Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

metapsíquica | humana


~~~ análise crítica de uma alínea sofística

Lamento sinceramente ter de interromper aqui o exame dos argumentos que o nosso autor, profusamente, espalha em volta das experiências feitas com a Sra. Piper. Se me fosse dado continuar esse exame, dele resultaria uma crítica bastante instrutiva, pois teria de continuar, através dos factos, a demonstrar que, na sua maioria, os incidentes verificados com esta médium são inexplicáveis pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia (clarividência, *)”, embora não seja necessário mais do que ficou dito para fazer ruir, nesse primeiro embate, o castelo de sofismas e paralogismos, tão laboriosamente edificado por Sudre. Impus-me, entretanto, o dever de analisar todos os pontos abordados por ele num livro exageradamente parcial; longo, portanto, é o percurso a cobrir e minguado o espaço para refutar as inexactidões, as afirmações gratuitas, os paralogismos e os sofismas que como serpentes se entrelaçam uns nos outros, não raro amontoando-se às dezenas numa só página. A maior dificuldade está na escolha. Eis uma pequena amostra. Na página 338, apresenta-nos ele este parágrafo surpreendente:

“Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer, de um lado, que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos e, de outro, que no fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos. Discutem então sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pelas teorias metapsíquicas, quando não se vêm apoiar audaciosamente no animismo, para provar o Espiritismo, sem a necessária preparação para distinguirem um do outro. Mas os espíritas que o fanatismo não cega desistem de encontrar nos factos provas cruciais. Sabem que as suas presunções serão aceites como provas, segundo a concepção que cada um tem “das probabilidades dramáticas da Natureza” (para usar a expressão original de William James). Como Myers, como Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico, fundado noutras ciências, que não a Metafísica, quando não sobre postulados morais. Assim o Espiritismo dito “científico”, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec (i) que, em si, não é, de todo, mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

Não existe no trecho acima uma única afirmação que não seja errónea, gratuita, insidiosa ou sofística. Sudre começa dizendo: “Hoje os espíritas foram compelidos a reconhecer que a metagnomia, a telergia e a teleplastia se podem exercer sem terem de apelar para a intervenção dos mortos.” Ora, os espíritas sempre o reconheceram; foi justamente um espírita, Alexandre Aksakof, que, há quarenta anos, classificou os fenómenos medianímicos em três categorias; fenómenos de Personismo, de Animismo e de Espiritismo, demonstrando que as duas primeiras categorias provinham das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana, sem qualquer intervenção do Espírito dos mortos.

Com que direito, pois, dizer que os espíritas foram “hoje” compelidos a reconhecer esse facto?

Continua Sudre afirmando que (“hoje” sempre) os espíritas foram obrigados a concordar que no “fenómeno espírita transborda sempre o animismo, isto é, os elementos tirados do subconsciente dos vivos”. Abstracção feita do “sempre”, que é aí demasiado, posso afirmar que os espíritas, pelo contrário, reconheceram o facto desde a alvorada do movimento espírita. Eis, por exemplo, como se exprime um espírita, de primeira, Adin Ballou, na página 67 do seu livro Spirit Manifestation, vindo à luz em 1852:

“O que se passa através do médium deve, em verdade, estar sujeito à influência do espírito dos vivos. As ideias preconcebidas, a vontade, a imaginação, os sentimentos, os pontos de vista particulares não podem deixar de exercer uma influência, mais ou menos acentuada, sobre as comunicações que os Espíritos dos mortos procuram transmitir, por intermédio de um cérebro alheio. Além disso, as influências mesméricas e psicológicas da parte da mentalidade dos experimentadores, que podem dominar a do médium, devem igualmente produzir um efeito perturbador análogo. Segue-se que certas comunicações provenientes de Espíritos elevados são transmitidas ou, mais acertadamente, são traduzidas de um modo vulgar, não raro completamente diferentes, daquilo que foi ouvido pelo Espírito comunicante. É como se um francês se comunicasse com um inglês por intermédio de um dinamarquês, pouco familiarizado com aqueles dois idiomas. O interlocutor inglês teria não pequena dificuldade de apreender o sentido do recado transmitido. Nos casos desta natureza, nunca podemos estar certos de ser a comunicação recebida uma tradução perfeita do que tinha o Espírito comunicante intuito de transmitir.”

