Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 28 de novembro de 2023

o problema do | ser


(Quem sou... o que faço aqui... de onde vim... para onde vou...)

Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas)

(por Léon Denis)

Chegamos agora a uma ordem de manifestações que se produzem à distância sem o concurso dos órgãos, tanto em vigília quanto no sono. Esses fenómenos, conhecidos pelo termo um tanto genérico e vago de telepatia, não são, dissemos, actos doentios e mórbidos da personalidade, como certos observadores o têm acreditado, mas, pelo contrário, casos parciais, rebentos isolados da vida superior no seio da humanidade. Deve ver-se neles o primeiro aparecimento dos poderes futuros com que o homem terrestre será dotado. O exame desses factos levar-nos-á a reconhecer que o “eu” exteriorizado durante a vida e o “eu” que sobrevive após a morte são idênticos e representam dois aspectos sucessivos da existência de um único e mesmo ser.

A telepatia, ou projecção à distância do pensamento e mesmo da imagem do manifestante, faz-nos subir mais um degrau na escala da vida psíquica. Aqui, encontramo-nos na presença de um acto poderoso da vontade. A alma comunica-se a si própria, comunicando a sua vibração, o que demonstra à evidência que a alma não é um composto, uma resultante nem um agregado de forças, mas sim, pelo contrário, o centro da vida e da vontade, centro dinâmico que governa o organismo e lhe dirige as funções. As manifestações telepáticas não têm limites. O poder e a independência da alma nelas se revelam soberanamente, porque o corpo nenhum papel representa no fenómeno. É mais um obstáculo do que um auxílio. Produzem-se, por esse motivo, ainda com maior intensidade, depois da morte, como veremos a seu tempo.

“A auto-projecção, diz Myers(ii) é o único acto definido que o homem parece capaz de executar, tanto antes como depois da morte corporal.”

A comunicação telepática à distância foi estabelecida por experiências que se tornaram clássicas. Podemos citar as do Sr. Pierre Janet, hoje professor da Sorbonne e, do Dr. Gilbert, do Havre, no seu sujet Léonie que eles, de noite, a um quilómetro de distância, fazem vir ao seu encontro por meio de chamamentos sugestivos. (iii)

Desde então as experiências foram-se multiplicando com êxito constante. Apontemos apenas vários casos de transmissão de pensamento a grande distância.

Os Annales des Sciences Psychiques, Paris, 1891 (i), pág. 26, relatam uma experiência de transmissão mental de imagem, feita a 171 quilómetros de distância, de Paris a Ribemont (Aisne). Os operadores eram os Senhores Debaux e Léon Hennique.

Daily Express, de 17 de julho de 1903, refere notáveis ensaios de troca de pensamentos, que se efectuaram nos escritórios da Review of Reviews, em Norfolk Street, Strand, Londres. Essas experiências eram fiscalizadas por uma comissão de seis membros, da qual faziam parte o Dr. Wallace, de Harley Street, 39 e, o eminente escritor W. Stead. As mensagens telepáticas foram enviadas pelo Sr. Richardson, de Londres e, recebidas pelo Sr. Franck, de Nottingham, a uma distância de 110 milhas inglesas.

Finalmente, o Banner of Light, de Boston, no seu número de 12 de agosto de 1905, informa-nos que uma americana, a Sra. Burton Johnson, de Des Moines, conquistou recentemente o recorde nesse género de transmissão. Sentada no seu quarto do Hotel Vitória, recebeu quatro vezes mensagens telepáticas de Palo Alto (Califórnia), que fica à distância de três mil milhas. Trata-se, diz o jornal, de factos devidamente comprovados, rigorosamente fiscalizados e que não deixam subsistir quaisquer dúvidas.

A transmissão dos pensamentos e das imagens opera-se, dissemos, indistintamente, tanto durante o sono, como no estado de vigília. Já expusemos vários casos; serão encontrados outros, em grande número, nas obras especiais. Mencionemos, por exemplo, o de um médico chamado telepaticamente durante a noite e o de Agnés Paquet, citados por Myers(iv) Acrescentemos o caso da Sra. Elgee, que, estando no Cairo, teve a visão de um amigo que, naquele mesmo momento, em Inglaterra, pensava nela ardentemente. (v)

“Nos últimos dias de sua vida, a minha mãe via-me muitas vezes junto de si, em Tours, conquanto eu andasse então muito longe dali, em viagem pelo oriente da França.”

