Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 24 de junho de 2019

agonia das religiões ~


O Corpo-Bioplásmico

Quando falei pela primeira vez do corpo-bioplásmico na televisão, uma cidadã estrangeira telefonou para o estúdio / Canal 13 (São Paulo) para me fazer uma advertência. Entendia que a descoberta desse corpo do homem, dos animais e das plantas, feita por físicos e biólogos soviéticos, não passava de uma nova armadilha dos materialistas russos na luta contra a religião, com objectivos certamente políticos. Dizia que conhecera de perto a manha dos soviéticos, sofrera na pele a sua crueldade e não queria ver-me enganado por eles, servindo como inocente útil para propagar as suas mentiras no Brasil. Respondi-lhe tentando explicar que se tratava de um problema científico e não político, que por sinal nos chegava através de informações universitárias procedentes dos Estados Unidos. Procurei mostrar-lhe que uma manobra dessa espécie seria hoje impossível, diante da dinâmica actual da comunicação e da possibilidade de comprovações ou desmentidos dos meios universitários de todo o mundo. Nada disso convenceu a senhora, que insistiu de maneira angustiosa na sua advertência. Depois dela, vários outros telespectadores, na maioria, estrangeiros, me telefonaram e procuraram pessoalmente, para me fazer advertências semelhantes. Isso equivale a uma demonstração da falência cultural do nosso tempo. Não obstante todo o nosso avanço científico e tecnológico, a praga da mentira na religião, na política, na administração e em todos os sectores de actividade públicas leva as pessoas a duvidarem de tudo, a verem por toda a parte o perigo de manobras com intenções ocultas.

No programa de televisão que deu origem a este livro, no mesmo Canal 13, a apresentadora Xênia insistiu na necessidade de sermos francos ao tratar dos assuntos em pauta. Chegou mesmo a declarar que alguém ali devia ter a coragem de dizer a verdade sobre o motivo da crise religiosa dos nossos dias. Segundo pensava, essa crise decorria simplesmente da mentira, como explicou num programa posterior. Na verdade, a mentira é um dos motivos da crise, mas não o motivo base. Se eu pensasse assim, não teria nenhuma motivação para contornar a situação. É que as mentiras pregadas pelas religiões nem sempre são mentiras, mas, enganos decorrentes de falta de compreensão dos problemas essenciais do homem. Seria levar muito longe a desconfiança na natureza humana, acreditar que pessoas crentes em Deus organizassem as religiões com a finalidade de iludir o povo. Mas essa é também uma prova do clima de desconfiança da nossa época. Encontramos nas religiões muitas pessoas cultas, inteligentes, honestas, que acreditam piamente nas coisas mais absurdas por aceitarem a infalibilidade dos dogmas e das interpretações escriturísticas.

O problema da descoberta do corpo-bioplásmico situa-se de tal maneira no quadro dos avanços actuais da Ciência, representando mesmo uma consequência lógica desses progressos, que não deveria suscitar dúvidas a ninguém medianamente informado. A descoberta da antimatéria, as pesquisas parapsicológicas, o desenvolvimento da medicina psicossomática, as sondagens cósmicas da astronáutica e outras prodigiosas conquistas do nosso tempo conduziam naturalmente o homem à descoberta da sua própria natureza. Imagine-se um mundo em que a Ciência houvesse provado a indestrutibilidade de todas as coisas mas continuasse a aceitar o dogma materialista da destruição total e absoluta do homem pela morte. Imagine-se a cultura aberta desse mundo endossando o pessimismo doentio de Sartre que prega a nadificação do homem, a sua frustração total na morte e considera a doutrina da evolução, do pensamento de Heidegger, como uma queda no misticismo vulgar. O espectáculo do pensamento sartreano, tão rico em intuições filosóficas e tão decepcionante na sua conclusão ontológica, esse espectáculo desnorteante da cultura contemporânea, seria uma gota d’água, perante esse possível absurdo de âmbito universal.

