Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 9 de junho de 2019

~ em torno do mestre


O Pai e o filho ~

"Sede perfeitos como vosso Pai celestial."
(Mateus, 5:48.)

Pai – Que queres filho? Procuras-me com tanta insistência.

Filho – Quero riquezas, meu Pai. Desejo possuir largos cabedais, muitas fazendas, ouro e prata. Aspiro a ser um Creso (i).

Pai – Dar-te-ei o que pretendes, filho; porém, previno-te de que de novo me boscarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Aqui estou, filho, que desejas de mim, uma vez que me buscas com tanto interesse?

Filho – Quero saúde, força, vigor físico, resistência. Invejo os Hércules, os Ursos (i), os Titãs.

Pai – Terás o que solicitas de mim, filho. Não obstante advirto-te: de novo me procurarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Eis-me aqui, filho. Porque estás assim aflito e me chamas com tamanha impaciência?

Filho – Pai, tenho sede de domínio, de poder, de autoridade. O meu desejo é governar, é conquistar reinos, dominar nações, imperando discricionariamente sobre os povos e raças. Tenho por modelos – Napoleão e Júlio César.

Pai – Será deferida a tua petição, filho. Contudo, permite que te observe: de novo me demandarás, porque não te sentirás satisfeito.

Pai – Porque bates assim sofregamente nos tabernáculos (i) eternos? Sossega, acalma-te e fala.

Filho – Pai, sou ávido de glórias; a fama me fascina, a notoriedade me arrebata. Nenhuma alegria terei, enquanto não lograr este meu intento. Quero perceber sobre a minha fronte a coroa de louros que ostentaram os sábios, os grandes poetas, os escritores célebres. Anseio ser CamõesCíceroHipócrates.

Pai – Serás atendido, alcançando o que tanto ambicionas. Todavia, aviso-te de que de novo voltarás à minha procura, por isso que não te sentirás satisfeito.

Pai – Aqui estou, filho, pede o que desejas, dize o que pretendes de mim.

Filho, finalmente – Pai, quero amar e ser amado. Sinto incontido anseio de expandir o meu coração. Vejo-me constrangido numa atmosfera asfixiante. O meu sonho é amar amplamente, incomensuravelmente. O meu maior desejo é sentir palpitar em mim a vida de todos os seres. Quero o amor sem restrições, ilimitado, infinito. Quero amar com toda a capacidade de meu coração, assim como os pulmões sadios respiram na floresta, nos montes, nos campos e nos bosques!

– O meu ideal, Pai, é o Filho de Maria, o Profeta de Nazaré, aquele que morreu na cruz pelo amor da Humanidade.

Pai – Sê bendito, meu filho. Terás aquilo a que tão sabiamente aspiras. Não me procurarás mais, porque sentirás em ti a plenitude da vida: de ora em diante serás uno comigo.


O Mestre e o discípulo ~

Discípulo – Senhor, sinto-me desalentado diante das iniquidades do século. Parece que nunca os homens se mostraram tão avessos à razão e ao sentimento, como nestes tempos.

Mestre – Desalentado? Porquê? Duvidas, por acaso, da segurança do Universo? Desalento é fraqueza, é falta de fé.

Discípulo – Quero ter fé, Senhor, mas vejo a cada passo surgirem tais impedimentos e tais embaraços à vinda do reino de Deus, que o desânimo me invade a alma.

Mestre – És mais carnal que espiritual. A precipitação é peculiar ao homem. Quando se estabelece o domínio do Espírito, o coração se acalma, serenam as paixões e a fé, existe, não vacila mais. A pressa é, não só inimiga da perfeição, como também da razão. Os atrabiliários insofridos nunca arrazoam com acerto. O reino de Deus há de vir e está a vir a cada momento, para aqueles que o querem e o sabem querer. A vontade de Deus há de ser feita na Terra, como já o é nos céus. Espera e confia, vigia e ora. Não deves medir o curso das ideias como medes o curso da tua existência: esta se escoa através de alguns dias fugazes, enquanto que aquelas se agitam no transcorrer dos séculos e dos milénios.

Discípulo – Bem sei, Senhor, que deve ser como dizes. Eu supunha, no entanto, que a obra da evolução caminhasse sem intermitências; por isso queria vê-la em marcha ascensional, triunfando dos óbices e tropeços com que os homens, na sua ignorância e maldade, costumam juncar-lhe o caminho. Esta vitória do mal sobre o bem, da opressão sobre a liberdade me amargura e angustia. Tal vitória é certamente efémera; contudo, é um entrave à evolução, é uma pedra de tropeço que, não se sabe por quanto tempo, conservará o carro do progresso entravado.

Mestre – Enganas-te. A evolução é uma lei imutável. Não há forças, não há potências conjugadas capazes de a impedir, nem mesmo de embaraçar-lhe a acção e a eficiência. Nem um só momento a obra da evolução sofreu interrupções na eternidade do tempo e no infinito do espaço.

Discípulo – Como explicas, então, Senhor, a iniquidade, a tirania, a mentira e a corrupção, que ora imperam na sociedade terrena? O mundo estará evoluindo sob o influxo de tais elementos?

