– Os Dogmas
Como palhetas de ouro nas ondas turvas de um rio, a Igreja
mescla, no seu ensino, a moral evangélica pura na vacuidade das próprias
concepções.
Acabamos de ver que, depois da morte do Mestre, os primeiros cristãos tinham,
nas suas comunicações com o mundo invisível, abundante fonte de inspirações.
Utilizavam-nas abertamente. Mas as instruções dos Espíritos nem sempre estavam
em harmonia com as opiniões do sacerdócio nascente, que, se nestas relações
encontrava um amparo, nelas muitas vezes encontrava também uma crítica severa
e, às vezes, mesmo uma condenação.
Pode ver-se no livro do padre de Longueval, (ii) como, à medida
que se constitui a obra dogmática da Igreja, nos primeiros séculos, os
Espíritos se afastam pouco a pouco dos cristãos ortodoxos, para inspirar os que
eram então designados sob o nome de heresiarcas (i).
Montanus, diz também o abade de Fleury, (iii) tinha duas
profetisas, duas senhoras nobres e ricas, chamadas Priscila e Maximiza.
Carenciado também obtinha revelações. (iv) Apolónio de Tiana contava-se entre esses homens
favorecidos pelo céu, que são assistidos por um “espírito sobrenatural”. (v) Quase
todos os mestres da escola de Alexandria eram inspirados por génios superiores.
Todos estes Espíritos, apoiando-se na opinião de S. Paulo: “o que por enquanto possuímos em conhecimento e
profecia é muito imperfeito” (I Coríntios, XIII, 9) – traziam, diziam eles, uma
revelação que vinha confirmar e completar a de Jesus.
Desde o século III, afirmavam que os dogmas impostos pela Igreja, como um
desafio à razão, não eram mais que um obscurecimento do pensamento do Cristo.
Combatiam os faustos já excessivos e escandalosos dos bispos, insurgindo-se
energicamente contra o que a seus olhos era uma corrupção da moral. (vi)
Esta oposição crescente tornava-se intolerável aos olhos da Igreja. Os “heresiarcas”, aconselhados e dirigidos pelos Espíritos,
entravam em luta aberta contra ela. Interpretavam o Evangelho com amplidão de
vistas que a Igreja não podia admitir, sem cavar a ruína dos seus interesses
materiais. Quase todos se tornavam neoplatónicos, aceitando as vidas sucessivas (reencarnação) do homem e o que Orígenes denominava “os castigos medicinais”, isto é,
punições proporcionais às faltas da alma, reencarnando em novos corpos, para
resgatar o passado e purificar-se pela dor. Esta doutrina, ensinada
pelos Espíritos e cuja sanção Orígenes e muitos padres da Igreja, como vimos,
encontravam nas Escrituras, era mais conforme com a justiça e misericórdia
divinas. Deus não pode condenar as almas a suplícios eternos, depois de uma
vida única, mas lhes deve dar os meios para se elevarem mediante existências
laboriosas e provas aceites com resignação e serem suportadas com coragem.
Esta doutrina de esperança e de progresso não provocava, aos olhos dos
chefes da Igreja, o terror suficiente da morte e do pecado. Não
permitia firmar sobre bases convenientemente sólidas a autoridade do
sacerdócio. O homem, podendo resgatar-se a si próprio das suas faltas,
não necessitava do padre. O dom de profecia, a comunicação constante com os
Espíritos, eram forças que, sem cessar, minavam o poder da Igreja. Esta,
assustada, resolveu pôr termo à luta, sufocando o profetismo. Impôs silêncio a
todos os que, invisíveis ou humanos, no intuito de espiritualizar o
Cristianismo, afirmavam ideias cuja elevação a amedrontava.