Todos estes fenómenos podem ser explicados pela projecção da vontade do manifestante, que evoca no percipiente a própria imagem do agente.

Nos casos a seguir, veremos a personalidade psíquica, a alma, destacar-se completamente do invólucro corpóreo e aparecer na sua forma de fantasma. A esse respeito são inúmeros os testemunhos.

Relatamos noutra obra (vi) os resultados dos inquéritos da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres. Permitiram eles que se recolhessem cerca de mil casos de aparições, à distância, de pessoas vivas, apoiados por atestados de alto valor. Os testemunhos foram consignados em muitos volumes, sob a forma de autos. Foram assinados por homens de ciência pertencentes a academias ou a diversos corpos científicos. Entre estes nomes figuram os de GladstoneBalfour, etc.

Atribui-se, geralmente, a estes fenómenos, carácter subjectivo; mas essa opinião não resiste a um exame atento. Certas aparições foram vistas sucessivamente, por várias pessoas, nos diferentes andares de uma casa; outras impressionaram animais, como cães, cavalos, etc. Em certos casos, os fantasmas actuam sobre a matéria, abrem portas, deslocam objectos, deixam indícios no pó que cobre os móveis; ouvem-se vozes, que dão informações a respeito de factos ignorados, sendo mais tarde essas informações reconhecidas como exactas.

No número destes casos devemos incluir o da Senhora Hawkins, cujo fantasma foi visto simultaneamente por quatro pessoas e do mesmo modo; (vii) as visões de Mac-Alpine, de Carrol, Stevenson; (viii) a de um marinheiro que, estando a velar junto de um camarada moribundo, viu aparecer uma família inteira de fantasmas, trajando luto; (ix) o caso de Clerk em que o irmão moribundo apareceu a uma negra que nunca o conhecera. (x)

Na França, foram recolhidos numerosos factos da mesma natureza e publicados pelos Annales des Sciences Psychiques, do Dr. Dariex e do Prof. Charles Richet e por Camille Flammarion, na sua obra O Desconhecido e os Problemas Psíquicos.

Vamos citar um caso recentíssimo. Os grandes jornais de Londres, o Daily Express, o Evening News, o Daily News, de 17 de maio de 1905, o Umpire, de 14 de maio, etc., narram a aparição, em plena sessão do Parlamento, na Câmara dos Comuns, do fantasma de um deputado, o Major Sir Carne Rasch, retido nesse momento em casa por causa de uma indisposição. Três outros deputados atestam a realidade da manifestação. Sir Gilbert Parker exprime-se da seguinte maneira: (xi)

“Eu queria tomar parte no debate, mas esqueceram-se de me chamar. Quando voltava para o meu lugar, dei com os olhos em Sir Carne Rasch sentado perto do seu lugar do costume. Como sabia que ele tinha estado doente, fiz-lhe um gesto amigável, dizendo-lhe: “Estimo que esteja melhor”; mas ele não deu nenhuma resposta, o que me causou admiração. A fisionomia do meu amigo estava muito pálida. Ele estava sentado, quieto, com a fronte encostada à mão; a expressão do seu rosto era impassível e dura. Pensei um instante no que havia de fazer. Quando me voltei para Sir Carne, ele havia desaparecido. Imediatamente fui à sua procura, esperando encontrá-lo no vestíbulo; mas Rasch não estava lá; ninguém aí o vira...

O próprio Sir Carne não duvidava de ter realmente aparecido na Câmara sob a forma do seu duplo, por causa da preocupação em que estava de dar ao Governo o apoio do seu voto.”

No “Daily News” de 17 de maio de 1905, Sir Arthur Hayter junta o seu testemunho ao de Sir Gilbert Parker. Diz que ele também não só viu Sir Carne Rasch, como chamou a atenção de Sir Henry Campbell Bannerman para a sua presença na Câmara.

