Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VI

A Lorraine e os Vosges. Joana d’Arc, alma céltica
(II)

   Os altos vales da Meurthe, da Moselle e da Vologne possuem ainda numerosos monumentos megalíticos: menires e dolmens.

  Segundo Charton, o altar achado em Lamerey, os “tumulus” (i) de Bouzemont, de Dommartin-les-Remiremont, de Martigny são antiguidades célticas. (ii) O vale d’Arjol, os arredores de Darney recordam lembranças do mesmo tipo. A montanha dos Deux-Jumeaux apresenta, sobre o Piton Nord, cavidades circulares e características onde os druidas recolhiam directamente as águas pluviais como sendo as mais puras para a celebração de seus ritos religiosos. Sobre o Piton Sud, o Grand-Jumeau, pode notar-se os vestígios de um “oppidum(fortaleza gaulesa).

(i) Tumulus – construção de pedras em forma de cone, que os antigos elevavam por cima das sepulturas. (N.R., conforme o Nouveau Petit Larousse Illustré.)
(ii) Ver a obra Les Vosges Pittoresques. Tumulus – construção de pedras em forma de cone, que os antigos elevavam por cima das sepulturas. (N.R., conforme o Nouveau Petit Larousse Illustré.)

  Pessoalmente, pude observar na Lorraine muitas dessas rochas arrumadas em forma de altares, com cavidades circulares, espécie de pias de água-benta druídicas, em particular em Grand-Rougimont, no vale da Haute Vezouse. Igualmente na montanha, perto de Épinal, chamada “Cabeça de Pequena Cuba” por esse motivo. Uma escavação semelhante, chamada “Caldeirão das Fadas”, é encontrada na montanha de Répy, entre Raon-l’Étape e Étival.

  Perto de Saint-Dié outros vestígios célticos são encontrados, até na floresta dos Molières, distante de todo o caminho. Sobre a crista do monte de Ormont pode seguir-se as marcas de alinhamentos de pedras levantadas.

  Mais perto de Nancy, conhece-se a fortaleza de Sainte-Geneviève; a de Champigneulles, na floresta da Fourasse, e, sobretudo, a importante obra, acima de Ludres, chamada falsamente de “campo romano” e que é céltica, da Idade do Ferro. As escavações praticadas nesses lugares deram resultados significativos, conservados no Museu de Lorraine. Quantos outros vestígios célticos são considerados, por ignorância, como galo-romanos!

  A essas lembranças, frequentemente profanas, nós preferimos os velhos altares em plena floresta onde os romanos nunca entravam, ficando nas cidades e nos grandes vales abertos às rotas comerciais. Eu admiro os rochedos antigos na floresta profunda onde nós, celtas, nos sentimos mais em nossa casa.

  Os megálitos, nota-se, são numerosos em Lorraine como em todo o resto da Gália. Os menires ou pedras de pé, dolmens ou mesas de pedra, “cromlechs” ou círculos de pedra aí se encontram frequentemente, sempre em estado rústico, aos quais se poderia denominar com o título correcto de pedras virgens.

  Se a simplicidade das formas e a ausência completa de estética podiam ser consideradas como os indícios de uma antiguidade recuada, pode-se fazer remontar a origem dos megálitos às primeiras idades da história.

  Entretanto, nós vemos que os celtas ainda faziam uso deles durante a nossa era, embora mostrassem uma arte refinada na fabricação de armas, jóias, vestuários, etc. Havia então aí, nessa simplicidade desejada, uma intenção profunda, um sentimento religioso, que Jean Reynaud, professor da Universidade de Paris, nos explica nestes termos no seu belo livro L’Esprit de la Gaule:

  “Não se pode achar uma outra origem para esta arquitectura primitiva a não ser no respeito supersticioso de que os primeiros homens deviam sentir-se penetrados para com a majestade da terra. Eles deviam recear, naturalmente, cometer um sacrilégio, aventurando-se a modificar a figura desses blocos de formas inexplicáveis... Essa arquitectura simboliza a época em que o homem já quer erigir monumentos e não ousa ainda submeter aos ultrajes do martelo a face augusta da terra.”

  As costas da Moselle e os “altos do Meuse”, isto é, as duas cadeias de colinas que cercam esses rios, eram na maioria coroadas de fortalezas e mesmo de monumentos consagrados aos deuses e às deusas locais: Teutatès, Taran, Belen, Rosmerta, Serona, deusa das águas, que não eram, na realidade, mais do que génios tutelares, espíritos protectores das tribos. Todos esses vestígios provêm de duas grandes tribos célticas: os Médiomatriques, que tinham por capital Metz (Divorentum) e os Leuques, cujo principal centro era Toul. (iii)

(iii) Ver Parisot, Histoire de Lorraine.

