~~~ A Grande Doutrina
A guerra mundial (1) marcou o fim de uma época e para nós
se inicia um novo período histórico, oferecendo aos homens de saber e
de boa vontade uma tarefa imensa. Trata-se de refazer todo o género
humano, por meio de uma educação, uma moral e de uma fé novas. É preciso
mostrar às gerações que estão a passar, a meta que devem atingir, lhe ensinar o
sentido profundo da vida, a nobreza do trabalho e a grande lição da
morte.
É preciso ensinar a todos que a vida é sagrada até mesmo
nos seus aspectos comuns, apesar de suas provações e de suas
dores, principalmente em razão destas, já que a vida é para nós
um supremo recurso de progresso e elevação. Devemos
ensinar-lhes que as vidas humildes, obscuras e operosas, quando
não representam o resgate de um passado criminoso, correspondem a um
processo eficaz de aperfeiçoamento.
É preciso demonstrar-lhes a virtude do sacrifício e a
vaidade das riquezas que nos prendem à matéria. É pela abnegação que
o ser adquire todo o seu poder de irradiação e espalha salutar influência em tudo
quanto realiza e em tudo que o rodeia.
Através de mil vidas, o homem deve ir conhecendo todas
as alternativas do prazer e da dor, sendo esta última, inegavelmente, a
mais fecunda para o seu progresso. Essa é a razão pela qual temos mais
causas de pesar do que de felicidade.
A décima sexta Tríade (i) diz: “Tudo
é padecer em Abred (a Terra) porque sem isso não se pode
conseguir conhecimento completo sobre coisa alguma”.
O homem deve ocupar, alternadamente, as situações
sociais mais variadas, para passar pelas provações e adquirir as qualidades
desses diversos meios. As situações fáceis nos estimulam a desenvolvermos
as nossas faculdades, cultivarmos as artes e as ciências e exercermos a
beneficência. As situações obscuras e de dependência nos ensinam a
paciência, a disciplina, a economia e a perseverança no trabalho.
Ora vencido pelo destino, ora por ele servido, o homem
abre caminho através dos obstáculos, porém cada vez que supera
uma dificuldade sente que lhe aumenta a força, a vontade se retempera
e a sua experiência se enriquece.
Em cada reencarnação ele retorna à vida terrena, como a
uma escola saudável onde ganhará novos méritos e, recomeça
a luta que deve aumentar-lhe o cabedal de energia e as riquezas
do espírito e do coração.
Assim, de vida em vida, como a borboleta que sai
da crisálida, ele sente desprender-se, pouco a pouco,
da individualidade grosseira do começo, um espírito
poderoso, luminoso, de sabedoria e de amor. E, de esfera em esfera,
de mundo em mundo, prosseguirá a sua carreira, ligado aos seres
que ama, para com eles chegar, um dia, à plenitude da ciência,
da virtude e da felicidade.
~~~
A revelação dos espíritos efectua-se através de fenómenos
cujo conjunto forma uma nova Ciência, uma Ciência que encontra, em
tais factos, preciosos elementos de desenvolvimento e progresso. A Ciência
convencional havia chegado aos limites finais do mundo da matéria.
Diante dela, agora, o Invisível se mostra com as suas
imensas forças e as suas leis espirituais, sem o conhecimento de tais leis
é impossível compreender a vida nas suas variadas formas
e no seu progresso colossal.
A análise metódica e racional das manifestações colocará
a Ciência em contacto com o mundo dos espíritos, aproximando
as humanidades e facilitando a sua colaboração num programa
de trabalho que resultará no mais amplo entendimento do universo psíquico
e das condições da vida nas suas fases superiores, mas esse é apenas um
dos dois aspectos de uma grande questão.
A Ciência é necessária, mas não é bastante, porque a
corrente científica deve ter, como paralelo e complemento, a
corrente popular, que levará às multidões o ensino e o conforto de
que precisam. A Ciência é complexa e por isso inacessível ao
maior número de pessoas. O ensino popular deve ser singelo e estar
ao alcance de todos.
Faz cinco anos que epidemias, luto e todas as desgraças [
provenientes da guerra ]* causaram cruéis feridas à França;
são inúmeras as almas que a dor atingiu e, que exigem a parcela de verdade e luz que lhes
cabe.
Assim, devemos procurar a humanidade
sofredora, mostrando-lhe as perspectivas consoladoras do Invisível e
do além-túmulo, demonstrando-lhe a certeza da sobrevivência e
da imortalidade da alma, a alegria de se tornarem a ver os que foram
separados pela morte.
Devemos dirigir-nos ao povo que é desprovido de ideal,
aos humildes e aos pequenos aos quais o materialismo enganou, pois só fez medrar neles o gosto pelos
prazeres e os sentimentos de ódio e de inveja; devemos ir até eles
levando-lhes o ensinamento moral, a alta e pura doutrina que aclara o futuro e
nos mostra como a justiça se realiza por intermédio das vidas sucessivas.
Todos vós que amais a justiça e a procurais no estreito
círculo que o vosso olhar abrange, raro a encontrareis nas
obras humanas ou nas instituições deste mundo inferior. Dilatai os
vossos horizontes e podereis vê-la expandir-se na série das nossas vidas através
dos tempos, pela simples análise dos efeitos e das causas.
O bem e o mal remontam sempre às suas origens e o
crime recai pesadamente sobre os seus autores. O nosso destino é
obra nossa, mas só se ilumina com o conhecimento do passado e,
para nos apoderarmos do seu encadeamento, é necessário contemplarmos
do alto e, no seu conjunto, o panorama vivo de nossa própria história.