A exteriorização, ou desdobramento, do ser humano pode ser provocada pela acção magnética. Fizeram-se experiências que tornam impossível a dúvida. O paciente, adormecido, desdobra-se e vai produzir, à distância, actos materiais.

Citamos o caso do magnetizador Lewis. (xii) Em outras circunstâncias semelhantes foi a aparição fotografada. Aksakof, na sua obra Animismo e Espiritismo, cita três desses casos; outros factos análogos foram observados pelo Capitão Volpi e por W. Stead, director do Borderland.

No caso Istrati e Hasdeu – este último senador da Romania – a forma desdobrada do professor Istrati impressionou placas fotográficas, à noite, à distância de 50 quilómetros do lugar onde estava o seu corpo adormecido. Assim, a objectividade da alma, com a sua forma fluídica manifestando-se em pontos afastados daquele onde o corpo se encontra em descanso, está demonstrada de maneira positiva e não pode ser contestada seriamente.

Ao demais, basta consultar a História para se reconhecer que o passado está cheio de factos deste género. Os fenómenos de bilocação dos vivos são frequentes nos anais religiosos. O passado não é menos rico em narrações e testemunhos a respeito dos Espíritos dos mortos e essa abundância de afirmações, essa persistência através dos séculos são bem próprias para indicar que, no meio das superstições e dos erros, alguma coisa de realidade deve existir.

Com efeito, a comunicação e manifestação à distância entre Espíritos encarnados (i) conduzem, lógica e necessariamente, à comunicação possível entre Espíritos encarnados e desencarnados. A esse respeito, assim se expressa Myers: (xiii)

“Nós podemos impressionar-nos reciprocamente à distância e, se os nossos Espíritos encarnados podem assim actuar, de maneira independente do organismo carnal, há nisto uma presunção favorável à existência de outros Espíritos independentes dos corpos e susceptíveis de nos impressionarem do mesmo modo.”

Os habitantes do espaço têm facultado muitas provas experimentais da lei da comunhão universal na fraca e estreita medida em que na Terra ela pode ser verificada com rigor.

Devemos apontar, entre outros factos, a experiência da Sociedade de Pesquisas de Londres, à qual o mundo sábio é devedor de tantas descobertas no domínio psíquico. Estabeleceu ela um sistema de permutas de pensamentos entre os Estados Unidos e a Inglaterra, simplesmente com a ajuda de dois médiuns em transe, que serviram para transmitir uma mensagem de um Espírito para o outro Espírito. A mensagem consistia em quatro palavras latinas e o latim era língua que os médiuns não conheciam.

Esta experiência foi feita sob a vigilância e fiscalização do Prof. Hyslop, da Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque e, foram tomadas todas as precauções necessárias para serem evitadas as fraudes. (xiv)

Quando se estuda, nos seus diversos aspectos, o fenómeno da telepatia, as visões gerais que daí resultam aumentam pouco a pouco e somos levados a reconhecer nele um processo de comunicação de alcance incalculável. A princípio, esse fenómeno foi-nos apresentado como uma simples transmissão, quase mecânica, de pensamentos e imagens entre dois cérebros; mas o fenómeno vai revestir as formas mais variadas e impressionantes. Depois dos pensamentos vêm as projecções, à distância, dos fantasmas dos vivos, as dos moribundos e, finalmente, sem que nenhuma solução de continuidade interrompa o encadeamento dos factos, as aparições dos mortos, quando o vidente, na maior parte dos casos, nenhum conhecimento tem do falecimento das pessoas que aparecem. Há aí uma série contínua de manifestações, que se vão graduando nos seus efeitos e concorrem para demonstrar a indestrutibilidade da alma.

A acção telepática não conhece limites; vence todos os obstáculos e liga os vivos da Terra aos vivos do espaço, o mundo visível aos mundos invisíveis, o homem a Deus; une-os da maneira mais estreita, mais íntima.

Os meios de transmissão que ela nos revela constituem a base das relações sociais entre os Espíritos, o seu modo usual de permutarem as ideias e as sensações. O fenómeno que na Terra se chama telepatia não é outra coisa senão o processo de comunicação entre todos os seres pensantes na vida superior e a oração é uma das suas formas mais poderosas, uma das suas aplicações mais elevadas e mais puras. A telepatia é a manifestação de uma lei universal e eterna.