  Os Médiomatriques tinham enviado seis mil homens para levantar o bloqueio de Alésia, enquanto que os Leuques, aliados dos Trévires, resistiam aos germanos.

  São Jerónimo dizia, no século IV, que a língua céltica era ainda usada em Verdun e em Toul, onde atrapalhou o progresso do Cristianismo.

/... 



LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES CÉLTICOS, CAPÍTULO VI – A Lorraine e os Vosges. Joana d’Arc, alma céltica 2 de 3, 20º fragmento da obra.
(imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

O peregrino sobre o mar de névoa ~


Interpretações erróneas sobre a homossexualidade ~

Na palavra homossexualidade o prefixo homo não se refere a homem, mas a igual ou semelhante. Esse é o sentido do prefixo grego que equivale a homogéneo ou homogeneidade. A palavra abrange, portanto, todos os casos de relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, homens e mulheres. Há no meio espírita a tendência de se atribuir essa perversão ao processo de reencarnação. Tornou-se mesmo comum dizer-se que um afeminado revela com isso que foi mulher na encarnação anterior e que a mulher de aspecto e atitudes viris foi homem. O sexo é um caso de polaridade das funções genésicas. Essa polaridade é universal, manifesta-se em todas as coisas e em todos os seres. A sexualidade é uma das condições gerais do organismo. As leis de evolução determinam o sexo de acordo com as necessidades evolutivas do indivíduo. Sexo forma o carma, mas não é carma. O homem e a mulher são seres complementares. Na dialéctica da evolução eles se emparelham, formam a parelha humana destinada a conjugar-se e não a opor-se reciprocamente. Essa é uma antiga concepção que vem da mais alta antiguidade. Foi dela que nasceu o mito dos hermafroditas, filhos de Hermes e Afrodite, que reuniam em si os elementos femininos e masculinos. Segundo Sócrates, os primeiros habitantes da Hélade eram os andrógenos, ligados pelas costas, que andavam girando com grande velocidade e resolveram subir ao Monte Olimpo para desalojar os deuses. Zeus os castigou, cortando-os pelas costas, de maneira a separar o feminino e o masculino. Desde então as duas metades se perderam e procuram reencontrar-se e se ligarem de novo no amor, sob o poder de Eros.

O mito representa a condição humana total, em que a sexualidade revela a sua unidade primitiva, que se diferenciou no tempo em feminino e masculino. As existências actuais confirmam a essência simbólica do mito, mostrando o aspecto de polaridade das funções genéticas do homem. Todos os homens e mulheres são igualmente dotados da sexualidade única, que só se divide e se diferencia no plano funcional. Como ensina Allan Kardec, homens e mulheres têm os mesmos direitos, mas funções diferentes.

A natureza humana é una, mas sobre ela se recortam as figuras do homem e da mulher, diferenciando-se apenas pelas exigências do sexo. Mas há nessas teorias um aspecto ainda mais deprimente, que consiste no desrespeito à dignidade feminina. A mulher normal e decente não emprega as suas funções sexuais no sentido aviltante que os teóricos analfabetos lhe atribuem. Se um espírito passou pela encarnação feminina para adquirir nela as virtudes da maternidade, da ternura, da paixão pela beleza e a harmonia, como podemos conceber esse espírito aviltando-se e aviltando a espécie humana na fonte sublime da maternidade? Onde estaria o senso dos espíritos benevolentes, ao serviço de Deus nos laboratórios da reencarnação, para insistirem na técnica da perversão? Teorias dessa espécie defendidas levianamente no meio doutrinário envilecem a doutrina e fazem as pessoas de bom senso julgarem que somos uma tropilha de ignorantes.

Devemos ainda atentar para os aspectos científicos da questão. Os desequilíbrios sensoriais podem ser provocados pela educação deformante da criança. As sensações mórbidas provocadas nas primeiras fases da infância levam geralmente a distúrbios perigosos. Freud é ainda hoje censurado pelo seu pansexualismo, mas os estudiosos sérios das suas obras sabem que a razão o assistia nesses exageros que não eram propriamente dele, mas da realidade queimante que a investigação da libido lhe punha nas mãos de pioneiro. O misticismo religioso, com o seu insistente e criminoso estrangulamento das energias genéticas da espécie, das quais depende a sobrevivência humana, produziu maior número de monstros do que geralmente se pensa. Durante dois mil anos os pregadores de abstinências impossíveis violaram a naturalidade do sexo, entregando as suas vítimas à sanha dos espíritos inferiores, íncubos e súcubos, que punham clérigos e freiras em delírio nos mosteiros e conventos. Aldous Huxley nos conta, em Os Demónios de Loudun como foi estabelecida a taxa especial para a liberdade sexual dos padres celibatários durante a Idade Média. A hipocrisia e a depravação foram as flores mortais da semeadura de santidade forçada. É inacreditável que, agora, espíritas ingénuos, desconhecedores de sua própria doutrina – em que as leis de Deus são as próprias leis naturais – levantem essa acusação monstruosa à lei divina da reencarnação.

