Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...
Mostrar mensagens com a etiqueta mediunidade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta mediunidade. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

metapsíquica | e depois


~~~ Prólogo ~~~

(A Crise da Morte)

Conforme já tive oportunidade de dizer muitas vezes, desde há alguns anos que me consagro ao exame dos principais apanhados de revelações transcendentais, aplicando-lhes os processos de análise comparada e obtendo resultados tão inesperados quão importantes. As pesquisas que empreendi fazem emergir a prova de que as numerosíssimas informações obtidas mediunicamente, a respeito do meio espiritual, concordam admiravelmente entre si, no que concerne às indicações de natureza geral, que, aliás, são as únicas necessárias para que se conclua a favor da origem das revelações de que se trata, origem que se manifesta estranha aos médiuns, pelos quais tais revelações se obtêm.

Com efeito, os desacordos aparentes, de natureza secundária, que se notam nessas revelações, provêm evidentemente de causas múltiplas, que são fáceis de ser apreendidas e são inteiramente justificáveis. Acrescentarei, a este propósito, que algumas categorias desses supostos desacordos contribuem eficazmente para nos dar uma visão nítida e sintética dos modos pelos quais se desenvolve a existência espiritual, pois que parecem determinados pelas condições psíquicas especiais de cada personalidade de defunto que se comunica.

Creio mesmo ser necessário insistir sobre o facto de que, se persisto em me ocupar com um tema condenado ao ostracismo pela Ciência, é que, graças às minhas laboriosas investigações, adquiri a certeza de que, em futuro não distante, a secção metapsíquica das revelações transcendentais alcançará grande valor científico e, por conseguinte, constituirá o ramo mais importante das disciplinas metapsíquicas. Que importa, pois, seja esse ramo actualmente repudiado pelos metapsiquistas de orientação rigorosamente científica e totalmente desprezado por grande parte dos próprios espíritas, entre os quais eu mesmo me encontrava, não há mais de três anos?

Reconheço que não podia ser de outra maneira, porque é conforme à evolução mental nas pesquisas metapsíquicas; que o investigador comece por se ocupar com as manifestações supranormais de natureza especialmente física, para depois cogitar das manifestações de natureza especialmente inteligente, contendo indicações verificáveis de identificação pessoal dos defuntos. Segue-se que, só quando se haja chegado à certeza científica, com relação à origem espírita da parte mais interessante dos fenómenos metapsíquicos, se compreenderá o grande valor científico, moral, social, das revelações transcendentais estudadas sistematicamente. Elas então se elevarão rapidamente ao lugar de honra, na classificação das manifestações metapsíquicas. A alvorada desse dia ainda não despontou. Mas, isso não impede que um pesquisador insulado possa adiantar-se à sua época, de maneira a formar para si uma opinião precisa a tal respeito, fundando-se nos factos coleccionados. Nestas circunstâncias, esse pesquisador está obrigado, em consciência e para o bem de toda a gente, a ter a coragem da sua opinião, embora os tempos ainda não amadurecidos o exponham a críticas mais ou menos severas. Ora, eu me sinta com essa coragem: mudei de parecer, relativamente ao valor teórico das colecções de revelações transcendentais e, não hesito um só instante em declará-lo.

A isso, aliás, me vejo animado pelo exemplo de alguns pesquisadores eminentes, que não vacilaram em publicar declarações análogas. Eis como a propósito se exprime o professor Oliver Lodge:

Estas revelações são ditas inverificáveis, por não ser possível fazerem-se pesquisas para se verificar o que elas afirmam, como se faz para a verificação das informações concernentes a negócios pessoais, ou acontecimentos mundanos... De todas as formas, sou levado a crer, da mesma maneira que outros pesquisadores cujo número é cada vez maior, que vem próximo o tempo em que se deverá recolher sistematicamente e discutir o material metapsíquico de natureza inverificável, material que se presta a ser examinado e analisado com fundamento na sua consistência intrínseca, que lhe confere um grau notável de probabilidade, da mesma forma que as narrações dos exploradores africanos se prestam a ser analisadas e verificadas, com fundamento nas suas concordâncias...

Lembrarei que, do ponto de vista filosófico, se tem notado que tudo contribui para dar a supor que, em última análise, a prova real da sobrevivência dependerá do estudo e da comparação dessas narrações de exploradores espirituais, mais do que das provas resultantes das informações pessoais fornecidas acerca de acontecimentos do passado, relativamente aos quais — enquanto não se chegar a penetrar fundo na natureza da memória — será sempre possível conjecturar que todo o passado é potencialmente acessível às faculdades supranormais da consciência humana... embora eu não considere racional a hipótese de uma memória impessoal... (Raymond, págs. 347-348)

O professor Hyslop, a propósito da publicação de duas colecções de revelações sobre o Além, ponderou, a seu turno:

Nada há de impossível nas informações que essas mensagens contêm... A maioria das pessoas ridiculariza o conceito de um meio espiritual tal como o que se desenha nas revelações; porém, esses senhores, que gastam o ridículo com tanta leviandade, não se lembram de que, assim fazendo, supõem conhecer toda a verdade a respeito do mundo espiritual... Não me pronuncio nem por um lado, nem pelo outro, mas declaro não ter objecção alguma a opor à existência de um meio espiritual, como o que se nos descreve, ainda que devesse parecer mais absurdo do que o nosso meio terrestre. Não chego a compreender por que se exige que o mundo espiritual seja mais ideal do que o nosso. Os dois mundos são obra do mesmo Autor, quer este se chame Matéria, ou Deus. Ninguém o pode afirmar ou negar a priori. O facto de negar ou de lançar no ridículo as revelações transcendentais equivale a pretender conhecer, de modo certo, o mundo espiritual, o que constitui presunção indigna de um céptico que raciocine...

Em suma, os livros desta espécie são importantes, pois que nos dão uma primeira ideia sobre o mundo espiritual, oferecendo-nos assim oportunidade de comparar os detalhes contidos nas diferentes revelações obtidas... Ora, no nosso caso, comprova-se que as informações, que nos são transmitidas nessas mensagens pelas personalidades que se comunicam, concordam com outras que nos vêm por intermédio de médiuns que não eram religiosos e não tinham a crença e a inteligência deste médium… (American Journal of the S. P. R., 1913, págs. 235-237)

Acrescentarei que há um meio de se verificarem as afirmações concernentes à existência espiritual, com exclusão da prova Indirecta fornecida pela identificação pessoal do Espírito que se comunica. Esse meio consiste em experimentar com um número suficiente de médiuns, para comparar em seguida os resultados, depois de se haverem recolhido as informações necessárias sobre a instrução especial de cada um deles a respeito. Se se chegasse a comprovar que um dos médiuns empregados ignorava absolutamente as teorias espíritas (o que excluiria a hipótese de uma colaboração subconsciente), seria conveniente experimentar com outros médiuns, para se obterem Informações sobre o mesmo assunto; e assim por diante, sem que se estabelecessem relações entre eles. É evidente que, nessas condições, uma concordância de informações fundamentais, repetindo-se com uma centena de indivíduos diferentes, teria valor bastante grande a favor da demonstração da existência real de um mundo espiritual análogo ao que fora revelado. (Ibid., 1914, págs. 462-463.)