Depois de ter, durante três séculos, reconhecido no dom de profecia, ou
da mediunidade acessível a todos, conforme a promessa dos
apóstolos, um meio soberano de elucidar os problemas religiosos e
fortificar a fé, a Igreja chegou a dizer que tudo o que provinha desta fonte
não era mais que pura ilusão ou obra do demónio. Ela se proclamou, do
alto da sua autoridade, a única profecia viva, a única revelação perpétua e
permanente. Tudo o que dela não provinha foi condenado, amaldiçoado. Todo
esse lado grandioso do Evangelho, de que temos falado; toda a obra dos profetas
que o completava e esclarecia, foi recalcado para a sombra. Já não se
tratou mais dos Espíritos nem da elevação dos seres na escala das existências e
dos mundos, nem do resgate das faltas cometidas, nem dos progressos efectuados
e dos trabalhos realizados através do infinito dos espaços e do tempo.
Perderam-se de vista todos os ensinos; a tal ponto se esqueceu a verdadeira
natureza dos dons de profecia que os modernos comentadores das Escrituras dizem
que “a profecia era o dom de explicar aos fiéis os mistérios da
religião”. (vii) Os profetas eram, a seu ver, “o bispo e o
padre que julgavam, pelo dom do discernimento e as regras da Escritura, se o
que fora dito provinha do espírito de Deus ou do espírito do demónio”: – contradição
absoluta com a opinião dos primeiros cristãos, que nos profetas viam
inspirados, não de Deus mas dos Espíritos, como o diz S. João, na passagem de sua primeira Epístola (IV, 1), já
citada.
Por um momento, ter-se-ia podido acreditar que, aliada ao descortino profundo dos filósofos de Alexandria (i), a doutrina de Jesus ia prevalecer sobre as
tendências do misticismo judaico-cristão e lançar a Humanidade na ampla via do
progresso, na fonte das altas inspirações espirituais. Mas os
homens desinteressados, que amavam a verdade pela verdade, não eram bastante
numerosos nos concílios. As doutrinas que melhor se adaptavam aos interesses
terrenos da Igreja foram elaboradas por essas célebres assembleias, que não
cessaram de imobilizar e materializar a Religião. Graças a elas e sob
a soberana influência dos pontífices romanos é que se elevou, através dos
séculos, essa amálgama de dogmas estranhos, que nada têm de comum com o
Evangelho e lhe são muitíssimo posteriores – sombrio edifício em que o
pensamento humano, semelhante a uma águia engaiolada, impotente para desdobrar
as asas e não vendo mais que uma nesga do céu, foi encerrado durante tanto
tempo como numa catacumba.
Esta pesada construção, que obstrui o caminho à Humanidade, surgiu na Terra em
325 com o concílio de Nicéia e foi concluída em 1870 com o
último concílio de Roma. Tem por alicerce o pecado original e por
coroamento a imaculada Conceição e a infalibilidade papal.
É por esta obra monstruosa que o homem aprende a conhecer esse Deus implacável
e vingativo, esse inferno sempre actuante, esse paraíso fechado a tantas almas
valorosas, a tantas inteligências generosas, e facilmente alcançado por uma
vida de alguns dias, terminada após o baptismo – concepções que têm impelido
tantos seres humanos ao ateísmo e ao desespero.
Examinemos os principais dogmas e mistérios, cujo conjunto constitui o ensino
das igrejas cristãs. Encontramos a sua exposição em todos os catecismos
ortodoxos.
Começa com essa estranha concepção do Ser divino, que se resolve no mistério
da Trindade, um só Deus em três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito-Santo.
Jesus trouxera ao mundo uma noção da divindade, desconhecida para o Judaísmo. O
Deus de Jesus já não é o déspota zeloso e parcial que protege
Israel contra os outros povos; é o Deus Pai da Humanidade. Todas as nações,
todos os homens, são seus filhos. É o Deus em quem tudo vive, se move e
respira, imanente na Natureza e na consciência humana.
