as harmonias do Espaço ~
Uma das impressões que nos causa, à noite, a observação dos
céus, é a de majestoso silêncio; mas esse silêncio é apenas aparente; resulta
da impotência dos nossos órgãos. Para seres mais bem aquinhoados,
portadores de sentidos abertos aos ruídos subtis do Infinito, todos os mundos
vibram, cantam, palpitam, e as suas vibrações, combinadas, formam um imenso
concerto. Esta lei das grandes harmonias celestes podemo-la observar
na nossa própria família solar.
Sabe-se que a ordem de sucessão dos planetas no Espaço é regulada por uma lei de progressão, chamada lei de Bode. (') As distâncias dobram, de planeta a planeta, a partir do Sol. Cada grupo de satélites obedece à mesma lei. Ora, esse modo de progressão tem um princípio e um sentido. Esse princípio liga-se ao mesmo tempo às leis do número e da medida, às matemáticas e à harmonia. ('')
As distâncias planetárias são reguladas segundo a ordem moral da progressão harmónica; exprimem a própria ordem das vibrações desses planetas e as harmonias planetárias; calculadas segundo estas regras, resultam em perfeito acordo. Poder-se-ia comparar o sistema solar a uma harpa imensa, da qual os planetas representam as cordas. Seria possível, diz Azbel, “reduzindo a cordas sonoras à progressão das distâncias planetárias, construir um instrumento completo e absolutamente afinado”. (i)
No fundo (e nisso reside a maravilha), a lei que rege as
relações do som, da luz e do calor é a mesma que rege o movimento, a formação e
o equilíbrio das esferas, de igual maneira que lhes regula as distâncias. Essa
lei é, ao mesmo tempo, a dos números, das formas e das ideias. É a lei da
harmonia por excelência: é o pensamento, é a acção divina vislumbrada!
A palavra humana é muito pobre, insuficiente, para exprimir
os mistérios adoráveis da harmonia eterna. A escrita musical somente pode
fornecer a sua síntese, comunicar a sua impressão estética. A música,
idioma divino, exprime o ritmo dos números, das linhas, das formas, dos
movimentos. É por ela que as profundezas se animam e vivem. Ela
enche com as suas ondas o edifício colossal do Universo, templo augusto onde
retine o hino da vida infinita. Pitágoras e Platão acreditavam já
perceber “a música das esferas”.
No Sonho de Cipião, narrado por Cícero numa das suas
belas páginas, que nos legou a antiguidade, o sonhador entretém-se com
a Alma de seu pai, Paulo Emílio, e a de seu avô, Cipião, o africano; contempla
com elas as maravilhas celestes e o diálogo seguinte se estabelece:
– ”Que harmonia é essa, tão poderosa e tão doce que me
penetra?” – pergunta Cipião. Responde-lhe o avô:
– ”É a harmonia que, formada de intervalos
desiguais, mas combinados, de acordo com justa proporção, resulta do impulso e
do movimento das esferas; fundidos os tons graves e os tons agudos num acorde
comum, faz de todas essas notas, tão variadas, um melodioso concerto. Tão
grandes movimentos não se podem executar em silêncio.”.
Quase todos os compositores de génio que ilustraram a arte
musical, assim os Bach, os Beethoven, os Mozart, etc.,
declararam que percebiam harmonias muito superiores a tudo que se pode
imaginar, harmonias impossíveis de serem descritas. Beethoven, enquanto
compunha, ficava fora de si, arrebatado numa espécie de êxtase, e escrevia
febrilmente, ensaiando em vão reproduzir essa música celeste que o deslumbrava.
É preciso uma faculdade psíquica notável para possuir a tal
ponto o dom da receptividade. Os raros humanos que a possuem afirmam que, quantos
já surpreenderam o sentido musical do Universo, encontraram a forma superior, a
expressão ideal da beleza e da harmonia eternas. As mais elevadas
concepções do género humano são, apenas, um eco longínquo, uma vibração
enfraquecida da grande sinfonia dos mundos.