A extrema sensibilidade dos órgãos sensoriais, apta à captação da estesia, complica-se no homem com o desenvolvimento da imaginação que o leva à busca do prazer. A inquietação humana decorre da encarnação, da prisão do espírito na carne. Mas a própria carne lhe oferece as vias de fuga da imaginação e do prazer. O espírito é liberdade e quer se afirmar como tal na existência, mas as barreiras do seu condicionamento humano o impedem de ser realmente o que é. O instinto de liberdade o arrasta para as vias de escape. As proibições formais da sociedade e da cultura, freando-lhes os impulsos genésicos e as influências de um passado milenar de abusos e recalques, acrescido das restrições morais que o encurralam na consciência em desenvolvimento, geram o trágico pandemónio da libido. Unamuno foi benevolente ao considerar o homem como um drama. Mais do que isso, ele se apresenta na existência como uma tragédia. Veja-se o desespero de Sartre, que impossibilitado de pôr ordem no caos, se precipitou no suicídio conceptual da frustração e do nada. A ideia absurda da nadificação o acalmou de tal forma que ele se empenhou a sustentá-la mesmo ante as conquistas científicas que o tornaram perempto antes do tempo. Alguns teólogos medievais costumavam dizer que o homem não pode colher os frutos do Paraíso antes do tempo. A simbólica expulsão de Adão do Paraíso dá-nos o quadro vivo dessa precipitação. A mulher, considerada inferior nas sociedades patriarcais, representa o instrumento da serpente (símbolo fálico) para levar o homem à desobediência. Agora, como se não bastasse essa injustiça mitológica, queremos também imputar-lhe a responsabilidade do homossexualismo através da reencarnação. O mito grego dos homens bissexuados, que Zeus separou para defender o Olimpo, repõe a mulher na sua dignidade aviltada. A metade perdida torna-se exigência vital, que o homem busca no plano existencial, reconhecendo nela a sua aspiração imediata, para fazê-la de novo sua companheira e parceira, sonho e ideal, mãe e irmã, apoio e estímulo, que nos tempos líricos da cavalaria medieval e castelã, senhora e mártir ao mesmo tempo, escravizada ao garrote vil dos cintos de castidade. Ambivalência monstruosa em que a dama sublime era transformada em suposta criminosa condenada por suspeição.

Ver num jovem efeminado a reencarnação de uma mulher pervertida é fugir à realidade universal das perversões masculinas, sempre mais brutais que as femininas. Simone de Beauvoir, em O Segundo Sexo, colocou bem esse problema de transferência estúpida e até mesmo covarde. As lésbicas gregas, como Safo, de inteligência e sensibilidade refinadas, viviam numa condição histórica e cultural muito diferente da nossa, integradas numa concepção do mundo que era global, gestáltica e não fragmentária como a nossa. O ideal do Belo, que Platão levara à suprema expressão, dominava o pensamento grego. A contemplação dos belos corpos, dizia o filósofo, eleva a alma aos planos divinos. Não era a sensação grosseira e banal, o refocilar dos porcos na lama, que atraía essas criaturas, mas a estesia pura ante a beleza perfeita. Já em Roma a situação era outra e os antigos camponeses transformados em conquistadores do mundo geravam as messalinas, flores espúrias de um mundo em que a práxis esmagava a herança da Grécia, mas desenvolvendo os resquícios da barbárie romana. Por isso, chegamos ao cúmulo de atribuir a Sócrates, como o fizeram Anito e Melito, a pecha de perversão. A nossa incapacidade para compreender o mundo em que o ideal superava o pragmático é inegável. Ernst Cassirer, em A Tragédia da Cultura, mostra-nos como arrancamos das ruínas de antigas civilizações, com garras de primatas, a impregnação do passado. Não recebemos a herança viva, mas os resíduos mortos que trazem o frio mineral das estátuas. Não somos capazes de medir o passado pela sua dimensão real e o reduzimos às nossas próprias dimensões. Benét Sanglé, fascinado pela figura de Cristo, colocou-o na retorta da psiquiatria e o transformou em louco no seu livro La Folie de Jesus. É geralmente assim que procedemos, com a sensibilidade embotada do nosso pragmatismo. O nosso refinamento é exterior e superficial. Por baixo das camadas de verniz da civilização actual carregamos os monstros que puseram as suas garras de fora na última Conflagração Mundial, no genocídio atómico de Nagasaki e Hiroshima, nas escaladas americanas sobre o Vietname. A prova disso está aí, flagrante e horrenda, nas violências tecnológicas de nosso século. E isso porque imolamos o espírito à matéria. Esquecemos a nossa origem, essência e destino divinos para nos proclamarmos senhores de um mundo de fome e miséria.

