Quando tudo está em repouso e nas moradas dos homens reina o
silêncio, um mundo de mistérios se agita à volta de nós. Ouvem-se suaves
ruídos, como coisas que se tocam levemente; passos furtivos parecem deslizar no
soalho; nas paredes e nos móveis soam pancadas; as cadeiras estalam como ao
peso de um corpo invisível. Durante o dia é a vida dos homens que se
desenvolve; à noite, de preferência, é a dos espíritos, porque as
radiações da luz solar não lhes atrapalhará as manifestações.
Tais impressões e percepções renovam-se para mim a cada
anoitecer, no momento em que a tranquilidade e a escuridão se sucedem aos
rumores e à luz do dia.
Aí, as almas queridas, às quais as nossas preocupações
mantinham afastadas, se aproximam de nós e marcam a sua presença, cada uma a
seu modo. Reconheço-as e as distingo facilmente. Ora é um espírito de carácter
enérgico, que produz fortes pancadas na janela, ora outro faz ouvir, sempre no
mesmo lugar, pancadas bem mais fracas, revelando a sua natureza tímida e
feminina.
Durante muito tempo, depois da morte de meu pai, percebi, na
sala onde me encontrava, ruídos de passos iguais aos de um homem. Outro
espírito se esforça em me fazer ver luzes, às vezes bem vivas e intensas e, até
uma forma confusa, fracamente esboçada; luzes e forma que não posso atribuir a
alucinações visuais, porque também se reflectem no espelho.
O hábito que adquiri de ler com os dedos, no escuro, pelo
método Braille,
facilita a produção de tais fenómenos.
Semelhantes factos não são raros e acontecem em todas as
casas onde haja condições psíquicas favoráveis, porém a maioria dos homens não
lhes dá nenhuma atenção, sendo quase sempre perdidos os esforços dos
espíritos nesse sentido.
Entretanto, de tempos a tempos, aparecem retumbantes
afirmações a esse respeito que sacodem a indiferença geral. O senhor Louis
Barthau, da Academia Francesa, após consultar os cadernos inéditos de Victor Hugo, escreve na Revue des Deux Mondes. (*)
Tendo vindo passar dez dias em Jersey, a senhora Girardin adoptou
o uso das mesas girantes e falantes. Victor Hugo foi o último a aceitá-los,
porém, desde que aderiu, os espíritos já não o largaram, exercendo sobre ele
uma influência cujos vestígios se mostram em vários fragmentos das Contemplações:
Est-ce toi que chez moi minuit parfois apporte?
Est-ce toi qui heurtais l’autre muit à ma porte?
Pendant que je ne dormais pas?
C’est done vers moi que vient lentement ta lumière?
La pierre de mon seuil peut-être est la première
Des sombres marches tu trépas.
Escrita para Marine Terrace, na noite de 30 de março de
1854, essa poesia mística prolongava o seu eco na nota que Victor Hugo lançava
no seu caderno, em 24 de outubro de 1873:
“Nessa noite eu não dormia. Eram quase três horas da
madrugada. Um golpe seco e fortíssimo soou ao pé de minha cama, perto da porta
do meu quarto e, pensei na minha filha morta e, disse para comigo: “És tu?”
Depois, pensei na conspiração bonapartista que se comenta, num novo dois de
dezembro possível e me perguntei: “Será um aviso?” Acrescentei mentalmente: “Se
és tu, que estás aí e vens avisar-me por causa dessa conspiração, dá duas
pancadas.” Esperei mais ou menos meia hora, a noite era profunda, reinando
completo silêncio na casa e, de repente, dois golpes foram ouvidos junto à
porta: eram, desta vez, surdos, porém distintos e bem claros.”
Louis Barthau continua o seu relato dizendo que, em 21 de
novembro de 1871, Victor Hugo escrevia:
“Nessa noite acordei ouvindo bem perto de mim pancadas na
minha mesa de cabeceira. Eram pancadas lentas e regulares, duraram um quarto de
hora. Eu escutava e a coisa não parava. Orei e as pancadas pararam. Então eu
disse: “Se és tu, minha filha, ou tu, meu filho, dá duas pancadas.” Dez minutos
depois, aproximadamente, duas pancadas se ouviram, junto à parede, num pé da
cama e, eu falei, sempre mentalmente: “É um conselho que me vens trazer? Devo
sair de Paris? Devo ficar? Se devo ficar, dá uma pancada e se devo partir, três
pancadas.”
Escutei. Silêncio. Nenhuma resposta. Então tornei a dormir.
O fenómeno durara cerca de uma hora.
Dia 22 de novembro – Nessa noite, ouvi três pancadas, seriam
a resposta da pergunta de ontem? Sendo tão tardia, pareceu-me pouco
clara.”
Por diversas vezes o caderno menciona os mesmos golpes
nocturnos, ora obstinados, surdos e até mesmo metálicos; ora leves, comovendo
o poeta, que continuava a acreditar na possibilidade de um pronunciamento
bonapartista e os seus amigos lhe afirmam que ele seria a sua primeira vítima.
Ainda se lê, na página 757:
“Nessa noite, por volta das duas horas, ouvi uma pancada na
minha porta, fortíssima e de tal forma prolongada que a abri; não havia
ninguém, mas, evidentemente, havia alguém. Credo in deum aeternum et in
animam immortalem.”
Victor Hugo (i) se
admirava da lentidão usada pelos moradores do Além para responder às suas
perguntas. Ele ignorava, certamente, que nem todos os espíritos possuem
igualmente a habilidade e os necessários recursos para produzir ruídos, pancadas,
levantar mesas e produzir fenómenos.
A natureza psíquica dos participantes, a sua riqueza ou
pobreza fluídica concorrem muito para a variedade dos resultados, porque é
neles que os espíritos haurem, quase sempre, os elementos para as suas manifestações.
Enquanto o ambulante de Hydesville – e isso serviu de ponto
de partida para o espiritualismo moderno – falava com as senhoritas Fox por meio de raps (**) de uma forma
rápida e constante, a maioria dos espíritos se vê na necessidade de
condensar fluidos, pelo pensamento e pela vontade, para projectá-los contra as
paredes, móveis, portas, obtendo assim ressonâncias e vibrações. Esse
trabalho exige, às vezes, horas e até dias inteiros e, provavelmente, foi este
o caso dos visitantes da casa do grande poeta.
O conjunto dos fenómenos psíquicos é comprovado por
testemunhos incontestáveis: o professor Flournoy, da Universidade de Genebra, escreveu sobre o relatório do
Instituto Geral Psicológico, assinado por nomes ilustres como Curie, Bergson, d'Arsonval, Branly, Ed. Perrier, Boutroux, etc., o seguinte:
“O relatório do Instituto Geral Psicológico é esmagador e
sou do parecer que representa um testemunho brilhante e decisivo, tanto quanto
pode haver alguma coisa decisiva na Ciência.”
Entre os fenómenos se deve colocar em primeiro lugar o das
mesas e o eminente astrónomo Camille Flammarion declarou:
“A levitação da mesa, a sua suspensão completa do chão, sob
a acção de uma força desconhecida, contrária à gravidade, é um facto que já não
se pode contestar com razão.”
Essa “força desconhecida” – diremos nós – é posta em acção
pelos espíritos e a prova disso tem sido obtida tantas vezes que poderíamos
vacilar na escolha diante dos numerosos casos existentes. Aqui está um que
parece responder às exigências da crítica mais rigorosa, não podendo
explicar-se pela sugestão, transmissão do pensamento, nem pelo automatismo
inconsciente ou subliminal, porque nenhuma das pessoas presentes acreditava na
morte do manifestante.
A narrativa vem do senhor A. Rossignon, então secretário da
Inspecção Académica de Rouen, facto que ele publicou no Farol de
Normandia, do mês de maio de 1898. Actualmente Rossignon mora em Tours e a
ele devemos a seguinte narrativa:
“A sessão se realizava à noite, em Rouen, na casa de um
membro do grupo Vauvenargues, o Sr. Justobre, inspector dos impostos.
Faziam parte da reunião os Srs. Pelvé, tesoureiro, Ernest
Rossignon, secretário do Liceu Corneille, Albert de Baucie, estudante de
farmácia; a senhora Bernard, médium principal; as senhoras Justobre, Pelvé,
Rossignon, etc., ao todo dez pessoas de inteira respeitabilidade, reunidas em
volta de uma pesada mesa redonda.
Após a evocação, um espírito manifesta a sua presença com
violentos movimentos na mesa que se dirige para o senhor A. Rossignon,
levanta-se diante dele e depois retorna à sua posição normal.
Depois interrogam o visitante invisível, perguntando se há
laços de parentesco ou de amizade com algum dos assistentes. A mesa responde
afirmativamente e dita, pelo processo alfabético, ser o pai do Sr. A. Rossignon
e ter morrido na véspera, quarta-feira, 20 de abril, indicando até a hora: o
meio-dia.”
O Sr. Rossignon explica que o seu pai é muito idoso e que
uma distância de mais de 300 quilómetros os separa. Sabia que estava
doente, mas não em perigo de vida. “Além disso – acrescenta –, se fosse verdade
que o meu pai houvesse morrido, a família me informaria e eu não recebi nenhuma
notícia.” Assim, todos opinaram dizendo que se tratava de um embuste.
Não foi demorada a espera: no dia seguinte, pelo correio do
meio-dia, o Sr. Rossignon recebia de sua família uma carta que o informava da
morte de seu pai, ocorrida no dia e hora indicados por este.
Por não haver uma agência dos correios na localidade, houve
um atraso no envio da carta e disso puderam certificar-se os nossos amigos do
grupo pelo exame dos carimbos de expedição e de chegada. Atestaram então a
verdade do facto ocorrido e a carta ficou anexa à acta que se lavrou.
Todavia contestarão, como é que um espírito, liberto do
corpo carnal havia tão pouco tempo, já podia comunicar-se e dar tamanha
precisão às suas respostas?
Interrogado sobre esse assunto, numa outra sessão, disse-nos
o guia do grupo:
“Eu próprio havia trazido para os senhores o novo
desencarnado e eu era o seu intermediário na manifestação entre os senhores e
ele.”
Tudo se explicava, pela facilidade com que, em certos
idosos, o espírito pode desprender-se dos seus laços, em decorrência de longa
decrepitude, cujo resultado é favorecer, aos poucos, o desprendimento do perispírito.
A comunicação por pancadas, dadas pelos pés de uma mesa,
indicando as letras do alfabeto, é considerada, em geral, como um recurso muito
lento, monótono, rudimentar, empregado principalmente por espíritos de ordem
inferior.
É verdade que, para conversar com os espíritos, se
dispusermos de um bom médium escrevente
mecânico ou, ainda melhor, de um médium de incorporação, como eu tive um
durante mais de 20 anos, acharemos o uso das mesas incomodo e
cansativo, porém, na falta de outros recursos, as entidades de alto valor não
vacilam em recorrer a tal processo.
Foi assim que o meu venerável guia, Jerónimo de Praga, se me revelou pela primeira vez, no decurso da minha vida, no
meio de um grupo de operários, nos arrabaldes de Mans, a 2 de novembro de 1882,
dia de Finados.
Por certo, nenhum dos outros assistentes conhecia a história
do apóstolo tcheco, mas eu bem sabia que o discípulo de Jahn Huss fora queimado vivo, como também o seu mestre, no século XV, por
ordem do Concílio de Constança, porém não pensava nisso naquele momento.
Ainda torno a ver, pelo pensamento, a humilde estância onde
realizávamos a sessão; éramos uns dez, ao redor de uma mesa de quatro pés, sem
que nela se tocasse e, somente dois operários, médiuns mecânicos e, uma mulher
apoiavam nela as suas mãos rudes e escuras.
Eis o que foi ditado pelo móvel, por movimentos solenes e
ritmados:
“Deus é bom! A sua bênção se espalhe sobre vós como o
orvalho benéfico, porque as consolações celestes só são distribuídas aos que
procuraram a justiça.
Lutei na arena terrestre, mas a luta era desigual e sucumbi,
porém das minhas cinzas surgiram corajosos defensores que marcharam pela mesma
estrada que eu. Todos eles são meus filhos bem-amados.”
Jerónimo de Praga
O uso da prancheta americana deve ser considerado como um
aperfeiçoamento do sistema de comunicação pela mesa. Ela consiste numa
placa de madeira triangular, colocada sobre três bolas envolvidas com feltro e
que deslizam em silêncio sobre um quadrante onde estão traçadas as letras do
alfabeto em um semicírculo. Exige apenas uma quantidade mínima de força
fluídica, fornecida por dois médiuns, que apoiam as pontas dos dedos nesse
pequeno veículo que adquire, em alguns casos, muita velocidade. Tal
sistema é cada vez mais usado nos grupos e nas famílias que se ocupam com o
psiquismo experimental.
A senhora Ella Whesley Wilcox, autora de renome nos Estados
Unidos pelas suas obras poéticas e literárias, tradutora do meu livro O
Problema do Ser e do Destino, obtém, pela prancheta, frequentes mensagens
do seu defunto marido Roberto Wilcox, que se constituiu o seu guia,
protegendo-a e aconselhando-a na viagem de conferências que ela realizou à
Europa, em benefício dos soldados americanos.
A senhora Wilcox me escreveu de Londres, a 7 de novembro de
1918, para mostrar-me uma prova de identificação que me julgo no dever de
guardar e publicar:
“Ontem, dia do meu aniversário natalício, recebia por
intermédio da Oui-jà (nome dado à prancheta), a primeira mensagem
do meu marido, em Londres. A sessão começara pela escrita automática e vários
espíritos se haviam comunicado. A senhorita Monteith, médium escrevente e
audiente, estava perto de mim e de outra senhora ocupada no Oui-jà.
Subitamente ela ouviu a palavra “aurora” e começou a
desenhar o despontar do Sol no mar e, sem ser artista, fez um quadro muito
bonito, coisa de que pediu explicação. Respondeu-me:
– Em nossa casa, à beira-mar, o meu marido e eu sempre
nos levantávamos bem cedo para ver a aurora despontar sobre o oceano. Para nós
era uma hora sagrada e muitas vezes o meu marido dizia: “Creio que a minha
alma, se eu morrer primeiro, voltará do céu a ti, ao alvorecer”.
Esse facto foi-me muito agradável e eu tinha a certeza da
presença do meu marido.
Em setembro passado, encontrando-me em Tours, muitas vezes
ele me predisse, pela prancheta, que aqui em Londres eu encontraria Sir Oliver Lodge e outros psicólogos eminentes e que eu seria convidada a
falar sobre factos espíritas.
Faz um mês que estou em Londres, falei duas vezes nos salões
públicos e três vezes nos salões da alta sociedade. Deverei encontrar Sir
Oliver Lodge a 18 de novembro e, também Lady Barret e a senhora Leonard, a médium pela qual Sir Oliver Lodge tornou a encontrar o seu
filho Raymond, morto pelo inimigo.”
Poderíamos multiplicar as citações deste género, porém nos
limitaremos a dizer que a impressão produzida no leitor pelas secas e frias
narrativas não se compara com a impressão que as pessoas sentem quando assistem
às reuniões.
A rapidez dos ditados, a inconsciência completa dos médiuns,
a interferência clara de outras inteligências, que não são as dos experimentadores,
enfim, mil pormenores psicológicos que são outros tantos elementos de
convicção, enquanto que a simples leitura desses mesmos factos os faz perder,
forçosamente, o seu valor para todos aqueles que desconhecem o ambiente das
reuniões.
/…
(*) Número de 15 de dezembro de 1918, pp. 747,
751 e 757.
(**) Raps – golpes, pancadas.
Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIV
A Experimentação Espírita: Tiptologia; a experimentação de Victor Hugo,
Sir Oliver Lodge e outros (uma mensagem de 2 de novembro de 1882, dia de
Finados, do Espírito Jerónimo de Praga), 40º fragmento desta obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro
britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido
pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo
de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a
trocar presentes)
Sem comentários:
Enviar um comentário