Lamento sinceramente ter de interromper aqui o exame dos argumentos que o nosso
autor, profusamente, espalha em volta das experiências feitas com a Sra. Piper.
Se me fosse dado continuar esse exame, dele resultaria uma crítica bastante
instrutiva, pois teria de continuar, através dos factos, a demonstrar que, na
sua maioria, os incidentes verificados com esta médium são
inexplicáveis pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia (clarividência,
*)”, embora não seja necessário mais do que ficou dito para fazer ruir,
nesse primeiro embate, o castelo de sofismas e paralogismos, tão laboriosamente edificado por Sudre. Impus-me,
entretanto, o dever de analisar todos os pontos abordados por ele num livro
exageradamente parcial; longo, portanto, é o percurso a cobrir e minguado o
espaço para refutar as inexactidões, as afirmações gratuitas, os paralogismos e
os sofismas que como serpentes se entrelaçam uns nos outros, não raro
amontoando-se às dezenas numa só página. A maior dificuldade está na escolha.
Eis uma pequena amostra. Na página 338, apresenta-nos ele este parágrafo
surpreendente:
“Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer, de um lado, que
a metagnomia,
a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a
intervenção dos mortos e, de outro, que no fenómeno espírita transborda sempre
o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos. Discutem
então sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que
declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas, quando
não se vêm apoiar audaciosamente no animismo, para provar o
Espiritismo, sem a necessária preparação para distinguirem um do outro. Mas
os espíritas que o fanatismo não cega desistem de encontrar nos factos provas
cruciais. Sabem que as suas presunções serão aceites como provas, segundo a
concepção que cada um tem “das probabilidades dramáticas da Natureza” (para
usar a expressão original de William James). Como Myers, como Geley, eles pedem o acto
de fé necessário a um sistema metafísico, fundado noutras ciências, que não a
Metafísica, quando não sobre postulados morais. Assim o Espiritismo dito
“científico”, inaugurado por Delanne, parece haver
entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho
Espiritismo moral de Allan Kardec (i) que, em si, não
é, de todo, mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”
Não existe no trecho acima uma única afirmação que não seja
errónea, gratuita, insidiosa ou sofística. Sudre começa
dizendo: “Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer que a metagnomia, a
telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a
intervenção dos mortos.” Ora, os espíritas sempre o reconheceram; foi
justamente um espírita, Alexandre Aksakof,
que, há quarenta anos, classificou os fenómenos medianímicos em três
categorias; fenómenos de Personismo, de Animismo e
de Espiritismo, demonstrando que as duas primeiras categorias
provinham das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana, sem
qualquer intervenção do Espírito dos mortos.
Com que direito, pois, dizer que os espíritas foram “hoje”
compelidos a reconhecer esse facto?
Continua Sudre afirmando
que (“hoje” sempre) os espíritas foram obrigados a concordar que no “fenómeno
espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do
subconsciente dos vivos”. Abstracção feita do “sempre”, que é aí demasiado,
posso afirmar que os espíritas, pelo contrário, reconheceram o facto desde
a alvorada do movimento espírita. Eis, por exemplo, como se exprime um
espírita, de primeira, Adin Ballou, na página 67 do seu livro Spirit Manifestation, vindo à
luz em 1852:
“O que se passa através do médium deve,
em verdade, estar sujeito à influência do espírito dos vivos. As
ideias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos, os pontos de
vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos
acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos dos mortos procuram
transmitir, por intermédio de um cérebro alheio. Além disso, as
influências mesméricas e
psicológicas da parte da mentalidade dos experimentadores, que podem dominar a
do médium, devem igualmente produzir um efeito perturbador análogo. Segue-se
que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são transmitidas ou,
mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente
diferentes, daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um
francês se comunicasse com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco
familiarizado com aqueles dois idiomas. O interlocutor inglês teria não pequena
dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido. Nos casos desta
natureza, nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida uma tradução
perfeita do que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir.”
Eis o raciocínio de Adin Ballou, há setenta e
cinco anos e, esta sua opinião encontra-se transcrita nas obras de Capron
(1858), do professor Robert Hare (1855), do Dr. Wolfe (1869), de Alexandre Aksakof (1889);
mas para Sudre só
“hoje” os espíritas foram obrigados a reconhecê-lo e, isso mesmo, graças à
força esclarecedora das pesquisas dos metapsiquicos destes últimos tempos.
