Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Deus na Natureza ~


~ O Destino dos Seres e das Coisas ~
~ Plano da Natureza ~ O Instinto e a Inteligência ~
(I)

  A construção lenta e progressiva dos seres e a formação das espécies duradouras estabelecem a presença permanente da causa criadora e proclamam, de forma eloquente, a sua sabedoria e inteligência.

  Se deixarmos, agora, de lado a organização do indivíduo, para estudarmos a da família, penetraremos nos mistérios do instinto e, ainda aí, encontraremos o plano do Criador brilhantemente caracterizado.

  Muito se há discutido sobre a alma animal, depois que DescartesLeibnitz e, a seguir, Reaniur se deram ao trabalho de observar in natura, directamente, a vida e costumes dos animais. É, sobretudo, pela observação directa que nos podemos instruir acerca da preciosa faculdade das espécies vivas, que lhes assegura a conservação e, basta constatar os sinais evidentes desta lei universal, para lhe aferir o valor, sob o ponto de vista dos desígnios da Criação.

  Antes de tudo, convém distinguir inteligência e instinto. Os animais possuem uma e o outro como faculdades bem distintas. Com a primeira pensam, reflectem, compreendem, decidem, recordam, adquirem experiência, amam, odeiam, julgam, por processos análogos aos da inteligência humana; com a segunda, operam obedecendo a uma impulsão íntima, sem apreensão, sem conhecimento, inconscientes do motivo e do resultado dos seus actos. Fixemos alguns exemplos, para melhor definir esses caracteres.

  Eis como nos fala Buffon de um orangotango ainda novo, por ele observado: – “Vi-o dar a mão para conduzir as pessoas que o visitavam e passear com elas como se estivesse convencido do seu papel; vi-o sentar-se à mesa, pegar um guardanapo, limpar os lábios, utilizar-se da colher e do garfo, encher o copo e tocá-lo noutro, quando a isso convidado; vi-o ir buscar uma chávena, pôr-lhe o açúcar e o chá, aguardando que este esfriasse para então o beber. Tudo isso, sem outra instigação que a palavra e a mímica do seu dono e, algumas vezes, por si mesmo. Não fazia mal a quem quer que fosse; mostrava-se mesmo circunspecto e na atitude de quem pedisse carinho, etc.”

  O Sr. Flourens diz que havia no Jardim Zoológico um orangotango notável pela inteligência: meigo, amante de carícias, principalmente das crianças, com elas brincava procurando imitar tudo quanto via, etc. Assim é que, sabia manejar a chave do seu compartimento, enfiando-a na fechadura e abrindo a porta. Se acontecia pendurarem a chave na chaminé, lá trepava por meio de uma corda presa ao tecto e que lhe servia comummente de balanço. Certa vez, deram um nó na corda, para fazê-la mais curta e, ele o desatou imediatamente. Tal como o de Buffon, não revelava a impaciência e petulância próprias da espécie, antes tinha um ar tristonho, passos lentos e gestos comedidos.

  O professor foi visitá-lo um dia, acompanhado por um ilustre ancião, que era também um observador sagaz e profundo.

  Um trajo algo esquisito, os passos lentos e vacilantes, o busto arqueado do visitante, logo despertaram a atenção do símio. Prestou-se ele, complacente, a tudo o que se lhe exigiu, mas, de olho sempre atento no objecto de sua curiosidade. Quando nos íamos retirar e ele mais se aproximou do novo visitante, tirou-lhe delicada e maliciosamente a bengala e, fingindo apoiar-se nela, curvado e vagaroso, deu uma volta ao compartimento, como procurando imitar o meu velho amigo.

  Depois, por si mesmo restituiu-lhe a bengala. É evidente que ele também sabia observar...

  Cuvier, por sua vez, observou factos não menos curiosos. O seu orangotango se divertia trepando as árvores e nelas permanecendo encarapitado. Um dia, fizeram menção de lá o irem buscar e ele logo se pôs a sacudir a árvore, assim procedendo sempre que tentavam apanhá-lo. “De qualquer modo – diz Cuvier – que consideremos este acto, não será possível negá-lo como resultante de uma combinação de ideias, para reconhecer que o animal possui a faculdade de generalizar.

  De facto, o orangotango, aqui, concluía de si para outrem: mais de uma vez, o abalo violento dos corpos, em que se apoiara, tê-lo-ia espavorido, levando-o a concluir que este mesmo medo atingiria a outrem, ou – para melhor dizer com Cuvier – “de uma circunstância particular ele fazia uma regra geral”.