Tal a opinião de dois sábios muito distintos, acerca do valor teórico das colecções de revelações transcendentais. Observarei que o método de pesquisa proposto pelo professor Hyslop é, em suma, o que adoptei. Ele, com efeito, propõe se experimente com grande número de médiuns, que não conheçam a doutrina espírita, a fim de se compararem em seguida os resultados. A coisa é teoricamente possível, mas de realização difícil, porque é raro que um só pesquisador chegue a encontrar numerosos médiuns, de maneira a poder levar a efeito uma empresa formidável como esta. O mais prático era, pois, aproveitar o material imenso que se acumulou nestes últimos anos, relativamente às revelações transcendentais, para empreender uma selecção severa de todas as peças, classificando-as, analisando-as, comparando-as, tendo o cuidado de colher informações sobre os conhecimentos especiais de cada médium, no tocante à doutrina espírita. Tal precisamente a tarefa a que me propus ao empreender as minhas pesquisas, às quais já consagrei dois anos de trabalho, chegando a descartar cerca de metade do material reunido. Porém, como notasse que o material classificado e comentado assumia proporções tais que impediriam a sua publicação em volume, julguei oportuno suspender temporariamente as pesquisas, para consagrar algumas monografias de ensaios aos resultados já obtidos. A que se segue é a primeira que me disponho a publicar.

Começo por inserir um número suficiente de revelações transcendentais, referentes às impressões experimentadas, no momento da entrada, no mundo espiritual, pelas personalidades dos mortos que se comunicam. Declaro desde logo que esse grupo de narrações, embora teoricamente interessante e significativo, não é o mais eficaz para a demonstração da tese que sustento.

Ele, com efeito, refere-se aos episódios iniciais da existência extraterrestre, sobre os quais se exercem plenamente as consequências da lei de afinidade, pela qual cada Espírito desencarnado é levado necessariamente a gravitar para o estado espiritual que corresponde ao grau de sua evolução psíquica, alcançado em consequência da passagem pela existência na carne, o que não pode deixar de determinar diferenças sensíveis nas descrições que nos chegam dos mortos, acerca da entrada deles no mundo espiritual. De qualquer maneira, ver-se-á que esses desacordos se dão unicamente nos detalhes secundários, quer sejam pessoais, quer dependam do meio, nunca no que concerne às condições correspondentes, de ordem geral.

Antes de entrar no assunto de que vou tratar, cumpre-me fazer uma declaração, destinada a prevenir uma pergunta que os meus leitores poderiam formular. Refere-se a esta circunstância: todos os factos, que citarei, de defuntos que narram a sua entrada no meio espiritual, são tirados de colecções de revelações transcendentais publicadas na Inglaterra e nos Estados Unidos. Porquê? — perguntar-me-ão os leitores — esse exclusivismo puramente anglo-saxónio?

Responderei que por uma só razão, absolutamente peremptória: não há na França, na Alemanha, na Itália, em Espanha, em Portugal, colecções de revelações transcendentais sob a forma de tratados, ou de narrativas continuadas, orgânicas, divididas em capítulos, ditadas por uma só personalidade mediúnica e confirmadas por provas excelentes de identidade dos defuntos que se comunicaram. Nas poucas colecções que hão aparecido nas nações acima citadas — colecções constituídas de curtas mensagens — obtidas pelo sistema dos interrogatórios dirigidos a uma multidão de Espíritos, não se encontram episódios concernentes à crise da morte, se exceptuarmos o conhecido livro de Allan Kardec: O Céu e o Inferno, em que no qual se podem ler três ou quatro episódios desta espécie. Mas, se bem se encontrem neles algumas concordâncias fundamentais com as narrações dos outros Espíritos que se comunicam, esses episódios são de natureza muito vaga e geral, para poderem ser tomados em consideração, numa obra de análise comparada.

Em tais condições, é claro que, se os povos anglo-saxónicos são os únicos que, até hoje, hão mostrado saber apreciar o grande valor teórico e prático das revelações transcendentais, como são os únicos que a isso se consagraram, empregando métodos racionais, não me restava outra coisa senão tomar o material necessário onde o encontrava. E tanto mais razão havia para assim proceder, propondo-me a escrever toda uma série de monografias relativamente às concordâncias e aos desacordos que os processos de análise comparada fazem ressaltar das colecções de revelações transcendentais, quanto é certo que não podia deixar de começar pelo princípio, isto é, pelo que os mortos têm a dizer acerca da crise da morte.

Passemos agora à exposição dos casos. Citarei, antes de tudo, alguns episódios extraídos de obras dos primeiros pesquisadores, a fim de fazer ressaltar que, desde o começo do movimento espírita, se obtiveram mensagens mediúnicas em que a existência e o meio espirituais são descritos em termos idênticos aos das que se obtêm presentemente, se bem que a mentalidade dos médiuns fosse então dominada pelas concepções tradicionais referentes ao paraíso e ao inferno e, por conseguinte, pouco preparada para receber mensagens de defuntos, afirmando que o meio espiritual é o meio terrestre espiritualizado.

Primeiro Caso

Extraio este facto de uma obra intitulada: Letters and Tracts on Spiritualism, obra que contém os artigos e as monografias publicadas pelo juiz Edmonds, de 1854 a 1874. Sabe-se que Edmonds era um notável médium psicógrafo, falante e vidente. Alguns meses depois da morte acidental do seu confrade, o juiz Peckam a quem ele muito estimava, deu-se o caso de Edmonds escrever uma longa mensagem, em que o seu amigo morto referia as circunstâncias de sua morte. As passagens seguintes são tiradas da mensagem em questão:

Se houvera podido escolher a maneira de desencarnar, certamente não teria preferido a que o destino me impôs. Todavia, presentemente não me queixo do que me aconteceu, dada a natureza maravilhosa da nova existência que se abriu subitamente diante de mim.

No momento da morte, revi, como em panorama, os acontecimentos de toda a minha existência. Todas as cenas, todas as acções que eu praticara passaram perante o meu olhar, como se se houvessem gravado na minha mentalidade, em fórmulas luminosas. Nem um só dos meus amigos, desde a minha infância até à morte, faltou à chamada. Na ocasião em que mergulhei no mar, tendo nos braços a minha mulher, me apareceram o meu pai e a minha mãe e foi esta quem me tirou da água, mostrando uma energia cuja natureza só agora compreendo. Não me lembro de ter sofrido. Quando imergi nas águas, não experimentei sensação alguma de medo, nem mesmo de frio, ou de asfixia. Não me recordo de ter ouvido o barulho das ondas a quebrarem-se sobre as nossas cabeças. Desprendi-me do corpo quase sem me aperceber disso e, abraçado sempre à minha mulher, segui a minha mãe, que viera para nos acolher e guiar.

O primeiro sentimento penoso só me assaltou quando dirigi o pensamento para o meu caro irmão; porém, a minha mãe, percebendo-me a inquietação, logo ponderou: O teu irmão também não tardará a estar connosco: A partir desse momento, todo o sentimento penoso desapareceu do meu espírito. Pensava na cena dramática que acabara de viver, unicamente com o fito de levar socorro aos meus companheiros de desgraça. Logo, entretanto, vi que estavam salvos das águas, do mesmo modo por que eu fora. Todos os objectos me pareciam tão reais à volta de mim que, se não fosse a presença de tantas pessoas que sabia mortas, teria corrido para junto dos náufragos.