Todos os seres, todos os corpos trocam vibrações. Os astros exercem influência através das imensidades siderais; do mesmo modo, as almas, que são sistemas de forças e focos de pensamentos, impressionam-se reciprocamente e podem comunicar-se a todas as distâncias. (xv) A atracção estende-se às almas como aos astros; atrai-os para um Centro comum, eterno e divino. Uma dupla relação se estabelece. As suas aspirações sobem para ele na forma de apelos e orações. E, sob a forma de graças e inspirações, descem os socorros.

Os grandes poetas, escritores, artistas, os sábios e os puros conhecem esses impulsos, essas inspirações súbitas, esses clarões de génio que iluminam o cérebro como relâmpago e parecem provir de um mundo superior, cuja grandeza e inebriante beleza reflectem, ou então são visões da alma. Num arrojo extático ela vê entreabrir-se esse mundo inacessível, percebe-lhe as radiações, as essências, as luzes.

Tudo isso nos demonstra que a alma é susceptível de ser impressionada por meios diferentes dos órgãos, que ela pode recolher conhecimentos que excedem as faculdades humanas e provêm de uma causa espiritual. Graças a esses clarões, a esses relâmpagos, ela entrevê, na vibração universal, o passado e o futuro; percebe a génese das formas, formas de arte e pensamento, de beleza e santidade, da qual perenemente derivam formas novas, numa variedade inesgotável como o manancial de onde emanam.

Consideremos estas coisas sob um ponto de vista mais directo; vejamos as suas consequências no meio terrestre. Já pelos factos telepáticos se acentua a evolução humana. O homem conquista novos poderes psíquicos que lhe permitirão, um dia, manifestar o seu pensamento a todas as distâncias, sem intermediário material. Esse progresso constitui um dos mais magníficos estádios da humanidade para uma vida mais intensa e livre. Poderá ser o prelúdio da maior revolução moral que se tenha realizado no nosso Globo. Dessa forma seria realmente vencido, ou consideravelmente atenuado, o mal.

Quando o homem já não tiver segredos, quando se lhe puder ler no cérebro os pensamentos, ele já não se atreverá a pensar no mal e, por conseguinte, a fazer o mal. Assim, a alma humana elevar-se-á sempre, subindo pela escala dos desenvolvimentos infinitos. Tempos virão em que a inteligência há de predominar cada vez mais, desembaraçando-se da crisálida carnal, estendendo, afirmando o seu domínio sobre a matéria, criando com os seus esforços meios novos e mais amplos de percepção e manifestação. Apurando-se, por sua vez, os sentidos, verão eles ampliar-se-lhes o círculo de acção. O cérebro humano tornar-se-á um templo misterioso, de vastas e profundas naves, cheias de harmonias, vozes e perfumes, instrumento admirável ao serviço de um Espírito que se tornou mais subtil e poderoso.

Ao mesmo tempo em que a personalidade humana, alma e organismo, a pátria terrestre se transformará. Para que se opere a evolução do meio é preciso que primeiramente se efectue a evolução do indivíduo. É o homem que faz a humanidade e esta, por sua acção constante, transforma a morada daquele. Há equilíbrio absoluto e relação íntima entre o moral e o físico. O pensamento e a vontade são a ferramenta, por excelência, com a qual tudo podemos transformar em nós e à nossa volta.

Tenhamos apenas pensamentos elevados e puros; aspiremos a tudo o que é grande, nobre e belo. Pouco a pouco sentiremos regenerar-se o nosso próprio ser e, com ele, do mesmo modo, todas as camadas sociais, o globo e a humanidade! E, em nossa ascensão, chegaremos a compreender e praticar melhor a comunhão universal que une todos os seres. Inconsciente nos estados inferiores da existência, essa comunhão torna-se cada vez mais consciente, à medida que o ser se eleva e percorre os graus inumeráveis da evolução, para chegar, um dia, ao estado de espiritualidade em que cada alma, irradiando o brilho das potências adquiridas nos impulsos do seu amor, vive da vida de todos e a todos se sente unida na obra eterna e infinita.

