O Pai e o filho ~
"Sede perfeitos como vosso Pai celestial."
(Mateus, 5:48.)
Pai – Que queres filho? Procuras-me com
tanta insistência.
Filho – Quero riquezas, meu Pai. Desejo possuir largos cabedais, muitas fazendas, ouro e prata. Aspiro a ser um Creso (i).
Pai – Dar-te-ei o que pretendes, filho; porém, previno-te de que de novo me boscarás, porque não te sentirás satisfeito.
Pai – Aqui estou, filho, que desejas de
mim, uma vez que me buscas com tanto interesse?
Filho – Quero saúde, força, vigor físico, resistência. Invejo os Hércules, os Ursos (i), os Titãs.
Pai – Terás o que solicitas de mim, filho. Não obstante advirto-te: de novo me procurarás, porque não te sentirás satisfeito.
Pai – Eis-me aqui, filho. Porque estás
assim aflito e me chamas com tamanha impaciência?
Filho – Pai, tenho sede de domínio, de poder, de autoridade. O meu desejo é governar, é conquistar reinos, dominar nações, imperando discricionariamente sobre os povos e raças. Tenho por modelos – Napoleão e Júlio César.
Pai – Será deferida a tua petição, filho. Contudo, permite que te observe: de novo me demandarás, porque não te sentirás satisfeito.
Pai – Porque bates assim sofregamente nos
tabernáculos (i) eternos?
Sossega, acalma-te e fala.
Filho – Pai, sou ávido de glórias; a fama me fascina, a notoriedade me arrebata. Nenhuma alegria terei, enquanto não lograr este meu intento. Quero perceber sobre a minha fronte a coroa de louros que ostentaram os sábios, os grandes poetas, os escritores célebres. Anseio ser Camões, Cícero, Hipócrates.
Pai – Serás atendido, alcançando o que tanto ambicionas. Todavia, aviso-te de que de novo voltarás à minha procura, por isso que não te sentirás satisfeito.
Pai – Aqui estou, filho, pede o que
desejas, dize o que pretendes de mim.
Filho, finalmente – Pai, quero amar e ser amado. Sinto incontido anseio de expandir o meu coração. Vejo-me constrangido numa atmosfera asfixiante. O meu sonho é amar amplamente, incomensuravelmente. O meu maior desejo é sentir palpitar em mim a vida de todos os seres. Quero o amor sem restrições, ilimitado, infinito. Quero amar com toda a capacidade de meu coração, assim como os pulmões sadios respiram na floresta, nos montes, nos campos e nos bosques!
– O meu ideal, Pai, é o Filho de Maria, o Profeta de Nazaré, aquele que morreu na cruz pelo amor da Humanidade.
Pai – Sê bendito, meu filho. Terás aquilo a que tão sabiamente aspiras. Não me procurarás mais, porque sentirás em ti a plenitude da vida: de ora em diante serás uno comigo.
O Mestre e o discípulo ~
Discípulo – Senhor, sinto-me desalentado
diante das iniquidades do século. Parece que nunca os homens se mostraram tão
avessos à razão e ao sentimento, como nestes tempos.
Mestre – Desalentado? Porquê? Duvidas, por
acaso, da segurança do Universo? Desalento é fraqueza, é falta de fé.
Discípulo – Quero ter fé, Senhor, mas vejo
a cada passo surgirem tais impedimentos e tais embaraços à vinda do reino de
Deus, que o desânimo me invade a alma.
Mestre – És mais carnal que espiritual. A
precipitação é peculiar ao homem. Quando se estabelece o domínio do Espírito, o
coração se acalma, serenam as paixões e a fé, existe, não vacila mais. A pressa
é, não só inimiga da perfeição, como também da razão. Os atrabiliários insofridos
nunca arrazoam com acerto. O reino de Deus há de vir e está a vir a
cada momento, para aqueles que o querem e o sabem querer. A vontade de
Deus há de ser feita na Terra, como já o é nos céus. Espera e confia, vigia e
ora. Não deves medir o curso das ideias como medes o curso da tua existência:
esta se escoa através de alguns dias fugazes, enquanto que aquelas se agitam no
transcorrer dos séculos e dos milénios.
Discípulo – Bem sei, Senhor, que deve ser
como dizes. Eu supunha, no entanto, que a obra da evolução caminhasse sem
intermitências; por isso queria vê-la em marcha ascensional, triunfando dos óbices e tropeços com
que os homens, na sua ignorância e maldade, costumam juncar-lhe o caminho. Esta
vitória do mal sobre o bem, da opressão sobre a liberdade me amargura e
angustia. Tal vitória é certamente efémera; contudo, é um entrave à evolução, é
uma pedra de tropeço que, não se sabe por quanto tempo, conservará o carro do
progresso entravado.
Mestre – Enganas-te. A evolução é
uma lei imutável. Não há forças, não há potências conjugadas capazes de a
impedir, nem mesmo de embaraçar-lhe a acção e a eficiência. Nem um só
momento a obra da evolução sofreu interrupções na eternidade do tempo e no
infinito do espaço.
Discípulo – Como explicas, então, Senhor, a
iniquidade, a tirania, a mentira e a corrupção, que ora imperam na sociedade
terrena? O mundo estará evoluindo sob o influxo de tais elementos?