O equívoco marxista do materialismo já foi ultrapassado pelo desenvolvimento científico e filosófico do nosso tempo. Já não há lugar, na cultura actual, para os dogmas religiosos e os dogmas materialistas. Entre os cientistas soviéticos é evidente a existência de muitos dissidentes do oficialismo tipo século XIX. O interesse actual da URSS pelas pesquisas parapsicológicas é um indício claro, indício que a China Vermelha se incumbe de confirmar, ao reagir violentamente contra ele. Todos sabemos que o Prof. Raikov (Wladimir) e outros pesquisadores soviéticos, na Universidade de Moscovo e em muitas outras da URSS, se entregam à pesquisa científica da reencarnação, embora disfarçando-a em anomalia mental que tem de ser esclarecida no campo psiquiátrico. A verdade revela-se em toda a parte e, mais hoje, mais amanhã, tornar-se-há evidente.

As câmaras kirlian, de fotografias sobre campos imantados de alta frequência eléctrica, foram descobertas por acaso pelo casal Kirlian e, os cientistas soviéticos mais astutos logo lhes perceberam o alcance. Adaptando-as a poderosos microscópios electrónicos, conseguiram descobrir, no interior dos corpos vivos; vegetais, animais, homens, uma estrutura de plasma físico, constituída de partículas atómicas, que se apresentava como um corpo básico e sustentador da vida e das actividades vitais e psíquicas do corpo material. A importância desta descoberta é de tal dimensão que não poderia ser negligenciada, pois representa uma verdadeira revolução copérnica na Física, na Biologia e na Antropologia, para só citarmos três campos fundamentais. Mas é bom lembrar, de passagem, o que ela representará para a Psicologia, a Medicina, a Psiquiatria e a Psicoterapia em geral. Basta dizer que os soviéticos já descobriram que o corpo-bioplásmico fornece elementos para a verificação do estado geral de saúde do corpo físico, permitindo também a prevenção de doenças e dos distúrbios, nos seres vivos, de qualquer natureza. Por outro lado, as pesquisas realizadas nos Estados Unidos, confirmam a descoberta soviética.

Desde o século passado, vários cientistas se empenharam na descoberta de meios, para provar a existência, no homem, do chamado corpo espiritual ou duplo-etéreo. Em 1943, Raoul Montandon, publicou, na Suíça, um curioso livro intitulado De la Bête à l'Homme (Do Animal ao Homem) relatando pesquisas psicológicas que mostram semelhanças significativas entre o reino animal e o hominal e pesquisas científicas que provavam a existência nos animais de um corpo energético. Essas pesquisas são relatadas no capítulo intitulado Sobrevivência Animal. Várias fotografias batidas com filmes sensíveis à luz infravermelha, de grupos de gafanhotos e insectos mortos com éter, revelavam ao lado dos animais mortos, uma sombra semelhante ao corpo morto, enquanto, ao lado dos que não haviam morrido, mas estavam em estado letárgico, não aparecia a mesma sombra. No capítulo das fotografias psíquicas, batidas ocasionalmente ou em sessões mediúnicas experimentais, os anais espíritas apresentam um volume impressionante de casos significativos, cercados de todos os recursos de garantia da autenticidade do fenómeno.

No caso actual das pesquisas soviéticas, com aparelhagem técnica de precisão, a demonstração da existência desse corpo extrafísico (para usarmos a expressão parapsicológica actual) foi decisiva. Os soviéticos, operando em comissão científica oficial, na Universidade de Alma-Ata, no Casaquestão, fizeram experiências com moribundos e conseguiram verificar a retirada total do corpo-bioplásmico dos mortos, cujos corpos materiais só então se cadaverizavam. Não tendo sido possível fotografar esse corpo depois do seu desprendimento do cadáver, empregaram a técnica de pesquisa por meio de detectores de pulsações biológicas e verificaram, surpreendidos, que as pulsações captadas indicavam a presença do corpo-bioplásmico no ambiente.