/…
(ii) F. Myers (i) - La Personnalité Humaine, pág. 250.
(iii) Ver Bulletin de la Société de Psychologie Physiologique, I, pág. 24.
(iv) Phantasms of the living, I, 267. Proceedings, VII, págs. 32 e 35.
(v) Idem, II, 239.
(vi) Ver Depois da Morte, 3ª parte; e No Invisível, cap. XI.
(vii) Phantasms of the Living, II, 18.
(viii) Proceedings, X. 332, Phantasms of the Living, II, 96 e 100.
(ix) Phantasms of the Living, II, 144.
(x) Phantasms of the Living, II, 61.
(xi) The Umpire de 14 de maio de 1905, reprodução feita pelos Annales des Sciences Psychiques (i), julho de 1905.
(xii) Revue Scientifique du Spiritisme, fevereiro de 1905, pág. 457.
(xiii) F. Myers - La Personnalité Humaine, pág. 25.
(xiv) Pode ler-se a narração desse facto na Daily Tribune, de Chicago, 31 de outubro de 1904, e nos Proceedings da S.P.R.
(xv) Sir William Crookes (i), num discurso na British Association em 1898, sobre a lei das vibrações, declara que ela é a lei natural que rege “todas as comunicações psíquicas”. Parece que a telepatia até se estende aos animais. Existem factos que indicam uma comunicação telepática entre homens e animais. Ver, nos Annales des Sciences Psychiques, agosto de 1905, págs. 459 e seguintes, o estudo bem documentado de E. Bozzano (i)Perceptions Psychiques et les Animaux.


Léon Denis, O Problema do Ser, do Destino e da Dor, Primeira Parte O Problema do Ser, VI – Desprendimento e exteriorização (Projecções telepáticas), 7º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Sin título (detalhe), de uma pintura atribuída a Josefina Robirosa)

domingo, 12 de novembro de 2023

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo VII
~ Rumo ao Estado Metapsíquico ~

 Se é possível que o espiritual exista na natureza humana, a sua descoberta só poderá obter-se mediante a exploração extrassensorial, segundo a prática da parapsicologia. O raciocínio metafísico e teológico já não convence o espírito crítico da idade actual. Daí que Lecomte du Nouy expressava acertadamente: “Não podemos combater os tanques com a cavalaria, nem os aviões com arcos e flechas. Utilizou-se a ciência para solapar os fundamentos da religião. Devemos empregar a ciência para consolidá-la.” (i)

 A parapsicologia não é uma evasão da realidade material; pelo contrário, é uma tomada de posse dessa realidade, para transformá-la noutra, mais lógica e firme, mediante o descoberta do númeno que a anima. É indubitável que esse espírito que rege a realidade visível será conquistado pela investigação parapsicológica e mediúnica, desde que, por temor às conclusões da verdade espiritual, não se detenha na periferia do Ser.

 Apesar das reservas que se adoptem, para que a parapsicologia se abstenha de toda a hipótese que transcenda o domínio estritamente cientifico(ii) abre-se perante ela uma zona extracientífica que tem relação com o que se pode chamar o ser transcendente do homem. De maneira que manter a parapsicologia nessa ordem psíquica que se assenta apenas em actividades e funções do psiquismo humano, segundo deseja Robert Amadou, é não reconhecer a possível razão que assiste ao filósofo parapsicológico, em favor da imortalidade da alma, quando se defronta com essas tremendas realidades metapsíquicas que apresentam os fenómenos supranormais, como são as materializações de seres vivos, comprovadas e admitidas pelos maiores sábios da humanidade.

 O experimentalismo crítico e analítico das ciências parapsicológicas será o único factor positivo que deterá a acção demolidora do materialismo. Não nos esqueçamos de que o chamado realismo marxista é mais poderoso que os milagres e as apelações da teologia. Acreditamos que os únicos elementos espirituais, que poderão salvar o sentido religioso do homem são as realidades do fenómeno espiritista, acompanhadas pelos esforços experimentais da parapsicologia. (iii)

 Nos tempos novos, já não se trata de conformismo nem de crenças sem provas: esta atitude será agora a de uma parte mínima da humanidade, mas nunca a dessa maioria ateísta e antiespiritualista que nega enfaticamente hoje o que aceitou até ontem de maneira cândida. Se é certo que existe uma necessidade de acreditar, o desenvolvimento mental do homem exige novo modo de aceitar as crenças: aspira a crer sobre as bases de um seguro realismo religioso, sem medo de se enganar.

