IV
O Mês de Joana d’Arc
|Maio de 1915|
Cabe perguntar se sua clara visão, atravessando os séculos
vindouros, não se projectava então até aos acontecimentos do presente, até essa
gigantesca luta da civilização contra a barbárie, na qual pensava em
interferir.
Por meio da violência e do terror, a Alemanha pretendeu
impor ao mundo a sua horrível cultura, suas teorias implacáveis do super-homem,
das quais Nietzsche se constituiu profeta e que anulam o que há de mais digno,
mais poético, mais belo na alma humana, isto é, as qualidades nobres, e com
elas a compaixão, a piedade e a bondade.
O Deus do Evangelho, que Jesus nos ensinara a amar, os
alemães pretenderam trocar por não se sabe qual divindade sombria e cruel, que
se assemelha muito menos ao Deus dos cristãos do que ao Odin escandinavo em seu
Walhalla manchado de sangue.
A essas concepções de outras eras, nas quais ao mais
grosseiro materialismo se alia um misticismo bárbaro, devemos contrapor, sob a
égide da Virgem Lorena, um espiritualismo claro e progressista, feito de luz,
justiça e amor.
Esse espiritualismo mostrará ao mundo a lei eterna que prega
a liberdade, a responsabilidade de todos os seres e que lhes impõe a
necessidade de resgatar, pelas existências sucessivas e dolorosas, todo o mal
que hajam praticado.
E após a expiação ela assegura o ressurgimento e a partilha,
para todos, das alegrias e bens celestes, na proporção justa do merecimento
conquistado e dos progressos realizados.
Eis a doutrina que Joana preconiza, que não se ocupa apenas
com a libertação da pátria, pois que, desde muitos anos, coopera também em sua
renovação moral. Todos aqueles que frequentam os grupos de estudo onde ela se
manifesta sabem com que carinho vela por essa doutrina, sustentando seus
defensores e trabalhando por sua difusão no mundo.
Joana, inspirada pelo Alto, cumpriu outrora uma missão que,
no decorrer dos tempos, serviria de exemplo para todos. Hoje se compreende que
o papel da mulher poderia ser o de fortalecer o ânimo do homem, aumentando-lhe
a dedicação patriótica. Realmente, no seio da família, sua missão é mais
modesta; mas a educação que dá ao filho deve despertar-lhe a energia e o valor,
acentuando-lhe o amor à pátria e todas as virtudes daí decorrentes.
Assim ver-se-ão desenvolver as energias do país; a fusão dos
partidos tornar-se-á mais fácil, assim como a missão de todos, porque estarão
unidos por um nobre ideal comum.
Estamos certos de que esse estado de espírito há de
persistir. No momento actual existem, em nossa linha de frente, cerca de três
milhões de homens que sentem iguais fadigas e sofrem iguais perigos. É
impossível que as provações sofridas por eles não constituam um laço poderoso e
que, unidos pelo coração e por um mesmo pensamento, não trabalhem unidos para o
reerguer da pátria.
Joana os ajudará para conseguirem esse objectivo e, por seu
intermédio, afirmamos nós, será feita a união de todos os partidos, porque a Virgem
de Orléans não é propriedade de nenhum deles. Pertence a todos e cada um
encontrará em sua vida um motivo para venerá-la.
Os monárquicos glorificarão nela a heroína fiel que se
sacrificou pelo rei; os crentes, a enviada providencial que surgiu na hora dos
desastres.
Os filhos do povo a amarão como a camponesa que se armou
para salvar a pátria; os soldados se recordarão de que, como eles, ela sofreu e
foi ferida duas vezes; os infelizes, que ela suportou todas as amarguras, todas
as provações, e que bebeu o cálice das dores até ao fim.
Todos verão nela uma demonstração da força superior, da
força eterna encarnada em um ser humano para executar obras capazes de elevar
as inteligências e reconciliar todos os corações.
/…
LÉON DENIS, O Mundo Invisível e a Guerra, IV – O Mês de
Joana d’Arc, 3 de 3 13º fragmento da obra.
(imagem: Tanque de guerra britânico capturado pelos Alemães,
durante a Primeira Guerra Mundial)
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