~ Rumo ao Estado Metapsíquico ~
Se é possível que o espiritual exista na natureza humana, a sua
descoberta só poderá obter-se mediante a exploração extrassensorial, segundo a
prática da parapsicologia. O raciocínio metafísico e teológico já não
convence o espírito crítico da idade actual. Daí que Lecomte
du Nouy expressava acertadamente: “Não podemos combater
os tanques com a cavalaria, nem os aviões com arcos e flechas. Utilizou-se a
ciência para solapar os fundamentos da religião. Devemos empregar a
ciência para consolidá-la.” (i)
A parapsicologia não é uma evasão da realidade material;
pelo contrário, é uma tomada de posse dessa realidade, para transformá-la
noutra, mais lógica e firme, mediante o descoberta do númeno que
a anima. É indubitável que esse espírito que rege a realidade visível será
conquistado pela investigação parapsicológica e mediúnica, desde que, por temor às conclusões da verdade
espiritual, não se detenha na periferia do Ser.
Apesar das reservas que se adoptem, para que a
parapsicologia se abstenha de toda a hipótese que transcenda o domínio
estritamente cientifico, (ii) abre-se perante
ela uma zona extracientífica que tem relação com o que se pode chamar o
ser transcendente do homem. De maneira que manter a
parapsicologia nessa ordem psíquica que se assenta apenas em actividades e funções do psiquismo humano, segundo
deseja Robert Amadou, é não reconhecer a possível razão que
assiste ao filósofo parapsicológico, em favor da imortalidade da alma, quando
se defronta com essas tremendas realidades metapsíquicas que
apresentam os fenómenos supranormais, como são as materializações de seres
vivos, comprovadas e admitidas pelos maiores sábios da humanidade.
O experimentalismo crítico e analítico das ciências
parapsicológicas será o único factor positivo que deterá a acção demolidora do
materialismo. Não nos esqueçamos de que o chamado realismo marxista é mais
poderoso que os milagres e as apelações da teologia. Acreditamos que os únicos
elementos espirituais, que poderão salvar o sentido religioso do homem são as
realidades do fenómeno espiritista, acompanhadas pelos esforços experimentais
da parapsicologia. (iii)
Nos tempos novos, já não se trata de conformismo nem de
crenças sem provas: esta atitude será agora a de uma parte mínima da
humanidade, mas nunca a dessa maioria ateísta e antiespiritualista que nega
enfaticamente hoje o que aceitou até ontem de maneira cândida. Se é certo
que existe uma necessidade de acreditar, o desenvolvimento mental do homem
exige novo modo de aceitar as crenças: aspira a crer sobre as bases de um
seguro realismo religioso, sem medo de se enganar.
Contudo, os chefes das diversas igrejas existentes, em vez
de acatarem como uma realidade escatológica o espiritismo,
combatem-no em nome do Diabo, sem perceber que estão desperdiçando uma
das melhores oportunidades para refutar com ele as consequências do
materialismo.
Se é certo que o período actual da parapsicologia é o que
corresponde à era biológica, segundo o critério de Joseph
B. Rhine, a partir de agora devíamos considerar a necessidade de inaugurar
a era ontológica da parapsicologia. O problema do
Ser, tão estudado no presente, através do que a filosofia denomina Conhecimento
do homem, exige do trabalho parapsicológico a demonstração de novas
noções ontológicas, que possam tapar a brecha, segundo Rhine,
observada na natureza. Essa brecha é, indubitavelmente, o mistério do homem,
isto é, a dramática questão apresentada pela filosofia existencial com respeito
ao sentido do Ser, relegado apenas à náusea, à angústia, ao nada e à morte.
Que é o homem? Que somos? De onde viemos? E para onde vamos?
Eis aqui as apaixonantes questões que merecem uma resposta
categórica.
Francisco Romero, um dos maiores filósofos argentinos,
referindo-se ao tema do homem e à posição da filosofia em face desses
problemas, escreveu o seguinte:
“O que a presente situação carece exigir da filosofia é
uma definição precisa e concreta do homem, uma especificação nítida da sua
posição no conjunto e do sentido da sua vida, de acordo com os mais firmes
resultados do pensamento e da experiência psicológica e histórica: em suma, uma
noção do homem, mais minuciosa, exaustiva e terminante do que as proporcionadas
até agora.” (iv)
Como vemos, a necessidade espiritual de um conhecimento
definitivo do homem está no íntimo de todos. A filosofia, mais do que em
nenhuma outra época, aspira a solucionar o problema do homem. O Ser continua a
ser um problema metafísico e religioso, apesar de tudo o que foi dito até
agora. A situação dramática em que se encontra a filosofia torna-se mais
desesperadora à medida que as teorias, hipóteses e petições de princípio se
vão acumulando. Não nos esqueçamos que são numerosos os sistemas e as
ideologias filosóficas e religiosas que pretendem interpretar o homem. Não
obstante, nenhuma dessas formulações se mostrou capaz de derrotar esta sinistra
concepção materialista do mundo: a filosofia do nada. Por outras palavras, o
fúnebre sentido desta definição do existencialismo niilista: o homem, é
um ser para a morte eterna.
O filósofo alemão Fritz J. Von Rintelen, num belo trabalho,
exprimiu-se assim: “Nenhum sentimento já evoca a Deus, mas
tão-somente ao Nada.” (v)
Esta conclusiva afirmação reflecte o verdadeiro sentir dos
tempos novos. Já não se trata de afirmar a realidade espiritual do
homem e da existência, mas procura matar-se o homem, levá-lo ao suicídio,
através de um existir fundado no nada. A impressão que se poderia ter
é a de que um demónio negador se alojara na mente humana, procurando apenas
destruir o Ser espiritual que a anima.