Eis o raciocínio de Adin Ballou, há setenta e cinco anos e, esta sua opinião encontra-se transcrita nas obras de Capron (1858), do professor Robert Hare (1855), do Dr. Wolfe (1869), de Alexandre Aksakof (1889); mas para Sudre só “hoje” os espíritas foram obrigados a reconhecê-lo e, isso mesmo, graças à força esclarecedora das pesquisas dos metapsiquicos destes últimos tempos.

Mas continuemos. O nosso autor ainda assim se exprime: “Então discutem (os espíritas) sobre algumas categorias de fenómenos, em que se entrincheiraram e que declaram inexplicáveis pela teoria metapsíquica.” Estas “algumas” categorias de fenómenos inexplicáveis pela teoria metapsíquica” são antes numerosas e nada mais natural que os espíritas as declarem inexplicáveis pela hipótese naturalista, pois, de facto, o são. Os próprios metapsiquistas anti-espíritas de tal forma o compreendem e, com isso, tal embaraço experimentam, que evitam prudentemente discuti-las, contentando-se de apenas a elas aludir, de modo geral, em nada concludente ou a elas não se referindo de modo algum, o que ainda é mais cómodo. Isso não impede, porém, que esses mesmos metapsiquistas continuem a inculcar a sua argumentação anti-espírita, como se houvessem respondido, refutado, destruído a dos seus opositores. Mais tarde voltaremos a este ponto, particularmente importante.

A continuação do trecho, cujo exame empreendemos, é curiosíssima. Com efeito, ele faz-nos saber que os espíritas “se apoiam audaciosamente no animismo para provar o Espiritismo, sem terem a necessária preparação para distinguir um do outro”. A primeira parte desta objecção é estupenda e, a segunda completamente falsa. Estou eu entre aqueles que, de há trinta anos para cá, se apoiam “audaciosamente” no animismo para provar o Espiritismo; nos números de Novembro-Dezembro de 1925 e de Janeiro-Fevereiro de 1926, da Revue Spirite fiz sair um longo artigo, rigorosamente documentado, com o fim de demonstrar que o Animismo, sob o ponto de vista de demonstração científica da existência e da sobrevivência da alma, era mais importante e decisivo do que o próprio Espiritismo; e nesse artigo fiz ressaltar a circunstância, altamente eloquente, de Frank Podmore, isto é, o adversário mais encarniçado da hipótese espírita, haver, mesmo ele, reconhecido essa verdade, nos termos que se seguem:

“Seja ou não verdade que as condições do além permitem, às vezes, aos que lá se encontram, entrar em comunicação com os vivos, é, em todo o caso, claro que essa questão se tornaria de importância secundária se se chegasse a demonstrar, sobre a base das faculdades inerentes ao espírito, que a vida da alma não está ligada à vida do corpo. Noutros termos, deve necessariamente admitir-se que, se é verdade que no sono medianímico ou extático, o Espírito conhece o que, à distância, se passa, percebe coisas escondidas, prevê o futuro e lê no passado, como num livro aberto, então – considerando que estas faculdades não foram certamente adquiridas no processo de evolução terrena, cujo meio lhes não é próprio nem lhes justifica a emergência – então, dizia, parece que se poderá inferir que estas faculdades demonstram a existência de um outro mundo mais elevado, no qual elas se deverão exercer livremente, em harmonia com outro ciclo evolutivo, que já não seria regido pelo nosso meio terreno. É importante acrescentar que a teoria aqui esboçada não é nenhuma especulação filosófica, fundada em suposições não verificáveis; é uma hipótese científica, baseada na interpretação de uma categoria precisa de factos... Seria inútil contestar que, se se pudesse provar a autenticidade dos fenómenos de premonição, de clarividência e tantos outros que testemunhassem que no nosso espírito se encontram faculdades psíquico-sensoriais transcendentais, então o facto da independência do espírito do corpo seria manifesta.”