É a fonte dos mais puros gozos do Espírito, o segredo da
vida superior, cuja potência e intensidade os nossos sentidos grosseiros nos
impedem, ainda, de compreender e sentir.
Para aquele que os pode gozar plenamente, o tempo não tem
medida e a série dos dias inumeráveis não parece mais que um dia.
Mas essas alegrias, ainda ignoradas, no-las dará a evolução,
à medida que nos formos elevando na escala das existências e dos mundos.
Já conhecemos médiuns que percebem, em
estado de transe, suaves melodias. As lágrimas abundantes que vertem
testemunham não serem ilusórias as suas sensações.
Voltemos ao estudo dos movimentos das esferas e notemos que
não há, até mesmo tratando-se das próprias excepções à regra universal de
harmonia e dos desvios aparentes dos planetas, nada há que não se explique e
não seja assunto de admiração. Esses movimentos constituem espécies de
“diálogos de vibrações tão aproximados quanto possível do uníssono” e
apresentam um encanto estético a mais nesse prodígio de beleza que é o
Universo.
Um exemplo, dos mais incisivos, é o dos pequenos planetas,
chamados telescópicos, que evolvem entre Marte e Júpiter, em número de cerca de
520, ocupando um espaço de oitava inteiro, dividido em outros tantos graus; de
onde a probabilidade de que esse conjunto de mundículos não constitua, como se
tem acreditado, um universo de destroços, mas o laboratório de muitos
mundos em formação, mundos dos quais o estudo do céu nos dirá a génese futura.
As grandes relações harmónicas que regulam a situação
respectiva dos planetas de nosso sistema solar são em número de quatro e
encontram a sua aplicação:
Em primeiro lugar: do Sol a Mercúrio; neste ponto também as
forças harmónicas estão em trabalho; planetas novos se esboçam.
Depois, de Mercúrio a Marte. É a região dos pequenos
planetas, em que se move a nossa Terra, representando o papel de
dominante local, com tendência a afastar-se do Sol para se aproximar das
harmonias planetárias superiores. Marte, componente desse grupo e do
qual podemos distinguir, ao telescópio, os continentes, os mares, os canais
gigantes, todo o aparelho de uma civilização anterior à nossa, embora menor, é
mais bem equilibrado que a nossa morada.
Os 500 planetas telescópicos constituem, em seguida, um
intervalo de transição; formam uma espécie de colar de pérolas celestes ligando
o grupo de planetas inferiores à imponente cadeia dos grandes planetas, de
Júpiter a Neptuno, e além. Tal cadeia forma a quarta relação harmónica, de
notas decrescentes qual o volume das esferas gigantescas que a compõem. Nesse
grupo, Júpiter tem o papel de dominante; os dois mundos, maior e menor, nele se
combinam.
“Semelhante à inversão harmónica do som – diz Azbel (ii) –,
é por uma progressão constante que o grupo antigo de Neptuno e Júpiter afirma a
formação de seus volumes. O caos de corpúsculos telescópicos que segue fez
estacar bruscamente essa progressão. Júpiter lá ficou qual um segundo
sol, no limiar dos dois sistemas. Dos registos de oitava e de segunda
dominante, passou ao de tónica secundária e relativa, para exprimir o carácter
de registo especial, evidentemente menor e relativo, em paralelo ao do Sol, que
ia preencher, enquanto formações mais novas se dispunham aquém, afastando-o,
pouco a pouco, e aos mundos seus tutelados, do astro de que é o mais robusto
filho.”
Robusto, com efeito, e bem imponente no seu curso, esse
colossal Júpiter, que gosto de contemplar na calma das noites de
verão, mil e duzentas vezes maior que o nosso globo, escoltado pelos seus cinco
satélites, dos quais um, Ganimedes, tem o volume de um planeta. Ereto
sobre o plano de sua órbita, de maneira a gozar de igualdade perpétua de
temperatura sob todas as latitudes, com dias e noites sempre uniformes
na sua duração, é, além disso, composto de elementos de densidade quatro
vezes menor que os da nossa maciça morada, o que permite entrever,
para os seres que habitam ou terão de habitar Júpiter, facilidades de
deslocamento, possibilidades de vida aérea que devem fazer dele uma vivenda de
predilecção. Que teatro magnífico da vida! Que cena de encanto e de
sonho esse astro gigante!