Quis informar-te de tudo isso, a fim de que possas mandar uma palavra de consolação aos que imaginam que os que lhes são caros e que desapareceram comigo sofreram agonias terríveis, ao se verem presas da morte. Não há palavras que te possam descrever a felicidade que experimentei, quando vi que vinham ao meu encontro ora uma, ora outra das pessoas a quem mais amei na Terra e que todas acudiam a me dar as boas-vindas nas esferas dos imortais.

Não tendo estado doente e não tendo sofrido, fácil me foi adaptar-me imediatamente às novas condições de existência...

Com esta última observação, o Espírito alude a uma circunstância que concorda com as informações cumulativas, obtidas sobre o mesmo assunto, por grande número de outras personalidades mediúnicas, isto é, que só nos casos excepcionais de mortes imprevistas, sem sofrimentos e combinadas com estados serenos da alma, é possível ao Espírito atravessar a crise da desencarnação, sem haver necessidade de ficar submetido a um período mais ou menos longo de sono reparador. Ao contrário, nos casos de morte consecutiva a longa enfermidade, em idade avançada, ou com a inteligência absorvida por preocupações mundanas, ou oprimida pelo medo da morte, ou, ainda, apenas, mas firmemente, convencida da aniquilação final, os Espíritos estariam sujeitos a um período mais ou menos prolongado de inconsciência.

Ponderarei que estas observações já se referem a um desses detalhes secundários a que aludi no início e nos quais se notam desacordos aparentes, que, na realidade, se resumem em concordâncias reguladas por uma lei geral, que necessariamente se manifesta de maneiras muito diferentes, segundo a personalidade dos defuntos e as condições espirituais tão diversas em que se encontram no momento da desencarnação.

Cumpre-se atente, além disso, no detalhe interessante de dizer o morto ter tido, no momento da morte, a visão panorâmica de todos os acontecimentos de sua existência. Sabe-se que este fenómeno é familiar aos psicólogos; foi referido muitas vezes por pessoas salvas de naufrágios. (Publiquei a respeito uma longa monografia nesta mesma Revista, no decorrer dos anos de 1922-1923.) Ora, no caso relatado pelo juiz Edmonds, como em muitos outros casos do mesmo género, assistimos ao facto importante de um morto afirmar haver passado, a seu turno, pela experiência da visão panorâmica, de que falam os náufragos salvos da morte. Isto se torna teoricamente importante, desde que se tenha em mente que o juiz Edmonds não conhecia a existência dos fenómenos desta espécie, ignorados pelos psicólogos de sua época. Ele, pois, não podia auto-sugestionar-se nesse sentido, o que constitui boa prova a favor da origem, estranha ao médium, da mensagem de que se trata.

Notarei, finalmente, que neste episódio, ocorrido nos primeiros tempos das manifestações mediúnicas, já se observam muitos detalhes fundamentais, concernentes aos processos da desencarnação do Espírito, os quais serão depois constantemente confirmados, em todas as revelações do mesmo género. Assim, por exemplo, o detalhe de o Espírita não perceber, ou quase não perceber, que se separara do corpo e, ainda menos, que se encontra num meio espiritual. Também o outro detalhe de o Espírito se encontrar com uma forma humana e se ver cercado de um meio terrestre, ou quase terrestre, de pensar que se exprime de viva-voz como dantes e perceber, como antes, as palavras dos demais. Assinalemos ainda outro detalhe: o de encontrar o Espírito desencarnado, ao chegar ao limiar da nova existência, para o acolherem e guiarem, outros Espíritos de mortos, que são geralmente os seus parentes mais próximos, mas que também podem ser os seus mais caros amigos, ou os Espíritos-guias.

Detalhe fundamental também este que, com os outros, será confirmado por todas as revelações transcendentais sucessivas, até aos nossos dias, salvo sempre circunstâncias mais ou menos especiais de mortos moralmente inferiores e degradados, aos quais a inexorável lei de afinidade (lei físico-psíquica, irresistível no seu poder fatal de atracção dos semelhantes) prepararia condições de acolhimento espiritual muito diferentes das com que se depararam os Espíritos evolvidos.

/...


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Prólogo, Primeiro Caso. 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

literatura do além-túmulo ~


Prefácio ~
(por Deolindo Amorim)

  O título desta obra sugere, a princípio, que a mesma trata de trabalho, como tantos outros, recebido do além; entretanto o que se encontra em Literatura de Além-túmulo é um estudo, bem documentado, acerca da produção literária que, através de inúmeros médiuns, nos tem chegado do mundo espiritual.

  Formulado sob a autoridade de um nome mundial, Ernesto Bozzano, este livro não se destina exclusivamente aos espíritas, porque a forte e abundante argumentação, que nele se condensa, pode enfrentar objecções de qualquer natureza, pois é uma obra que não teme a dialéctica nem o sofisma académico.

  Sabe-se muito bem que, em matéria de comunicações do além, há muita coisa que deve ser rejeitada, mas também se sabe que na literatura mediúnica se registam factos suficientemente comprovados.

  Ernesto Bozzano, homem de ciência, pesquisador frio e severo, é o primeiro a reconhecer que muitos ditados psicográficos não suportam crítica, nem mesmo superficial. O acatado mestre europeu entra no assunto com espírito de análise. Faz confrontos, apresenta factos, tira conclusões seguras e, por fim, sustenta a tese espírita com absoluta convicção à luz de documentação convincente. Não é por uma comunicação duvidosa que se julga todo o volumoso património da literatura mediúnica. Bozzano demonstra, logo de início, que há comunicações que realmente não passam de elaboração onírico-subconsciente, com personalizações sonambúlicas, diz ele, evidentemente grosseiras, mas é preciso que se saiba distinguir tais comunicações das importantes mensagens ou páginas literárias em que o médium não tem a menor participação intelectual.

  Muitos adversários do Espiritismo, sempre que se fala em comunicações do “outro mundo”, apelam para a hipótese do subconsciente. Fizeram do subconsciente uma porta de saída para todas as situações. Ernesto Bozzano cita, no entanto, casos em que de maneira alguma se poderia invocar a possibilidade de haver um médium armazenado no subconsciente certos conhecimentos revelados inesperadamente.

  Entre vários exemplos, para provar que a literatura do além é verdadeira, autêntica, incontestável, o autor introduziu no livro um facto curiosíssimo: uma senhora, que era médium, recebeu, em transe mediúnico, uma obra intitulada Evangelho suplementar. Nesse Evangelho, ditado na presença de pessoas de responsabilidade, inclusive o rev. John Lamond, há conhecimentos de história religiosa, de línguas antigas, etc., e a médium não tinha cultura de tais assuntos, segundo apurou o próprio rev. Lamond.

  Outro facto de que se ocupa, munido de documentos, é o do célebre romance A Cabana do Pai Tomás. Muita gente sabe que esse romance, aliás de fundo social, chegou a ser filmado e esteve durante muito tempo em cartaz nos nossos cinemas. Admitiu-se, depois, a possibilidade de haver sido essa obra, de tão grande influência na vida norte-americana, transmitida mediunicamente à sra. Harriet Beecher-Stowe. Lê-se em Literatura de Além-túmulo o trecho em que a escritora Beecher-Stowe confessa francamente: “Não fui eu quem a escreveu”, isto é, A Cabana do Pai Tomás. E acrescenta: “Deus a escreveu. Foi ele quem ma ditou”. Diante dessa afirmativa, Ernesto Bozzano inclina-se para a hipótese mediúnica.