Por conseguinte, segundo Podmore “seria inútil contestar” a sobrevivência da alma, desde que se provasse a existência de fenómenos de “metagnomia”. E não é outra coisa o que, por minha vez, tenho sustentado desde sempre. O que pensa disto Sudre? Amarga decepção deve ter sido a sua, quando viu, pelo meu artigo anterior, que o próprio Podmore, audaciosamente, pensava que o Animismo constituía prova para o Espiritismo! E o que de mais “trágico” se verifica na situação de Sudre é que Podmore pelo menos se mantinha dentro da ilusão de poder reduzir todos os fenómenos metapsíquicos exclusivamente à telepatia e de, consequentemente, poder negar os fenómenos de metagnomia propriamente dita. Com isto ele se sentia garantido na sua qualidade de campeão mundial do anti-espiritismo; enquanto que Sudre não deve ter fácil a porta de saída, ele que está firmemente convencido da existência das faculdades supranormais em questão.

Como, pois, salvar do naufrágio inevitável o frágil barquinho do seu anti-espiritismo materialista? Com as “bolsas de vento” que lhe prende às bordas? Não; nem será com as frases ocas e retumbantes, das que lança mão nos momentos críticos, que poderá enfrentar a argumentação que, intimamente, reconhecendo invulnerável, não ousa atacar de frente. É o que ainda agora se dá ao ter de enfrentar o caso da demonstração irrefutável do Espiritismo pelo Animismo; interpõe no período a palavra audaciosamente, com a qual pretende insinuar que as pretensões dos espíritas a esse respeito são injustificáveis e temerárias.

Deve ele compreender bem que as frases apenas para armar não produzem refutação, não constituem provas e são de duração efémera; mas ele se dá por satisfeito, desde que elas produzam pelo menos uma pequena impressão deletéria no espírito dos leitores menos prudentes e pouco ao corrente da discussão. É possível que consiga isso algumas vezes, o que não impede, entretanto, que, demonstrando não poder responder à argumentação firme e lógica dos espiritualistas, ele vote a sua causa a irremediável desastre. E o seu livro transborda dessas frases, do mesmo modo que os seus artigos delas vêm salpicados. Por mais de uma vez fui visado pelos rasgos, um tanto embotados, dessa fraseologia, rasgos que, antes, me divertiram, porque, nas circunstâncias em que me procuraram atingir, não representaram para o seu autor mais do que uma satisfação demasiado efémera. O meu contraditor não havia conseguido responder à refutação de uma das suas teses, apesar de imprudentemente haver prometido pronta resposta que, a seu ver, não poderia deixar mesmo de ser “muito fácil”. Chegado, porém, o momento, a coisa lhe pareceu, ao contrário, bem difícil, ou, para ser mais claro, só então se convenceu de ser logicamente impossível refutar aqueles argumentos.

Mesmo assim, Sudre continua a servir-se da hipótese reduzida a zero, tal como se a houvesse vitoriosamente defendido, ou pelo menos refutado com algum êxito a minha argumentação.

Voltando ao assunto, deixo aqui consignado que se Sudre lançar uma das suas frases habituais, a propósito da afirmação irrefutável de que o Animismo constitui uma prova para o Espiritismo, não me hei de assustar, antes farei ao meu antagonista um apelo formal – em nome da investigação sincera e apaixonada da Verdade pela Verdade – para que nos oriente do modo pelo qual explica a existência, na subconsciência humana, de faculdades e sentidos supranormais, independentes da lei da evolução biológica.

O que peço a Sudre é que, ao elucidar-nos, o faça do único modo plausível, isto é, destruindo com lógica os argumentos por mim, nesse sentido, expostos no artigo, cujo texto já dei e que pode ser por ele encontrado na Revue Spirite, artigo em que eu demonstrava, de modo decisivo, que sempre que os nossos antagonistas pensam combater a hipótese espírita, recorrendo aos poderes da metagnomia, nada mais fazem, na realidade, do que demonstrar a existência e a sobrevivência da alma, apenas colocando a questão, antes, sob o ponto de vista do Animismo que do Espiritismo, o que, em suma, vem a ser uma e a mesma coisa.

Espero o meu contraditor no terreno da prova; mas sinceramente digo estar, de antemão, convencido de que ele terá o cuidado de não responder a esta questão de valor decisivo para o ponto de vista espiritualista. Não impedirá isso, no entanto, de continuar a fazer prevalecer imperturbável a sua opinião contrária à sobrevivência da alma e a tachar de audaciosos os argumentos que ele é incapaz de demonstrar que sejam falsos. São inconsequências fatais naqueles que têm o espírito obscurecido por irredutíveis preconceitos.

