Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
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terça-feira, 2 de setembro de 2025

metapsíquica | e depois



~~~ Terceiro Caso ~~~


(A Crise da Morte)

Reproduzo um último caso antigo, que extrai do livro do Doutor Wolfe: Starling Facts in Modern Spiritualism (pág. 388)*. Jim Nolan, o Espírito-guia da célebre médium Sra. Hollis, que disse e demonstrou ter sido soldado durante a Guerra de Secessão da América e haver morrido de tifo num hospital militar, responde da seguinte maneira às perguntas de um experimentador:

P. — Que impressão tiveste à tua primeira entrada no mundo espiritual?

R. — Parecia-me que despertava de um sono, com um pouco de atordoamento a mais. Já não me sentia doente e isso espantava-me grandemente. Tinha uma vaga impressão de que alguma coisa estranha se passara, todavia, não sabia definir o quê. O meu corpo encontrava-se estendido numa cama de campanha e eu o via. Dizia para mim próprio: Que estranho fenómeno! Olhei à minha volta e, vi três dos meus camaradas mortos nas trincheiras diante de Vicksburg e que eu enterrara. No entanto, ali estavam na minha presença! Olhavam a rir. Então, um dos três me saudou e disse:

— Bom-dia, Jim; também és dos nossos?

— Sou dos vossos? Que queres dizer com isso?

— Mas... que te encontras aqui, connosco, no mundo dos Espíritos. Não te apercebeste disso? É um meio onde se está bem.

Estas palavras eram muito fortes para mim. Fui tomado de violenta emoção e exclamei:

— Meu Deus! Que dizes! Estou morto?

— Não; estás mais vivo do que nunca, Jim; porém encontras-te no mundo dos Espíritos. Para te convenceres, não tens mais do que atentar no teu corpo.

Com efeito, o meu corpo jazia, inanimado, diante de mim, sobre aquela tarimba. Como, pois, contestar o facto? Pouco depois, chegaram dois homens que colocaram o meu cadáver numa prancha e o transportaram para junto de um carro; nele o meteram, subiram e à boleia partiram. Acompanhei então o carro, que parou junto de um fosso, onde o meu cadáver foi descarregado e enterrado. Fora eu o único a assistir ao meu enterro...

P. — Quais as sensações que experimentaste na crise da morte?

R. — A que se experimenta quando o sono se apodera da gente, mas deixando que ainda se possa lembrar de alguma ideia que tenha tido antes do sono. A gente, porém, não se lembra do momento exacto em que foi tomado pelo sono. É o que acontece por ocasião da morte. Mas, um pouco antes da crise fatal, a minha mentalidade se tornara muito activa; lembrei-me subitamente de todos os acontecimentos da minha vida; vi e ouvi tudo o que fizera, dissera, pensara, todas as coisas a que estivera associado. Lembrei-me até dos jogos e brincadeiras do campo militar; gozei-os, como quando deles participei.

P. — Conta-nos as tuas primeiras impressões no mundo espiritual.

R. — Ia dizer-vos que os meus bons amigos soldados já não me abandonaram, desde logo que desencarnei (morri) até ao momento em que fiz a minha entrada no mundo espiritual; lá, tinha eu os avós, os irmãos e as irmãs, que, entretanto, não me vieram receber quando desencarnei. Ao entrar no mundo espiritual, parecia-me caminhar sobre um terreno sólido e vi que ao meu encontro vinha uma velhinha, que me disse assim: — Jim, então vieste para onde estávamos?

Olhei-a atentamente e exclamei: — Ó, avozinha, és tu? — Sou eu mesma, meu querido Jim. Vem comigo.

E me levou para longe dali, para a sua morada. Uma vez lá, disse-me ser necessário que eu repousasse e dormisse. Deitei-me e dormi longamente...

P. — A morada de que falas tinha o aspecto de uma casa?

R. — Certamente. No mundo dos Espíritos, há a força do pensamento, por meio do qual se podem criar todas as comodidades desejáveis...

Esta última informação que, no caso de que se trata, remonta a setenta anos atrás, não é apenas um dos detalhes fundamentais a cujo respeito todos os Espíritos estão de acordo; é também a chave de abóbada que permite explicar, resolver, justificar todas as informações e descrições aparentemente absurdas, incríveis, ridículas, dadas pelos Espíritos que se comunicam, a propósito da vida espiritual. Em outras obras, já por mim publicadas, tive que me deter longamente sobre este tema muito importante; limitar-me-ei desta vez, pois, a nele tocar, na medida do estritamente necessário.

Esta grande verdade, que nos foi comunicada pelos Espíritos, permite resolvamos uma imensidade de questões teóricas, obscuras, determinadas pelas informações que hão dado as personalidades mediúnicas, relativamente ao meio espiritual, às formas que os Espíritos revestem, às modalidades da existência deles; todas as informações que constituem uma reprodução exacta, ainda que espiritualizada, do meio terrestre, da humanidade, das modalidades da existência neste mundo. Essa grande verdade, que resolve todos os enigmas teóricos em questão e que se funda no poder criador do pensamento no meio espiritual, é confirmada de modo impressionante por factos que se desenrolam no meio terrestre. Trata-se, com efeito, do seguinte: o pensamento e a vontade, mesmo na existência encarnada (na Terra), são susceptíveis de criar e de objectivar as formas concretas das coisas pensadas e desejadas, do mesmo modo que este fenómeno se realiza no meio espiritual, embora no meio terrestre semelhante criação não se dê senão por intermédio de alguns sensitivos especiais (médiuns). Aludo aos fenómenos de fotografia do pensamento ou de ideoplastia, fenómenos maravilhosos, aos quais consagrei recentemente um longo estudo, em que demonstrava, citando factos, a realidade incontestável e o seu desenvolvimento prodigioso.