 Contudo, os chefes das diversas igrejas existentes, em vez de acatarem como uma realidade escatológica o espiritismo, combatem-no em nome do Diabo, sem perceber que estão desperdiçando uma das melhores oportunidades para refutar com ele as consequências do materialismo.

 Se é certo que o período actual da parapsicologia é o que corresponde à era biológica, segundo o critério de Joseph B. Rhine, a partir de agora devíamos considerar a necessidade de inaugurar a era ontológica da parapsicologia. O problema do Ser, tão estudado no presente, através do que a filosofia denomina Conhecimento do homem, exige do trabalho parapsicológico a demonstração de novas noções ontológicas, que possam tapar a brecha, segundo Rhine, observada na natureza. Essa brecha é, indubitavelmente, o mistério do homem, isto é, a dramática questão apresentada pela filosofia existencial com respeito ao sentido do Ser, relegado apenas à náusea, à angústia, ao nada e à morte.

 Que é o homem? Que somos? De onde viemos? E para onde vamos?

 Eis aqui as apaixonantes questões que merecem uma resposta categórica.

 Francisco Romero, um dos maiores filósofos argentinos, referindo-se ao tema do homem e à posição da filosofia em face desses problemas, escreveu o seguinte:

 “O que a presente situação carece exigir da filosofia é uma definição precisa e concreta do homem, uma especificação nítida da sua posição no conjunto e do sentido da sua vida, de acordo com os mais firmes resultados do pensamento e da experiência psicológica e histórica: em suma, uma noção do homem, mais minuciosa, exaustiva e terminante do que as proporcionadas até agora.” (iv)

 Como vemos, a necessidade espiritual de um conhecimento definitivo do homem está no íntimo de todos. A filosofia, mais do que em nenhuma outra época, aspira a solucionar o problema do homem. O Ser continua a ser um problema metafísico e religioso, apesar de tudo o que foi dito até agora. A situação dramática em que se encontra a filosofia torna-se mais desesperadora à medida que as teorias, hipóteses e petições de princípio se vão acumulando. Não nos esqueçamos que são numerosos os sistemas e as ideologias filosóficas e religiosas que pretendem interpretar o homem. Não obstante, nenhuma dessas formulações se mostrou capaz de derrotar esta sinistra concepção materialista do mundo: a filosofia do nada. Por outras palavras, o fúnebre sentido desta definição do existencialismo niilista: o homem, é um ser para a morte eterna.

 O filósofo alemão Fritz J. Von Rintelen, num belo trabalho, exprimiu-se assim: “Nenhum sentimento já evoca a Deus, mas tão-somente ao Nada.” (v)

 Esta conclusiva afirmação reflecte o verdadeiro sentir dos tempos novos. Já não se trata de afirmar a realidade espiritual do homem e da existência, mas procura matar-se o homem, levá-lo ao suicídio, através de um existir fundado no nada. A impressão que se poderia ter é a de que um demónio negador se alojara na mente humana, procurando apenas destruir o Ser espiritual que a anima.

 De acordo com o sector materialista da humanidade é mais racional e, até mais científico, dizer que o homem morre para sempre, do que supor que viverá eternamente, na vida do espírito. Parece que, para o homem moderno, seria preferível ser pó ou nada a ser espírito imortal. E, segundo outros argumentos, é mais moral e até mais natural morrer para sempre do que viver eternamente.

 A disputa suscitada pelo existencialismo, entre essência e existência, seria facilmente resolvida se a filosofia e a religião levassem em conta as manifestações espirituais dos fenómenos metapsíquicos e parapsicológícos.

 Jean-Paul Sartre, em O Ser e o Nada, esforça-se por fazer prevalecer o Nada sobre o Ser ou a essência espiritual do homem.