  É um livro, portanto, de observações, factos e crítica. Aqueles que tiverem ocasião de ler Literatura de Além-túmulo, ainda que não entendam de Espiritismo, ficarão seguramente orientados para entrar no campo da produção mediúnica.

  É, finalmente, um livro que deve figurar em toda estante de obras espíritas.

/...


Ernesto Bozzano, Literatura de Além-túmulo, Prefácio por Deolindo Amorim, 1º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Les Fleurs du Lac_1900, tempera no painel de Edgard Maxence)

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXVI 

~~ A Alma e os Mundos: A Vida Infinita 

 Leitores, no decorrer destas páginas, seguistes o curso do meu pensamento e nelas encontrastes, certamente, alguma coisa das vossas impressões e emoções, como que o reflexo da vossa própria imagem; isso fez com que criásseis interesse por elas. 

Antes de terminar este livro, eu vos convido a abandonar, por um momento, as nossas preocupações comuns, as tristes lembranças dos quatro anos trágicos que acabamos de passar, para que elevemos os nossos olhos para a natureza infinita que para mim sempre foi uma poderosa consolação. 

 Muitas vezes, por insónia ou na angústia, eu me levanto, no meio das noites claras, para contemplar o desfile majestoso dos astros, esses mundos luminosos que me falam a mais eloquente das linguagens; que me esclarecem da sabedoria e do poder do Criador. 

 A sua visão me consola [dos horrores da Terra, desta pobre Terra ensanguentada pela guerra,] coberta de ruínas e banhada por tantas lágrimas. 

 Das profundezas do espaço, aqueles mundos me atraem, me chamam, como que me fazendo sinais inteligíveis. 

 Se os meus olhos se apagarem, se a minha cegueira vier a ser completa, será para mim uma cruel privação já não poder contemplar esses maravilhosos diamantes celestes. 

 Neste momento [em que a Terra enlutada chora os seus filhos mortos,] parece que os céus estão em festa. Será para receber os que nos deixaram momentaneamente? 

 No zénite (i), brilha Júpiter em todo o seu esplendor, repleto do Sol. A majestosa Orion se inclina para ocidente. Reconhecemos Sirius pela sua luz branca e pura, mas aqui e além, por toda a parte resplandecem outros focos: Rigel, Prócion, Aldebaran, etc. 

 A seguir aparecerão; a rica constelação do Leão, Vega e a gigante Arcturo, semelhante a oito mil sóis como o que nos ilumina. 

 A Via Láctea desdobra sobre as nossas cabeças a sua imensa faixa polvilhada de sóis, que a distância mal deixa entrever. O cortejo dos astros continuará, sempre, sem fim... As irradiações e vibrações de todos esses mundos se cruzam na imensidão. 

 A alma sensível fica deslumbrada, sentindo os eflúvios de amor e as palpitações da vida universal. Tem a sensação do intercâmbio que se opera entre o Espaço e a Terra, quando os pensamentos e as preces sobem e as forças e as inspirações nos envolvem. 

 Quantas indagações esse espectáculo nos desperta na alma! 

 Para onde irão todos esses astros na sua rápida caminhada, por exemplo, a estrela número 1830 do catálogo de Groombridge que, proveniente de um sistema desconhecido, se desloca a 300 quilómetros por segundo, atravessando o nosso Universo qual um enorme bólide

 E esses cometas vagabundos, estranhos mensageiros que se movem errantes de sistema em sistema, qual terá sido a sua origem e qual será o seu papel no cosmos? Além disso, as incontáveis nebulosas, espalhadas no espaço como berços de futuros universos, origens de mundos ou formigueiros de sóis e, que encontramos profusamente semeados até nos espaços infinitos! 

 Tais abismos de mistério e silêncio, de sombra e de luz, por muito tempo foram objecto de espanto e terror para o homem e era com hesitação, quase que com medo, o seu pensamento que tentava sondar-lhes as profundezas. 

 Agora, graças à revelação dos espíritos, essa imensidade, muda e melancólica na aparência, se anima e vibra. Todos esses mundos e os espaços que os separam estão povoados por legiões de almas, humanas ou etéreas. Constituem as nossas futuras moradas, estações de nossa longa peregrinação, os degraus da escada de progresso que todos temos de subir através dos tempos. 

 O nosso atrasado planeta é uma mansão de dor e de lágrimas, uma rude escola onde os espíritos novos vão adquirir as virtudes heróicas, as qualidades fundamentais que lhes darão acesso às esferas venturosas. Porém, lá do Alto, existem sociedades mais adiantadas que se desenvolvem em paz, em alegria e em harmonia. 

 Assim, fora dos limites de nossas breves e penosas existências terrenas, abrem-se diante de nós imensas perspectivas, oferecendo-se ao nosso interesse e à nossa atenção múltiplos temas de estudo e exploração, variedades e contrastes inimagináveis. 

 Diante de tantas maravilhas que o futuro nos reserva, as presentes provações perdem a sua rudeza. Crescem; a nossa confiança, a nossa esperança e a nossa fé. 

 Incapazes de medir a extensão das riquezas espirituais das quais participaremos, juntamos as nossas vozes às vozes do Infinito, ao coro universal dos seres e dos mundos, para a comemoração da vida eterna e infinita! 

~~*~ 

 O nosso destino está escrito no Céu em caracteres de fogo. Desde a origem dos mundos, Deus (*) traçou sobre as nossas cabeças, em linhas luminosas, o poema da alma e do seu futuro. E todos aqueles que souberam decifrar essas letras maravilhosas conseguiram sabedoria e força moral nesse estudo. 

 Mesmo entre os espíritos da nossa esfera, há poucos que conseguiram visitar e descrever os esplendores celestes e, se alguns, num rápido voo, puderam explorar diversos sistemas e penetrar mais além dentro do infinito, logo, devem regressar aos meios correspondentes ao seu grau de adiantamento. 

 Essas longínquas explorações são permitidas ao espírito que delas se torne digno, para lhe mostrar o seu caminho de progresso. Elas estimulam a sua vontade de adquirir os merecimentos que lhe permitirão viver na sociedade das almas unidas pelo amor dentro da felicidade. 

 Tudo está graduado no nosso progresso. Para alguns espíritos muito jovens, insuficientemente preparados, o conhecimento de certas verdades colocaria em risco todo o seu equilíbrio mental. Somente aos grandes espíritos pertence o pleno conhecimento do Universo. Deles é que nos vem, principalmente (por intuição ou mediunicamente), a revelação das leis superiores. 

 Para que consigamos alcançá-la, é preciso prepararmos a nossa alma pela meditação, pelo recolhimento e pela prece. Assim se produz em nós uma espécie de ampliação do ser, uma expansão das faculdades, que torna possível penetrarem em nós as mais altas verdades. Por seu intermédio e pela sua acção, uma transformação se opera, paulatinamente; ao mesmo tempo em que se desdobram as páginas do livro exterior e, à medida que o horizonte se aclara, o ser interior se ilumina e os ecos de dentro atendem aos apelos de fora. 