Vemos, pois, que, já no mundo dos vivos, o pensamento e a vontade manifestam o poder de se objectivarem e concretizarem numa forma mais ou menos substancial e permanente, ainda que, na existência encarnada, isso se produza sem objectivo e unicamente com o concurso de sensitivos (médiuns) que se encontrem em condições fisiológicas mais ou menos anormais, correspondendo a estados mais ou menos adiantados de desencarnação parcial do Espírito.

Sendo assim, dever-se-ia logicamente concluir daí que, quando a desencarnação do Espírito já não estiver apenas em início e não for transitória, mas total e definitiva (na morte), só então as faculdades de que se trata chegarão a manifestar-se no seu completo desdobramento e, desta vez, normal, prática e utilmente. Ora, é precisamente o que afirmam as personalidades mediúnicas que se comunicam. Cumpre, portanto, se reconheça que as revelações transcendentais, concernentes às modalidades da existência espiritual, confirmam a posterior o que se devera logicamente inferir a priori, em consequência da descoberta de que o pensamento e a vontade são forças que possuem o poder maravilhoso de modelar e organizar, faculdades que, todavia, não se manifestam, senão de maneira esporádica e sem objectivo, no meio terrestre.

Duas palavras ainda acerca de outra circunstância, a de personalidades mediúnicas afirmarem que essas condições de existência espiritual são transitórias e se entendem exclusivamente com a esfera mais próxima do mundo terrestre, isto é, com a que se destina aos Espíritos recém-chegados. Esta circunstância não serve só para justificar inteiramente aquelas condições de existência; prova também a razão de ser providencial de tais condições.

Imagine-se, com efeito, que sensação de desolação e de desorientação não experimentariam a maior parte dos mortos se, logo depois do momento da morte, houvessem de ver-se bruscamente despojados da forma humana e lançados num meio espiritual essencialmente diverso daquele onde se lhes formaram as individualidades, a que ainda se encontram ligados por uma delicada trama de sentimentos afectivos, de paixões, de aspirações, que se não poderiam romper de súbito, sem os levar ao desespero e, onde, sobretudo, se encontra o meio doméstico que lhes é próprio, constituído por um mundo de satisfações temporais e espirituais, de todas as espécies, que contribuem cumulativamente para criar o que se chama a alegria de viver. Se imaginarmos tudo isso, teremos de reconhecer racional e providencialmente que um ciclo de existência preparatória passe entre a existência encarnada e a de Espírito puro, de maneira a conciliar a natureza, por demais terrestre, do Espírito desencarnado, com a natureza, por demais transcendental, da existência espiritual propriamente dita.

O poder criador do pensamento seria de molde a obviar maravilhosamente a este inconveniente; o Espírito, pensando numa forma humana, encontrar-se-ia de novo em forma humana; pensando em estar vestido, encontrar-se-ia coberto das vestes que, sendo tão etéreas como o seu próprio corpo, lhe pareceriam tão substanciais como as roupas terrenas. É assim que o Espírito encontraria novamente, no mundo espiritual, um meio e uma morada correspondentes aos seus hábitos terrestres, morada que lhe preparariam os seus familiares, tornados antes dele á existência espiritual. Como se há podido ver no caso que acabo de referir, é a avó do defunto que estaria encarregue de conduzir o neto à morada que o havia de receber. A este respeito, deve notar-se que, quando o Espírito Jim Nolan narra ter visto que uma velhinha vinha ao seu encontro, fora preciso subentender-se que a avó revestira temporariamente a sua antiga forma terrena, para ser reconhecida.

Deter-me-ei aí, para me não estender demais nos comentários deste facto; os pontos obscuros, de importância secundária, que ficam sem solução nas considerações precedentes, serão sucessivamente assinalados e explicados, à medida que, nos casos que ainda vão ser citados, se oferecer oportunidade.

Com relação ao incidente da visão panorâmica que o Espírito Jim Nolan relata, observarei que, desta vez, o fenómeno se desdobrou sob a forma de recapitulação de lembranças, mais do que sob a de uma visão panorâmica propriamente dita. Isto, naturalmente, em nada muda os termos do problema psicológico a ser resolvido. Daí apenas resultaria que o morto, em vez de pertencer ao que se chama em linguagem psicológica ao tipo visual, pertencia ao tipo especialmente mental-auditivo.

/...

Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Terceiro Caso. 3º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

metapsíquica | e depois