Para o mundo pagão, como para os judeus, esta noção de Deus encerrava toda uma
revolução moral. Aos homens que tudo haviam chegado a divinizar e a temer tudo
o que haviam divinizado, a doutrina de Jesus revelava a existência de um só Deus, Criador e
Pai, por quem todos os homens são irmãos e em cujo nome eles se devem afeição e
assistência. Ela tornava possível a comunhão com este Pai, pela união
fraternal dos membros da família humana. Franqueava a todos o caminho da
perfeição pelo amor ao próximo e pela dedicação à Humanidade.
Esta doutrina, simples e grande ao mesmo tempo, devia elevar o espírito humano
a alturas admiráveis, até ao Foco divino, cuja irradiação todo o
homem pode sentir dentro em si mesmo. Como foi que esta ideia simples e pura,
que podia regenerar o mundo, ser transformada ao ponto de se tornar
irreconhecível?
É o resultado das paixões e dos interesses materiais que
entraram em jogo no mundo cristão, depois da morte de Jesus.
A noção de Trindade, colhida numa lenda hindu que era a expressão de um
símbolo, veio obscurecer e desnaturar essa alta ideia de Deus. A
inteligência humana podia elevar-se a essa concepção do Ser eterno, que abrange
o Universo e dá a vida a todas as criaturas: não pode a si mesma explicar como
três pessoas se unem para constituir um só Deus. A questão da
consubstancialidade em nada elucida o problema. Em vão nos advertiriam que o
homem não pode conhecer a natureza de Deus. Neste caso, não se trata
dos atributos divinos, mas da lei dos números e medidas, lei que
tudo regula no Universo, mesmo as relações que ligam a razão humana à razão
suprema das coisas.
Esta concepção trinitária, tão obscura, tão incompreensível, oferecia,
entretanto, grande vantagem às pretensões da Igreja. Permitia-lhe fazer
de Jesus-Cristo um Deus. Conferia ao poderoso Espírito, a que ela
chama o seu fundador, um prestígio, uma autoridade, cujo esplendor sobre ela
recaía e assegurava o seu poder. Nisso está o segredo da sua adopção pelo
concílio de Nicéia. As discussões e perturbações que esta questão suscitou
agitaram os espíritos durante três séculos e só vieram a cessar com a
proscrição dos bispos arianos, ordenados pelo imperador Constâncio, e o banimento do papa Libério que recusava sancionar a decisão do
Concílio. (viii)
A divindade de Jesus, rejeitada por três concílios, o mais importante dos quais
foi o de Antioquia (269), foi, em 325, proclamada pelo de Nicéia, nestes
termos:
“A Igreja de Deus, católica e apostólica, anatematiza os que dizem que houve um tempo em que o
Filho não existia, ou que não existia antes de haver sido gerado.”
Esta declaração está em contradição formal com as opiniões dos apóstolos. Ao
passo que todos acreditavam o Filho criado pelo Pai, os bispos do
século IV proclamavam o Filho igual ao Pai, “eterno como ele, gerado e não
criado”, opondo assim um desmentido ao próprio Cristo, que dizia e repetia:
“meu Pai é maior do que eu”.
Para justificar essa afirmação, apoia-se a Igreja em certas palavras do Cristo,
que, se exactas, foram mal compreendidas, mal interpretadas. Em João (X, 33),
por exemplo, se diz: “Nós te apedrejamos porque, sendo homem, te fazes Deus a
ti mesmo”.
A resposta de Jesus destrói essa acusação e revela o seu pensamento íntimo:
“Não está escrito na vossa lei: – Eu disse: vós sois deuses?” (João, X,
34). (ix)
“Se ela chamou deuses àqueles a quem a palavra de Deus foi dirigida...” (João,
X, 35).
Todos sabem que os antigos, latinos e orientais, chamavam deuses a todos
quantos, por qualquer motivo, se tornavam superiores ao comum dos homens. (x) O
Cristo preferia a essa qualificação abusiva, a de filho de Deus para
designar os que investigavam e observavam os divinos ensinamentos. É o que ele
expõe no versículo seguinte:
“Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus,
V, 9).