Todavia, isso só seria possível para o espírito que se
encontre desligado do envoltório carnal, seja pela exteriorização durante
o sono, seja pela morte. Então, das sombras e contradições
do presente, aparecerá para ele, no seu esplendor e na sua soberana majestade,
a grande lei que regula o progresso dos seres, da mesma forma como rege
a marcha dos mundos.
Quando os apóstolos da causa social compreenderem e ensinarem essa nobre
doutrina, nela irão encontrar fecunda fonte de inspiração. Ela lhes dará à
palavra o poder de penetração, o calor que derrete os gelos da indiferença
e do cepticismo, trazendo-lhes uma onda purificadora e regeneradora ao
coração.
Espero aqui as mesmas contestações que me
foram endereçadas durante certas conferências seguidas de
debate público. Dir-me-ão: “Essa é a linguagem que usaram todas
as opressões políticas e religiosas através dos séculos, para
dominar e subjugar as multidões e, tais promessas de vidas
futuras, embora apresentadas de outra forma, são sempre, no dizer de Jean Jaurès; – uma
velha cantiga que acalenta a miséria humana”.
Pode ser que a nossa forma de ver não coincida com a
teoria deste ou daquele teórico; o que procuramos, acima de tudo, é
a verdade e, para descobri-la, convém que nos elevemos às
serenas regiões onde as paixões políticas não chegam e onde
os interesses materiais não reinam. Indagai os grandes mortos
– responderei aos meus contraditores –, inspirai-vos com os
seus conselhos. Eles confirmarão a existência dessas leis
superiores fora das quais é inútil e estéril qualquer obra humana.
Enquanto limitardes o vosso pensamento aos
estreitos horizontes da vida actual e não quiserdes ver nela o que
ela representa na verdade, isto é, um degrau para subir mais
alto, serão inúteis as vossas tentativas para criar neste mundo uma ordem de
coisas que esteja de acordo com a justiça, assim como têm sido inúteis
todos os esforços que o vosso talento tem realizado.
[ Observai o que está a acontecer lá no oriente da
Europa, onde a tremenda luta de classes lança as nações num
abismo, onde nenhum raio de idealismo brilha. Vede essa maré
crescente das paixões desencadeadas por um materialismo grosseiro
que tudo ameaça invadir! Não obstante certas teorias, o que
é necessário fazer para se atingir a paz social e a harmonia é
o acordo íntimo das inteligências, das consciências e dos corações e
isso só nos será dado por uma grande doutrina, uma revelação superior que
trace a rota humana e fixe os nossos deveres comuns. ]*
Afirmamos que, na história do mundo, as
catástrofes geralmente são sinais precursores de tempos novos, o anúncio
de que se prepara uma transformação e de que a humanidade vai passar
por profundas transformações.
A morte abriu clareiras numerosas entre os homens,
porém entidades mais evoluídas encarnarão na Terra e as
legiões inumeráveis das almas libertas pela guerra pairarão acima
de nós, ávidas por participar dos nossos trabalhos, dos nossos esforços,
para transmitir aos que elas deixaram no mundo a confiança em Deus e a fé
num porvir mais auspicioso.
A acção dessas almas se estende e se impõe cada vez
mais, provocando testemunhos inesperados que, às vezes, vêm de
bem alto. O jornal "L’Homme Livre", por exemplo, em 1º de
janeiro de 1919, registava o seguinte: “Os nossos queridos mortos estão
ao nosso lado e a humanidade se compõe mais de mortos que de vivos;
somos governados pelos mortos”.
Numa oratória magnífica, na Câmara dos Deputados, Georges Clemenceau evocava
os espíritos de Léon Gambetta, Auguste Scheurer-Kestner, Alfred Chanzy e
outros ilustres mortos, convidando-os a serem “os primeiros a transpor as
terríveis portas de ferro que a Alemanha fechou contra nós”.
O próprio Presidente da República, Raymond
Poincaré, disse no seu discurso de Estrasburgo: “Connosco, Alsácia, tu
honrarás a memória de nossos mortos, porque tanto ou mais do que
os vivos, foram eles que te libertaram”.
Os obreiros de nossa vitória não foram apenas esses
grandes mortos, pois à frente deles vemos os Espíritos de Luz (i) que nos mostram o caminho sagrado e os altos
destinos que nos aguardam.
É lógico que muitos homens e, não apenas os de menor
valor, por meio das provações sofridas, foram curados dessa sensualidade e desse cepticismo pestilento que quase
levaram a França à perdição.
Actualmente, um grande sopro passa pelo mundo,
conduzindo as almas para uma síntese onde tudo o que existe de bom
e verdadeiro nas antigas crenças se vem juntar às obras da Ciência e
do pensamento moderno, formando um instrumento valioso na educação e na
disciplina sociais.
Entretanto, às vezes a sombra se condensa e a escuridão
da noite se torna maior à nossa volta, multiplicam-se os perigos e
terríveis ameaças pesam sobre a civilização, porém nessas horas sentimos
mais perto de nós os nossos grandes irmãos do Espaço.
Os seus fluidos vivificantes nos amparam e nos penetram.
Graças a eles acendem-se, no horizonte, clarões de aurora que iluminam o nosso
caminho. No meio do caos dos acontecimentos, um novo mundo se delineia...
/…
(1) Primeira guerra mundial 1914-1918. Adenda desta
publicação.
* Parênteses atribuídos por esta publicação.
Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXVII
A Grande Doutrina, 43º fragmento e o último desta obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro
britânico, no dia de Natal durante a primeiraguerra
mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido
pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo
de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a
trocar presentes)
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