Bastam estes dados sumários ao objecto deste livro. Dados mais completos e minuciosos já foram divulgados entre nós com a edição da tradução do livro de Sheila Ostrander e Lynn Schroeder, pesquisadoras norte-americanas que entrevistaram os cientistas soviéticos na URSS, e cujo trabalho foi editado pela imprensa da Universidade de Prentice Hall (USA) e posteriormente pela editora Bantam Books, de Nova Iorque. A descoberta do corpo-bioplásmico constitui uma confirmação científica, proveniente do campo materialista, da teoria do perispírito. Segundo o Espiritismo, o perispírito é o corpo espiritual de que tratou o Apóstolo Paulo na I Epistola aos Corintos. A sua função é servir ao espírito como instrumento para a sua manifestação nos planos materiais. É através dele que o espírito se liga à matéria no processo da encarnação. Durante a Vida terrena ele é o agente das actividades orgânicas. Mantém a vida do corpo e serve de campo padronizador durante o desenvolvimento deste, a partir da fecundação, regendo a formação do embrião. Na morte, o perispírito desliga-se progressivamente do corpo material, que só se cadaveriza com o seu desligamento total. Na maioria das pessoas o perispírito, após a morte, permanece nas proximidades do cadáver por tempo mais ou menos longo, em virtude da atracção que os despojos exercem ainda sobre o espírito. (*) Esse corpo é considerado na doutrina espírita como semi-material, constituído de energias materiais e espirituais em integração. É o corpo da ressurreição, conforme já afirmava o Apóstolo Paulo.

Todas essas características do perispírito são confirmadas pelas observações dos cientistas soviéticos, que consideraram esse corpo como material, constituído por um plasma físico formado de partículas atómicas. Mas um facto intrigante aparece nas pesquisas soviéticas: esse corpo só pode ser visto e fotografado enquanto está ligado ao corpo material. Uma vez desprendido, já não está ao alcance das câmaras kirlian. Somente os detectores de pulsações biológicas podem constatar a sua presença no ambiente. As câmaras kirlian, coma já vimos, só podem agir sabre campos materiais imantados por correntes eléctricas de alta frequência. Desligado do corpo material, o corpo-bioplásmico ou perispírito, não oferece condições para isso. Parece-me evidente o motivo por que ele, então se torna inacessível. Já não está revestido de um campo material, embora contenha na sua própria estrutura, energias materiais. O próprio nome científico dado a esse corpo-bioplásmico, mostra a sua função vital e a sua natureza plásmica. Esse problema entretanto, não é somente físico. Na proporção em que o espírito, liberto da matéria, se vai integrando no mundo espiritual, o seu perispírito se vai libertando dos elementos materiais.

A descoberta deste corpo pelos materialistas, representa a maior vitória do Espiritismo e ao mesmo tempo a conquista mais importante da nossa era científica, pois com ela, a Ciência terrena, dá o primeiro passo para a sua fusão futura com a Ciência espiritual. Este é o sinal mais significativo de que estamos entrando na Era do Espírito. Oliver Lodge referiu-se ao túnel mediúnico, uma via de ligação do mundo material com o mundo espiritual, acentuando que esse túnel vem sendo cavado dos dois lados, pelos homens e pelos espíritos. Quando os trabalhadores daqui e do além se encontrarem, o túnel estará aberto e a comunicação entre os dois planos se tornará tão fácil como as comunicações entre as várias regiões da Terra. Até agora somente os espíritas trabalhavam do lado de cá. De agora por diante, os cientistas também darão a sua cota parte a esse serviço.

A descoberta do corpo-bioplásmico e os estudos sobre as suas funções e a sua estrutura vêm também contribuir para que os enganos das religiões cristãs sejam corrigidos. Pouco a pouco a verdade se impõe e a mentira vai sendo afastada. A Religião, que constitui, como a Filosofia e a Ciência, uma das grandes províncias do Conhecimento, está prestes a retomar o seu lugar no plano cultural. Mas para isso as religiões sectárias deverão seguir aquela advertência de Jesus: perder a sua vida individual para fundir-se na vida colectiva, num processo livre de religiosidade universal que nos dará a Religião em Espírito e Verdade. Foi essa a profecia de Jesus à mulher samaritana.