Mestre – Erras nos teus juízos, pelos motivos já expostos. Ignoras que é precisamente sofrendo iniquidades e suportando opressão que o homem vai compreender o valor da justiça e da liberdade? Não sabes que só a experiência convence os Espíritos rebeldes? Não vês como os doentes amam a saúde, como os oprimidos sonham com a liberdade e os perseguidos suspiram pela justiça? Julgas que esta geração adúltera e incrédula se converta apenas com os testemunhos do céu e com as palavras de amor expressas no Evangelho do reino? Supões que todos se amoldam à graça sem o aguilhão da lei? Em mundos como este, é preciso privar os seus habitantes de certos bens, para que se inteirem do valor e importância desses mesmos bens. Suportando injustiças e afrontas, vendo os seus direitos postergados pelo despotismo, os homens aprenderão a venerar a justiça, subordinando-lhe os interesses temporais e tornando-se capazes de renúncias e de sacrifícios em prol do seu advento.

Discípulo – Começo a ver luz onde tudo se me afigurava escuro. Todavia, Senhor, seja-me permitido ainda algumas perguntas.

Mestre – Pede e receberás; bate e se te abrirá, busca e encontrarás.

Discípulo – De tal modo, a obra da redenção jamais se interrompe e, mesmo através de todas as anomalias, ela se realiza fatalmente?

Mestre – De certo: se assim não fora, a Suprema Vontade não se cumpriria e Deus deixaria de ser Deus. A evolução, no que respeita ao Espírito, opera-se pela educação dos seus poderes e faculdades latentes. Ora, todas as vicissitudes, todas as lutas, todos os sofrimentos, em suma, contribuem para incentivar o desenvolvimento das possibilidades anímicas. Assim, pois, quer o Espírito goze os salutares efeitos da prática do bem e da conduta recta; quer suporte as amargas consequências do mal cometido, da negligência no cumprimento do dever, da corrupção a que se entregue, ele estará a educar-se e, portanto, evolvendo. Pelo amor e pela dor, sob a doçura da graça, ou sob a inflexibilidade da lei – caminhará, sempre, em demanda dos altos destinos que lhe estão reservados.

Discípulo – Falas na santa obra da educação. Feriste, Senhor, o alvo, o eixo em torno do qual giram as minhas lucubrações mais acuradas. Compreendo muito bem a importância da educação. Vejo claramente que só a religião da educação, tal como ensinaste e exemplificaste, pode salvar a Humanidade. Mas, como vingará esta fé, se os dirigentes, os dominadores de consciências, aqueles, enfim, que têm ascendência sobre o povo são os primeiros a deseducá-lo, a corrompê-lo, premiando os caracteres fracos e venais que se sujeitam aos seus caprichos e perseguindo os poucos que, capazes de sofrer pela justiça e pela verdade, pelo direito e pela liberdade, resistem ao despotismo do século? Tal processo de corrupção não invalidará, pelo menos por tempo indeterminado, a eficiência da educação?

Mestre – Nada há encoberto que não seja descoberto, nem algo oculto que se não venha a saber. Falas em processo de corrupção que poderá deseducar o povo. Ignoras, então, que o Espírito educado jamais se deseduca? A lei é avançar e não retroagir. Os que se submetem às influências dos maus e dos prevaricadores, deixando-se corromper por falaciosas promessas, são Espíritos fracos, egoístas e amigos da ociosidade, da vida cómoda e fácil. São os tais que entram pela porta larga e transitam pela estrada espaçosa e ampla que conduz à perdição. É possível que tais indivíduos se abastardem ao extremo, levados pelos corruptores de consciências; mas, o dia do despertar há de chegar. Tanto maior será a reacção quanto mais o Espírito se tenha degradado. E, às vezes, é o único meio de corrigir os cínicos, os hipócritas e os indolentes.

Discípulo – E os empreiteiros da corrupção, até quando continuarão entregues a tão abjecta tarefa?

Mestre – Eles são instrumentos inconscientes de punição. Os homens castigam-se mutuamente. São semelhantes aos seixos que rolam no fundo dos rios, arrastados pela corrente das águas. No começo, eram ásperos e arestosos, mas, à força de se entrechocarem e se friccionarem, acabam alisando-se, tornando-se polidos e brunidos, como trabalhados por mão de artista. Cumpre notar ainda que a cada um será dado segundo as suas obras. O déspota de hoje será a vítima de amanhã – pois quem com ferro fere com ferro será ferido.

Discípulo – Estás com a razão, Senhor. És, de facto, o caminho, a verdade e a vida. És a luz do mundo.

Mestre – Lembra-te do que eu disse: Vós sois o sal da Terra e a luz do mundo. Não se acende uma candeia para colocá-la debaixo dos móveis, mas no velador, para que a todos ilumine. Portanto, não basta que me consideres luz, é preciso que te tornes luz.

Discípulo – Cada vez mais me arrebatas com a tua luz, aclarando os problemas da vida, tornando acessíveis a todas as inteligências os mais complexos problemas sociais.

Mestre – Confessas que tens entendido o que eu disse? Bem-aventurado serás, se puseres em prática os meus ensinamentos. Não te esqueças: se os praticares. Trata, pois, de descobrir o reino de Deus em ti mesmo, no teu coração; depois, procura implantá-lo no teu lar; depois, na tua rua; depois, no mundo. Não tenhas pressa. Confia e espera, vigia e ora. Não penses em fazer o mais, antes de fazer o menos. No Universo, tudo é ordem e harmonia.

/...

" Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua doce e encantadora magia, dedico esta obra. "
                                                                                Pedro de Camargo “Vinícius”


Pedro de Camargo “Vinícius” (i)Em torno do MestrePrimeira Parte / Seixos e Gravetos; O Pai e o filho / O Mestre e o discípulo, 6º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria, óleo sobre tela (1654-1655), de Johannes Vermeer)

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