Mas continuemos. O nosso autor ainda assim se exprime: “Então
discutem (os espíritas) sobre algumas categorias de fenómenos, em que se
entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pela teoria metapsíquica.” Estas
“algumas” categorias de fenómenos inexplicáveis pela teoria metapsíquica” são
antes numerosas e nada mais natural que os espíritas as
declarem inexplicáveis pela hipótese naturalista, pois, de facto, o são. Os
próprios metapsiquistas anti-espíritas de tal forma o compreendem e, com isso,
tal embaraço experimentam, que evitam prudentemente discuti-las, contentando-se
de apenas a elas aludir, de modo geral, em nada concludente ou a elas não se
referindo de modo algum, o que ainda é mais cómodo. Isso não impede, porém, que
esses mesmos metapsiquistas continuem a inculcar a sua argumentação
anti-espírita, como se houvessem respondido, refutado, destruído a dos seus
opositores. Mais tarde voltaremos a este ponto, particularmente importante.
A continuação do trecho, cujo exame empreendemos, é curiosíssima.
Com efeito, ele faz-nos saber que os espíritas “se apoiam audaciosamente no
animismo para provar o Espiritismo, sem terem a necessária preparação para
distinguir um do outro”. A primeira parte desta objecção é estupenda e,
a segunda completamente falsa. Estou eu entre aqueles que, de há
trinta anos para cá, se apoiam “audaciosamente” no animismo para provar o
Espiritismo; nos números de Novembro-Dezembro de 1925 e de Janeiro-Fevereiro de
1926, da Revue Spirite fiz sair um longo artigo, rigorosamente
documentado, com o fim de demonstrar que o Animismo, sob o ponto de vista de
demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma, era mais
importante e decisivo do que o próprio Espiritismo; e nesse artigo fiz
ressaltar a circunstância, altamente eloquente, de Frank Podmore, isto é, o
adversário mais encarniçado da hipótese espírita, haver, mesmo ele, reconhecido
essa verdade, nos termos que se seguem:
“Seja ou não verdade que as condições do além permitem, às vezes,
aos que lá se encontram, entrar em comunicação com os vivos, é, em todo o caso,
claro que essa questão se tornaria de importância secundária se
se chegasse a demonstrar, sobre a base das faculdades inerentes ao espírito,
que a vida da alma não está ligada à vida do corpo. Noutros termos, deve
necessariamente admitir-se que, se é verdade que no sono medianímico
ou extático, o Espírito conhece o que, à distância, se passa, percebe coisas
escondidas, prevê o futuro e lê no passado, como num livro aberto, então –
considerando que estas faculdades não foram certamente adquiridas no
processo de evolução terrena, cujo meio lhes não é próprio nem lhes justifica a
emergência – então, dizia, parece que se poderá inferir que estas
faculdades demonstram a existência de um outro mundo mais elevado, no qual elas
se deverão exercer livremente, em harmonia com outro ciclo evolutivo, que
já não seria regido pelo nosso meio terreno. É importante
acrescentar que a teoria aqui esboçada não é nenhuma especulação
filosófica, fundada em suposições não verificáveis; é uma hipótese
científica, baseada na interpretação de uma categoria precisa de factos... Seria
inútil contestar que, se se pudesse provar a autenticidade dos
fenómenos de premonição, de clarividência e tantos outros que testemunhassem
que no nosso espírito se encontram faculdades psíquico-sensoriais
transcendentais, então o facto da independência do espírito do corpo
seria manifesta.”
Por conseguinte, segundo Podmore “seria inútil
contestar” a sobrevivência da alma, desde que se provasse a existência de
fenómenos de “metagnomia”.
E não é outra coisa o que, por minha vez, tenho sustentado desde sempre. O que
pensa disto Sudre?
Amarga decepção deve ter sido a sua, quando viu, pelo meu artigo anterior, que
o próprio Podmore, audaciosamente, pensava que o Animismo
constituía prova para o Espiritismo! E o que de mais “trágico” se
verifica na situação de Sudre é que Podmore pelo menos se mantinha dentro da
ilusão de poder reduzir todos os fenómenos metapsíquicos exclusivamente à
telepatia e de, consequentemente, poder negar os fenómenos de metagnomia propriamente
dita. Com isto ele se sentia garantido na sua qualidade de campeão
mundial do anti-espiritismo; enquanto que Sudre não deve ter fácil a porta de
saída, ele que está firmemente convencido da existência das faculdades
supranormais em questão.