 Debaixo de uma influência espiritual, as lembranças do passado, mergulhadas no mais profundo da nossa memória (i), ressurgem. A cadeia de nossas vidas anteriores se reconstitui e voltamos a tomar consciência da nossa verdadeira natureza e da nossa pátria de origem (**). Sentimos melhor a gravidade e a solenidade das coisas da vida. As provações e os males, os trabalhos e as dores são considerados como outros tantos meios de educação e de progresso. 

 Toda a nossa história, através dos séculos, está escrita dentro de nós. As nossas vidas passadas, monótonas ou trágicas, foram se vertendo, gota a gota, no fundo da nossa alma e, como uma água profunda, em cuja superfície nos inclinamos em certas horas, podemos então ver nela reflectida, como em um espelho, as imagens do passado. 

 Já ficou assinalado que, nos fenómenos de exteriorização e mediante a visão psíquica aumentada, a criatura revê o lugar onde as suas existências aconteceram; as margens da Ática, banhadas pelo Sol, onde o mar rebenta o seu rolo de espumas debaixo dos ramos dos mirtos e da verdura prateada das oliveiras; as imensas planícies da Assíria e do Egipto e os colossos de pedra que se erguem para o céu azul as suas formas geométricas ou os seus perfis de animais. A alma reconstitui as remotas civilizações e o papel, muitas vezes obscuro, mas às vezes brilhante, que nelas desempenhava. 

 Vislumbra as brancas cidades cujos nomes harmoniosos marcam como estações a caminhada intelectual da humanidade: Atenas, a jóia da Hélade, a cidade querida dos filósofos, dos oradores e dos escultores; Crotona, onde Pitágoras ensinava a sua doutrina a um grupo de iniciados; Alexandria, onde os esplendores do génio grego se misturaram, no crisol do pensamento, com a chama ardente do Cristianismo (i) nascente. 

 Os que viveram aqueles momentos deslumbrantes da história não podem evitar um sentimento de emoção, recordando a adolescência ingénua de sua alma, embalada pelos mitos e lendas pagãs, enamorada pelas ilusões da vida oriental. 

 Poderíamos ter uma ideia de tais impressões comparando-as com as que nos proporciona, no ocaso da vida, as lembranças de nossas ricas sensações da mocidade, quando para nós tudo era sedução e encanto. 

 Aí todas as cenas da natureza provocavam em nós verdadeira embriaguez, como, por exemplo, quando entramos numa floresta espessa pela primeira vez, ouvindo o murmúrio das fontes, dos regatos ou a canção dos ventos entre os ramos; ou quando, do alto das montanhas contemplamos a extensão dos vales e das planícies, vendo, ao longe, resplandecer o mar ou desdobrar-se o panorama de uma grande cidade! 

 Quanta riqueza oculta no íntimo obscuro da alma, tesouros de pensamentos e acções, de alegrias e tormentos, acumulados pelos séculos no íntimo da criatura e que a sugestão hipnótica faz reaparecer, quais essas plantas e flores que flutuam na superfície dos lagos, com as suas raízes mergulhadas nas sombrias profundidades das águas! 

 No meio de tais quadros e recordações que brotam das sombras do passado existem alguns que proporcionam calma e alívio, porém, em compensação, quantas cenas que melhor seria não as tivéssemos revivido! Elas emergem do silêncio e da noite adquirindo poderosa importância e às vezes, ao revê-las, uma angústia nos invade. 

 Os segredos guardados no fundo de nossa memória se levantam e nos acusam. Todo o nosso passado permanece indestrutível e indelével, não há poder capaz de destruí-lo, mas nos é permitido resgatá-lo no futuro, com obras de sacrifício e tarefas bem realizadas. 

 Entendemos porquê a sabedoria eterna conservou esquecidas essas remotas lembranças, por algum tempo: foi para nos dar mais completa liberdade de acção no curso desta vida. Sem tal precaução, os fantasmas de nossas vidas passadas apareceriam diante de nós sem cessar, perturbando a quietude e a serenidade do presente. O reconhecimento das responsabilidades adquiridas e de suas consequências paralisaria o nosso voo para o alto. 

~~*~ 

 Os mais profundos mistérios da alma e do Universo continuam sendo ocultos para nós, todavia podemos comprovar que se realiza, no domínio do conhecimento, um sensível progresso. O véu do destino se levanta e a grande lei da evolução se torna exacta e clara aos nossos olhos. 

 Assistimos a uma verdadeira transformação do pensamento, sob o ponto de vista filosófico. Ele  abandona cada vez mais as posições materialistas que ocupava há tanto tempo para se tornar, agora, espiritualista e idealista, pois já passaram de moda as teorias do átomo e da célula. Além da matéria, reconhece-se a existência de uma força criadora, de um dinamismo poderoso que a penetra e a dirige. Ainda mais acima domina a ideia. 

 A inteligência e a vontade governam o mundo dos seres e das coisas. Aparece a lei e por seu intermédio se afirma a ideia de Deus, que é o pensamento e a força eterna que movem o Universo. Ele é a conciliação de todos os problemas e o objectivo supremo de todas as evoluções. Emanam dele as mais altas aspirações do génio, as intuições do artista e do sábio. Todas as criações de uma arte sublime, os espectáculos grandiosos da natureza, as harmonias do Universo, a sinfonia que os mundos compõem entre si nas profundezas do espaço, tudo isso não é mais do que um reflexo, um pálido eco do poder criador. 

 Estudar Deus na sua obra, aí reside o segredo de toda a força, de toda a verdade, de toda a sabedoria e de todo o amor. Porque Deus irradia através de sua obra assim como o Sol filtra os seus raios por entre a leve neblina que flutua sobre as florestas e os vales. 

/… 
(*) Deus / Inteligência organizadora. Adenda desta publicação. 
(**) Somos Espíritos, a viver temporariamente em corpos face ao nosso atraso evolutivo. À semelhança do mergulhador que necessita do escafandro para explorar o fundo dos mares. Nota desta publicação. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXVI A Alma e os Mundos: A Vida Infinita, 42º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)  

domingo, 29 de maio de 2022

Diálogos de Kardec ~


§ A música celeste ~ 

Certo dia, numa reunião familiar, o chefe dessa família, lera uma passagem de O Livro dos Espíritos, concernente à música celeste. Uma de suas filhas, intérprete amadora de música, pôs-se a dizer para consigo mesma: Mas não há música no mundo invisível! Parecia-lhe isso impossível; entretanto, não partilhou o seu pensamento. Na noite do mesmo dia, escreveu ela, espontaneamente, a seguinte comunicação: 

“Esta manhã, minha filha, o teu pai te leu uma passagem de O Livro dos Espíritos. Tratava-se de música e tu aprendeste que a do céu é muito mais bela do que a da terra. Os Espíritos acham-na muito superior à vossa. Tudo isso é verdade; no entanto, dizias intimamente: Como poderia ter sido Bellini, a vir dar-me conselhos e ouvir a minha música? Foi provavelmente algum Espírito leviano e farsante. (Alusão aos conselhos que o Espírito Bellini, por vezes lhe dava sobre a música.) Enganas-te, minha filha. Quando os Espíritos tomam sob a sua protecção um encarnado, o objectivo que perseguem é fazê-lo adiantar-se. 