Mais estranho, mais maravilhoso ainda é Saturno, cujo
aspecto se faz tão impressionante ao telescópio; Saturno é igual a oitocentos
globos terrestres amontoados, com seu imenso diadema, em forma de anel,
e os seus oito satélites, entre os quais Titã, igual em dimensões ao
próprio Marte.
Saturno, com o cortejo rico que o acompanha em sua lenta
revolução através do Espaço, constitui, por si só, um verdadeiro universo,
imagem reduzida do sistema solar. É um mundo de trabalho e de
pensamento, de ciência e de arte, onde as manifestações da inteligência e da
vida se desenvolvem sob formas de variedade e riqueza inimagináveis. A sua
estética é sábia e complicada; o sentimento do belo tornou-se ali mais
subtil e mais profundo pelos movimentos alternantes, pelos eclipses dos
satélites e dos anéis, por todos os jogos de sombra, de luz, de cores, em que
as nuançes se fundem em gradações desconhecidas à vista dos
habitantes da Terra, e também por acordes harmónicos, bem comoventes nas suas
conclusões analógicas com os do universo solar por inteiro!
Vêm depois, nas fronteiras do império do Sol, Urano e
Neptuno, planetas misteriosos e magníficos, cujo volume é igual a quase uma
centena de globos terrestres reunidos. A nota harmónica de Neptuno seria
“a culminante do acorde geral, o cimo do acorde maior de todo o sistema”. Depois,
são outros planetas longínquos, sentinelas perdidas do nosso agrupamento
celeste, ainda despercebidos, mas pressentidos e até calculados, segundo as
influências que exercem nos confins do nosso sistema, longa cadeia que nos liga
a outras famílias de mundos.
Mais longe se desenvolve o imenso oceano estelar,
voragem de luz e de harmonia, cujas vagas melodiosas por toda a parte envolvem,
a embalá-lo, o nosso universo solar, esse universo para nós tão vasto
e tão mesquinho em relação ao Além. É a região do desconhecido, do mistério, que
atrai sem cessar o nosso pensamento, sendo este impotente para medir, para
definir os seus milhões de sóis de todas as grandezas, de todas as potências,
os seus astros múltiplos, coloridos, focos terríficos que iluminam as
profundezas, vertendo em ondas a luz, o calor, a energia, transportados na
imensidão com velocidades formidáveis, com os seus cortejos de mundos,
terras do céu, invisíveis, mas suspeitadas, e as famílias humanas que os
habitam, os povos e as cidades, as civilizações grandiosas de que são teatro.
Por toda a parte maravilhas sucedem às maravilhas: grupos de
sóis animados de colorações estranhas, arquipélagos de astros, cometas
desgrenhados, errando na noite de seu afélio, focos moribundos que
se acendem de repente e fulgem no fundo do abismo, pálidas nebulosas de forma
fantástica, fantasmas luminosos cujas irradiações – diz Herschel – levam
20.000 séculos para chegar até à nossa Terra, formidáveis géneses de universos,
berços e túmulos da vida universal, vozes do passado, promessas do futuro,
esplendores do Infinito!
E todos esses mundos unem as suas vibrações numa poderosa
melodia... A alma livre dos raios terrestres, chegada a essas alturas, ouve a
voz profunda dos céus eternos!
/...
(') Johann
Elert Bode, astrónomo alemão (1747-1826).
('') Vide Azbel, Harmonia dos Mundos.
(i) Vide Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 29.
(ii) Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 13.
('') Vide Azbel, Harmonia dos Mundos.
(i) Vide Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 29.
(ii) Azbel, Harmonia dos Mundos, pág. 13.
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte /
Deus e o Universo, IV As harmonias do Espaço 1 de 2,
14º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e
violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)
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