Os apóstolos atribuíam o mesmo sentido a esta expressão:
“Todos os que são levados pelo Espírito de Deus, esses tais são filhos de
Deus.” (S. Paulo, Epístola aos Romanos, VIII, 14)
Jesus confirma-o em muitas circunstâncias:
“A mim, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, porque dizeis vós “Tu
blasfemas”, por eu ter dito que sou Filho de Deus?” (João, X, 36) (xi)
A um israelita replicou: “Porque me chamais bom? Ninguém é bom senão unicamente Deus.”
(Lucas, XVIII, 19). “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma. Não sigo a
minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou.” (João, V, 30).
As seguintes palavras são ainda mais explícitas:
“Procurais tirar-me a vida, a mim que sou um homem, que vos tenho dito a
verdade que de Deus ouvi.” (João, VIII, 40)
“Se me amásseis, certamente havíeis de gostar que eu vá para o Pai, porque o
Pai é maior do que eu.” (João, XIV, 28)
“Jesus diz a Madalena: Vai a meus irmãos e diz-lhes que eu vou para o meu Pai e
o vosso Pai, para o meu Deus e o vosso Deus.” (João, XX, 17)
Assim, longe de manifestar a ideia sacrílega de que era Deus, em todas as circunstâncias
Jesus fala do Ser infinito como a criatura deve falar do Criador, ou ainda como
um subordinado fala do seu senhor.
Nem mesmo a sua mãe acreditava na sua divindade, e todavia quem mais autorizado
que ela a admiti-la? Não recebera a visita do anjo que lhe anunciava a vinda do
Menino, abençoado pelo Altíssimo e por sua graça concebido? (xii) Porque
tenta, pois, embaraçar-lhe a obra, imaginando que ele perdera o juízo? (xiii) Há
aí contradição patente.
Os apóstolos por sua vez não viam em Jesus senão um missionário enviado do céu,
um espírito sem dúvida superior pelas suas luzes e virtudes, mas humano. A sua
atitude para com ele, a sua linguagem, provam-no claramente.
Se o tivessem considerado um Deus não se teriam prosternado diante dele, não seria ajoelhados que lhe
teriam falado? ao passo que a sua deferência e respeito não ultrapassem o
devido a um mestre, a um homem eminente. E ao demais esse título do mestre (em
hebreu rabi) que lhe dispensavam habitualmente. Os evangelhos dão o testemunho
disso. Quando lhe chamam de Cristo, não vêem nesse qualitativo senão o sinónimo
de enviado de Deus.
Respondeu Pedro: “Tu és o Cristo.” (marcos, VIII, 29).
O pensamento dos apóstolos encontra-se explicado, esclarecido por certas
passagens dos Actos (II, 22). Pedro, dirigindo-se à multidão:
“Varões israelitas, ouvi as minhas palavras. Jesus
Nazareno foi um varão (virium), aprovado por Deus entre nós,
com virtudes, prodígios e sinais que Deus obrou por ele no meio de nós.”
Encontra o mesmo pensamento expresso em Lucas, XXIV, 19:
“Jesus de Nazaré foi um profeta, poderoso em obras e
palavras diante de Deus e de todo o povo.”