Como, pois, salvar do naufrágio inevitável o frágil barquinho do
seu anti-espiritismo materialista? Com as “bolsas de vento” que lhe prende às
bordas? Não; nem será com as frases ocas e retumbantes, das que lança mão nos
momentos críticos, que poderá enfrentar a argumentação que, intimamente,
reconhecendo invulnerável, não ousa atacar de frente. É o que ainda agora se dá
ao ter de enfrentar o caso da demonstração irrefutável do Espiritismo pelo
Animismo; interpõe no período a palavra audaciosamente, com a qual
pretende insinuar que as pretensões dos espíritas a esse respeito são
injustificáveis e temerárias.
Deve ele compreender bem que as frases apenas para armar não
produzem refutação, não constituem provas e são de duração efémera; mas ele se
dá por satisfeito, desde que elas produzam pelo menos uma pequena impressão
deletéria no espírito dos leitores menos prudentes e pouco ao corrente da
discussão. É possível que consiga isso algumas vezes, o que não impede,
entretanto, que, demonstrando não poder responder à argumentação firme e lógica
dos espiritualistas, ele vote a sua causa a irremediável desastre. E o seu
livro transborda dessas frases, do mesmo modo que os seus artigos delas vêm
salpicados. Por mais de uma vez fui visado pelos rasgos, um tanto embotados,
dessa fraseologia, rasgos que, antes, me divertiram, porque, nas circunstâncias
em que me procuraram atingir, não representaram para o seu autor mais do que
uma satisfação demasiado efémera. O meu contraditor não havia conseguido
responder à refutação de uma das suas teses, apesar de imprudentemente haver
prometido pronta resposta que, a seu ver, não poderia deixar mesmo de ser
“muito fácil”. Chegado, porém, o momento, a coisa lhe pareceu, ao contrário,
bem difícil, ou, para ser mais claro, só então se convenceu de ser logicamente
impossível refutar aqueles argumentos.
Mesmo assim, Sudre continua a
servir-se da hipótese reduzida a zero, tal como se a houvesse vitoriosamente
defendido, ou pelo menos refutado com algum êxito a minha argumentação.
Voltando ao assunto, deixo aqui consignado que se Sudre lançar uma
das suas frases habituais, a propósito da afirmação irrefutável de que o
Animismo constitui uma prova para o Espiritismo, não me hei de assustar, antes
farei ao meu antagonista um apelo formal – em nome da investigação sincera e
apaixonada da Verdade pela Verdade – para que nos oriente do modo pelo qual
explica a existência, na subconsciência humana, de faculdades e sentidos
supranormais, independentes da lei da evolução biológica.
O que peço a Sudre é que, ao
elucidar-nos, o faça do único modo plausível, isto é, destruindo com lógica os
argumentos por mim, nesse sentido, expostos no artigo, cujo texto já dei e que
pode ser por ele encontrado na Revue Spirite, artigo em que eu
demonstrava, de modo decisivo, que sempre que os nossos antagonistas
pensam combater a hipótese espírita, recorrendo aos poderes da metagnomia, nada mais
fazem, na realidade, do que demonstrar a existência e a sobrevivência da alma,
apenas colocando a questão, antes, sob o ponto de vista do Animismo que do
Espiritismo, o que, em suma, vem a ser uma e a mesma coisa.
Espero o meu contraditor no terreno da prova; mas sinceramente
digo estar, de antemão, convencido de que ele terá o cuidado de não responder a
esta questão de valor decisivo para o ponto de vista espiritualista. Não
impedirá isso, no entanto, de continuar a fazer prevalecer imperturbável a sua
opinião contrária à sobrevivência da alma e a tachar de audaciosos os
argumentos que ele é incapaz de demonstrar que sejam falsos. São
inconsequências fatais naqueles que têm o espírito obscurecido por irredutíveis
preconceitos.
Poderiam objectar-me ser inútil a minha insistência em procurar
convencer os que se obstinam em não querer compreender, mas a minha insistência
não visa convencer o meu competidor e tão-somente a levar a tranquilidade de
espírito àqueles poucos que, por acaso, se tenham deixado perturbar pelas suas
insinuações sofísticas.