~~~ Prólogo ~~~

(A Crise da Morte)

Conforme já tive oportunidade de dizer muitas vezes, desde há alguns anos que me consagro ao exame dos principais apanhados de revelações transcendentais, aplicando-lhes os processos de análise comparada e obtendo resultados tão inesperados quão importantes. As pesquisas que empreendi fazem emergir a prova de que as numerosíssimas informações obtidas mediunicamente, a respeito do meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, no que concerne às indicações de natureza geral, que, aliás, são as únicas necessárias para que se conclua a favor da origem das revelações de que se trata, origem que se manifesta estranha aos médiuns, pelos quais tais revelações se obtêm.

Com efeito, os desacordos aparentes, de natureza secundária, que se notam nessas revelações, provêm evidentemente de causas múltiplas, que são fáceis de ser apreendidas e são inteiramente justificáveis. Acrescentarei, a este propósito, que algumas categorias desses supostos desacordos contribuem eficazmente para nos dar uma visão nítida e sintética dos modos pelos quais se desenvolve a existência espiritual, pois que parecem determinados pelas condições psíquicas especiais de cada personalidade de defunto que se comunica.

Creio mesmo ser necessário insistir sobre o facto de que, se persisto em me ocupar com um tema condenado ao ostracismo pela Ciência, é que, graças às minhas laboriosas investigações, adquiri a certeza de que, em futuro não distante, a secção metapsíquica das revelações transcendentais alcançará grande valor científico e, por conseguinte, constituirá o ramo mais importante das disciplinas metapsíquicas. Que importa, pois, seja esse ramo actualmente repudiado pelos metapsiquistas de orientação rigorosamente científica e totalmente desprezado por grande parte dos próprios espíritas, entre os quais eu mesmo me encontrava, não há mais de três anos?

Reconheço que não podia ser de outra maneira, porque é conforme à evolução mental nas pesquisas metapsíquicas; que o investigador comece por se ocupar com as manifestações supranormais de natureza especialmente física, para depois cogitar das manifestações de natureza especialmente inteligente, contendo indicações verificáveis de identificação pessoal dos defuntos. Segue-se que, só quando se haja chegado à certeza científica, com relação à origem espírita da parte mais interessante dos fenómenos metapsíquicos, se compreenderá o grande valor científico, moral, social, das revelações transcendentais estudadas sistematicamente. Elas então se elevarão rapidamente ao lugar de honra, na classificação das manifestações metapsíquicas. A alvorada desse dia ainda não despontou. Mas, isso não impede que um pesquisador insulado possa adiantar-se à sua época, de maneira a formar para si uma opinião precisa a tal respeito, fundando-se nos factos coleccionados. Nestas circunstâncias, esse pesquisador está obrigado, em consciência e para o bem de toda a gente, a ter a coragem da sua opinião, embora os tempos ainda não amadurecidos o exponham a críticas mais ou menos severas. Ora, eu me sinta com essa coragem: mudei de parecer, relativamente ao valor teórico das colecções de revelações transcendentais e, não hesito um só instante em declará-lo.