Se os primeiros cristãos tivessem acreditado na divindade de Jesus, se dele
houvessem feito um Deus, a sua religião teria submergido na multidão que o
império Romano admitia, em cada qual existindo divindades particulares. Os
arroubos de entusiasmos dos apóstolos, a indomável energia dos mártires, tinham
a sua origem na ressurreição do Cristo. Considerando-o um homem semelhante a
eles, viam nessa ressurreição a prova manifesta da sua própria
imortalidade. São Paulo confirma com absoluta clareza esta opinião,
quando diz:
“Pois se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou. E se Cristo
não ressuscitou, é logo vã a nossa pregação, é também vã a nossa fé. E somos
assim mesmo convencidos por falsos testemunhos de Deus, dizendo que ressuscitou
a Cristo, o qual não ressuscitou, se os mortos não ressuscitam”. (xiv)
Assim, para os discípulos de Jesus, como para todos os que atentamente, e sem
paixão, estudam o problema dessa existência admirável, o Cristo, segundo a
expressão que a si próprio aplica, não é que o “profeta” de Deus, isto é, um
intérprete, um porta-voz de Deus, um Espírito dotado de faculdades especiais,
de poderes excepcionais, mas não superiores à natureza humana.
A sua clarividência, as suas inspirações, o dom de curar que possuía em tão
elevado grau, encontram-se em épocas diversas e em diferentes graus, em outros
homens.
Pode comprovar-se a existência destas faculdades nos médiuns dos nossos dias, não agrupadas, reunidas de
modo a constituírem uma poderosa personalidade como a do Cristo, mas dispersas,
distribuídas por grande número de indivíduos. As curas de Jesus não são
milagres, (xv) mas a aplicação de um poder fluídico e
magnético, que novamente se encontra mais ou menos desenvolvido, em certos
curadores da nossa época. Estas faculdades estão sujeitas a variações, a
intermitências que no próprio Cristo se observam, como o provam os versículos
do Evangelho de Marcos (VI, 4, 5):
“Mas Jesus lhes dizia: Um profeta só deixa de ser honrado na sua pátria, em sua
casa e entre os seus parentes. E não podia ali fazer milagre algum.”
Todos os que têm de perto observado os fenómenos do Espiritismo, do magnetismo
e da sugestão, e remontado dos efeitos à causa que os produz, sabem que existe
uma grande analogia entre as curas operadas pelo Cristo e as obtidas pelos que
exercem modernamente estas funções. Como ele, mas com menos força e êxito, os
curadores espíritas tratam dos casos de obsessão e possessão e, com o auxílio
de passes, tocando os indivíduos pela imposição das mãos, libertam os doentes
dos males produzidos pela influência dos Espíritos impuros, daqueles que a
Escritura designa pelo nome de demónios:
“À tarde, porém, apresentaram-lhe muitos endemoninhados, dos quais ele expelia os maus espíritos com
a sua palavra; e curou todos os enfermos.” (Mateus, VIII, 16)
A maior parte das doenças nervosas provém das perturbações causadas por
estranhas influências no nosso organismo fluídico, ou perispírito. A Medicina, que estuda simplesmente o corpo
material, não pôde descobrir a causa destes males e os remédios a eles
aplicáveis. Por isso é quase sempre impotente para os curar. A acção fluídica
de certos homens, firmados na vontade, na prece e na assistência dos Espíritos
elevados, pode fazer cessar essas perturbações, restituir ao invólucro fluídico
dos doentes as suas vibrações normais e forçar a se retirarem os maus
Espíritos. Era o que Jesus obtinha facilmente, como o obtinham, depois dele, os
apóstolos e os santos.
Os conhecimentos difundidos entre os homens pelo moderno Espiritualismo
permitem melhor compreender e definir a alta personalidade do Cristo. Jesus era
um missionário divino, dotado de poderosas faculdades, um médium incomparável. Ele próprio o afirma:
“Eu não falei de mim mesmo, mas o Pai que me enviou é o mesmo que me prescreveu
o que devo dizer e o que devo falar.” (João, XII, 49)
A todas as raças humanas, em todas as épocas da História, enviou Deus
missionários, Espíritos superiores, chegados, pelos seus esforços e
merecimentos, ao mais alto grau da hierarquia espiritual. Podem acompanhar-se,
através dos tempos, os sulcos dos seus passos. As suas frontes dominam,
sobranceiras, a multidão dos humanos que eles têm o encargo de dirigir para as
altitudes intelectuais.
O céu os apercebeu para as lutas do pensamento; dele receberam o poder e a
intrepidez.
Jesus é um desses missionários divinos e é de todos o maior. Destituído da
falsa auréola da divindade, mais imponente ele nos parece. Os seus sofrimentos,
os seus desfalecimentos, a sua resignação, deixam-nos quase insensíveis, se
oriundos de um Deus, mas tocam-nos, comovem-nos profundamente em um irmão.
Jesus é, de todos os filhos dos homens, o mais digno de admiração. É
extraordinário no sermão da montanha, no meio da turba dos humildes. É maior
ainda no Calvário, quando a sombra da cruz se estende sobre o mundo, na tarde
do suplício.
Nele vemos o homem que ascendeu à iminência final da evolução, e neste sentido
é que se lhe pode chamar deus, assim conciliando os apologistas da sua
divindade com os que a negam. A humanidade e a divindade do Cristo representam
os extremos de sua individualidade, como o são para todo o ser humano. No fim
de nossa evolução, cada qual se tornará um “Cristo”, será uno com o Pai e terá
alcançado a condição divina.
A passagem de Jesus pela Terra, os seus ensinamentos e exemplos, deixaram-nos
traços indeléveis; a sua influência se estenderá pelos séculos vindouros. Ainda
hoje, ele preside aos destinos do globo em que viveu, amou, sofreu. Governador
espiritual deste planeta, veio, com o seu sacrifício, encarreirá-lo para a
senda do bem e é sob a sua direcção oculta e com o seu apoio que se opera essa
nova revelação, que, sob o nome de moderno espiritualismo, vem restabelecer a
sua doutrina, restituir aos homens o sentimento dos próprios deveres, o
conhecimento de sua natureza e dos seus destinos.
/…
(ii) História da Igreja galicana, t. 1,
pág. 84.
(iii) Hist. ecies., liv. N, 6.
(iv) Ibidem, liv. 11, 3.
(v) Ibidem, liv. I, 9.
(vi) Padre de Longueval, História da
igreja galicana, 1, 84.
(vii) De Maistre de Sacy (i), Comentários sobre São Paulo, 1, 3, 22,
29.
(viii) Ver, quanto às particularidades destes
factos. E. Bellemare, Espírita e Cristão, Pág. 212.
(ix) Estas palavras referem-se à seguinte
passagem do Salmo LXXXI, v. 6: "Eu disse: vós sois deuses e todos
filhos do Excelso."
(x) Ver nota complementar nº 8. (← link para aceder a esta nota)
(xi) Se, na sua linguagem em parábolas, Jesus
algumas vezes se denomina filho de Deus, com muito mais frequência se
designa filho do homem. Esta expressão se encontra setenta e seis vezes
nos Evangelhos.
(xii) Lucas 1, 26-28.
(xiii) Marcos, 3, 21.
(xiv) I Coríntios, XV, 13-15.
(xv) O que se denomina milagres são fenómenos
produzidos por acção de forças desconhecidas, que a ciência descobre cedo
ou tarde. Não pode existir milagre no sentido de postergarão das leis
naturais. Com a violação destas leis, a desordem e a confusão penetrariam
no mundo. Deus não pode ter estabelecido leis para, em seguida, as violar.
Ele nos daria, assim, o mais pernicioso exemplo; porque, se violamos a
lei, poderemos ser punidos, ao passo que Deus, fonte da lei, terá atentado
contra ela?
Léon Denis (1846-1927) (i), Cristianismo e Espiritismo, Título
Original em Francês; Léon Denis - Christianisme et Spiritisme, Librairie des
Sciences Psychiques, Paris (1898). – Alteração do
Cristianismo – os Dogmas, (VI), 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Paraíso Perdido, estudo
do Anjo, lápis e giz de Alexandre Cabanel)

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