“Assim, Bellini já não acha bela a sua música, porque não a pode comparar à do Espaço; mas, vendo a tua aplicação e o teu amor a essa arte, se te dá conselhos, é por sincera satisfação. Ele deseja que o teu professor seja recompensado de todo o seu esforço. Achando as suas composições muito infantis, face às sublimes harmonias do mundo invisível, ele aprecia o teu talento, que se pode qualificar de grande, aí nesse mundo. Acredita, minha filha, os sons dos vossos instrumentos, as vossas mais belas vozes, não poderiam dar-vos a menor ideia da música celeste e da sua suave harmonia.” 

Passados alguns instantes, diria a jovem: “Papá, papá, vou adormecer, vou cair.” Logo se prostrou numa poltrona, ao mesmo tempo que exclamava: “Oh! papá, papá, que música deliciosa!... Desperta-me, senão eu me vou.” 

Não sabendo os assistentes, aterrorizados, como fazer para a despertar, disse ela: “Água, água.” 

Com efeito, algumas gotas de água que lhe salpicaram no rosto, deram pronto resultado. Atordoada a princípio, voltou lentamente a si, sem a mínima consciência do que acontecera. 

Ainda na mesma noite, encontrando-se a sós, o pai da moça, recebeu do Espírito S. Luís (i) a seguinte explicação: 

“Quando lias à tua filha a passagem de O Livro dos Espíritos referente à música celeste, ela se mantinha na dúvida; não compreendia que no mundo espiritual pudesse haver música. Eis por que, depois, eu lhe disse que era verdade. Não tendo conseguido persuadi-la com a minha afirmativa, Deus permitiu que, para convencer-se, ela caísse em sono sonambúlico. Então, desprendendo-se do corpo adormecido, o seu Espírito, se lançou pelo Espaço e foi admitido nas regiões etéreas, onde ficou em êxtase produzido pela impressão da harmonia celeste. Foi por isso que exclamou: 

“Que música! que música!” Sentindo-se, porém, transportada a regiões cada vez mais elevadas do mundo espiritual, pediu que a despertassem, indicando-lhes o meio de o conseguirem: com a água. 

“Tudo se faz pela vontade de Deus. O Espírito de tua filha não voltará mais a duvidar. Embora, despertado, não guarde a lembrança nítida do que se passou, o seu Espírito, sabe agora, onde está a verdade. 

“Agradecei a Deus os favores de que beneficia esta moça. Agradecei-lhe dignar-se fazer-vos conhecer cada vez mais a sua omnipotência e a sua bondade. Que as suas bênçãos se derramem sobre vós e sobre esta médiumditosa entre mil!” 

NOTA — Perguntar-se-á, talvez, que convicção pode ter resultado para aquela moça do que lhe foi dado ouvir, uma vez que de nada agora se lembra. Se, no estado de vigília, estes pormenores se lhe apagaram da memória, então, o seu Espírito, esse se recorda. Ficou-lhe uma intuição, suficiente para modificar-lhe as ideias. Ao contrário de criar-lhes oposição, ela aceitará, sem dificuldade, as explicações que lhe foram dadas, porque as compreenderá e, intuitivamente, as reconhecerá de acordo com o seu sentimento íntimo. 

O que se passou com este facto, isolado, pelo espaço durante alguns minutos, durante a breve excursão que o Espírito da moça realizou pelo mundo espiritual, é análogo ao que se dá no intervalo de uma existência à outra, quando o Espírito que encarna possui luzes sobre um assunto qualquer. Ele se apropria, sem dificuldade, de todas as ideias referentes a esse assunto, se bem que, como homem, não se recorde da maneira como as adquiriu. Ao contrário, as ideias, para cuja assimilação ainda não se encontra maduro, dificilmente lhe entram no cérebro. 

Assim se explica a facilidade com que certas pessoas assimilam as ideias espíritas. Em tais pessoas, essas ideias, nada mais fazem do que despertar as que elas já possuíam. As criaturas a que nos referimos são espíritas de nascença, como outros são poetas, músicos ou matemáticos. Logo às primeiras palavras, compreendem e não necessitam de factos materiais para se convencerem. É, não há que duvidar, um sinal de adiantamento moral e de desenvolvimento espiritual. 

Na comunicação acima se lê: “Agradecei a Deus os favores de que beneficia esta moça; que as suas bênçãos desçam sobre esta médium, ditosa entre mil!” Poder-se-ia supor que estas palavras indicam a concessão de um favor, uma preferência, um privilégio, quando o Espiritismo ensina que, sendo Deus soberanamente justo, nenhuma de suas criaturas é privilegiada e que ele não facilita o caminho mais a uns do que a outros. Sem nenhuma dúvida, a mesma senda está aberta a todos, mas nem todos a percorrem com a mesma celeridade e com os mesmos resultados; nem todos aproveitam igualmente das instruções que recebem. O Espírito da moça em questão, embora jovem como encarnado, já com certeza muito vivera e aí progredira. 

Os bons Espíritos, achando a moça dócil aos seus ensinamentos, se comprazem em instruí-la, como faz o professor ao aluno em quem descobre as boas predisposições. É nesse sentido que o médium é ditoso entre muitos outros que, para o seu adiantamento moral, nenhum fruto colhem da mediunidade de que são dotados. Não há, pois, neste caso, nem favor, nem privilégio; unicamente uma recompensa. Se o seu Espírito deixasse de ser digno dela, dentro em pouco, teria afastados de si, os seus bons Guias e se veria cercado de uma multidão de Espíritos maus. 

/... 


ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte – Sobre as artes em geral; a sua regeneração por meio do Espiritismo – A música celeste, 20º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

domingo, 15 de maio de 2022

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXIV 

~~ A Experimentação Espírita: Tiptologia 

  Quando tudo está em repouso e nas moradas dos homens reina o silêncio, um mundo de mistérios se agita à volta de nós. Ouvem-se suaves ruídos, como coisas que se tocam levemente; passos furtivos parecem deslizar no soalho; nas paredes e nos móveis soam pancadas; as cadeiras estalam como ao peso de um corpo invisível. Durante o dia é a vida dos homens que se desenvolve; à noite, de preferência, é a dos espíritos, porque as radiações da luz solar não lhes atrapalhará as manifestações. 

  Tais impressões e percepções renovam-se para mim a cada anoitecer, no momento em que a tranquilidade e a escuridão se sucedem aos rumores e à luz do dia. 

  Aí, as almas queridas, às quais as nossas preocupações mantinham afastadas, se aproximam de nós e marcam a sua presença, cada uma a seu modo. Reconheço-as e as distingo facilmente. Ora é um espírito de carácter enérgico, que produz fortes pancadas na janela, ora outro faz ouvir, sempre no mesmo lugar, pancadas bem mais fracas, revelando a sua natureza tímida e feminina. 

  Durante muito tempo, depois da morte de meu pai, percebi, na sala onde me encontrava, ruídos de passos iguais aos de um homem. Outro espírito se esforça em me fazer ver luzes, às vezes bem vivas e intensas e, até uma forma confusa, fracamente esboçada; luzes e forma que não posso atribuir a alucinações visuais, porque também se reflectem no espelho. 