Outra explicação da homossexualidade atribui aos velhos a responsabilidade da perversão. Segundo os autores dessa teoria os velhos, ao perderem a virilidade, entregam-se a excitações indevidas, e quando o espírito volta a reencarnar-se, traz na sua bagagem esse estranho contrabando. Tivemos a oportunidade de contestar um dos autores num programa de televisão, no canal 13 de São Paulo. É incrível a leviandade com que certas pessoas, escudando-se em títulos universitários, mas sem critério científico, fazem afirmações dessa espécie. A generalização é tremendamente ofensiva. A dignidade, que sempre encontrou na senectude a sua mais bela expressão, esboroa-se nas mãos desses teóricos improvisados que nada respeitam. Os sectores da Espiritualidade incumbidos dos processos reencarnatórios tornam-se negligentes e insensíveis aos olhos desses teóricos do absurdo. A reencarnação, por sua vez, perde a sua validade como instituto de reparação e evolução. A desoladora falta de compreensão dos objectivos naturais da reencarnação, por parte desses diplomados por acaso ou negligência, chega a escandalizar as pessoas de bom senso. A mesquinhez dessas suspeitas infundadas revela a mentalidade tacanha desses pseudocientistas, que se apresentam como pesquisadores. Todas as pessoas que compreendem a doutrina da reencarnação sabem que esse processo universal é um dos meios de controle da evolução geral. Procurar motivos específicos e ridículos para manifestações de desequilíbrio já suficientemente conhecidos é querer confundir a questão. Não há razão para essas invenções ou invencionices, quando a perversão dos instintos naturais é uma constante da evolução em todos os seus campos. Geração e corrupção, como ensina Aristóteles, são a antítese e a tese da dialéctica da criação, mas nos limites temporais do processo. A regularidade das leis naturais que determinam a sistemática evolutiva não comporta especulações bastardas. A própria grandeza do destino humano, da destinação superior do homem no Universo, repele essas tolices. Cada ser e cada espécie estão submetidos à lei da harmonia e perfeição que rege, do minério ao homem, o desenvolvimento das potencialidades da criação. O dínamo-psiquismo-inconsciente de Geley a que já nos referimos, oferece-nos uma visão grandiosa do processo evolutivo que amesquinha por si mesmo essas especulações sem sentido.
/…



José Herculano Pires, Ciência Espírita e suas implicações terapêuticas, Interpretações Erróneas sobre a Homossexualidade, 15º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: O peregrino sobre o mar de névoa, pintura de Caspar David Friedrich)

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Seres Radiantes do espaço ~


Capítulo III (III)

Vamos examinar, agora, a questão das forças radiantes sob o ponto de vista da experiência espírita e da intervenção dos espíritos; resumimos, aqui, as instruções dos guias:

Os experimentadores chamados psiquistas nem sempre são imparciais no seu controle e atraem para si forças nocivas. Ainda não chegou para eles o momento de novas revelações; ele virá quando estes se aperceberem das novas ondas que trazem uma corrente de ideias mais elevada. Receber-se-ão as orientações sobre o modo de captar as ondas desconhecidas através dos médiuns.

É preciso que os espíritos sérios e convictos, contando com médiuns sensíveis, trabalhem para que estes constatem a existência das ondas desconhecidas e, assim, poderem dar a fórmula aos seus cientistas.

Não basta que os médiuns recebam essas ondas, como acontece nas manifestações, é preciso que eles percebam a forma e forneçam os meios de vulgarizá-las.

Até agora os espíritas não estão suficientemente orientados nesse sentido. Esforcem-se para dirigir a visão psíquica na direcção desses feixes radiantes, para que a Ciência aprenda a conhecê-los e a utilizá-los.

Os fenómenos meramente visuais não são suficientes. Seria melhor descobrir a causa, antes de constatar o efeito. As materializações poderiam dar elementos sobre isso, sob certas condições. Seria preciso determinar as leis que dirigem o andamento e a aplicação das forças radiantes.

Há cinquenta anos, os espíritos procuram levar os sábios em direcção àqueles em quem encontram disposições favoráveis para reconhecer, directamente, e analisar as correntes do Espaço. Mas esses sábios somente captaram uma ínfima parte dos elementos que compõem as radiações e nos servem para transmitir o nosso pensamento.