  Flourens cita o exemplo de um curioso indício de inteligência, observado no Jardim Zoológico. Julgado excessivo o número de ursos lá existentes, foi resolvida a eliminação de dois exemplares. O veneno seria o ácido prússico, ministrado em pequenos bolos. À vista dos bolos, os animais logo se ergueram nas patas traseiras, abrindo a boca, na qual conseguiram atirar alguns bolos. Entretanto, logo rejeitaram o manjar e se puseram em fuga. Dir-se-ia que não seriam mais tentados a tocar na iguaria e, contudo, ei-los a empurrar com as patas os bolos para dentro do tanque e, depois de muito revolverem a água, iam comendo os bolos, à medida que o veneno se evaporava. Em o fazerem assim, impunemente demonstraram uma sagacidade que lhes granjeou a revogação da sentença.

  Plutarco afirma ter visto um cão atirar pedrinhas dentro de uma talha, não completamente cheia de óleo, admirando-se de como o cão pudesse induzir que o peso das pedras haveria de fazer subir e transbordar o conteúdo.

  Buffon escreveu belas páginas sobre a inteligência do cão, mas não lhe interpretou o alto valor. Há, nos fastos da espécie canina, exemplos de inteligência, habilidade raciocínio, julgamento, e também de afeição, devotamento, bondade e reconhecimento, dignos de serem apontados como modelo a uma grande parte do género humano.

  Poder-se-ia escrever uma série de volumes e nem assim se esgotaria o acervo de factos comprobatórios da inteligência animal, notadamente do cão. De resto, os adversários estão connosco em admitir estes factos. Citemos aqui o exemplo interessante de uma deliberação de andorinha, contado pelo autor de Força e Matéria. Um casal de andorinhas tinha começado a construir o ninho na cumeeira de uma casa. Um dia, entra por lá um bando de companheiras e travam longa discussão pela posse do ninho. Reunidas no forro da casa e não longe do ninho disputado, fizeram uma algazarra infernal. Depois de algum tempo, enquanto algumas andorinhas se destacavam para inspeccionar o ninho, se dissolveu a assembleia e o resultado foi o casal abandonar o ninho começado, entrando logo a construir outro em lugar quiçá mais adequado.”

  Um facto ainda mais notável veio à baila recentemente. Nos arredores de uma granja de Weddendorg, perto de Magdebourg, as cegonhas, após sério debate, julgaram uma companheira adúltera. Mataram-na às bicadas e atiraram-na fora do ninho (*).

  Agassiz, mais que ninguém, exalta as faculdades intelectuais dos animais. Depois de mostrar as dificuldades que ainda não permitem estabelecer uma comparação científica entre instintos e faculdades humanas e animais, emite ele as seguintes ideias: – “O desenvolvimento das paixões é tão extenso no animal quanto no homem e, eu me encontraria seriamente embaraçado para lhes apreender diferenças específicas, naturais, ainda que as haja e, grandes, no graduamento das manifestações e na forma de expressão. Ao demais, a gradação das faculdades morais entre os animais e o homem é tão imperceptível, que, recusar aos primeiros um certo sentimento de responsabilidade e consciência fora, certo, exagerar a diferença. Além disso, há neles, limitadas às suas respectivas capacidades, individualidades tão definidas como no homem. Os criadores de cavalos, os guardadores de animais, pastores, etc., aí estão para confirmá-lo.

  E aí temos argumentos dos mais fortes a favor da existência de um princípio imaterial em todos os animais análogo ao que, por excelência e faculdades superiores, coloca o homem em plano eminente. A maior parte dos argumentos filosóficos em prol da imortalidade do homem aplica-se, igualmente, à indestrutibilidade desse princípio nos outros seres vivos (**).

  Quem se atreveria hoje a pôr em dúvida a inteligência animal? Só um tímido espírito de sistema, temeroso das consequências desta verdade, em relação a umas tantas crenças, pode fechar os olhos à evidência. A nós, cumpria-nos constatar, antes de tudo, esta verdade, a fim de mais livremente podermos falar do instinto e derrocar a argumentação dos que presumem que o instinto não existe.