  O hábito que adquiri de ler com os dedos, no escuro, pelo método Braille, facilita a produção de tais fenómenos. 

  Semelhantes factos não são raros e acontecem em todas as casas onde haja condições psíquicas favoráveis, porém a maioria dos homens não lhes dá nenhuma atenção, sendo quase sempre perdidos os esforços dos espíritos nesse sentido. 

  Entretanto, de tempos a tempos, aparecem retumbantes afirmações a esse respeito que sacodem a indiferença geral. O senhor Louis Barthau, da Academia Francesa, após consultar os cadernos inéditos de Victor Hugo, escreve na Revue des Deux Mondes(*) 

  Tendo vindo passar dez dias em Jersey, a senhora Girardin adoptou o uso das mesas girantes e falantes. Victor Hugo foi o último a aceitá-los, porém, desde que aderiu, os espíritos já não o largaram, exercendo sobre ele uma influência cujos vestígios se mostram em vários fragmentos das Contemplações

Est-ce toi que chez moi minuit parfois apporte? 
Est-ce toi qui heurtais l’autre muit à ma porte?
Pendant que je ne dormais pas? 

C’est done vers moi que vient lentement ta lumière? 
La pierre de mon seuil peut-être est la première 
Des sombres marches tu trépas. 

  Escrita para Marine Terrace, na noite de 30 de março de 1854, essa poesia mística prolongava o seu eco na nota que Victor Hugo lançava no seu caderno, em 24 de outubro de 1873: 

  “Nessa noite eu não dormia. Eram quase três horas da madrugada. Um golpe seco e fortíssimo soou ao pé de minha cama, perto da porta do meu quarto e, pensei na minha filha morta e, disse para comigo: “És tu?” Depois, pensei na conspiração bonapartista que se comenta, num novo dois de dezembro possível e me perguntei: “Será um aviso?” Acrescentei mentalmente: “Se és tu, que estás aí e vens avisar-me por causa dessa conspiração, dá duas pancadas.” Esperei mais ou menos meia hora, a noite era profunda, reinando completo silêncio na casa e, de repente, dois golpes foram ouvidos junto à porta: eram, desta vez, surdos, porém distintos e bem claros.” 

  Louis Barthau continua o seu relato dizendo que, em 21 de novembro de 1871, Victor Hugo escrevia: 

  “Nessa noite acordei ouvindo bem perto de mim pancadas na minha mesa de cabeceira. Eram pancadas lentas e regulares, duraram um quarto de hora. Eu escutava e a coisa não parava. Orei e as pancadas pararam. Então eu disse: “Se és tu, minha filha, ou tu, meu filho, dá duas pancadas.” Dez minutos depois, aproximadamente, duas pancadas se ouviram, junto à parede, num pé da cama e, eu falei, sempre mentalmente: “É um conselho que me vens trazer? Devo sair de Paris? Devo ficar? Se devo ficar, dá uma pancada e se devo partir, três pancadas.” 

  Escutei. Silêncio. Nenhuma resposta. Então tornei a dormir. O fenómeno durara cerca de uma hora. 

  Dia 22 de novembro – Nessa noite, ouvi três pancadas, seriam a resposta da pergunta de ontem? Sendo tão tardia, pareceu-me pouco clara.” 

  Por diversas vezes o caderno menciona os mesmos golpes nocturnos, ora obstinados, surdos e até mesmo metálicos; ora leves, comovendo o poeta, que continuava a acreditar na possibilidade de um pronunciamento bonapartista e os seus amigos lhe afirmam que ele seria a sua primeira vítima. 

  Ainda se lê, na página 757: 

  “Nessa noite, por volta das duas horas, ouvi uma pancada na minha porta, fortíssima e de tal forma prolongada que a abri; não havia ninguém, mas, evidentemente, havia alguém. Credo in deum aeternum et in animam immortalem.” 

  Victor Hugo (i) se admirava da lentidão usada pelos moradores do Além para responder às suas perguntas. Ele ignorava, certamente, que nem todos os espíritos possuem igualmente a habilidade e os necessários recursos para produzir ruídos, pancadas, levantar mesas e produzir fenómenos. 

  A natureza psíquica dos participantes, a sua riqueza ou pobreza fluídica concorrem muito para a variedade dos resultados, porque é neles que os espíritos haurem, quase sempre, os elementos para as suas manifestações. 

  Enquanto o ambulante de Hydesville – e isso serviu de ponto de partida para o espiritualismo moderno – falava com as senhoritas Fox por meio de raps (**) de uma forma rápida e constante, a maioria dos espíritos se vê na necessidade de condensar fluidos, pelo pensamento e pela vontade, para projectá-los contra as paredes, móveis, portas, obtendo assim ressonâncias e vibrações. Esse trabalho exige, às vezes, horas e até dias inteiros e, provavelmente, foi este o caso dos visitantes da casa do grande poeta. 

  O conjunto dos fenómenos psíquicos é comprovado por testemunhos incontestáveis: o professor Flournoy, da Universidade de Genebra, escreveu sobre o relatório do Instituto Geral Psicológico, assinado por nomes ilustres como Curie, Bergson, d'Arsonval, BranlyEd. Perrier, Boutroux, etc., o seguinte: 

  “O relatório do Instituto Geral Psicológico é esmagador e sou do parecer que representa um testemunho brilhante e decisivo, tanto quanto pode haver alguma coisa decisiva na Ciência.” 

  Entre os fenómenos se deve colocar em primeiro lugar o das mesas e o eminente astrónomo Camille Flammarion declarou: 

  “A levitação da mesa, a sua suspensão completa do chão, sob a acção de uma força desconhecida, contrária à gravidade, é um facto que já não se pode contestar com razão.” 

  Essa “força desconhecida” – diremos nós – é posta em acção pelos espíritos e a prova disso tem sido obtida tantas vezes que poderíamos vacilar na escolha diante dos numerosos casos existentes. Aqui está um que parece responder às exigências da crítica mais rigorosa, não podendo explicar-se pela sugestão, transmissão do pensamento, nem pelo automatismo inconsciente ou subliminal, porque nenhuma das pessoas presentes acreditava na morte do manifestante. 

  A narrativa vem do senhor A. Rossignon, então secretário da Inspecção Académica de Rouen, facto que ele publicou no Farol de Normandia, do mês de maio de 1898. Actualmente Rossignon mora em Tours e a ele devemos a seguinte narrativa: 

  “A sessão se realizava à noite, em Rouen, na casa de um membro do grupo Vauvenargues, o Sr. Justobre, inspector dos impostos. 

  Faziam parte da reunião os Srs. Pelvé, tesoureiro, Ernest Rossignon, secretário do Liceu Corneille, Albert de Baucie, estudante de farmácia; a senhora Bernard, médium principal; as senhoras Justobre, Pelvé, Rossignon, etc., ao todo dez pessoas de inteira respeitabilidade, reunidas em volta de uma pesada mesa redonda. 

  Após a evocação, um espírito manifesta a sua presença com violentos movimentos na mesa que se dirige para o senhor A. Rossignon, levanta-se diante dele e depois retorna à sua posição normal. 

  Depois interrogam o visitante invisível, perguntando se há laços de parentesco ou de amizade com algum dos assistentes. A mesa responde afirmativamente e dita, pelo processo alfabético, ser o pai do Sr. A. Rossignon e ter morrido na véspera, quarta-feira, 20 de abril, indicando até a hora: o meio-dia.” 

  O Sr. Rossignon explica que o seu pai é muito idoso e que uma distância de mais de 300 quilómetros os separa. Sabia que estava doente, mas não em perigo de vida. “Além disso – acrescenta –, se fosse verdade que o meu pai houvesse morrido, a família me informaria e eu não recebi nenhuma notícia.” Assim, todos opinaram dizendo que se tratava de um embuste. 

  Não foi demorada a espera: no dia seguinte, pelo correio do meio-dia, o Sr. Rossignon recebia de sua família uma carta que o informava da morte de seu pai, ocorrida no dia e hora indicados por este. 

  Por não haver uma agência dos correios na localidade, houve um atraso no envio da carta e disso puderam certificar-se os nossos amigos do grupo pelo exame dos carimbos de expedição e de chegada. Atestaram então a verdade do facto ocorrido e a carta ficou anexa à acta que se lavrou. 

  Todavia contestarão, como é que um espírito, liberto do corpo carnal havia tão pouco tempo, já podia comunicar-se e dar tamanha precisão às suas respostas? 

  Interrogado sobre esse assunto, numa outra sessão, disse-nos o guia do grupo: 

  “Eu próprio havia trazido para os senhores o novo desencarnado e eu era o seu intermediário na manifestação entre os senhores e ele.” 

  Tudo se explicava, pela facilidade com que, em certos idosos, o espírito pode desprender-se dos seus laços, em decorrência de longa decrepitude, cujo resultado é favorecer, aos poucos, o desprendimento do perispírito

  A comunicação por pancadas, dadas pelos pés de uma mesa, indicando as letras do alfabeto, é considerada, em geral, como um recurso muito lento, monótono, rudimentar, empregado principalmente por espíritos de ordem inferior. 

  É verdade que, para conversar com os espíritos, se dispusermos de um bom médium escrevente mecânico ou, ainda melhor, de um médium de incorporação, como eu tive um durante mais de 20 anos, acharemos o uso das mesas incomodo e cansativo, porém, na falta de outros recursos, as entidades de alto valor não vacilam em recorrer a tal processo. 

  Foi assim que o meu venerável guia, Jerónimo de Praga, se me revelou pela primeira vez, no decurso da minha vida, no meio de um grupo de operários, nos arrabaldes de Mans, a 2 de novembro de 1882, dia de Finados. 

  Por certo, nenhum dos outros assistentes conhecia a história do apóstolo tcheco, mas eu bem sabia que o discípulo de Jahn Huss fora queimado vivo, como também o seu mestre, no século XV, por ordem do Concílio de Constança, porém não pensava nisso naquele momento. 

  Ainda torno a ver, pelo pensamento, a humilde estância onde realizávamos a sessão; éramos uns dez, ao redor de uma mesa de quatro pés, sem que nela se tocasse e, somente dois operários, médiuns mecânicos e, uma mulher apoiavam nela as suas mãos rudes e escuras. 

  Eis o que foi ditado pelo móvel, por movimentos solenes e ritmados: 

  “Deus é bom! A sua bênção se espalhe sobre vós como o orvalho benéfico, porque as consolações celestes só são distribuídas aos que procuraram a justiça. 

  Lutei na arena terrestre, mas a luta era desigual e sucumbi, porém das minhas cinzas surgiram corajosos defensores que marcharam pela mesma estrada que eu. Todos eles são meus filhos bem-amados.” 
                                                                                                      Jerónimo de Praga 

  O uso da prancheta americana deve ser considerado como um aperfeiçoamento do sistema de comunicação pela mesa. Ela consiste numa placa de madeira triangular, colocada sobre três bolas envolvidas com feltro e que deslizam em silêncio sobre um quadrante onde estão traçadas as letras do alfabeto em um semicírculo. Exige apenas uma quantidade mínima de força fluídica, fornecida por dois médiuns, que apoiam as pontas dos dedos nesse pequeno veículo que adquire, em alguns casos, muita velocidade. Tal sistema é cada vez mais usado nos grupos e nas famílias que se ocupam com o psiquismo experimental. 

  A senhora Ella Whesley Wilcox, autora de renome nos Estados Unidos pelas suas obras poéticas e literárias, tradutora do meu livro O Problema do Ser e do Destino, obtém, pela prancheta, frequentes mensagens do seu defunto marido Roberto Wilcox, que se constituiu o seu guia, protegendo-a e aconselhando-a na viagem de conferências que ela realizou à Europa, em benefício dos soldados americanos. 

  A senhora Wilcox me escreveu de Londres, a 7 de novembro de 1918, para mostrar-me uma prova de identificação que me julgo no dever de guardar e publicar: 

  “Ontem, dia do meu aniversário natalício, recebia por intermédio da Oui-jà (nome dado à prancheta), a primeira mensagem do meu marido, em Londres. A sessão começara pela escrita automática e vários espíritos se haviam comunicado. A senhorita Monteith, médium escrevente e audiente, estava perto de mim e de outra senhora ocupada no Oui-jà

  Subitamente ela ouviu a palavra “aurora” e começou a desenhar o despontar do Sol no mar e, sem ser artista, fez um quadro muito bonito, coisa de que pediu explicação. Respondeu-me: 

  – Em nossa casa, à beira-mar, o meu marido e eu sempre nos levantávamos bem cedo para ver a aurora despontar sobre o oceano. Para nós era uma hora sagrada e muitas vezes o meu marido dizia: “Creio que a minha alma, se eu morrer primeiro, voltará do céu a ti, ao alvorecer”. 

  Esse facto foi-me muito agradável e eu tinha a certeza da presença do meu marido. 

  Em setembro passado, encontrando-me em Tours, muitas vezes ele me predisse, pela prancheta, que aqui em Londres eu encontraria Sir Oliver Lodge e outros psicólogos eminentes e que eu seria convidada a falar sobre factos espíritas. 

  Faz um mês que estou em Londres, falei duas vezes nos salões públicos e três vezes nos salões da alta sociedade. Deverei encontrar Sir Oliver Lodge a 18 de novembro e, também Lady Barret e a senhora Leonard, a médium pela qual Sir Oliver Lodge tornou a encontrar o seu filho Raymond, morto pelo inimigo.” 

  Poderíamos multiplicar as citações deste género, porém nos limitaremos a dizer que a impressão produzida no leitor pelas secas e frias narrativas não se compara com a impressão que as pessoas sentem quando assistem às reuniões. 

  A rapidez dos ditados, a inconsciência completa dos médiuns, a interferência clara de outras inteligências, que não são as dos experimentadores, enfim, mil pormenores psicológicos que são outros tantos elementos de convicção, enquanto que a simples leitura desses mesmos factos os faz perder, forçosamente, o seu valor para todos aqueles que desconhecem o ambiente das reuniões. 

/… 
(*) Número de 15 de dezembro de 1918, pp. 747, 751 e 757. 
(**) Raps – golpes, pancadas. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIV A Experimentação Espírita: Tiptologia; a experimentação de Victor Hugo, Sir Oliver Lodge e outros (uma mensagem de 2 de novembro de 1882, dia de Finados, do Espírito Jerónimo de Praga), 40º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)