Poderiam objectar-me ser inútil a minha insistência em procurar convencer os que se obstinam em não querer compreender, mas a minha insistência não visa convencer o meu competidor e tão-somente a levar a tranquilidade de espírito àqueles poucos que, por acaso, se tenham deixado perturbar pelas suas insinuações sofísticas.

Abro aqui um parêntesis para tratar com o professor Charles Richet.

Havia acabado de escrever as páginas acima, quando recebi o número de Janeiro-Fevereiro da Revue Metapsychique, 1926, onde, num breve artigo, o Prof.Richet, fazendo notar a existência, nos nossos dias, de um certo número de sensitivos clarividentes, pensa que pode isto traduzir o prelúdio do próximo aparecimento, no homem, de um “sexto sentido”. Passando a examinar cientificamente a origem presumível desse novo sentido, procura explicar o facto pela teoria muito conhecida do Dr. Vries, sobre as “mutações bruscas” transmissíveis à descendência, tal como se observa no reino vegetal.

Ouso lembrar ao Prof. Richet que a frequência actual de sensitivos clarividentes – frequência aliás muito relativa – decorre exclusivamente do facto de, nestes últimos anos, entre os povos civilizados, serem esses indivíduos muito procurados e observados, ao passo que antigamente eram em geral conduzidos à fogueira, o que, em muito, lhes reduzia o número. Nada, entretanto, de novo sobre o caso. Se interrogarmos a respeito a história da antiguidade clássica, bíblica, egípcia, babilónica, se ascendermos a eras mais remotas, até às crónicas sagradas dos povos do Oriente, encontraremos os melhores elementos para nos provar que as faculdades de clarividência permanecem em estado absolutamente estacionário, através dos séculos, não obstante as civilizações e as raças, o que já não é pouco para condenar aquela hipótese.

Mas outra circunstância de facto, que contradiz a tese do Prof. Richet, de modo decisivo, é a frequência de fenómenos de clarividência, sob as suas múltiplas formas, no meio dos povos selvagens.

Pessoalmente estudei o assunto, em longa monografia que, como todas que a precederam, não é fruto de pesquisas superficiais, mas de acurado estudo, em longo período de 35 anos. Adquiri, portanto, certa competência no assunto e posso afirmar não existir tribo selvagem que não tenha o seu feiticeiro-curador, com predicados absolutamente análogos aos dos clarividentes, entre os povos civilizados.

Os relatórios dos exploradores e dos missionários estão repletos de casos dessa natureza, que se contam por centenas. Daí podermos concluir em sentido diametralmente oposto ao que nos sugere o Prof. Charles Richet, isto é, que, se as faculdades de clarividência sob todas as formas são mais frequentes entre os povos primitivos que entre os civilizados, não há razão para admitirmos a hipótese do aparecimento, no homem, de um “sexto sentido” graças à lei biológica das “mutações bruscas”.