Excepcionalmente, Pierre Curie |* quase chegou a descobrir o princípio das forças universais e o seu génio ultrapassaria os limites fixados, mas nesse caminho, convém ir por etapas sucessivas e graduadas. A vossa evolução não é suficiente para, de um único salto, atingir o objectivo. Se, a partir de agora, a Ciência descobrisse o fio condutor que religa todos os seres e todos os mundos, resultaria numa grande perturbação para o espírito humano. O poder adquirido seria, sobretudo, usado para o mal. O orgulho e o espírito de revolta se utilizariam desse mal para subverter ou destruir uma obra de séculos.

Necessário seria, então, que o Sr. Curie desaparecesse do campo terrestre, |** mas, no Além, Deus permite que ele prossiga os seus trabalhos e que inspire os seus antigos colaboradores.

O materialismo retirou à Ciência o carácter de grandeza e de elevação moral que a tornaria digna de receber a revelação suprema, de recolher o depósito sagrado. O espírito materialista, ensoberbecido de uma tal conquista, se ergueria contra Deus. Mas no dia em que, impregnado de um espírito novo, o sábio tiver assimilado essas radiações superiores que sintetizam toda a vida universal, ele reverenciará a obra Divina.

Então, o Espiritismo, unido à Ciência, transformará a Terra num mundo evoluído. Enquanto esperam, os espíritas, em vez de se interessarem por esses fenómenos exteriores e materiais que absorvem actualmente a atenção dos cientistas, devem orientar os seus trabalhos, com a ajuda de médiuns bem-educados, para a visão das correntes fluídicas que lhes revelarão a existência dessas ondas radiantes de que a electricidade é apenas uma partícula elementar. |***

Não será nas grandes cidades que se vão encontrar médiuns semelhantes, porque os feixes fluídicos se chocam com as emanações mórbidas, fazendo diminuir a condutividadeSão necessários médiuns de natureza simples e pura, eu diria, quase ingénuos, em ambientes pacíficos e acolhedores, onde a comunhão se possa estabelecer mais facilmente com as entidades protectoras e os génios do Além.

Com o auxílio de médiuns dessa classe, os espíritos guias chegariam até a produzir ondas condensáveis em gotas de água nas próprias mãos do sensitivo. As pessoas presentes poderiam constatar-lhe a existência, seja pelo contacto nos dedos do médium, ou ainda por meio de chapas fotográficas que fixam as correntes fluídicas produtoras desses efeitos.

/…

|* Físico e químico francês (1859-1906), descobriu, com a esposa Marie, o rádio, elemento químico.
|** Morreu aos 46 anos, por atropelamento, em Paris. Participou em sessões espíritas!
|*** O electrão.



Léon Denis, O Espiritismo e as Forças Radiantes, Capítulo III, 3 de 4, 9º fragmento da obra.
(imagem de ilustração: Anos e Anos de Viagem Sideral, pintura em acrílico de Costa Brites)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Deus na Natureza ~


A Força e a Matéria I Posição do Problema (III)

  No conjunto de um sistema em movimento, toda a peça que se obstinasse em estacionar recuaria realmente. Nos nossos dias, já não é admissível dizer-se, dogmaticamente, que tal ou tal noção é perfeita e deve guardar o ataque da infalibilidade: ou se faz, ou se não faz parte da marcha progressiva do espírito. No primeiro caso, importa acompanhá-lo integralmente e, no segundo, há que confessar-se em atraso. Eis o que precisa ficar bem claro.

  Digamo-lo francamente: em ciência experimental, Deus não pode ser admitido a priori e muito menos a destinação, ou finalidade, que presumimos apreender nas obras da Natureza.

  As doutrinas apriorísticas caducaram, já se não admitem.

  Confessemo-nos com os materialistas e perguntemos se os que tomaram Deus e não a Natureza como ponto de partida explicaram, algum dia, as propriedades da matéria ou as leis que governam o mundo. Puderam eles dizer-nos da mobilidade ou imobilidade do Sol? – se a Terra era plana ou esférica? – quais os desígnios de Deus, etc.? Absolutamente. Mesmo porque, seria impossível. Partir de Deus para investigação e exame da Criação é processo baldo de nexo e de sentido. Esse precário método para estudar a Natureza e inferir consequências filosóficas, no pressuposto de poder, com uma simples teoria, construir o Universo e fixar as verdades naturais, desacreditou-se, felizmente, há muito tempo.