Mestre – Erras nos teus juízos, pelos
motivos já expostos. Ignoras que é precisamente sofrendo iniquidades e
suportando opressão que o homem vai compreender o valor da justiça e da
liberdade? Não sabes que só a experiência convence os Espíritos rebeldes? Não
vês como os doentes amam a saúde, como os oprimidos sonham com a liberdade e os
perseguidos suspiram pela justiça? Julgas que esta geração adúltera e
incrédula se converta apenas com os testemunhos do céu e com as palavras de
amor expressas no Evangelho do reino? Supões que todos se amoldam à graça sem o
aguilhão da lei? Em mundos como este, é preciso privar os seus
habitantes de certos bens, para que se inteirem do valor e importância desses
mesmos bens. Suportando injustiças e afrontas, vendo os seus direitos
postergados pelo despotismo, os homens aprenderão a venerar a justiça,
subordinando-lhe os interesses temporais e tornando-se capazes de renúncias e
de sacrifícios em prol do seu advento.
Discípulo – Começo a ver luz onde tudo se
me afigurava escuro. Todavia, Senhor, seja-me permitido ainda algumas
perguntas.
Mestre – Pede e receberás; bate e se te
abrirá, busca e encontrarás.
Discípulo – De tal modo, a obra da redenção
jamais se interrompe e, mesmo através de todas as anomalias, ela se realiza
fatalmente?
Mestre – De certo: se assim não fora, a
Suprema Vontade não se cumpriria e Deus deixaria de ser Deus. A evolução, no
que respeita ao Espírito, opera-se pela educação dos seus poderes e faculdades
latentes. Ora, todas as vicissitudes, todas as lutas, todos os sofrimentos, em
suma, contribuem para incentivar o desenvolvimento das possibilidades anímicas.
Assim, pois, quer o Espírito goze os salutares efeitos da prática do bem e da
conduta recta; quer suporte as amargas consequências do mal cometido, da
negligência no cumprimento do dever, da corrupção a que se entregue, ele estará
a educar-se e, portanto, evolvendo.
Pelo amor e pela dor, sob a doçura da graça, ou sob a inflexibilidade da
lei – caminhará, sempre, em demanda dos altos destinos que lhe estão
reservados.
Discípulo – Falas na santa obra da
educação. Feriste, Senhor, o alvo, o eixo em torno do qual giram as minhas
lucubrações mais acuradas. Compreendo muito bem a importância da educação. Vejo
claramente que só a religião da educação, tal como ensinaste e exemplificaste,
pode salvar a Humanidade. Mas, como vingará esta fé, se os dirigentes, os
dominadores de consciências, aqueles, enfim, que têm ascendência sobre o povo
são os primeiros a deseducá-lo, a corrompê-lo, premiando os caracteres fracos e
venais que se sujeitam aos seus caprichos e perseguindo os poucos que, capazes
de sofrer pela justiça e pela verdade, pelo direito e pela liberdade, resistem
ao despotismo do século? Tal processo de corrupção não invalidará, pelo menos
por tempo indeterminado, a eficiência da educação?
Mestre – Nada há encoberto que não seja
descoberto, nem algo oculto que se não venha a saber. Falas em processo de
corrupção que poderá deseducar o povo. Ignoras, então, que o Espírito educado
jamais se deseduca? A lei é avançar e não retroagir. Os que se submetem às
influências dos maus e dos prevaricadores, deixando-se corromper por falaciosas
promessas, são Espíritos fracos, egoístas e amigos da ociosidade, da vida cómoda
e fácil. São os tais que entram pela porta larga e transitam pela estrada
espaçosa e ampla que conduz à perdição. É possível que tais indivíduos se
abastardem ao extremo, levados pelos corruptores de consciências; mas, o dia do
despertar há de chegar. Tanto maior será a reacção quanto mais o Espírito se
tenha degradado. E, às vezes, é o único meio de corrigir os cínicos, os
hipócritas e os indolentes.
Discípulo – E os empreiteiros da corrupção,
até quando continuarão entregues a tão abjecta tarefa?
Mestre – Eles são instrumentos
inconscientes de punição. Os homens castigam-se mutuamente. São semelhantes aos
seixos que rolam no fundo dos rios, arrastados pela corrente das águas. No
começo, eram ásperos e arestosos, mas, à força de se entrechocarem e se
friccionarem, acabam alisando-se, tornando-se polidos e brunidos, como
trabalhados por mão de artista. Cumpre notar ainda que a cada um será dado
segundo as suas obras. O déspota de hoje será a vítima de amanhã – pois
quem com ferro fere com ferro será ferido.
Discípulo – Estás com a razão, Senhor. És,
de facto, o caminho, a verdade e a vida. És a luz do mundo.
Mestre – Lembra-te do que eu disse: Vós
sois o sal da Terra e a luz do mundo. Não se acende uma candeia para colocá-la
debaixo dos móveis, mas no velador, para que a todos ilumine. Portanto, não
basta que me consideres luz, é preciso que te tornes luz.
Discípulo – Cada vez mais me arrebatas com
a tua luz, aclarando os problemas da vida, tornando acessíveis a todas as
inteligências os mais complexos problemas sociais.
Mestre – Confessas que tens entendido o que
eu disse? Bem-aventurado serás, se puseres em prática os meus ensinamentos. Não
te esqueças: se os praticares. Trata, pois, de descobrir o reino de Deus em ti
mesmo, no teu coração; depois, procura implantá-lo no teu lar; depois, na tua
rua; depois, no mundo. Não tenhas pressa. Confia e espera, vigia e ora. Não
penses em fazer o mais, antes de fazer o menos. No Universo, tudo é ordem e
harmonia.
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" Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra. "
Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em
torno do Mestre, Primeira
Parte / Seixos e Gravetos; O Pai e o filho / O Mestre e o
discípulo, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), de Johannes Vermeer)
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), de Johannes Vermeer)
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