Devemos, além disso, ter presente uma outra consideração, teoricamente de grande importância, qual a do Prof. Richet se não haver lembrado da impossibilidade de se tratar de um “sexto sentido” em gestação, por isso que os fenómenos de clarividência se produzem pela utilização dos sentidos existentes: visão, audição e tacto. Acrescentaremos que, por outro lado, deixou ele de considerar que esses fenómenos, ao contrário de serem determinados pela percepção directa, isto é, da periferia para o cérebro, como se deveriam produzir para todo e qualquer sentido biológico passado, presente ou futuro, eles se determinam por percepção inversa, ou seja, do cérebro para a periferia, sob a forma de visões ou audições subjectivas, projectadas fora e quase sempre de natureza simbólica, mais ou menos manifesta. Ora, a natureza simbólica de quase todas as percepções supranormais reveste-se de alto valor teórico, porque mostra que essas percepções independem, não somente dos sentidos periféricos, mas também dos centros cerebrais correspondentes. Com efeito, o simbolismo das percepções prova que os centros cerebrais não percebem activamente, mas registam passivamente o que lhes é transmitido, por um terceiro agente a elas estranho, único a perceber directamente, para depois transmitir os seus conhecimentos ao sensitivo, sob a forma de representações simbólicas. Isto, evidentemente, porque sendo as suas percepções qualitativamente diferentes das que podem assimilar os centros cerebrais do sensitivo, ele é obrigado a transmiti-las sob a forma de objectivações alucinatórias, que o sensitivo ou os interessados podem, facilmente, interpretar. E como esse terceiro agente estranho ao cérebro, outro não pode ser senão a personalidade integral subconsciente do sensitivo, conclui-se que, baseando-se nas circunstâncias expostas, nós veremos emergir, manifesta e incontestável, a contraprova de que a “personalidade integral subconsciente” é uma “entidade espiritual” independente de toda a ingerência funcional, directa ou indirecta, do órgão cerebral. Resulta ainda, disso, que as faculdades supranormais, esporadicamente assinaladas, de todos os tempos e em todos os lugares, na Humanidade são, na realidade, as faculdades de sentidos espirituais da personalidade integral subconsciente, em estado latente, na subconsciência humana, para emergir e se exercer num meio espiritual, após a crise da morte; do mesmo modo que no embrião se encontram formadas, de antemão e em estado latente, as faculdades de sentidos terrenos, à espera do momento que lhes há de permitir se exerçam no seio do meio terrestre, após a crise do nascimento.

Como se pode verificar, as induções sobre a base dos factos nos arrastam para longe da hipótese aventada pelo Prof. Richet, hipótese que aparece insustentável, sob o ponto de vista biológico, psicológico e metapsíquico.

Dito isto, devo confessar sinceramente que o artigo do Prof. Richet me produziu, pessoalmente, uma impressão dolorosa, de profundo desalento. Revela-me a inutilidade dos esforços intelectuais, a que me submeto há trinta e cinco anos, com o fim de dar a minha contribuição à investigação da ciência metafísica. Se o Prof. Richet, antes de expor a sua hipótese, houvesse demonstrado o erro da minha argumentação, eu teria testemunhado o meu reconhecimento àquele que assim me houvesse esclarecido sobre problema do mais alto valor científico. Mas o Prof. Richet enuncia a sua hipótese sem fazer a mínima alusão à existência de um estudo recente sobre o assunto, estudo que o contradiz no terreno dos factos. Ora, como do choque das ideias é que ressalta a centelha da Verdade, se no meio metapsíquico, uma das partes segue o seu caminho sem se preocupar com o que faz a outra, não se chegará, nesse ramo de ciência, a qualquer conclusão. Nessas condições, tanto vale não escrever coisa alguma, cada um se limitando egoisticamente a estudar apenas para si, deixando que os demais pensem como melhor lhes parecer.

Agora que já me expliquei com o Prof. Richet, fecho o longo parêntesis e retomo a discussão com o Sr. René Sudre, examinando a segunda parte do curto mas virulento trecho do seu trabalho, em cuja análise me detive.

Havia eu dito que a primeira parte deste trecho era estupenda e a segunda inteiramente falsa. Com efeito, nesta segunda parte, o autor tem a “audácia” (para usar-lhe do termo) de escrever que os espíritas afirmam que o Animismo prova o Espiritismo “sem estarem preparados para entre os dois poderem discernir”. Para colocar logo as coisas nos seus lugares (pois a insinuação de Sudre tem por fim apenas embaralhar), devo lembrar que a questão que acabamos de tratar, relativamente aos fenómenos anímicos, que só por eles demonstram a sobrevivência da alma, nada tem de comum com aquela que distingue os casos de animismo dos de Espiritismo. Referindo-se, agora, de um modo directo, à objecção formulada e, segundo a qual, os espíritas não estão em condições de poder distinguir os fenómenos anímicos dos espíritas, lembro ao meu opositor que toda a discussão, que vimos de sustentar a propósito da Sra. Piper, prova, ao contrário, a existência de critérios analíticos capazes de permitir fácil distinção entre os fenómenos positivamente espíritas e aqueles que não o são ou, mais precisamente, aqueles que não apresentam suficientes garantias científicas nesse sentido.