  Há, certamente, uma grande diferença entre actos instintivos e actos racionais. Não que esses dois caracteres da força viva se encontrem isolados (nada o está na Natureza), mas por não se encontrarem na mesma graduação e não se poderem confundir. Não devemos insistir, maioritariamente aqui, a respeito dos factos de ordem intelectual. Vamos, porém, compará-los aos factos inerentes ao domínio do instinto e que revelam existir uma providência universal presidindo à vida em geral e que não explicam de modo algum, pela instrução, o raciocínio ou o julgamento nos animais em que se deparam.

  Chama-se instinto ao conjunto das directivas que impelem o animal, obedecendo a uma necessidade constante. O instinto é inato, actua à revelia da instrução, inexperiente e invariavelmente e, não realiza progresso algum. É em tudo a antítese da inteligência. Tanto mais notáveis são os fenómenos do instinto quanto mais se afirmam inteiramente involuntários. “Não podemos fazer uma ideia nítida do instinto – dizia Georges Cuvier – senão admitindo que os animais sejam submetidos a imagens ou sensações inatas constantes, que os obrigam a proceder como levados por sensações acidentais. É uma espécie de sonho ou visão que os persegue incessante e, em tudo que se reporta ao instinto, podemos julgar os animais assim uma espécie de sonâmbulos.”

  Frédéric Cuvier consagrou parte da vida a descobrir a linha que separa o instinto da inteligência. Pode dizer-se, sem paradoxo, que não há linhas divisórias na Natureza. Aqui, porém, não se trata de metafísica. Contentemo-nos, assim, em ouvir o que diz o Sr. Flourens, das laboriosas observações do esforçado naturalista.

  O castor é um mamífero da ordem dos roedores, isto é, da ordem menos inteligente, e, contudo, possui um instinto maravilhoso, qual o de construir uma cabana sobre a água, com calçadas e diques e, tudo à mercê de uma indústria que demandaria inteligência elevadíssima, se de inteligência dependesse.

  O essencial, portanto, fora provar essa independência e foi isso o que fez F. Cuvier. Com castores muito novos, educados longe de seus pares e, por conseguinte, nada havendo com eles ou deles aprendido. Esses castores, assim isolados, solitários, postos numa jaula expressamente destinada à experiência e de forma a dispensá-los do seu trabalho peculiar construtivo, não se cobriram de o realizar, impelidos por uma força maquinal cega, ou seja um puro instinto.

  A mais completa antítese separa o instinto da inteligência. No instinto tudo é cego, necessário, invariável; na inteligência é tudo elevado, condicional, modificável. O castor que constrói uma cabana, o pássaro que constrói um ninho, só o fazem por instinto. O cão e o cavalo, que chegam a compreender o sentido de algumas palavras e nos obedecem, o fazem por inteligência.

  No instinto é tudo inato: o castor constrói sem haver aprendido. Dir-se-ia que o faz por uma fatalidade, dirigido por uma força constante e incoercível.

  Na inteligência é tudo resultado da experiência e da instrução: o cão obedece quando ensinado. E aí tudo é livre, o cão obedece porque quer.

  Finalmente, tudo no instinto é particular; essa indústria admirável que o castor utiliza ao construir a cabana não pode ele utilizá-la senão com esse fim; ao passo que, na inteligência, tudo se generaliza, uma vez que essa mesma maleabilidade de atenção e de concepção do cavalo e do cachorro pode aproveitar-lhes para fazer diversas coisas.

  Distinção que se impunha, esta. Na história da Natureza importa reconhecer em cada qual o que lhe pertence e exactamente o que lhe pertence, sem restrição sistemática, sem prevenção tendenciosa. Descartes e Buffon (este contraditório, às vezes) negam aos animais qualquer partícula de inteligência. Condillac e G. Leroy, ao contrário, chegam a conceder-lhes operações intelectuais das mais elevadas. É um erro duplo. Os animais não são plantas nem são homens. Weinband não tem razão em pretender que isso que designamos como instinto não passa de “indolência do espírito para livrar-se dos penosos esforços que o estado da alma animal reclama”. Não a tem, tampouco, Sachus, quando adita que “não há necessidade imediata, resultante da organização intelectual, nem pendores cegos e arbitrários que impulsem os animais”. Não hesitamos em reconhecer que esta questão, como todos os grandes problemas da Natureza, é difícil de resolver. Pensamos que, no seu estudo, como de resto noutras questões sucede, o homem se tem protegido mais com palavras que com ideias. Quando não se compreende o acto inteligente de um animal, é comum ligar-se ao embaraço, utilizando a palavra instinto, assim como um véu lançado ao objecto que se quer examinar; mas, à parte este processo ilusório, restam factos que não são certamente resultado de reflexão, nem de julgamento. Em vão o Sr. Darwin, e com ele Lamarck, afirmam que o instinto é um hábito hereditário. Esta explicação não transfere o instinto para os domínios da inteligência e, ainda menos, para os domínios do materialismo puro. Tampouco está demonstrado seja o instinto um hábito hereditário. Consideremos essas borboletas que vivem no ar e que, chegando à terceira fase da sua maravilhosa existência, se entreabrem aos beijos da luz e aos eflúvios do amor.