Abro aqui um parêntesis para tratar com o professor Charles Richet.
Havia acabado de escrever as páginas acima, quando recebi o número
de Janeiro-Fevereiro da Revue Metapsychique, 1926, onde, num breve
artigo, o Prof.Richet, fazendo notar a existência, nos nossos dias, de um certo número de
sensitivos clarividentes, pensa que pode isto traduzir o prelúdio do próximo
aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”. Passando a examinar
cientificamente a origem presumível desse novo sentido, procura explicar o
facto pela teoria muito conhecida do Dr. Vries, sobre as
“mutações bruscas” transmissíveis à descendência, tal como se observa no reino
vegetal.
Ouso lembrar ao Prof. Richet que a
frequência actual de sensitivos clarividentes – frequência aliás muito relativa
– decorre exclusivamente do facto de, nestes últimos anos, entre os povos
civilizados, serem esses indivíduos muito procurados e observados, ao passo que
antigamente eram em geral conduzidos à fogueira, o que, em muito, lhes reduzia
o número. Nada, entretanto, de novo sobre o caso. Se interrogarmos a
respeito a história da antiguidade clássica, bíblica, egípcia, babilónica, se
ascendermos a eras mais remotas, até às crónicas sagradas dos povos do Oriente,
encontraremos os melhores elementos para nos provar que as faculdades de
clarividência permanecem em estado absolutamente estacionário, através dos
séculos, não obstante as civilizações e as raças, o que já não é pouco para
condenar aquela hipótese.
Mas outra circunstância de facto, que contradiz a tese do Prof. Richet, de modo
decisivo, é a frequência de fenómenos de clarividência, sob as suas múltiplas
formas, no meio dos povos selvagens.
Pessoalmente estudei o assunto, em longa monografia que, como
todas que a precederam, não é fruto de pesquisas superficiais, mas de acurado
estudo, em longo período de 35 anos. Adquiri, portanto, certa competência no
assunto e posso afirmar não existir tribo selvagem que não tenha o seu
feiticeiro-curador, com predicados absolutamente análogos aos dos
clarividentes, entre os povos civilizados.
Os relatórios dos exploradores e dos missionários estão repletos
de casos dessa natureza, que se contam por centenas. Daí podermos concluir em
sentido diametralmente oposto ao que nos sugere o Prof. Charles Richet,
isto é, que, se as faculdades de clarividência sob todas as formas são mais
frequentes entre os povos primitivos que entre os civilizados, não há razão
para admitirmos a hipótese do aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”
graças à lei biológica das “mutações bruscas”.
Devemos, além disso, ter presente uma outra consideração,
teoricamente de grande importância, qual a do Prof. Richet se não
haver lembrado da impossibilidade de se tratar de um “sexto sentido” em
gestação, por isso que os fenómenos de clarividência se produzem pela
utilização dos sentidos existentes: visão, audição e tacto. Acrescentaremos
que, por outro lado, deixou ele de considerar que esses fenómenos, ao contrário
de serem determinados pela percepção directa, isto é, da periferia para o
cérebro, como se deveriam produzir para todo e qualquer sentido biológico
passado, presente ou futuro, eles se determinam por percepção inversa, ou seja,
do cérebro para a periferia, sob a forma de visões ou audições subjectivas,
projectadas fora e quase sempre de natureza simbólica, mais ou menos
manifesta. Ora, a natureza simbólica de quase todas as percepções
supranormais reveste-se de alto valor teórico, porque mostra que essas
percepções independem, não somente dos sentidos periféricos, mas também dos
centros cerebrais correspondentes. Com efeito, o simbolismo das
percepções prova que os centros cerebrais não percebem activamente,
mas registam passivamente o que lhes é transmitido, por
um terceiro agente a elas estranho, único a perceber directamente, para
depois transmitir os seus conhecimentos ao sensitivo, sob a forma de
representações simbólicas. Isto, evidentemente, porque sendo as suas
percepções qualitativamente diferentes das que podem assimilar
os centros cerebrais do sensitivo, ele é obrigado a transmiti-las sob a forma
de objectivações alucinatórias, que o sensitivo ou os interessados podem,
facilmente, interpretar. E como esse terceiro agente estranho ao
cérebro, outro não pode ser senão a personalidade integral
subconsciente do sensitivo, conclui-se que, baseando-se nas circunstâncias
expostas, nós veremos emergir, manifesta e incontestável, a contraprova de que
a “personalidade integral subconsciente” é uma “entidade espiritual”
independente de toda a ingerência funcional, directa ou indirecta, do órgão
cerebral. Resulta ainda, disso, que as faculdades supranormais, esporadicamente
assinaladas, de todos os tempos e em todos os lugares, na Humanidade são, na
realidade, as faculdades de sentidos espirituais da personalidade integral subconsciente,
em estado latente, na subconsciência humana, para emergir e se exercer num meio
espiritual, após a crise da morte; do mesmo modo que no embrião se
encontram formadas, de antemão e em estado latente, as faculdades de sentidos
terrenos, à espera do momento que lhes há de permitir se exerçam no seio do
meio terrestre, após a crise do nascimento.
Como se pode verificar, as induções sobre a base dos factos nos
arrastam para longe da hipótese aventada pelo Prof. Richet, hipótese
que aparece insustentável, sob o ponto de vista biológico, psicológico e
metapsíquico.
Dito isto, devo confessar sinceramente que o artigo do Prof. Richet me
produziu, pessoalmente, uma impressão dolorosa, de profundo desalento.
Revela-me a inutilidade dos esforços intelectuais, a que me submeto há trinta e
cinco anos, com o fim de dar a minha contribuição à investigação da ciência
metafísica. Se o Prof. Richet, antes de expor a sua hipótese, houvesse
demonstrado o erro da minha argumentação, eu teria testemunhado o meu
reconhecimento àquele que assim me houvesse esclarecido sobre problema do mais
alto valor científico. Mas o Prof. Richet enuncia a sua hipótese sem fazer a
mínima alusão à existência de um estudo recente sobre o assunto, estudo que o
contradiz no terreno dos factos. Ora, como do choque das ideias é que ressalta
a centelha da Verdade, se no meio metapsíquico, uma das partes segue o seu
caminho sem se preocupar com o que faz a outra, não se chegará, nesse ramo de
ciência, a qualquer conclusão. Nessas condições, tanto vale não escrever coisa
alguma, cada um se limitando egoisticamente a estudar apenas para si, deixando
que os demais pensem como melhor lhes parecer.
Agora que já me expliquei com o Prof. Richet, fecho o
longo parêntesis e retomo a discussão com o Sr. René Sudre,
examinando a segunda parte do curto mas virulento trecho do seu trabalho, em
cuja análise me detive.
Havia eu dito que a primeira parte deste trecho era estupenda e a
segunda inteiramente falsa. Com efeito, nesta segunda parte, o autor tem a
“audácia” (para usar-lhe do termo) de escrever que os espíritas afirmam que o
Animismo prova o Espiritismo “sem estarem preparados para entre os dois poderem
discernir”. Para colocar logo as coisas nos seus lugares (pois a insinuação
de Sudre tem
por fim apenas embaralhar), devo lembrar que a questão que acabamos de tratar,
relativamente aos fenómenos anímicos, que só por eles demonstram a
sobrevivência da alma, nada tem de comum com aquela que distingue os casos de
animismo dos de Espiritismo. Referindo-se, agora, de um modo directo, à
objecção formulada e, segundo a qual, os espíritas não estão em condições de
poder distinguir os fenómenos anímicos dos espíritas, lembro ao meu opositor
que toda a discussão, que vimos de sustentar a propósito da Sra. Piper,
prova, ao contrário, a existência de critérios analíticos capazes de permitir
fácil distinção entre os fenómenos positivamente espíritas e aqueles que não o
são ou, mais precisamente, aqueles que não apresentam suficientes garantias
científicas nesse sentido.
Reservo-me a voltar posteriormente ao assunto, trazendo novos
factos e novos argumentos. Convido, pois, o meu contraditor a me responder
também sobre este ponto, refutando toda a argumentação que a precede e a que se
vai seguir. Se, porém, ele preferir o meio mais cómodo do silêncio, isto
quererá dizer que ele reconhece não poder responder. Quanto a mim,
pelo contrário, reconheço estar em condições de responder em todas as
circunstâncias – graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da
causa que defendo. Assim, não deixarei passar uma só objecção contrária sem
convenientemente a refutar.
