CAPÍTULO IV
A Bretagne francesa.
Lembranças druídicas |
Nossa Bretagne sempre foi muito descrita, dispensando que eu
me detenha em evocar suas paisagens.
Terra de granito, com suas florestas
extensas, suas regiões imensas, suas costas recortadas que as ondas desgastam
sem cessar, a Armorique foi durante longo tempo, na Gália, o refúgio dos
druidas, a cidadela do Celtismo independente.
Depois, o Cristianismo aí
penetrou, mas assim como as camadas geológicas se sobrepõem sem se destruírem,
assim o fundo primitivo persistiu sob o apoio do culto novo. A tradição étnica
reapareceu em mil formas sob os véus de uma religião importada do oriente.
Pois, nessa terra de eleição, nas épocas mais diversas e sob
as formas mais variadas, é sempre o mesmo pensamento importante e solene que se
desenvolve.
Desde as pedras megalíticas de Carnac, menires e dolmens,
até aos ossários e calvários, igrejas góticas e campanários de nossos dias, é
sempre o mesmo símbolo de imortalidade que se afirma, a mesma aspiração de quem
passa para quem fica, em uma palavra, da alma humana até ao infinito.
Mais do que em qualquer parte da antiga Gália, a Bretagne
conservou a firme crença no Além, na sua vida invisível, na presença e nas
manifestações dos mortos. Se o cepticismo e o espírito crítico existiram em
certas cidades, o interior e as ilhas guardaram o sentimento de uma intensa
espiritualidade. Quando o rumor do oceano aparece e estronda nas dobras da
costa, quando o vento passa gemendo sobre a região, agitando as giestas e as
ramagens, a alma bretã, no fundo das choupanas, crê ouvir a voz dos mortos
chorando sobre seu passado.
Na época em que percorria, como turista, os campos de
Finistère, tomei como guia um homem da região, que me serviu de intérprete,
pois eu não conhecia perfeitamente o dialecto que estava muito em uso nessa
paragem distante. Ora, um dia, chegando a Kergreven, entrei num caminho cavado,
cercado de carvalhos anões, tido como o mais curto, conforme o mapa do
estado-maior que eu tinha sempre comigo. Mas meu guia me parou de repente e me
disse, com uma espécie de pavor, que há dois anos não se passava mais por esse
caminho, que era preciso dar uma grande volta. Tive muita dificuldade para
obter dele as explicações claras, mas, enfim, ele acabou por me confessar que
um sapateiro de Lampaul se enforcara nesse caminho e seu espírito assombrava
ainda os transeuntes, e por isso não utilizavam mais essa rota.
Não levei isso em consideração e lhe pedi para me indicar a
árvore do suicida; ele o fez com vigorosos sinais da cruz e gestos de
inquietude.
O Sr. Le Braz, no seu livro La Légende de la Mort Chez les Bretons Armoricains, cita o caso de
um coveiro que, tendo violado, por ordem do Cura de Penvéman, a sepultura de um
morto antes do prazo legal, recebeu a visita nocturna e as censuras do espírito
do morto, que só cessou de o assombrar com o benefício de orações pronunciadas
em sua intenção. Apesar dessa reparação, o Cura morreu alguns dias depois, e a
opinião pública atribuiu a causa da morte à vingança do morto.
Outro facto anotado pelo mesmo autor: Marie Gouriou, da vila
de Min-Guenn, perto de Paimpol, deitou-se uma noite, após ter colocado perto de
seu leito o berço em que dormia seu filho. Acordada por choros durante a noite,
ela viu seu quarto iluminado por uma luz estranha e um homem, inclinado sobre a
criança, que a balançava levemente, cantando, em voz baixa, um refrão de
marujo.
Ela reconheceu seu marido, que partira há um mês para
pescaria na Islândia, e notou que de suas roupas escorria água do mar.
“Como! – exclamou ela –, tu já estás de volta? Toma cuidado,
pois vais molhar a criança... Espera, eu vou me levantar para acender o fogo.”
Mas a luz se esvaeceu e, quando ela acendeu o fogo, verificou que seu marido
havia desaparecido.
Ela não deveria mais revê-lo. O primeiro navio que voltou da
Islândia comunicou que o barco em que ele tinha embarcado naufragara, com perda
de corpos e bens, na mesma noite em que Gouriou apareceu debruçado sobre o
berço de seu filho.
Encontram-se nas diferentes obras do Sr. Le Braz, professor
da Faculdade de Letras de Rennes, vários fenómenos da mesma ordem. Eis como ele
se exprime, sobre esse assunto, no prefácio do livro acima citado:
“A distinção entre o natural e o sobrenatural não existe
para os bretões. Os vivos e os mortos são, do mesmo modo, habitantes do mundo e
vivem em perpétua relação uns com os outros. Não se espantam mais de ouvir o
sussurrar das almas nos juncos, assim como ouvem os pássaros canoros cantarem,
nas cercas, seus chamados de amor.”
É verdade que as narrações desse género são muito comuns na
Bretagne, mas é preciso acrescentar que muitas vezes a imaginação popular
mistura as criações fantásticas ao mundo real dos espíritos. São as almas dos
mortos e também dos duendes, Korigans, Folliked, etc., que frequentam as
moradas dos homens e também as planícies, praias e bosques, de tal maneira que,
às vezes, é muito difícil saber-se onde está a verdade nessas narrações que se
permutam no serão, no canto da lareira.
Não é somente na expressão dos modos de ver e dos
sentimentos populares, mesclados de verdades e ilusões, que se deve pesquisar o
pensamento principal da Bretagne. É, sobretudo, nas obras de seus escritores,
de seus poetas e de seus bardos. Ele vibra nos seus cantos, ele agita, palpita
nas páginas que foram escritas.
Com efeito, sob a variedade dos caracteres, dos talentos e
das diferenças de pontos de vista encontra-se o mesmo fundo comum, o respeito
de uma tradição que se perpetua, de tempo em tempo, e que é comum à alma própria
da raça.
Acrescentai entre os grandes escritores como Chateaubriand,
Lamennais, Renan, Brizeux e alguns outros, o tormento dos grandes problemas, a
ansiedade dos enigmas do destino, a aspiração em direcção ao infinito e ao
absoluto. Eles carregam consigo, sobre sua cabeça, o signo augusto de todos
aqueles que procuraram sondar o mistério da vida universal.
Abaixo dos grandes autores que acima citamos, os bardos
ocupam ainda um lugar honroso, porque sua raça não está extinta na região da
Bretagne, onde ainda se encontram exemplos notáveis. Sem dúvida, eles não
pretendem igualar os bardos antigos pelo seu talento ou pelo seu génio, mas se
inspiram em seu ideal; eles têm os mesmos motivos: o patriotismo e a fé. Essa
fé, é bem verdade, parece mais católica do que céltica, mas, sob suas opiniões
religiosas vivazes, a centelha céltica adormece e bastaria um apelo, uma
recordação, para reanimá-la.
/…
LÉON DENIS, O Génio
Céltico e o Mundo Invisível, Primeira Parte OS PAÍSES
CÉLTICOS, CAPÍTULO IV A Bretagne francesa.
Lembranças druídicas 1 de 3, 13º fragmento.
(Imagem: A Apoteose dos heróis franceses que morreram por seu país durante a
guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)
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