  Mas, pelo facto de havermos substituído a hipótese precedente pelos resultados do exame a posteriori, segue-se que devamos fechar os olhos e negar a inteligência, a sabedoria, a harmonia reveladas pela própria observação? Haverá motivo para repudiar toda e qualquer conclusão filosófica e ficar a meio caminho, temerosos de atingir o fim? E deveremos, por isso, rendermo-nos aos cépticos contemporâneos que, sem embargo de evidência, rejeitam toda luz e toda conclusão?

  Pensamos que não. Muito ao contrário, pelo método que preconizam, constatamos as suas recusas e inconsequências.

  Antes de qualquer controvérsia, importa determinar as posições recíprocas, por evitar mal-entendidos, esperando nós que as declarações precedentes bastem para esclarecer categoricamente a nossa atitude.

  Combateremos francamente o materialismo, não com as armas da fé religiosa, não com os argumentos da fraseologia escolástica, não com as autoridades tradicionais, mas pelos raciocínios que a contemplação científica do Universo inspira e fecunda.

   Examinemos preliminarmente, num lanço-de-olhos, de conjunto, o processo geral do ateísmo hodierno.

  Esse processo assemelha-se sensivelmente ao de que se utilizou o barão de Holbach, nos fins do século passado, para fundamentar o seu famoso Sistema da Natureza, obra de um materialismo vulgar, para a qual achava Goethe não haver suficiente desprezo e costumava averbar de – “legítima quintessência da senectude, inepta e insulsa”. O novo processo, mais exclusivamente científico, todavia, consiste principalmente em declarar que as forças que dirigem, não dirigem o mundo, isto é: que em vez de governarem a matéria, antes se lhe escravizam e que é a matéria (inerte, cega, desprovida de inteligência) que, movendo-se de si mesma, se governa mediante leis, cujo alcance ela não pode, todavia, apreciar.

  Pretendem os nossos materialistas actuais que a matéria existe de toda a eternidade, revestida de umas tantas propriedades, de certos atributos e que essas propriedades qualificativas da matéria bastam para explicar a existência, estado e conservação do mundo.

  Dessarte, substituem um Deus-espírito por um Deus-matéria.

  Ensinam que a matéria governa o mundo e que as forças químicas, físicas, mecânicas, não passam de qualidades.

  Para refutar um tal sistema, há que tomar, por conseguinte, o partido contrário e demonstrar um Deus-espírito, antes que um Deus-matéria, incompreensível, a reger a matéria; estabelecer que a substância é escrava antes que proprietária da força; provar que a direcção do mundo não cabe às moléculas cegas que o constituem, mas a forças sob cuja acção transparecem as leis supremas.

  Fundamentalmente, o problema se resume nesta demonstração e nós esperamos que ela ressaltará brilhante dos estudos objectivados neste nosso trabalho.

  E de vez que os adversários se apoiam em legítimos factos científicos para estabelecer o erro, cumpre-nos contrabatê-los com esses mesmos factos.

  A bem dizer, ainda que se demonstrasse que o Universo não é mais que um mecanismo material, cujas forças não se conjugam a um motor, mas remontam a matéria, subindo e descendo incessantes num sistema de motilidade perpétua, nem por isso a causa divina estaria perdida.

  Contudo, desde os primórdios da Filosofia, a partir de Heráclito e Demócrito, o sistema mecânico do mundo constituiu-se o refúgio e o argumento dos ateus, enquanto o sistema dinâmico albergava e escorava os espiritualistas.

  Nós, por princípio, filiamo-nos à concepção dinâmica e combatemos o sistema incompleto de um mecanismo sem construtor. Muito judiciosamente, diz Caro: (I) – por um lado o mecanismo tudo explica, mediante combinações e agrupamentos de átomos eternos. Todas as variedades de fenómenos, o nascimento, a vida, a morte, mais não são que o resultado mecânico de composições e decomposições, a manifestação de sistemas atómicos que se reúnem e se separam.

  O dinamismo, ao contrário, subordina todos os fenómenos e todos os seres à ideia de força.

  O mundo é a expressão, seja de forças opostas e harmoniosas entre si, seja de uma força única, cuja metamorfose perpétua engendra a universalidade dos seres.

  Pode-se constatar que, não obstante ser a explicação secundária das coisas, até certo ponto, independente da primária, ou metafísica, a História atesta o facto constante de uma afinidade natural: de um lado, entre a explicação mecânica e a hipótese supressiva de Deus; e de outro lado, entre a teoria dinâmica e a hipótese que diviniza o mundo em seu princípio.
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(I) La Philosophie de Goethe, capítulo 6º.