Não há nenhuma outra saída para a crise religiosa do nosso tempo. As teologias artificiais, como a da Morte de Deus, são ensaios de voo cego num céu vazio, nublado pela dúvida. A realidade é só uma. A confirmação positiva da existência do espírito, através da Ciência em desenvolvimento acelerado, porá um ponto final nas especulações religiosas. E não há nenhuma outra plataforma, na Terra, para a execução dessa reintegração da Religião no campo cultural, além da obra de Kardec. Os homens do futuro, ficarão estarrecidos, ao verem que tivemos todos os dados nas mãos para fazer essa integração no nosso tempo e não conseguimos fazê-la. Perguntarão a si mesmos o que nos faltou e talvez alguém lhes diga: a humildade.
/…

(*) Será, no contexto, a "Cremação" um bem?!... ver também: Nota desta publicação.


José Herculano Pires, Agonia das Religiões / Capítulo 8 – O Corpo-Bioplásmico, 9º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel).

domingo, 9 de junho de 2019

~ em torno do mestre


O Pai e o filho ~

"Sede perfeitos como vosso Pai celestial."
(Mateus, 5:48.)

Pai – Que queres filho? Procuras-me com tanta insistência.

Filho – Quero riquezas, meu Pai. Desejo possuir largos cabedais, muitas fazendas, ouro e prata. Aspiro a ser um Creso (i).

Pai – Dar-te-ei o que pretendes, filho; porém, previno-te de que de novo me boscarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Aqui estou, filho, que desejas de mim, uma vez que me buscas com tanto interesse?

Filho – Quero saúde, força, vigor físico, resistência. Invejo os Hércules, os Ursos (i), os Titãs.

Pai – Terás o que solicitas de mim, filho. Não obstante advirto-te: de novo me procurarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Eis-me aqui, filho. Porque estás assim aflito e me chamas com tamanha impaciência?

Filho – Pai, tenho sede de domínio, de poder, de autoridade. O meu desejo é governar, é conquistar reinos, dominar nações, imperando discricionariamente sobre os povos e raças. Tenho por modelos – Napoleão e Júlio César.

Pai – Será deferida a tua petição, filho. Contudo, permite que te observe: de novo me demandarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Porque bates assim sofregamente nos tabernáculos (i) eternos? Sossega, acalma-te e fala.

Filho – Pai, sou ávido de glórias; a fama me fascina, a notoriedade me arrebata. Nenhuma alegria terei, enquanto não lograr este meu intento. Quero perceber sobre a minha fronte a coroa de louros que ostentaram os sábios, os grandes poetas, os escritores célebres. Anseio ser CamõesCíceroHipócrates.

Pai – Serás atendido, alcançando o que tanto ambicionas. Todavia, aviso-te de que de novo voltarás à minha procura, por isso que não te sentirás satisfeito.

Pai – Aqui estou, filho, pede o que desejas, dize o que pretendes de mim.

Filho, finalmente – Pai, quero amar e ser amado. Sinto incontido anseio de expandir o meu coração. Vejo-me constrangido numa atmosfera asfixiante. O meu sonho é amar amplamente, incomensuravelmente. O meu maior desejo é sentir palpitar em mim a vida de todos os seres. Quero o amor sem restrições, ilimitado, infinito. Quero amar com toda a capacidade de meu coração, assim como os pulmões sadios respiram na floresta, nos montes, nos campos e nos bosques!

– O meu ideal, Pai, é o Filho de Maria, o Profeta de Nazaré, aquele que morreu na cruz pelo amor da Humanidade.

Pai – Sê bendito, meu filho. Terás aquilo a que tão sabiamente aspiras. Não me procurarás mais, porque sentirás em ti a plenitude da vida: de ora em diante serás uno comigo.


O Mestre e o discípulo ~

Discípulo – Senhor, sinto-me desalentado diante das iniquidades do século. Parece que nunca os homens se mostraram tão avessos à razão e ao sentimento, como nestes tempos.

Mestre – Desalentado? Porquê? Duvidas, por acaso, da segurança do Universo? Desalento é fraqueza, é falta de fé.

Discípulo – Quero ter fé, Senhor, mas vejo a cada passo surgirem tais impedimentos e tais embaraços à vinda do reino de Deus, que o desânimo me invade a alma.

Mestre – És mais carnal que espiritual. A precipitação é peculiar ao homem. Quando se estabelece o domínio do Espírito, o coração se acalma, serenam as paixões e a fé, existe, não vacila mais. A pressa é, não só inimiga da perfeição, como também da razão. Os atrabiliários insofridos nunca arrazoam com acerto. O reino de Deus há de vir e está a vir a cada momento, para aqueles que o querem e o sabem querer. A vontade de Deus há de ser feita na Terra, como já o é nos céus. Espera e confia, vigia e ora. Não deves medir o curso das ideias como medes o curso da tua existência: esta se escoa através de alguns dias fugazes, enquanto que aquelas se agitam no transcorrer dos séculos e dos milénios.

Discípulo – Bem sei, Senhor, que deve ser como dizes. Eu supunha, no entanto, que a obra da evolução caminhasse sem intermitências; por isso queria vê-la em marcha ascensional, triunfando dos óbices e tropeços com que os homens, na sua ignorância e maldade, costumam juncar-lhe o caminho. Esta vitória do mal sobre o bem, da opressão sobre a liberdade me amargura e angustia. Tal vitória é certamente efémera; contudo, é um entrave à evolução, é uma pedra de tropeço que, não se sabe por quanto tempo, conservará o carro do progresso entravado.

Mestre – Enganas-te. A evolução é uma lei imutável. Não há forças, não há potências conjugadas capazes de a impedir, nem mesmo de embaraçar-lhe a acção e a eficiência. Nem um só momento a obra da evolução sofreu interrupções na eternidade do tempo e no infinito do espaço.

Discípulo – Como explicas, então, Senhor, a iniquidade, a tirania, a mentira e a corrupção, que ora imperam na sociedade terrena? O mundo estará evoluindo sob o influxo de tais elementos?

Mestre – Erras nos teus juízos, pelos motivos já expostos. Ignoras que é precisamente sofrendo iniquidades e suportando opressão que o homem vai compreender o valor da justiça e da liberdade? Não sabes que só a experiência convence os Espíritos rebeldes? Não vês como os doentes amam a saúde, como os oprimidos sonham com a liberdade e os perseguidos suspiram pela justiça? Julgas que esta geração adúltera e incrédula se converta apenas com os testemunhos do céu e com as palavras de amor expressas no Evangelho do reino? Supões que todos se amoldam à graça sem o aguilhão da lei? Em mundos como este, é preciso privar os seus habitantes de certos bens, para que se inteirem do valor e importância desses mesmos bens. Suportando injustiças e afrontas, vendo os seus direitos postergados pelo despotismo, os homens aprenderão a venerar a justiça, subordinando-lhe os interesses temporais e tornando-se capazes de renúncias e de sacrifícios em prol do seu advento.

Discípulo – Começo a ver luz onde tudo se me afigurava escuro. Todavia, Senhor, seja-me permitido ainda algumas perguntas.

Mestre – Pede e receberás; bate e se te abrirá, busca e encontrarás.

Discípulo – De tal modo, a obra da redenção jamais se interrompe e, mesmo através de todas as anomalias, ela se realiza fatalmente?