 Vemos nas suas páginas que o nada foi convertido em valor filosófico, para sustentar a morte eterna e definitiva do indivíduo. Mas não devemos espantar-nos com essa valorização do nada, já que, segundo a bíblia, Deus fez o homem do nada. Consequentemente, esse instinto do nada existencial ressurge com o existencialismo ateu, em forma catastrófica, do inconsciente da espécie, levando de roldão o ético e toda a finalidade transcendente do homem e do Universo.

 O Nada, para Deus, era um valor criador; por isso, diz a bíblia que o Criador fez o mundo surgir do nada. Daí se conclui que o Ser e o mundo, como afirma o existencialismo niilista, estão condenados ao nada, o que vale dizer que esse existencialismo, não obstante o seu rigoroso ateísmo, é uma filosofia vinculada a Deus e à bíblia.

 A metapsíquica e a parapsicologia descobriram, entretanto, que o nada não é verdadeiro; comprovaram que na vida social existe o que Richet chamou de inabitual e, que os fenómenos transcendentais desse campo revelam uma teleologia, tanto para o Ser como para a civilizaçãoA metapsíquica prova que o mundo objectivo pode descentralizar-se, para que a essência psíquica se manifeste na vida espiritual da humanidade. Além disso, estabeleceu que a existência não é atributo exclusivo do homem e do seu mundo, mas que o existir é próprio de outros seres e entidades inteligentes, situados no mundo invisível que nos circunda.

 A decadência espiritual do homem e da cultura contemporânea reclamam a colocação de problemas metafísicos e sociais, com o objectivo de alcançar novas interpretações da existência mais edificantes para o destino do espírito encarnado. Chegou a hora de uma metapsíquica existencialresistir a isso é deter a marcha das verdades espirituais. Charles Richet, provando este facto singular e dramático da evolução, declarou: “Amanhã, talvez a metapsíquica terá o direito de elevar-se mais alto, nos rumos de uma moral, uma sociologia e uma teodiceia novas.” (vi)

 Com efeito, a lei dos três estados, de Auguste Comteo teológico, o metafísico e o positivo, permite-nos acrescentar agora um quarto estado: metapsíquicoDesta maneira poderíamos inaugurar uma nova forma de conhecer as três grandes manifestações da história: a sociedade, o Espírito e a divindade. Acreditamos que o melhor campo de investigação metafísica é o próprio homem, porque nele está presente esse quarto estado, que Comte não chegou a conhecer: o estado metapsíquicoMas esse campo, para ser efectivo, deverá entrosar-se com a interpretação espírita do homem e da vida, já que nesta se encontra o fundamento filosófico, teosófico e religioso da continuidade do Ser. (vii)

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(i) Leconte du Nouy, O Destino Humano.
(ii) Revue Metapsychique, R. P. Reginaldo Omez, 1950.
(iii) O facto básico de deixar estabelecida a realidade de psi envolve um princípio de grande significação, aplicável a este problema da sobrevivência espiritual. Pois se não houvesse nenhuma evidência de algo que transcenda as leis físicas, se não houvesse nada que desafiasse os limites da interpretação mecanicista do homem e do mundo vivente, não valeria a pena pensar ainda no problema da sobrevivência. (Revista de Parapsicologia, n° 2 - ano 1955).
(iv) Miradas Sobre el Hombre, La Nación - Buenos Aires, 1950. (Edição de 21 de março).
(v) Lá Mística de Ia Muerte y Ia Filosofia Contemporanea, Critério, Buenos Aires, n.° 1.117.
(vi) Tratado de Metapsíquica, Charles Richet, pág. 37, edição espanhola, 1925.
(vii) Na Revista Espírita, de abril de 1858, Kardec aceitou a sugestão de um correspondente de acrescer à lei dos três estados, de Comte, o estado psicológico da evolução humana, iniciado com o espiritismo. O autor renova essa proposição, como vemos, com outra denominação. Essa coincidência e o desenvolvimento actual das pesquisas psíquicas, mostram que Kardec e o correspondente da “Revista” estavam certos. O leitor pode verificar o facto no volume I da colecção da “Revista”, lançada pela Edicel. É o editorial do número de abril, intitulado: “Período Psicológico”. (Nota de J.H.Pires).


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo VII Rumo ao Estado Metapsíquico, 12º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali