XV
O Futuro do Espiritismo ~
(Julho de 1918)
No desenrolar dos trágicos acontecimentos, o pensamento ansioso procura
vencer as brumas e as sombras do futuro, levantando o véu que o esconde dos
nossos olhos, perguntando a si mesmo como será o amanhã. Quando tudo parece
desmoronar-se à nossa volta, o pensamento sonha com uma reconstituição da ordem
política e social.
Há 50 anos que trabalhamos, preparando um mundo onde
os homens aprendam a
amar-se, vivendo na santa comunhão da inteligência com o coração, mas
assistimos a uma interminável série de lutas selvagens, aos gigantescos
esforços que fazem o espírito de dominação (i) para
escravizar os povos, colocando-os debaixo do seu jugo!
Quem, então, ensinará as verdadeiras leis aos homens,
quem os ensinará a progredir livremente na paz e na harmonia? Neste momento a
Doutrina dos Espíritos (i) aparece como um
raio consolador, um astro novo, que se ergue sobre um mundo de escombros e
ruínas.
Os incrédulos nos responderão com um sorriso de
zombaria e nos perguntarão se o Espiritismo é realmente capaz de desempenhar um
papel regenerador. Como argumento, será suficiente para nós medir o caminho que
a nossa doutrina percorreu e os progressos que realizou desde a morte de Allan Kardec. Podemos
afirmar que não foram inúteis os nossos esforços comuns, porque já se começa, por
toda a parte, a conhecer a verdade e a grandeza das ideias que defendemos.
No decorrer das minhas inúmeras viagens por todos os
lugares e da minha presença num número incontável dos mais diversos ambientes,
pude acompanhar os notáveis e crescentes progressos da ideia espírita na
opinião geral.
Há três anos, sob o impacto dos actuais
acontecimentos, no meio do grande drama que sacode o mundo, muitas
almas se entristecem e os seus pensamentos se dirigem para o Além, ávidos de consolações
e de esperanças.
No mesmo grau, se sente, por toda a parte, a
insuficiência e a pobreza dos ensinamentos dogmáticos, a sua incapacidade para
curar as chagas, consolar a dor e explicar o destino humano.
Qual deve ser o objectivo principal do Espiritismo?
Antes de tudo, provocar, pesquisar e coordenar as provas experimentais sobre a
sobrevivência da alma depois da morte.
Tal pesquisa da verdade deve fazer-se através de uma
fiscalização rigorosa e metódica, porque as justas exigências do
espírito moderno obrigam-nos a passar todos os factos pelo crivo de um exame
imparcial, prevenindo-nos contra os perigos da credulidade e das
afirmações precipitadas.
Charles
Richet e outros nos têm acusado de falta de rigor nas nossas pesquisas
e experiências, mas o Espiritismo, baseando-se em provas bem estabelecidas,
deve preparar e renovar a educação científica, racional e moral do homem por todos os
meios. A sua acção tem que exercer-se em todos os sectores: experimental,
doutrinário, moral e social, porque existe nele um elemento restaurador (i) do qual podemos
esperar tudo.
Pode afirmar-se que ele será chamado o grande libertador do
pensamento que está escravizado há muitos séculos e que lançará no mundo, cada
vez mais, sementes de bondade e fraternidade humana que, cedo ou tarde, haverão
de frutificar.
Ficamos impacientes porque a vida é curta e parece que
os progressos são lentos, todavia podemos garantir que, em 50 anos, o
Espiritismo fez muito mais do que qualquer outro movimento do pensamento humano
em igual período de tempo e, em qualquer outra época da História.
Sim, estamos impacientes e a nossa piedade se comove
com o espectáculo da ignorância, da rotina, dos preconceitos, dos sofrimentos e
misérias da humanidade, principalmente no momento actual. Queríamos obter
resultados imediatos.
Entretanto já podemos ver que, paulatinamente, tudo
muda em torno de nós, tudo evolui sob a pressão dos acontecimentos e o sopro
das novas ideias.
Muitas trevas se desfazem e muitas resistências
desaparecem. Os ódios que as nossas crenças despertavam à nossa volta
alteram-se, muitas vezes, em simpatia e até em amizade, visto que os homens só
se combatem e só se desprezam porque se desconhecem...
A magnífica obra do Espiritismo será a de aproximar os seres
humanos, as nações e as raças, formando os corações e desenvolvendo as
consciências; para isso, porém, são necessários o trabalho, a perseverança, o
espírito de dedicação e o auto-sacrifício.
A guerra não nos revelou apenas um perigo exterior que
nos acompanhará por muito tempo, mas também nos mostrou as feridas vivas e os
males interiores de que padece a nossa infeliz pátria. Contrastando com as
heróicas virtudes dos nossos soldados, com a espera estóica e laboriosa do
pessoal da retaguarda, rebentaram escândalos políticos que descobriram
a falência de certas consciências, o completo esquecimento da lei
do dever, bem como da lei de responsabilidades.
Não vacilamos em atribuir a causa destes males à
educação confusa que o Estado dispensa às gerações; um ensino sem ideal, sem
grandeza, sem beleza moral e incapaz de retemperar as almas, preparando-as para
as duras necessidades da vida, resultando daí que, no nosso mundo coberto de
tristeza e afogado em sangue e lágrimas, muitas almas se entregaram às
vacilações da dúvida, da paixão e, com muita frequência, ao desespero.
É certo que sob o jugo das provações sentimos nascer,
por toda a parte, um vago desejo de crer, de acreditar, mas ninguém sabe qual a
fé que deve seguir.
As afirmações dogmáticas, baseadas em textos de
autenticidade contestável, já não se aceitam mais e só o Espiritismo, pelas
provas que fornece da sobrevivência da alma, pela demonstração experimental que
oferece no sentido de que a vida é um dever renascente e de que
sobre nós recaem as consequências de
todos os nossos actos, poderá introduzir no ensino nacional elementos
suficientes de renovação.
Tornou-se evidente, para todo o pensador, que as
sociedades humanas nunca atingirão
um estado de paz e harmonia por processos políticos (i), mas sim pela
reforma interior e
individual, isto é, por uma educação moral (i) que aperfeiçoe a
colectividade ao aperfeiçoar cada criatura (i) que dela faça
parte.
Não são suficientes as leis, os decretos e as
convenções; é necessário um ensino que determine o papel e o lugar do
homem no Universo, que garanta a disciplina moral e social, sem a qual não há
força, nem estabilidade para uma nação. O mesmo acontece com a
liberdade que só é possível obter quando a ela se juntam a prudência e a razão.
Nos seus elementos fundamentais, a Doutrina dos
Espíritos (i) proporciona-nos
os recursos necessários para se estabelecer esse ensino, demonstrando que
a liberdade tem
o seu princípio no livre-arbítrio (i) do
homem e que esse livre-arbítrio é sempre proporcional aos nossos méritos e ao
nosso grau de evolução. Dessa forma, o Espiritismo lhe dá uma espécie de
consagração. As lutas bárbaras que, periodicamente, banham de sangue o nosso
atrasado planeta só cessarão quando a doutrina dos espíritos se irradiar pelo
mundo.
Pode, portanto, dizer-se que os divulgadores do
Espiritismo são os melhores obreiros
da paz universal pela tarefa a que se consagram, da qual só conhecem as
dificuldades, sem recolher ainda as suas alegrias e os seus frutos.
Todavia, quando houver terminado o reinado do ódio na
Terra, a história saudará esses bons operários do pensamento e, a liberdade
guardará a memória dos que lhe fixaram as suas bases, traçando-lhe o caminho e
facilitando-lhe o voo.
/…
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, XV O
Futuro do Espiritismo, Junho de 1918, 30º fragmento desta obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo não oficial entre soldados alemães e britânicos e, que, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e até trocaram presentes com os seus inimigos)
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo não oficial entre soldados alemães e britânicos e, que, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e até trocaram presentes com os seus inimigos)
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