  Célere, depositarão em círculos concêntricos minúsculos ovos brancos, sobre talos ou folhas. Esses ovos não vingarão antes da próxima estação, quando surgem as pequenas lagartas e, isso depois de transcorridos muitos dias, quando as borboletas já dormem na poeira o sono da morte. Que voz teria ensinado a estas novas borboletas que as futuras lagartas, ao desovarem, hão de encontrar tal ou tal alimentação? Quem lhes aponta os talos e as folhas em que hajam de depositar os seus ovos? Os pais? Mas, se os não conhecem? Será, então, das folhas e talos que lhes advém a memória?

  Que memória, porém, se elas viveram três existências após essa época longínqua e substituíram os alimentos inferiores pelo manjar delicado das corolas olentes? Eis aqui, porém, outras espécies que protestam, ainda mais vivamente, contra as explicações humanas. Os necróforos (nome lúgubre) morrem imediatamente após a postura e as gerações jamais se conhecem. Nenhum ser desta espécie viu a mãe nem verá os filhos e, contudo, as mães têm grande cuidado em dispor cadáveres ao lado dos ovos, para que aos filhos não falte alimento logo ao nascer. Em que parte aprenderam esses necróforos que os seus ovos contêm germe de insectos que em tudo se lhes assemelham? Há outras espécies nas quais o regime alimentar é inteiramente oposto, para a larva e para o insecto. Nos pompilídeos as mães são herbívoras e os filhos carnívoros. Em fazerem a postura sobre cadáveres, contrariam os próprios hábitos. E aqui não colhe admitir o acaso, nem o hábito lentamente adquirido. Qualquer espécie que aberrasse desta lei não poderia subsistir, visto que os rebentos morreriam de fome logo após o nascimento. A estes insectos podemos juntar os odíneros e os sphex. As larvas destes últimos são carnívoras e o ninho precisa ser provido de carne fresca. Para preencher essa condição, a fêmea que vai desovar busca uma presa conveniente, tendo o cuidado de não a matar, limitando-se a feri-la de paralisia irremediável. Coloca, depois, sobre cada ovo um certo número desses enfermos incapazes de se defenderem da larva que os há de devorar, mas com vida bastante para que o corpo não se corrompa. Em algumas famílias acresce o cuidado pela alimentação da presa, até à eclosão da larva.

  Os nossos elementos de argumentação, neste particular, são tão numerosos que seria impossível reuni-los a todos. Limitamo-nos, assim, a citar alguns exemplos, convidando o leitor a tirar da letra o espírito. Entre estes exemplos, incluamos o da abelha xilófaga, com a qual o Sr. Milne-Edwards entreteve recentemente, na Sorbonne, a curiosidade dos seus ouvintes.

  Essa abelha que vemos adejar na Primavera, que vive solitária e pouco sobrevive à postura, não viu nunca os genitores e não viverá o tempo suficiente para assistir ao nascimento das pequeninas larvas vermiformes, desprovidas de patas e incapazes, não só de se protegerem, como de angariar alimento. E, contudo, elas precisam permanecer em repouso cerca de um ano, numa habitação bem fechada, sob pena de se extinguir a espécie.

  Como, então, supor que a abelha gestante, antes de pôr o primeiro ovo, tenha podido adivinhar as necessidades da prole futura e o que deve fazer para lhe assegurar o bem-estar? Tivesse ela em partilha a inteligência humana e, nada soubera a tal respeito, visto que todo o raciocínio requer premissas. Este insecto, que nada pôde aprender, tudo prepara e opera sem hesitação, como se o futuro lhe estivera devassado e uma previdência racional a norteasse. Apenas lhe despontam as asas e logo a xilófaga trata de preparar a casa dos filhos. Com as mandíbulas, broca um tronco de madeira exposto ao Sol, escava uma longa galeria e vai depois buscar, longe, no pólen das flores, o néctar açucarado. É o cibo do recém-nascido e que lhe há de bastar, o “quantum satis”, para bem-viver até à Primavera próxima.