Mestre – De certo: se assim não fora, a Suprema Vontade não se cumpriria e Deus deixaria de ser Deus. A evolução, no que respeita ao Espírito, opera-se pela educação dos seus poderes e faculdades latentes. Ora, todas as vicissitudes, todas as lutas, todos os sofrimentos, em suma, contribuem para incentivar o desenvolvimento das possibilidades anímicas. Assim, pois, quer o Espírito goze os salutares efeitos da prática do bem e da conduta recta; quer suporte as amargas consequências do mal cometido, da negligência no cumprimento do dever, da corrupção a que se entregue, ele estará a educar-se e, portanto, evolvendo. Pelo amor e pela dor, sob a doçura da graça, ou sob a inflexibilidade da lei – caminhará, sempre, em demanda dos altos destinos que lhe estão reservados.

Discípulo – Falas na santa obra da educação. Feriste, Senhor, o alvo, o eixo em torno do qual giram as minhas lucubrações mais acuradas. Compreendo muito bem a importância da educação. Vejo claramente que só a religião da educação, tal como ensinaste e exemplificaste, pode salvar a Humanidade. Mas, como vingará esta fé, se os dirigentes, os dominadores de consciências, aqueles, enfim, que têm ascendência sobre o povo são os primeiros a deseducá-lo, a corrompê-lo, premiando os caracteres fracos e venais que se sujeitam aos seus caprichos e perseguindo os poucos que, capazes de sofrer pela justiça e pela verdade, pelo direito e pela liberdade, resistem ao despotismo do século? Tal processo de corrupção não invalidará, pelo menos por tempo indeterminado, a eficiência da educação?

Mestre – Nada há encoberto que não seja descoberto, nem algo oculto que se não venha a saber. Falas em processo de corrupção que poderá deseducar o povo. Ignoras, então, que o Espírito educado jamais se deseduca? A lei é avançar e não retroagir. Os que se submetem às influências dos maus e dos prevaricadores, deixando-se corromper por falaciosas promessas, são Espíritos fracos, egoístas e amigos da ociosidade, da vida cómoda e fácil. São os tais que entram pela porta larga e transitam pela estrada espaçosa e ampla que conduz à perdição. É possível que tais indivíduos se abastardem ao extremo, levados pelos corruptores de consciências; mas, o dia do despertar há de chegar. Tanto maior será a reacção quanto mais o Espírito se tenha degradado. E, às vezes, é o único meio de corrigir os cínicos, os hipócritas e os indolentes.

Discípulo – E os empreiteiros da corrupção, até quando continuarão entregues a tão abjecta tarefa?

Mestre – Eles são instrumentos inconscientes de punição. Os homens castigam-se mutuamente. São semelhantes aos seixos que rolam no fundo dos rios, arrastados pela corrente das águas. No começo, eram ásperos e arestosos, mas, à força de se entrechocarem e se friccionarem, acabam alisando-se, tornando-se polidos e brunidos, como trabalhados por mão de artista. Cumpre notar ainda que a cada um será dado segundo as suas obras. O déspota de hoje será a vítima de amanhã – pois quem com ferro fere com ferro será ferido.

Discípulo – Estás com a razão, Senhor. És, de facto, o caminho, a verdade e a vida. És a luz do mundo.

Mestre – Lembra-te do que eu disse: Vós sois o sal da Terra e a luz do mundo. Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo dos móveis, mas no velador, para que a todos ilumine. Portanto, não basta que me consideres luz, é preciso que te tornes luz.

Discípulo – Cada vez mais me arrebatas com a tua luz, aclarando os problemas da vida, tornando acessíveis a todas as inteligências os mais complexos problemas sociais.

Mestre – Confessas que tens entendido o que eu disse? Bem-aventurado serás, se puseres em prática os meus ensinamentos. Não te esqueças: se os praticares. Trata, pois, de descobrir o reino de Deus em ti mesmo, no teu coração; depois, procura implantá-lo no teu lar; depois, na tua rua; depois, no mundo. Não tenhas pressa. Confia e espera, vigia e ora. Não penses em fazer o mais, antes de fazer o menos. No Universo, tudo é ordem e harmonia.

/...

" Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra. "
                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius”


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do MestrePrimeira Parte / Seixos e Gravetos; O Pai e o filho / O Mestre e o discípulo, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), de Johannes Vermeer)