Camille Flammarion, Deus na Natureza – Primeira Parte, A Força e a Matéria I - Posição do Problema 3 de 6, 7º fragmento da obra.
(imagem: Jungle Tales_1895, pintura de James Jebusa Shannon)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Diálogos de Kardec ~


Causa e natureza da clarividência sonambúlica - Explicações do fenómeno da lucidez




   Sendo de natureza diversa das que ocorrem no estado de vigília, as percepções que se verificam no estado sonambúlico não podem ser transmitidas pelos mesmos órgãos. É sabido que neste caso a visão não se efectua por meio dos olhos que, aliás, se conservam, em geral, fechados e que até podem ser abrigados dos raios luminosos, de maneira a afastar todo motivo de suspeita. Ao demais, a visão à distância e através dos corpos opacos exclui a possibilidade do uso dos órgãos ordinários da vista. Forçoso é, pois, se admita que no estado de sonambulismo um sentido novo se desenvolve, como sede de faculdades e de percepções novas, que desconhecemos e das quais não nos podemos aperceber, senão por analogia e pelo raciocínio. Bem se vê que nada de impossível há nisso; mas, qual a sede desse novo sentido? Não é fácil determiná-la com exactidão. Nem mesmo os sonâmbulos fornecem a tal respeito qualquer indicação precisa. Uns há que, para verem melhor, aplicam os objectos sobre o epigastro, outros sobre a fronte, outros no occipital. O sentido de que se trata não parece, portanto, circunscrito a um lugar determinado; é, todavia, certo que a sua maior actividade reside nos centros nervosos. O que é positivo é que o sonâmbulo vê. Por onde e como? É o que nem ele mesmo pode explicar.

   Notemos, porém, que, no estado sonambúlico, os fenómenos da visão e as sensações que o acompanham são essencialmente diferentes do que se passa no estado ordinário, pelo que não nos serviremos do termo ver, senão por comparação e por nos faltar naturalmente um com que designemos uma coisa desconhecida. Um povo composto por cegos de nascença certo careceria de uma palavra para designar a luz e referiria as sensações que ela produz a alguma das que lhe fossem familiares por lhes estar ele sujeito.

   Alguém procurava explicar a um cego a impressão viva e deslumbrante da luz sobre os olhos. Compreendo, disse eleé como o som de uma trombeta. Outro, um pouco mais prosaico sem dúvida, ao qual queriam fazer que compreendesse a emissão dos raios luminosos em feixes ou cores, respondeu: Ah! sim, é como um pão de açúcar. Estamos nas mesmas condições, relativamente à lucidez sonambúlica: somos verdadeiros cegos e, do mesmo modo que estes últimos com relação à luz, comparamo-la ao que tem mais analogia com a nossa faculdade visual. Mas, se quisermos estabelecer uma analogia absoluta entre essas duas faculdades e julgar de uma pela outra, forçosamente nos enganaremos, como os dois cegos que acabamos de citar. É esse o erro de quase todos os que procuram pretensamente convencer-se pela experiência: intentam submeter a clarividência sonambúlica às mesmas provas que a vista ordinária, sem ponderarem que entre elas a única relação existente é a do nome que lhes damos. Daí, como os resultados nem sempre lhes correspondem à expectativa, acham mais simples negar.

   Se procedermos por analogia, diremos que o fluido magnético, disseminado por toda a Natureza e cujos focos principais parece que são os corpos animados, é o veículo da clarividência sonambúlica, como o fluido luminoso é o veículo das imagens que a nossa faculdade visual percebe. Ora, assim como o fluido luminoso torna transparentes corpos que ele atravessa livremente, o fluido magnético, penetrando todos os corpos sem excepção, torna inexistentes os corpos opacos para os sonâmbulos. Tal a explicação mais simples e mais material da lucidez, falando do nosso ponto de vista. Temo-la como certa, porquanto o fluido magnético incontestavelmente desempenha importante papel nesse fenómeno; ela, entretanto, não poderia elucidar todos os factos. Há outra que os abrange a todos; mas, para expô-la, fazem-se indispensáveis algumas explicações preliminares.

   Na visão à distância, o sonâmbulo não distingue um objecto ao longe, como o faríamos nós com o auxílio de uma lunetaNão é que o objecto, por uma ilusão de óptica, se aproxime dele, ELE É QUE SE APROXIMA DO OBJECTO. O sonâmbulo vê o objecto exactamente como se este se achasse a seu lado; vê-se a si mesmo no lugar que ele observa; numa palavra: transporta-se para esse lugar. Seu corpo, no momento, parece extinto, a palavra lhe sai mais surda, o som da sua voz apresenta qualquer coisa de singular; a vida animal também parece que se lhe extingue; a vida espiritual está toda no lugar aonde o transporta o seu próprio pensamento: somente a matéria permanece onde estava. Há pois uma certa porção do ser que se lhe separa do corpo e se transporta instantaneamente através do espaço, conduzida pelo pensamento e pela vontade. Evidentemente, é imaterial essa porção; a não ser assim, produziria alguns dos efeitos que a matéria produz. É a essa parcela de nós mesmos que chamamos: a alma.