  Uma vez provida a despensa, aí deposita o ovo e ei-la amalgamando com terra a serragem prudentemente guardada e fazendo como que uma argamassa, de maneira que o leito dessa primeira cela se transforme em tecto de uma segunda despensa e berço da larva a nascer de outro ovo. Assim se constrói um edifício de alguns andares, no qual cada alojamento recolhe um ovo e servirá, mais tarde, à larva desse ovo.

  “Admira – diz Edwards – como diante de factos tão significativos e numerosos ainda haja quem nos venha dizer que todas as maravilhas da Natureza não passam de obras do acaso ou, então, de consequências das propriedades gerais da matéria; desta Natureza que faz a substância da pedra como da madeira e que os instintos da abelha, assim como as mais altas expressões da genialidade humana, não são mais que resultado de um jogo de forças físicas ou químicas, as mesmas que determinam o congelamento da água, a combustão do carvão e a queda dos corpos... Essas hipóteses balofas, ou melhor, essas aberrações do espírito, que se mascaram, às vezes, com o nome de ciência positiva, só podem ser repelidas pela verdadeira Ciência. O naturalista não poderia acreditá-lo.

  “Por pouco que penetremos num desses obscuros redutos onde se esconde o débil insecto, nele ouvimos distintamente a voz da Providência ditando às criaturas a sua conduta diária.”

  Em todas as províncias da vida – acrescentamos nós – a mão do Criador inteligente e previdente se revela aos olhos que sabem verdadeiramente ver. E sempre que a dúvida nos perturbe, nada melhor se nos impõe que o estudo acurado da Natureza, porquanto todos os que tiverem consigo o sentimento do belo e do verdadeiro, perante o espectáculo maravilhoso da Criação, logo terão dissipadas as nuvens qual floração de luz.

/…
(*) Temos numerosos documentos comprobatórios da inteligência dos animais. Aqui, porém, não nos podemos alongar no assunto. Ao exemplo precedente, acrescentemos que a dar crédito a uns tantos barqueiros ingleses, chamados “panters”, os patos selvagens fazem reuniões parlamentares e votam. Estes, como todos os animais, têm expressões próprias para traduzir alegria, dor, fome, amor, medo, ciúme, etc. Esses termos variam, conforme as espécies. Antes da revoada matinal, uma discussão muito viva se empenha durante dez a vinte minutos, e só depois de assente uma resolução é que se opera a debandada. Conta-se, também, que uma ave, tombada num choque, apelou a seu modo para uma outra, que, procurando alentá-la, ficou a seu lado por uma hora mais ou menos, até que a outra morresse. Segundo E. W. Gruner, os gansos têm inflexões e tonalidades vocais muito variadas. O cão alegre late de modo muito diverso de quando está raivoso. A linguagem mímica e sónica dos insectos (abelhas, formigas, escaravelhos, etc.), por meio das antenas e movimentos de asas, é, como sabemos, muito rica e variada. Não iremos ao extremo de os traduzir em francês com Dupont de Nemours, mas a verdade é que se não pode negar que os animais se permutem nas suas impressões. Eles têm mesmo, sobre nós, o privilégio de compreender as nossas palavras, ao passo que nós não compreendemos as suas. Mais: compreendem-se em qualquer latitude, ao passo que um francês não compreende um alemão, nem um chinês.
(**) Contribuitions to the Natural History of the United States of North America volume 1 – 1ª parte.

(Referências: – Leis que presidem à conservação das espécies. – Faculdades instintivas especiais. – Não se explica o instinto pela suposição de hábitos hereditários. – Distinção fundamental entre os factos instintivos e os racionais. – Desígnio nas obras da Natureza. – Ordem geral e as harmonias universais. – Qual a distinção geral do mundo? – Magnitude do problema. – Insuficiência da razão humana.)


Camille Flammarion, Deus na Natureza, Quarta Parte (4); O Destino dos Seres e das Coisas, (2) Plano da Natureza, O Instinto e a Inteligência (1 de 3), 34º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales (Contos da Selva) 1895, pintura de James Jebusa Shannon)

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