A isso, aliás, me vejo animado pelo exemplo de alguns pesquisadores eminentes, que não vacilaram em publicar declarações análogas. Eis como a propósito se exprime o professor Oliver Lodge:

Estas revelações são ditas inverificáveis, por não ser possível fazerem-se pesquisas para se verificar o que elas afirmam, como se faz para a verificação das informações concernentes a negócios pessoais, ou acontecimentos mundanos... De todas as formas, sou levado a crer, da mesma maneira que outros pesquisadores cujo número é cada vez maior, que vem próximo o tempo em que se deverá recolher sistematicamente e discutir o material metapsíquico de natureza inverificável, material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e verificadas, com fundamento nas suas concordâncias...

Lembrarei que, do ponto de vista filosófico, se tem notado que tudo contribui para dar a supor que, em última análise, a prova real da sobrevivência dependerá do estudo e da comparação dessas narrações de exploradores espirituais, mais do que das provas resultantes das informações pessoais fornecidas acerca de acontecimentos do passado, relativamente aos quais — enquanto não se chegar a penetrar fundo na natureza da memória — será sempre possível conjecturar que todo o passado é potencialmente acessível às faculdades supranormais da consciência humana... embora eu não considere racional a hipótese de uma memória impessoal... (Raymond, págs. 347-348)

O professor Hyslop, a propósito da publicação de duas colecções de revelações sobre o Além, ponderou, a seu turno:

Nada há de impossível nas informações que essas mensagens contêm... A maioria das pessoas ridiculariza o conceito de um meio espiritual tal como o que se desenha nas revelações; porém, esses senhores, que gastam o ridículo com tanta leviandade, não se lembram de que, assim fazendo, supõem conhecer toda a verdade a respeito do mundo espiritual... Não me pronuncio nem por um lado, nem pelo outro, mas declaro não ter objecção alguma a opor à existência de um meio espiritual, como o que se nos descreve, ainda que devesse parecer mais absurdo do que o nosso meio terrestre. Não chego a compreender por que se exige que o mundo espiritual seja mais ideal do que o nosso. Os dois mundos são obra do mesmo Autor, quer este se chame Matéria, ou Deus. Ninguém o pode afirmar ou negar a priori. O facto de negar ou de lançar no ridículo as revelações transcendentais equivale a pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui presunção indigna de um céptico que raciocine...

Em suma, os livros desta espécie são importantes, pois que nos dão uma primeira ideia sobre o mundo espiritual, oferecendo-nos assim oportunidade de comparar os detalhes contidos nas diferentes revelações obtidas... Ora, no nosso caso, comprova-se que as informações, que nos são transmitidas nessas mensagens pelas personalidades que se comunicam, concordam com outras que nos vêm por intermédio de médiuns que não eram religiosos e não tinham a crença e a inteligência deste médium… (American Journal of the S. P. R., 1913, págs. 235-237)

Acrescentarei que há um meio de se verificarem as afirmações concernentes à existência espiritual, com exclusão da prova Indirecta fornecida pela identificação pessoal do Espírito que se comunica. Esse meio consiste em experimentar com um número suficiente de médiuns, para comparar em seguida os resultados, depois de se haverem recolhido as informações necessárias sobre a instrução especial de cada um deles a respeito. Se se chegasse a comprovar que um dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente experimentar com outros médiuns, para se obterem Informações sobre o mesmo assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles. É evidente que, nessas condições, uma concordância de informações fundamentais, repetindo-se com uma centena de indivíduos diferentes, teria valor bastante grande a favor da demonstração da existência real de um mundo espiritual análogo ao que fora revelado. (Ibid., 1914, págs. 462-463.)

