Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Inquietações Primaveris~


A Extinção 
da Vida |

Vivemos até agora num torniquete de contradições alimentadas por grosseiros e desumanos interesses imediatistas. 

O mundo se apresenta em fase de renovação cultural, política e social, povoado por gerações novas que anseiam pelo futuro e se encontram oprimidas e marginalizadas pelo domínio arbitrário dos velhos, dolorosamente apegados a vícios insanáveis de um passado em escombros. 

A prudência medrosa dos velhos e o anacronismo fatal de suas ideias, de suas superstições e de seu apego desesperado à vida como ela foi e não como ela é, esmagam sob a pressão de mentalidade antiquada apoiada no domínio das estruturas tradicionalmente montadas dos dispositivos de segurança. Essa situação negativa é transitória, em virtude da morte, que renova as gerações, mas prolongando-se nesses dispositivos garante o prolongamento indefinido da situação, ao mesmo tempo em que as novas gerações, marginalizadas politicamente, não dispõem de experiências e conhecimentos para enfrentar os dominadores, caindo em apatia e desinteresse pela vida pública. Essa situação se agrava com a ocorrência de tentativas geralmente ingénuas e inconsequentes de jovens explorados por grupos violentos, o que provoca o desencadeamento de pressão oficial, geralmente seguida de revides terroristas. É o que se vê, principalmente, nos países europeus arrasados material e espiritualmente pela segunda guerra mundial.

Esse impasse internacional só pode ser rompido por medidas e atitudes válidas de governos das nações em que o choque de mentalidades antagónicas não chegou a produzir estragos materiais e morais irrecuperáveis. Muito podem contribuir para o restabelecimento de um estado normal nas instituições culturais, através de cursos e divulgações, pelos meios de comunicação organizados e dados por especialistas hábeis.

A Educação para a Morte, dada nas escolas de todos os graus, não como matéria independente, mas ligada a todas as matérias dos cursos, insistindo no estudo dos problemas existenciais, irá despertando as consciências, através de dados científicos positivos, para a compreensão mais clara e racional dos problemas da vida e da morte. Todo o empenho deve se concentrar na orientação ética da vida humana, baseada no direito à vida comunitária livre, em que todos os cidadãos podem gozar das franquias sociais, sem restrições de ordem social, política, cultural, racial ou de castas. O importante é mostrar, objectivamente, que a vida é o caminho da morte, mas que a morte não é o fim da existência humana, pois esta prossegue nas hipóstases espirituais do universo, nas quais o espírito se renova moralmente e se prepara com vistas a novas encarnações na linha da evolução ôntica da Humanidade.

Nascimento e morte são fenómenos biológicos interpenetrados. A vida e a morte constituem os elementos básicos de todas as vidas, que, por isso mesmo, são também mortais. O inferno mitológico dos pagãos devia ter desaparecido com o advento do Cristianismo, mas foi substituído pelo inferno cristão, mais cruel e feroz que o pagão. As carpideiras antigas deixaram de chorar profissionalmente nos velórios, mas os cerimoniais funerários da Igreja substituíram de maneira mais pungente e desesperadora, com pompas sombrias e latinório lastimante, prolongados em semanas e meses, o lamento por aqueles que apenas cumpriram uma lei natural da vida. A ideia trágica da morte sobrevive em nosso tempo, apesar do avanço das Ciências e do desenvolvimento geral da Cultura. Há milhões de anos morremos e ainda não aprendemos que vida e morte são ocorrências naturais. E as religiões da morte, que vampirescamente vivem dos gordos rendimentos das celebrações fúnebres e das rezas indefinidamente pagas pelos familiares e amigos dos mortos, empenham-se num combate contra os que pesquisam e revelam o verdadeiro sentido da morte. A ideia fixa de que a morte é o fim e o terror das condenações de após a morte sustentam esse comércio necrófilo em todo o mundo. Contra esse comércio simoníaco é necessário desenvolver-se a Educação para a Morte, que, restabelecendo a naturalidade do fenómeno, dará aos homens a visão consoladora e cheia de esperanças reais da continuidade natural da vida nas dimensões espirituais e a certeza dos retornos através do processo biológico da reencarnação, claramente ensinado nos próprios Evangelhos.

Conhecendo o mecanismo da vida, em que nascimento e morte se revezam incessantemente, os instintos de morte e seus impulsos criminosos irão se atenuando até desaparecerem por completo. Os desejos malsãos de extinção da vida, que originam os suicídios, os assassinatos e as guerras, tenderão a se transformar nos instintos da vida. A esperança e a confiança em Deus, bem como a confiança na vida e nas leis naturais, criarão um novo clima no planeta, hoje devastado pelo desespero humano. O medo e o desespero desaparecerão com o esclarecimento racional e científico do mistério da morte, esse enigma que a ressurreição de Jesus e os seus ensinos, bem como os do Apóstolo Paulo, já deviam ter esclarecido há dois mil anos.
/…


Herculano Pires, José – Educação para a Morte, 4 A Extinção da Vida 2 de 2, 7º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

1 comentário:

palavra luz disse...

Caro autor e caríssimos visitantes de "lugar@zul",

A todos vós estendo um abraço comovido pelas tantas coisas valiosas que por aqui se encontram prodigamente organizadas, sinal iniludível da fatia de transcendência que nos cabe.

"lugar@zul", na placidez filosófica de quem o organiza parece ser sempre igual a si mesmo, regular e metódico na matriz estética que lhe corresponde.

No vagar feliz de quem o procura tem sido, não obstante, uma trepidante viagem de amplificante enriquecimento, conquistando dia a dia sempre novas qualidades.

Desafio o visitante a que não fique pela leitura duma "Selecta" de textos exemplares e abrangentes dos mais sólidos fundamentos da CULTURA do ESPÍRITO, por excelência.

Convido todos a viajar pela rectaguarda deste enorme repositório de sensibilidades, dedicando se possível a cada sector a atenção que merece e que a mim próprio - visitante assíduo - sempre me surpreende e ilumina.

No sector que podem encontrar na coluna do lado direito, "Outros Vídeos" há uma ampla colecção de "Humanidades" dos mais variados comprimentos de onda da sensibilidade da cultura.

Fico-me por hoje por uma das "Humanidades do Cinema": o filme BARAKA,de Ron Fricke, 1992, que completamente desconhecia.

É um repositório dos impressionantes rumores íntimos da Terra - como astro vivo - e da ilimitada capacidade de expressão teatral do género humano, na vertente da sua mais autêntica substância.

Não se trata aqui do espectáculo do poder fútil ou preverso, ou da exibição inconsistente dos talentos da trivialidade.

É uma encenação da mais remota antiguidade do sentimento do ser colectivo, em gestos iguais ao próprio rumor da natureza, de encontro ao sagrado à complexidade agónica das íntimas e públicas confrontações da alma. Sem sangue que não seja aquele que inunda as veias e sem lágrimas de ocultação e da vergonha.

Saibamos olhar, queiramos ver, ousemos abrir de par em par as portas do coração.

O ESPÍRITO e a força imensa da REALIDADE irá tomar-nos com comovida emoção.

Obrigado “lugar@zul”, e um grande abraço, desta Academia, à imensa Humanidade!...

palavra luz, fraternamente.