Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 17 de julho de 2012

O Génio Céltico e o Mundo Invisível~


CAPÍTULO IV

A Bretagne francesa. Lembranças druídicas |

Nossa Bretagne sempre foi muito descrita, dispensando que eu me detenha em evocar suas paisagens. 

Terra de granito, com suas florestas extensas, suas regiões imensas, suas costas recortadas que as ondas desgastam sem cessar, a Armorique foi durante longo tempo, na Gália, o refúgio dos druidas, a cidadela do Celtismo independente. 

Depois, o Cristianismo aí penetrou, mas assim como as camadas geológicas se sobrepõem sem se destruírem, assim o fundo primitivo persistiu sob o apoio do culto novo. A tradição étnica reapareceu em mil formas sob os véus de uma religião importada do oriente.

Pois, nessa terra de eleição, nas épocas mais diversas e sob as formas mais variadas, é sempre o mesmo pensamento importante e solene que se desenvolve.

Desde as pedras megalíticas de Carnac, menires e dolmens, até aos ossários e calvários, igrejas góticas e campanários de nossos dias, é sempre o mesmo símbolo de imortalidade que se afirma, a mesma aspiração de quem passa para quem fica, em uma palavra, da alma humana até ao infinito.

Mais do que em qualquer parte da antiga Gália, a Bretagne conservou a firme crença no Além, na sua vida invisível, na presença e nas manifestações dos mortos. Se o cepticismo e o espírito crítico existiram em certas cidades, o interior e as ilhas guardaram o sentimento de uma intensa espiritualidade. Quando o rumor do oceano aparece e estronda nas dobras da costa, quando o vento passa gemendo sobre a região, agitando as giestas e as ramagens, a alma bretã, no fundo das choupanas, crê ouvir a voz dos mortos chorando sobre seu passado.

Na época em que percorria, como turista, os campos de Finistère, tomei como guia um homem da região, que me serviu de intérprete, pois eu não conhecia perfeitamente o dialecto que estava muito em uso nessa paragem distante. Ora, um dia, chegando a Kergreven, entrei num caminho cavado, cercado de carvalhos anões, tido como o mais curto, conforme o mapa do estado-maior que eu tinha sempre comigo. Mas meu guia me parou de repente e me disse, com uma espécie de pavor, que há dois anos não se passava mais por esse caminho, que era preciso dar uma grande volta. Tive muita dificuldade para obter dele as explicações claras, mas, enfim, ele acabou por me confessar que um sapateiro de Lampaul se enforcara nesse caminho e seu espírito assombrava ainda os transeuntes, e por isso não utilizavam mais essa rota.

Não levei isso em consideração e lhe pedi para me indicar a árvore do suicida; ele o fez com vigorosos sinais da cruz e gestos de inquietude.

O Sr. Le Braz, no seu livro La Légende de la Mort Chez les Bretons Armoricains, cita o caso de um coveiro que, tendo violado, por ordem do Cura de Penvéman, a sepultura de um morto antes do prazo legal, recebeu a visita nocturna e as censuras do espírito do morto, que só cessou de o assombrar com o benefício de orações pronunciadas em sua intenção. Apesar dessa reparação, o Cura morreu alguns dias depois, e a opinião pública atribuiu a causa da morte à vingança do morto.

Outro facto anotado pelo mesmo autor: Marie Gouriou, da vila de Min-Guenn, perto de Paimpol, deitou-se uma noite, após ter colocado perto de seu leito o berço em que dormia seu filho. Acordada por choros durante a noite, ela viu seu quarto iluminado por uma luz estranha e um homem, inclinado sobre a criança, que a balançava levemente, cantando, em voz baixa, um refrão de marujo.

Ela reconheceu seu marido, que partira há um mês para pescaria na Islândia, e notou que de suas roupas escorria água do mar.

“Como! – exclamou ela –, tu já estás de volta? Toma cuidado, pois vais molhar a criança... Espera, eu vou me levantar para acender o fogo.” Mas a luz se esvaeceu e, quando ela acendeu o fogo, verificou que seu marido havia desaparecido.

Ela não deveria mais revê-lo. O primeiro navio que voltou da Islândia comunicou que o barco em que ele tinha embarcado naufragara, com perda de corpos e bens, na mesma noite em que Gouriou apareceu debruçado sobre o berço de seu filho.

Encontram-se nas diferentes obras do Sr. Le Braz, professor da Faculdade de Letras de Rennes, vários fenómenos da mesma ordem. Eis como ele se exprime, sobre esse assunto, no prefácio do livro acima citado:

“A distinção entre o natural e o sobrenatural não existe para os bretões. Os vivos e os mortos são, do mesmo modo, habitantes do mundo e vivem em perpétua relação uns com os outros. Não se espantam mais de ouvir o sussurrar das almas nos juncos, assim como ouvem os pássaros canoros cantarem, nas cercas, seus chamados de amor.”

É verdade que as narrações desse género são muito comuns na Bretagne, mas é preciso acrescentar que muitas vezes a imaginação popular mistura as criações fantásticas ao mundo real dos espíritos. São as almas dos mortos e também dos duendes, Korigans, Folliked, etc., que frequentam as moradas dos homens e também as planícies, praias e bosques, de tal maneira que, às vezes, é muito difícil saber-se onde está a verdade nessas narrações que se permutam no serão, no canto da lareira.

Não é somente na expressão dos modos de ver e dos sentimentos populares, mesclados de verdades e ilusões, que se deve pesquisar o pensamento principal da Bretagne. É, sobretudo, nas obras de seus escritores, de seus poetas e de seus bardos. Ele vibra nos seus cantos, ele agita, palpita nas páginas que foram escritas.

Com efeito, sob a variedade dos caracteres, dos talentos e das diferenças de pontos de vista encontra-se o mesmo fundo comum, o respeito de uma tradição que se perpetua, de tempo em tempo, e que é comum à alma própria da raça.

Acrescentai entre os grandes escritores como Chateaubriand, Lamennais, Renan, Brizeux e alguns outros, o tormento dos grandes problemas, a ansiedade dos enigmas do destino, a aspiração em direcção ao infinito e ao absoluto. Eles carregam consigo, sobre sua cabeça, o signo augusto de todos aqueles que procuraram sondar o mistério da vida universal.

Abaixo dos grandes autores que acima citamos, os bardos ocupam ainda um lugar honroso, porque sua raça não está extinta na região da Bretagne, onde ainda se encontram exemplos notáveis. Sem dúvida, eles não pretendem igualar os bardos antigos pelo seu talento ou pelo seu génio, mas se inspiram em seu ideal; eles têm os mesmos motivos: o patriotismo e a fé. Essa fé, é bem verdade, parece mais católica do que céltica, mas, sob suas opiniões religiosas vivazes, a centelha céltica adormece e bastaria um apelo, uma recordação, para reanimá-la.
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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES 
CÉLTICOS, CAPÍTULO IV A Bretagne francesa. Lembranças druídicas 1 de 3, 13º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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