De acordo com o sector materialista da humanidade é mais
racional e, até mais científico, dizer que o homem morre para sempre, do que
supor que viverá eternamente, na vida do espírito. Parece que, para o
homem moderno, seria preferível ser pó ou nada a ser espírito imortal. E,
segundo outros argumentos, é mais moral e até mais natural morrer para sempre
do que viver eternamente.
A disputa suscitada pelo existencialismo, entre essência e
existência, seria facilmente resolvida se a filosofia e a religião levassem em
conta as manifestações espirituais dos fenómenos metapsíquicos e
parapsicológícos.
Jean-Paul Sartre, em O Ser e o Nada, esforça-se
por fazer prevalecer o Nada sobre o Ser ou a essência espiritual do homem.
Vemos nas suas páginas que o nada foi convertido em valor
filosófico, para sustentar a morte eterna e definitiva do indivíduo. Mas não
devemos espantar-nos com essa valorização do nada, já que, segundo a bíblia,
Deus fez o homem do nada. Consequentemente, esse instinto do nada existencial
ressurge com o existencialismo ateu, em forma catastrófica, do inconsciente da
espécie, levando de roldão o ético e toda a finalidade transcendente do homem e
do Universo.
O Nada, para Deus, era um valor criador; por isso, diz a
bíblia que o Criador fez o mundo surgir do nada. Daí se conclui que o Ser e o
mundo, como afirma o existencialismo niilista, estão condenados ao nada, o que
vale dizer que esse existencialismo, não obstante o seu rigoroso ateísmo, é uma
filosofia vinculada a Deus e à bíblia.
A metapsíquica e
a parapsicologia descobriram, entretanto, que o nada não é verdadeiro;
comprovaram que na vida social existe o que Richet chamou de inabitual e, que os
fenómenos transcendentais desse campo revelam uma teleologia,
tanto para o Ser como para a civilização. A
metapsíquica prova que o mundo objectivo pode descentralizar-se, para que a
essência psíquica se manifeste na vida espiritual da humanidade. Além
disso, estabeleceu que a existência não é atributo exclusivo
do homem e do seu mundo, mas que o existir é próprio de outros
seres e entidades inteligentes, situados no mundo invisível que nos circunda.
A decadência espiritual do homem e da cultura
contemporânea reclamam a colocação de problemas metafísicos e
sociais, com o objectivo de alcançar novas interpretações da existência mais
edificantes para o destino do espírito encarnado. Chegou a
hora de uma metapsíquica existencial; resistir a isso é deter
a marcha das verdades espirituais. Charles Richet, provando este facto singular e dramático da
evolução, declarou: “Amanhã, talvez a metapsíquica terá o
direito de elevar-se mais alto, nos rumos de uma moral, uma
sociologia e uma teodiceia novas.” (vi)
Com efeito, a lei dos três estados, de Auguste
Comte: o teológico, o metafísico e o positivo, permite-nos
acrescentar agora um quarto estado: o metapsíquico. Desta
maneira poderíamos inaugurar uma nova forma de conhecer as três
grandes manifestações da história: a sociedade,
o Espírito e a divindade. Acreditamos que
o melhor campo de investigação metafísica é o próprio homem, porque
nele está presente esse quarto estado, que Comte não
chegou a conhecer: o estado metapsíquico. Mas
esse campo, para ser efectivo, deverá entrosar-se com a
interpretação espírita do homem e da vida, já que
nesta se encontra o fundamento filosófico, teosófico e religioso da
continuidade do Ser. (vii)
/…
(i) Leconte du Nouy, O Destino Humano.
(ii) Revue Metapsychique, R. P. Reginaldo Omez,
1950.
(iii) O facto básico de deixar estabelecida a realidade
de psi envolve um princípio de grande significação, aplicável a este problema
da sobrevivência espiritual. Pois se não houvesse nenhuma evidência de algo que
transcenda as leis físicas, se não houvesse nada que desafiasse os limites da
interpretação mecanicista do homem e do mundo vivente, não valeria a pena
pensar ainda no problema da sobrevivência. (Revista de Parapsicologia, n° 2 -
ano 1955).
(iv) Miradas Sobre el Hombre, La Nación -
Buenos Aires, 1950. (Edição de 21 de março).
(v) Lá Mística de Ia Muerte y Ia Filosofia
Contemporanea, Critério, Buenos Aires, n.° 1.117.
(vi) Tratado de Metapsíquica, Charles Richet, pág.
37, edição espanhola, 1925.
(vii) Na Revista Espírita, de abril de 1858, Kardec aceitou
a sugestão de um correspondente de acrescer à lei dos três estados, de Comte, o
estado psicológico da evolução humana, iniciado com o espiritismo.
O autor renova essa proposição, como vemos, com outra denominação. Essa
coincidência e o desenvolvimento actual das pesquisas psíquicas, mostram que
Kardec e o correspondente da “Revista” estavam certos. O leitor pode verificar
o facto no volume I da colecção da “Revista”, lançada pela Edicel. É o
editorial do número de abril, intitulado: “Período Psicológico”. (Nota
de J.H.Pires).
Humberto
Mariotti, O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do
Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO
ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo VII Rumo ao
Estado Metapsíquico, 12º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad
paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador
Dali)
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