Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 5 de julho de 2018

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XV
O Futuro do Espiritismo ~

(Julho de 1918)

  No desenrolar dos trágicos acontecimentos, o pensamento ansioso procura vencer as brumas e as sombras do futuro, levantando o véu que o esconde dos nossos olhos, perguntando a si mesmo como será o amanhã. Quando tudo parece desmoronar-se à nossa volta, o pensamento sonha com uma reconstituição da ordem política e social. 

  Há 50 anos que trabalhamos, preparando um mundo onde os homens aprendam a amar-se, vivendo na santa comunhão da inteligência com o coração, mas assistimos a uma interminável série de lutas selvagens, aos gigantescos esforços que fazem o espírito de dominação (i) para escravizar os povos, colocando-os debaixo do seu jugo! 

  Quem, então, ensinará as verdadeiras leis aos homens, quem os ensinará a progredir livremente na paz e na harmonia? Neste momento a Doutrina dos Espíritos (i) aparece como um raio consolador, um astro novo, que se ergue sobre um mundo de escombros e ruínas.

  Os incrédulos nos responderão com um sorriso de zombaria e nos perguntarão se o Espiritismo é realmente capaz de desempenhar um papel regenerador. Como argumento, será suficiente para nós medir o caminho que a nossa doutrina percorreu e os progressos que realizou desde a morte de Allan Kardec. Podemos afirmar que não foram inúteis os nossos esforços comuns, porque já se começa, por toda a parte, a conhecer a verdade e a grandeza das ideias que defendemos.

  No decorrer das minhas inúmeras viagens por todos os lugares e da minha presença num número incontável dos mais diversos ambientes, pude acompanhar os notáveis e crescentes progressos da ideia espírita na opinião geral.

  Há três anos, sob o impacto dos actuais acontecimentos, no meio do grande drama que sacode o mundo, muitas almas se entristecem e os seus pensamentos se dirigem para o Além, ávidos de consolações e de esperanças.

  No mesmo grau, se sente, por toda a parte, a insuficiência e a pobreza dos ensinamentos dogmáticos, a sua incapacidade para curar as chagas, consolar a dor e explicar o destino humano.

  Qual deve ser o objectivo principal do Espiritismo? Antes de tudo, provocar, pesquisar e coordenar as provas experimentais sobre a sobrevivência da alma depois da morte.

  Tal pesquisa da verdade deve fazer-se através de uma fiscalização rigorosa e metódica, porque as justas exigências do espírito moderno obrigam-nos a passar todos os factos pelo crivo de um exame imparcial, prevenindo-nos contra os perigos da credulidade e das afirmações precipitadas.

  Charles Richet e outros nos têm acusado de falta de rigor nas nossas pesquisas e experiências, mas o Espiritismo, baseando-se em provas bem estabelecidas, deve preparar e renovar a educação científica, racional e moral do homem por todos os meios. A sua acção tem que exercer-se em todos os sectores: experimental, doutrinário, moral e social, porque existe nele um elemento restaurador (i) do qual podemos esperar tudo.

  Pode afirmar-se que ele será chamado o grande libertador do pensamento que está escravizado há muitos séculos e que lançará no mundo, cada vez mais, sementes de bondade e fraternidade humana que, cedo ou tarde, haverão de frutificar.

  Ficamos impacientes porque a vida é curta e parece que os progressos são lentos, todavia podemos garantir que, em 50 anos, o Espiritismo fez muito mais do que qualquer outro movimento do pensamento humano em igual período de tempo e, em qualquer outra época da História.

  Sim, estamos impacientes e a nossa piedade se comove com o espectáculo da ignorância, da rotina, dos preconceitos, dos sofrimentos e misérias da humanidade, principalmente no momento actual. Queríamos obter resultados imediatos.

  Entretanto já podemos ver que, paulatinamente, tudo muda em torno de nós, tudo evolui sob a pressão dos acontecimentos e o sopro das novas ideias.

  Muitas trevas se desfazem e muitas resistências desaparecem. Os ódios que as nossas crenças despertavam à nossa volta alteram-se, muitas vezes, em simpatia e até em amizade, visto que os homens só se combatem e só se desprezam porque se desconhecem...

  A magnífica obra do Espiritismo será a de aproximar os seres humanos, as nações e as raças, formando os corações e desenvolvendo as consciências; para isso, porém, são necessários o trabalho, a perseverança, o espírito de dedicação e o auto-sacrifício.

  A guerra não nos revelou apenas um perigo exterior que nos acompanhará por muito tempo, mas também nos mostrou as feridas vivas e os males interiores de que padece a nossa infeliz pátria. Contrastando com as heróicas virtudes dos nossos soldados, com a espera estóica e laboriosa do pessoal da retaguarda, rebentaram escândalos políticos que descobriram a falência de certas consciências, o completo esquecimento da lei do dever, bem como da lei de responsabilidades.

  Não vacilamos em atribuir a causa destes males à educação confusa que o Estado dispensa às gerações; um ensino sem ideal, sem grandeza, sem beleza moral e incapaz de retemperar as almas, preparando-as para as duras necessidades da vida, resultando daí que, no nosso mundo coberto de tristeza e afogado em sangue e lágrimas, muitas almas se entregaram às vacilações da dúvida, da paixão e, com muita frequência, ao desespero.

  É certo que sob o jugo das provações sentimos nascer, por toda a parte, um vago desejo de crer, de acreditar, mas ninguém sabe qual a fé que deve seguir.

  As afirmações dogmáticas, baseadas em textos de autenticidade contestável, já não se aceitam mais e só o Espiritismo, pelas provas que fornece da sobrevivência da alma, pela demonstração experimental que oferece no sentido de que a vida é um dever renascente e de que sobre nós recaem as consequências de todos os nossos actos, poderá introduzir no ensino nacional elementos suficientes de renovação.

  Tornou-se evidente, para todo o pensador, que as sociedades humanas nunca atingirão um estado de paz e harmonia por processos políticos (i), mas sim pela reforma interior e individual, isto é, por uma educação moral (i) que aperfeiçoe a colectividade ao aperfeiçoar cada criatura (i) que dela faça parte.

  Não são suficientes as leis, os decretos e as convenções; é necessário um ensino que determine o papel e o lugar do homem no Universo, que garanta a disciplina moral e social, sem a qual não há força, nem estabilidade para uma nação. O mesmo acontece com a liberdade que só é possível obter quando a ela se juntam a prudência e a razão.

  Nos seus elementos fundamentais, a Doutrina dos Espíritos (i) proporciona-nos os recursos necessários para se estabelecer esse ensino, demonstrando que a liberdade tem o seu princípio no livre-arbítrio (i) do homem e que esse livre-arbítrio é sempre proporcional aos nossos méritos e ao nosso grau de evolução. Dessa forma, o Espiritismo lhe dá uma espécie de consagração. As lutas bárbaras que, periodicamente, banham de sangue o nosso atrasado planeta só cessarão quando a doutrina dos espíritos se irradiar pelo mundo.

  Pode, portanto, dizer-se que os divulgadores do Espiritismo são os melhores obreiros da paz universal pela tarefa a que se consagram, da qual só conhecem as dificuldades, sem recolher ainda as suas alegrias e os seus frutos.

  Todavia, quando houver terminado o reinado do ódio na Terra, a história saudará esses bons operários do pensamento e, a liberdade guardará a memória dos que lhe fixaram as suas bases, traçando-lhe o caminho e facilitando-lhe o voo.

/…


LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, XV O Futuro do Espiritismo, Junho de 1918, 30º fragmento desta obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo não oficial entre soldados alemães e britânicos e, que, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e até trocaram presentes com os seus inimigos)

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