Reservo-me a voltar posteriormente ao assunto, trazendo novos factos e novos argumentos. Convido, pois, o meu contraditor a me responder também sobre este ponto, refutando toda a argumentação que a precede e a que se vai seguir. Se, porém, ele preferir o meio mais cómodo do silêncio, isto quererá dizer que ele reconhece não poder responder. Quanto a mim, pelo contrário, reconheço estar em condições de responder em todas as circunstâncias – graças, é certo, não ao meu mérito, mas à qualidade da causa que defendo. Assim, não deixarei passar uma só objecção contrária sem convenientemente a refutar.

Continuando a análise do trecho referido, vemos que Sudre diz: “Mas os espíritas que o fanatismo não cega e, que têm uma cultura científica suficiente, renunciam a encontrar nos factos provas cruciais.”

Se se trata de “provas cruciais”, no sentido de “provas absolutas”, a renúncia, de facto, existe, por isso que não há quem ignore ser absurdo e impossível pretender uma “prova absoluta” num ramo de saber qualquer ou numa circunstância da vida, seja ela qual for. Esperamos que os nossos contraditores comecem por nos fornecer a “prova absoluta” daquilo que adiantam, em sentido negativo. Não o podem fazer, assim como também nós, porque nenhum representante da ciência oficial nunca poderá fornecer a “prova absoluta” de qualquer coisa. E isso pela simples razão de que nós mesmos, pobres individualidades condicionadas, vivemos no “relativo”, não podendo, por isso, jamais afirmar uma coisa em termos de certeza absoluta. Mas se Sudre, ao contrário, pela expressão de que faz uso, quer aludir às provas científicas suficientes para legitimar uma hipótese, então labora em grande erro, pois os espíritas de “cultura científica” são da opinião do professor Hyslop, que tinha essa cultura e que solenemente afirmou esta verdade nos seguintes termos:

“Não existe outra explicação racional dos factos senão a hipótese da sobrevivência da alma; as provas cumulativas, que convergem em seu favor, são por tal forma peremptórias que não hesito em declará-las em tudo equivalentes, senão mesmo superiores, àquelas que confirmam a teoria da evolução.” (Contacts with the other world, pág. 328.)

Acrescenta, afinal, Sudre: “Como Myers e Geley, eles pedem o acto de fé necessário a um sistema metafísico edificado sobre outras ciências que não a metafísica, quando não sobre postulados morais.” Ignoro a que se quer referir o nosso autor quando cita Myers e Geley, mesmo porque, ao se citarem autoridades deste valor em defesa de uma tese, tem-se por dever reproduzir as opiniões para as quais se apela, sem o que os nomes invocados não representam mais do que simples expediente de retórica.

Em todo o caso, afirmo, por meu lado, que nada pode haver de tão contrário à verdade, como de supor que os defensores da hipótese espírita firmem o seu ponto de vista sobre a base de um “acto de fé”. É justamente o contrário que se verifica. A força de expansão do Espiritismo, precisamente, reside no facto de haver ele banido para sempre os “actos de fé”, baseando-se exclusivamente nas induções e nas deduções dos factos, do mesmo modo que sobre a convergência das provas, tudo exactamente como em todo o outro departamento do saber humano. Quanto a mim, posso mesmo acrescentar que sempre tive pelos actos de fé uma espécie de “fobia”, que ressalta em todos os meus escritos, baseados sempre nos factos e na dedução dos factos.

Eis-nos, enfim, diante das conclusões a que chega Sudre, no trecho em análise. Elas valem o resto. Com efeito, ele conclui: “Assim, o Espiritismo dito científico e, inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é de todo mau e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras.”

É de supor que as vãs ilusões, de que fala Sudre, devam referir-se às próprias esperanças iludidas, no que se prende ao Espiritismo científico, cuja falência esperava, mas que, na realidade, nunca teve vitalidade e pujança como actualmente.

É que ele contempla as fases evolutivas da nova Ciência da Alma do cimo do observatório nebuloso dos seus preconceitos.

E basta para este parágrafo.

/…
(*) metagnomia – em metapsíquica (ver fonte ), termo usado por alguns autores para indicar o que hoje se chama comummente; conhecimento paranormal ou percepção extra-sensorial e, também como sinónimo do termo tradicional de clarividênciaNota desta publicação.

(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto do leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); III – Análise crítica de uma alínea sofística, 3º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de JosefinaRobirosa)

Sem comentários: