concluir que todos os casos de identificação de mortos, com episódios análogos aos que por mim foram aqui citados, devem ser considerados autenticamente espíritas, como experimentalmente têm sido demonstrados.

Aqueles que sustentam o contrário precisam justificar as suas opiniões, refutando, com argumentos, os argumentos por nós até aqui expostos, e também os que se vão seguir.

/…
(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto ao leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); II – A propósito da mediunidade da Sra. Piper, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)