   É a alma que confere ao sonâmbulo as maravilhosas faculdades de que ele goza. A alma é quem, dadas certas circunstâncias, se manifesta, isolando-se em parte e temporariamente do seu invólucro corpóreo. Para quem quer que haja observado com atenção os fenómenos do sonambulismo em toda a sua pureza, é patente a existência da alma, tornando-se-lhe uma insensatez demonstrada até à evidência a ideia de que tudo em nós acaba com a vida animal. Pode-se, pois, dizer com alguma razão que o magnetismo e o materialismo são incompatíveis. Se alguns magnetizadores se afastam desta regra e professam as doutrinas materialistas, é sem dúvida que se hão cingido a um estudo muito superficial dos fenómenos físicos do Magnetismo e não procuram seriamente a solução do problema da visão à distância. Como quer que seja, nunca vimos um único sonâmbulo que não se mostrasse penetrado de profundo sentimento religioso, fossem quais fossem suas opiniões no estado vigíl.

   Voltemos à teoria da lucidez. Sendo a alma o princípio básico das faculdades do sonâmbulo, necessariamente nela é que reside a clarividência e não nesta ou naquela parte circunscrita do corpo material. Essa a razão por que o sonâmbulo não pode indicar o órgão dessa faculdade, como designaria os olhos, se se tratasse da visão exterior. Ele vê por todo o seu ser moral, isto é, por toda a sua alma, visto que a clarividência é um dos atributos de todas as partes da alma, como a luz é um dos atributos de todas as partes do fósforo. Onde quer, pois, que a alma possa penetrar, há clarividência; essa a causa da lucidez dos sonâmbulos através de todos os corpos, sob os mais espessos envoltórios e a todas as distâncias.

   Uma objecção, como é natural, se apresenta a esse sistema e apressamo-nos a responder a ela. Se as faculdades sonambúlicas são as mesmas da alma desprendida da matéria, por que não são constantes essas faculdades? Por que alguns sonâmbulos são mais lúcidos do que outros? Por que, num mesmo indivíduo, a lucidez é variável?

   Concebe-se a imperfeição física de um órgão; mas não se concebe a da alma.

   Esta se acha presa ao corpo por laços misteriosos que não nos fora dado conhecer antes que o Espiritismo houvesse demonstrado a existência e o papel do perispírito. Tendo sido esta questão tratada de modo especial na Revista Espírita e nas obras fundamentais da doutrina, não nos alargaremos aqui sobre ela, limitando-nos a dizer que é pelos nossos órgãos materiais que a alma se manifesta no exterior. No nosso estado normal, essas manifestações ficam naturalmente subordinadas à imperfeição do instrumento, do mesmo modo que o melhor artífice não pode fazer obra perfeita com utensílios maus. Assim, por muito admirável que seja a estrutura do nosso corpo, qualquer que tenha sido a providência da Natureza, com relação ao nosso organismo, para o exercício das funções vitais, acima desses órgãos sujeitos a todas as perturbações da matéria, há a subtileza da nossa alma. Enquanto, pois, ela se conserva presa ao corpo, sofre-lhe os entraves e as vicissitudes.

   O fluido magnético não é a alma; é um liame, um intermediário entre a alma e o corpo. Actuando mais ou menos sobre a matéria é que ele torna mais ou menos livre a alma, donde a diversidade das faculdades sonambúlicas. O sonâmbulo é o homem despojado apenas de uma parte das suas vestiduras e cujos movimentos são embaraçados pelo que lhe resta dessas vestiduras.

   Somente quando tem alijado de si os últimos restos da ganga terrena, como a borboleta que abandona a sua crisálida, se encontra a alma na plenitude de si mesma e goza de liberdade completa no uso de suas faculdades. Se houvesse um magnetizador bastante poderoso para dar liberdade absoluta à alma, romper-se-ia o liame terrestre e a morte imediata se seguiria. O sonambulismo, portanto, fez que puséssemos o pé na vida futura; ergueu uma ponta do véu sob que se ocultam as verdades que o Espiritismo nos faz hoje entrever. Não na conheceremos, todavia, em sua essência, senão quando nos houvermos desembaraçado por completo da cobertura material que neste mundo a obscurece.
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ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte, Causa e natureza da clarividência sonambúlica, Explicação do fenómeno da lucidez, 6º fragmento solto da obra.
(imagem de ilustração: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra