Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 12 de fevereiro de 2023

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXVI 

~~ A Alma e os Mundos: A Vida Infinita 

 Leitores, no decorrer destas páginas, seguistes o curso do meu pensamento e nelas encontrastes, certamente, alguma coisa das vossas impressões e emoções, como que o reflexo da vossa própria imagem; isso fez com que criásseis interesse por elas. 

Antes de terminar este livro, eu vos convido a abandonar, por um momento, as nossas preocupações comuns, as tristes lembranças dos quatro anos trágicos que acabamos de passar, para que elevemos os nossos olhos para a natureza infinita que para mim sempre foi uma poderosa consolação. 

 Muitas vezes, por insónia ou na angústia, eu me levanto, no meio das noites claras, para contemplar o desfile majestoso dos astros, esses mundos luminosos que me falam a mais eloquente das linguagens; que me esclarecem da sabedoria e do poder do Criador. 

 A sua visão me consola [dos horrores da Terra, desta pobre Terra ensanguentada pela guerra,] coberta de ruínas e banhada por tantas lágrimas. 

 Das profundezas do espaço, aqueles mundos me atraem, me chamam, como que me fazendo sinais inteligíveis. 

 Se os meus olhos se apagarem, se a minha cegueira vier a ser completa, será para mim uma cruel privação já não poder contemplar esses maravilhosos diamantes celestes. 

 Neste momento [em que a Terra enlutada chora os seus filhos mortos,] parece que os céus estão em festa. Será para receber os que nos deixaram momentaneamente? 

 No zénite (i), brilha Júpiter em todo o seu esplendor, repleto do Sol. A majestosa Orion se inclina para ocidente. Reconhecemos Sirius pela sua luz branca e pura, mas aqui e além, por toda a parte resplandecem outros focos: Rigel, Prócion, Aldebaran, etc. 

 A seguir aparecerão; a rica constelação do Leão, Vega e a gigante Arcturo, semelhante a oito mil sóis como o que nos ilumina. 

 A Via Láctea desdobra sobre as nossas cabeças a sua imensa faixa polvilhada de sóis, que a distância mal deixa entrever. O cortejo dos astros continuará, sempre, sem fim... As irradiações e vibrações de todos esses mundos se cruzam na imensidão. 

 A alma sensível fica deslumbrada, sentindo os eflúvios de amor e as palpitações da vida universal. Tem a sensação do intercâmbio que se opera entre o Espaço e a Terra, quando os pensamentos e as preces sobem e as forças e as inspirações nos envolvem. 

 Quantas indagações esse espectáculo nos desperta na alma! 

 Para onde irão todos esses astros na sua rápida caminhada, por exemplo, a estrela número 1830 do catálogo de Groombridge que, proveniente de um sistema desconhecido, se desloca a 300 quilómetros por segundo, atravessando o nosso Universo qual um enorme bólide

 E esses cometas vagabundos, estranhos mensageiros que se movem errantes de sistema em sistema, qual terá sido a sua origem e qual será o seu papel no cosmos? Além disso, as incontáveis nebulosas, espalhadas no espaço como berços de futuros universos, origens de mundos ou formigueiros de sóis e, que encontramos profusamente semeados até nos espaços infinitos! 

 Tais abismos de mistério e silêncio, de sombra e de luz, por muito tempo foram objecto de espanto e terror para o homem e era com hesitação, quase que com medo, o seu pensamento que tentava sondar-lhes as profundezas. 

 Agora, graças à revelação dos espíritos, essa imensidade, muda e melancólica na aparência, se anima e vibra. Todos esses mundos e os espaços que os separam estão povoados por legiões de almas, humanas ou etéreas. Constituem as nossas futuras moradas, estações de nossa longa peregrinação, os degraus da escada de progresso que todos temos de subir através dos tempos. 

 O nosso atrasado planeta é uma mansão de dor e de lágrimas, uma rude escola onde os espíritos novos vão adquirir as virtudes heróicas, as qualidades fundamentais que lhes darão acesso às esferas venturosas. Porém, lá do Alto, existem sociedades mais adiantadas que se desenvolvem em paz, em alegria e em harmonia. 

 Assim, fora dos limites de nossas breves e penosas existências terrenas, abrem-se diante de nós imensas perspectivas, oferecendo-se ao nosso interesse e à nossa atenção múltiplos temas de estudo e exploração, variedades e contrastes inimagináveis. 

 Diante de tantas maravilhas que o futuro nos reserva, as presentes provações perdem a sua rudeza. Crescem; a nossa confiança, a nossa esperança e a nossa fé. 

 Incapazes de medir a extensão das riquezas espirituais das quais participaremos, juntamos as nossas vozes às vozes do Infinito, ao coro universal dos seres e dos mundos, para a comemoração da vida eterna e infinita! 

~~*~ 

 O nosso destino está escrito no Céu em caracteres de fogo. Desde a origem dos mundos, Deus (*) traçou sobre as nossas cabeças, em linhas luminosas, o poema da alma e do seu futuro. E todos aqueles que souberam decifrar essas letras maravilhosas conseguiram sabedoria e força moral nesse estudo. 

 Mesmo entre os espíritos da nossa esfera, há poucos que conseguiram visitar e descrever os esplendores celestes e, se alguns, num rápido voo, puderam explorar diversos sistemas e penetrar mais além dentro do infinito, logo, devem regressar aos meios correspondentes ao seu grau de adiantamento. 

 Essas longínquas explorações são permitidas ao espírito que delas se torne digno, para lhe mostrar o seu caminho de progresso. Elas estimulam a sua vontade de adquirir os merecimentos que lhe permitirão viver na sociedade das almas unidas pelo amor dentro da felicidade. 

 Tudo está graduado no nosso progresso. Para alguns espíritos muito jovens, insuficientemente preparados, o conhecimento de certas verdades colocaria em risco todo o seu equilíbrio mental. Somente aos grandes espíritos pertence o pleno conhecimento do Universo. Deles é que nos vem, principalmente (por intuição ou mediunicamente), a revelação das leis superiores. 

 Para que consigamos alcançá-la, é preciso prepararmos a nossa alma pela meditação, pelo recolhimento e pela prece. Assim se produz em nós uma espécie de ampliação do ser, uma expansão das faculdades, que torna possível penetrarem em nós as mais altas verdades. Por seu intermédio e pela sua acção, uma transformação se opera, paulatinamente; ao mesmo tempo em que se desdobram as páginas do livro exterior e, à medida que o horizonte se aclara, o ser interior se ilumina e os ecos de dentro atendem aos apelos de fora. 

 Debaixo de uma influência espiritual, as lembranças do passado, mergulhadas no mais profundo da nossa memória (i), ressurgem. A cadeia de nossas vidas anteriores se reconstitui e voltamos a tomar consciência da nossa verdadeira natureza e da nossa pátria de origem (**). Sentimos melhor a gravidade e a solenidade das coisas da vida. As provações e os males, os trabalhos e as dores são considerados como outros tantos meios de educação e de progresso. 

 Toda a nossa história, através dos séculos, está escrita dentro de nós. As nossas vidas passadas, monótonas ou trágicas, foram se vertendo, gota a gota, no fundo da nossa alma e, como uma água profunda, em cuja superfície nos inclinamos em certas horas, podemos então ver nela reflectida, como em um espelho, as imagens do passado. 

 Já ficou assinalado que, nos fenómenos de exteriorização e mediante a visão psíquica aumentada, a criatura revê o lugar onde as suas existências aconteceram; as margens da Ática, banhadas pelo Sol, onde o mar rebenta o seu rolo de espumas debaixo dos ramos dos mirtos e da verdura prateada das oliveiras; as imensas planícies da Assíria e do Egipto e os colossos de pedra que se erguem para o céu azul as suas formas geométricas ou os seus perfis de animais. A alma reconstitui as remotas civilizações e o papel, muitas vezes obscuro, mas às vezes brilhante, que nelas desempenhava. 

 Vislumbra as brancas cidades cujos nomes harmoniosos marcam como estações a caminhada intelectual da humanidade: Atenas, a jóia da Hélade, a cidade querida dos filósofos, dos oradores e dos escultores; Crotona, onde Pitágoras ensinava a sua doutrina a um grupo de iniciados; Alexandria, onde os esplendores do génio grego se misturaram, no crisol do pensamento, com a chama ardente do Cristianismo (i) nascente. 

 Os que viveram aqueles momentos deslumbrantes da história não podem evitar um sentimento de emoção, recordando a adolescência ingénua de sua alma, embalada pelos mitos e lendas pagãs, enamorada pelas ilusões da vida oriental. 

 Poderíamos ter uma ideia de tais impressões comparando-as com as que nos proporciona, no ocaso da vida, as lembranças de nossas ricas sensações da mocidade, quando para nós tudo era sedução e encanto. 

 Aí todas as cenas da natureza provocavam em nós verdadeira embriaguez, como, por exemplo, quando entramos numa floresta espessa pela primeira vez, ouvindo o murmúrio das fontes, dos regatos ou a canção dos ventos entre os ramos; ou quando, do alto das montanhas contemplamos a extensão dos vales e das planícies, vendo, ao longe, resplandecer o mar ou desdobrar-se o panorama de uma grande cidade! 

 Quanta riqueza oculta no íntimo obscuro da alma, tesouros de pensamentos e acções, de alegrias e tormentos, acumulados pelos séculos no íntimo da criatura e que a sugestão hipnótica faz reaparecer, quais essas plantas e flores que flutuam na superfície dos lagos, com as suas raízes mergulhadas nas sombrias profundidades das águas! 

 No meio de tais quadros e recordações que brotam das sombras do passado existem alguns que proporcionam calma e alívio, porém, em compensação, quantas cenas que melhor seria não as tivéssemos revivido! Elas emergem do silêncio e da noite adquirindo poderosa importância e às vezes, ao revê-las, uma angústia nos invade. 

 Os segredos guardados no fundo de nossa memória se levantam e nos acusam. Todo o nosso passado permanece indestrutível e indelével, não há poder capaz de destruí-lo, mas nos é permitido resgatá-lo no futuro, com obras de sacrifício e tarefas bem realizadas. 

 Entendemos porquê a sabedoria eterna conservou esquecidas essas remotas lembranças, por algum tempo: foi para nos dar mais completa liberdade de acção no curso desta vida. Sem tal precaução, os fantasmas de nossas vidas passadas apareceriam diante de nós sem cessar, perturbando a quietude e a serenidade do presente. O reconhecimento das responsabilidades adquiridas e de suas consequências paralisaria o nosso voo para o alto. 

~~*~ 

 Os mais profundos mistérios da alma e do Universo continuam sendo ocultos para nós, todavia podemos comprovar que se realiza, no domínio do conhecimento, um sensível progresso. O véu do destino se levanta e a grande lei da evolução se torna exacta e clara aos nossos olhos. 

 Assistimos a uma verdadeira transformação do pensamento, sob o ponto de vista filosófico. Ele  abandona cada vez mais as posições materialistas que ocupava há tanto tempo para se tornar, agora, espiritualista e idealista, pois já passaram de moda as teorias do átomo e da célula. Além da matéria, reconhece-se a existência de uma força criadora, de um dinamismo poderoso que a penetra e a dirige. Ainda mais acima domina a ideia. 

 A inteligência e a vontade governam o mundo dos seres e das coisas. Aparece a lei e por seu intermédio se afirma a ideia de Deus, que é o pensamento e a força eterna que movem o Universo. Ele é a conciliação de todos os problemas e o objectivo supremo de todas as evoluções. Emanam dele as mais altas aspirações do génio, as intuições do artista e do sábio. Todas as criações de uma arte sublime, os espectáculos grandiosos da natureza, as harmonias do Universo, a sinfonia que os mundos compõem entre si nas profundezas do espaço, tudo isso não é mais do que um reflexo, um pálido eco do poder criador. 

 Estudar Deus na sua obra, aí reside o segredo de toda a força, de toda a verdade, de toda a sabedoria e de todo o amor. Porque Deus irradia através de sua obra assim como o Sol filtra os seus raios por entre a leve neblina que flutua sobre as florestas e os vales. 

/… 
(*) Deus / Inteligência organizadora. Adenda desta publicação. 
(**) Somos Espíritos, a viver temporariamente em corpos face ao nosso atraso evolutivo. À semelhança do mergulhador que necessita do escafandro para explorar o fundo dos mares. Nota desta publicação. 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXVI A Alma e os Mundos: A Vida Infinita, 42º fragmento desta obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)  

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