Continuando a análise do trecho referido, vemos que Sudre diz: “Mas os
espíritas que o fanatismo não cega e, que têm uma cultura científica
suficiente, renunciam a encontrar nos factos provas cruciais.”
Se se trata de “provas cruciais”, no sentido de “provas
absolutas”, a renúncia, de facto, existe, por isso que não há quem ignore ser
absurdo e impossível pretender uma “prova absoluta” num ramo de saber qualquer
ou numa circunstância da vida, seja ela qual for. Esperamos que os nossos
contraditores comecem por nos fornecer a “prova absoluta” daquilo que adiantam,
em sentido negativo. Não o podem fazer, assim como também nós, porque nenhum
representante da ciência oficial nunca poderá fornecer a “prova absoluta” de
qualquer coisa. E isso pela simples razão de que nós mesmos, pobres
individualidades condicionadas, vivemos no “relativo”, não podendo, por isso,
jamais afirmar uma coisa em termos de certeza absoluta. Mas se Sudre, ao contrário,
pela expressão de que faz uso, quer aludir às provas científicas suficientes
para legitimar uma hipótese, então labora em grande erro, pois os espíritas de
“cultura científica” são da opinião do professor Hyslop, que tinha essa
cultura e que solenemente afirmou esta verdade nos seguintes termos:
“Não existe outra explicação racional dos factos senão a hipótese
da sobrevivência da alma; as provas cumulativas, que convergem em seu favor,
são por tal forma peremptórias que não hesito em declará-las em tudo
equivalentes, senão mesmo superiores, àquelas que confirmam a teoria da
evolução.” (Contacts with the other world, pág. 328.)
Acrescenta, afinal, Sudre: “Como Myers e Geley, eles pedem o acto
de fé necessário a um sistema metafísico edificado sobre outras
ciências que não a metafísica, quando não sobre postulados morais.” Ignoro a
que se quer referir o nosso autor quando cita Myers e Geley, mesmo porque, ao se
citarem autoridades deste valor em defesa de uma tese, tem-se por dever
reproduzir as opiniões para as quais se apela, sem o que os nomes invocados não
representam mais do que simples expediente de retórica.
Em todo o caso, afirmo, por meu lado, que nada pode haver de tão
contrário à verdade, como de supor que os defensores da hipótese espírita
firmem o seu ponto de vista sobre a base de um “acto de fé”. É justamente o
contrário que se verifica. A força de expansão do Espiritismo, precisamente,
reside no facto de haver ele banido para sempre os “actos de fé”, baseando-se
exclusivamente nas induções e nas deduções dos factos, do mesmo modo que sobre
a convergência das provas, tudo exactamente como em todo o outro departamento do
saber humano. Quanto a mim, posso mesmo acrescentar que sempre tive pelos actos
de fé uma espécie de “fobia”, que ressalta em todos os meus escritos, baseados
sempre nos factos e na dedução dos factos.
Eis-nos, enfim, diante das conclusões a que chega Sudre, no trecho em
análise. Elas valem o resto. Com efeito, ele conclui: “Assim, o Espiritismo
dito científico e, inaugurado por Delanne, parece haver
entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa que o velho
Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é de todo mau e que serve
para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”
É de supor que as vãs ilusões, de que fala Sudre, devam referir-se
às próprias esperanças iludidas, no que se prende ao Espiritismo científico,
cuja falência esperava, mas que, na realidade, nunca teve vitalidade e pujança
como actualmente.
É que ele contempla as fases evolutivas da nova Ciência da
Alma do cimo do observatório nebuloso dos seus preconceitos.
E basta para este parágrafo.
/…
(*) metagnomia – em metapsíquica (ver fonte ←), termo usado por
alguns autores para indicar o que hoje se chama comummente; conhecimento
paranormal ou percepção extra-sensorial e, também
como sinónimo do termo tradicional de clarividência. Nota
desta publicação.
(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma
minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René
Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação
insofismável sobre aparições junto do leito de morte, fenómenos de
materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”,
hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações
metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em
vista o autor.)
Ernesto Bozzano (1862-1943) (i), A
propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre – Título
Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello
spiritismo (A proposito della "Introduction à la
Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli
(1927); III – Análise crítica de uma alínea sofística, 3º
fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma
pintura de JosefinaRobirosa)
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