Tal a opinião de dois sábios muito distintos, acerca do valor teórico das colecções de revelações transcendentais. Observarei que o método de pesquisa proposto pelo professor Hyslop é, em suma, o que adoptei. Ele, com efeito, propõe se experimente com grande número de médiuns, que não conheçam a doutrina espírita, a fim de se compararem em seguida os resultados. A coisa é teoricamente possível, mas de realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável como esta. O mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou nestes últimos anos, relativamente às revelações transcendentais, para empreender uma selecção severa de todas as peças, classificando-as, analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os conhecimentos especiais de cada médium, no tocante à doutrina espírita. Tal precisamente a tarefa a que me propus ao empreender as minhas pesquisas, às quais já consagrei dois anos de trabalho, chegando a descartar cerca de metade do material reunido. Porém, como notasse que o material classificado e comentado assumia proporções tais que impediriam a sua publicação em volume, julguei oportuno suspender temporariamente as pesquisas, para consagrar algumas monografias de ensaios aos resultados já obtidos. A que se segue é a primeira que me disponho a publicar.

Começo por inserir um número suficiente de revelações transcendentais, referentes às impressões experimentadas, no momento da entrada, no mundo espiritual, pelas personalidades dos mortos que se comunicam. Declaro desde logo que esse grupo de narrações, embora teoricamente interessante e significativo, não é o mais eficaz para a demonstração da tese que sustento.

Ele, com efeito, refere-se aos episódios iniciais da existência extraterrestre, sobre os quais se exercem plenamente as consequências da lei de afinidade, pela qual cada Espírito desencarnado é levado necessariamente a gravitar para o estado espiritual que corresponde ao grau de sua evolução psíquica, alcançado em consequência da passagem pela existência na carne, o que não pode deixar de determinar diferenças sensíveis nas descrições que nos chegam dos mortos, acerca da entrada deles no mundo espiritual. De qualquer maneira, ver-se-á que esses desacordos se dão unicamente nos detalhes secundários, quer sejam pessoais, quer dependam do meio, nunca no que concerne às condições correspondentes, de ordem geral.

Antes de entrar no assunto de que vou tratar, cumpre-me fazer uma declaração, destinada a prevenir uma pergunta que os meus leitores poderiam formular. Refere-se a esta circunstância: todos os factos, que citarei, de defuntos que narram a sua entrada no meio espiritual, são tirados de colecções de revelações transcendentais publicadas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Porquê? — perguntar-me-ão os leitores — esse exclusivismo puramente anglo-saxónio?

Responderei que por uma só razão, absolutamente peremptória: não há na França, na Alemanha, na Itália, em Espanha, em Portugal, colecções de revelações transcendentais sob a forma de tratados, ou de narrativas continuadas, orgânicas, divididas em capítulos, ditadas por uma só personalidade mediúnica e confirmadas por provas excelentes de identidade dos defuntos que se comunicaram. Nas poucas colecções que hão aparecido nas nações acima citadas — colecções constituídas de curtas mensagens — obtidas pelo sistema dos interrogatórios dirigidos a uma multidão de Espíritos, não se encontram episódios concernentes à crise da morte, se exceptuarmos o conhecido livro de Allan Kardec: O Céu e o Inferno, em que no qual se podem ler três ou quatro episódios desta espécie. Mas, se bem se encontrem neles algumas concordâncias fundamentais com as narrações dos outros Espíritos que se comunicam, esses episódios são de natureza muito vaga e geral, para poderem ser tomados em consideração, numa obra de análise comparada.

Em tais condições, é claro que, se os povos anglo-saxónicos são os únicos que, até hoje, hão mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das revelações transcendentais, como são os únicos que a isso se consagraram, empregando métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário onde o encontrava. E tanto mais razão havia para assim proceder, propondo-me a escrever toda uma série de monografias relativamente às concordâncias e aos desacordos que os processos de análise comparada fazem ressaltar das colecções de revelações transcendentais, quanto é certo que não podia deixar de começar pelo princípio, isto é, pelo que os mortos têm a dizer acerca da crise da morte.

Passemos agora à exposição dos casos. Citarei, antes de tudo, alguns episódios extraídos de obras dos primeiros pesquisadores, a fim de fazer ressaltar que, desde o começo do movimento espírita, se obtiveram mensagens mediúnicas em que a existência e o meio espirituais são descritos em termos idênticos aos das que se obtêm presentemente, se bem que a mentalidade dos médiuns fosse então dominada pelas concepções tradicionais referentes ao paraíso e ao inferno e, por conseguinte, pouco preparada para receber mensagens de defuntos, afirmando que o meio espiritual é o meio terrestre espiritualizado.

Primeiro Caso

Extraio este facto de uma obra intitulada: Letters and Tracts on Spiritualism, obra que contém os artigos e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que Edmonds era um notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois da morte acidental do seu confrade, o juiz Peckam a quem ele muito estimava, deu-se o caso de Edmonds escrever uma longa mensagem, em que o seu amigo morto referia as circunstâncias de sua morte. As passagens seguintes são tiradas da mensagem em questão:

Se houvera podido escolher a maneira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconteceu, dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subitamente diante de mim.

No momento da morte, revi, como em panorama, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as cenas, todas as acções que eu praticara passaram perante o meu olhar, como se se houvessem gravado na minha mentalidade, em fórmulas luminosas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até à morte, faltou à chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços a minha mulher, me apareceram o meu pai e a minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo, nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvido o barulho das ondas a quebrarem-se sobre as nossas cabeças. Desprendi-me do corpo quase sem me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui a minha mãe, que viera para nos acolher e guiar.

O primeiro sentimento penoso só me assaltou quando dirigi o pensamento para o meu caro irmão; porém, a minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: O teu irmão também não tardará a estar connosco: A partir desse momento, todo o sentimento penoso desapareceu do meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de viver, unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de desgraça. Logo, entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo por que eu fora. Todos os objectos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a presença de tantas pessoas que sabia mortas, teria corrido para junto dos náufragos.

Quis informar-te de tudo isso, a fim de que possas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que os que lhes são caros e que desapareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar as boas-vindas nas esferas dos imortais.

Não tendo estado doente e não tendo sofrido, fácil me foi adaptar-me imediatamente às novas condições de existência...

Com esta última observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de outras personalidades mediúnicas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos da alma, é possível ao Espírito atravessar a crise da desencarnação, sem haver necessidade de ficar submetido a um período mais ou menos longo de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva a longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvida por preocupações mundanas, ou oprimida pelo medo da morte, ou, ainda, apenas, mas firmemente, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a um período mais ou menos prolongado de inconsciência.

Ponderarei que estas observações já se referem a um desses detalhes secundários a que aludi no início e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta de maneiras muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições espirituais tão diversas em que se encontram no momento da desencarnação.

Cumpre-se atente, além disso, no detalhe interessante de dizer o morto ter tido, no momento da morte, a visão panorâmica de todos os acontecimentos de sua existência. Sabe-se que este fenómeno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas salvas de naufrágios. (Publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma Revista, no decorrer dos anos de 1922-1923.) Ora, no caso relatado pelo juiz Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo género, assistimos ao facto importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da visão panorâmica, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna teoricamente importante, desde que se tenha em mente que o juiz Edmonds não conhecia a existência dos fenómenos desta espécie, ignorados pelos psicólogos de sua época. Ele, pois, não podia auto-sugestionar-se nesse sentido, o que constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que se trata.

Notarei, finalmente, que neste episódio, ocorrido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já se observam muitos detalhes fundamentais, concernentes aos processos da desencarnação do Espírito, os quais serão depois constantemente confirmados, em todas as revelações do mesmo género. Assim, por exemplo, o detalhe de o Espírita não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda menos, que se encontra num meio espiritual. Também o outro detalhe de o Espírito se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou quase terrestre, de pensar que se exprime de viva-voz como dantes e perceber, como antes, as palavras dos demais. Assinalemos ainda outro detalhe: o de encontrar o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são geralmente os seus parentes mais próximos, mas que também podem ser os seus mais caros amigos, ou os Espíritos-guias.

Detalhe fundamental também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias mais ou menos especiais de mortos moralmente inferiores e degradados, aos quais a inexorável lei de afinidade (lei físico-psíquica, irresistível no seu poder fatal de atracção dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento espiritual muito diferentes das com que se depararam os Espíritos evolvidos.

/...


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Prólogo, Primeiro Caso. 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)