~ Plano da Natureza ~ O Instinto e a Inteligência ~
(I)
A construção lenta e progressiva dos seres e a
formação das espécies duradouras estabelecem a presença permanente da causa
criadora e proclamam, de forma eloquente, a sua sabedoria e inteligência.
Se deixarmos, agora, de lado a organização do indivíduo, para estudarmos
a da família, penetraremos nos mistérios do instinto e, ainda aí, encontraremos
o plano do Criador brilhantemente caracterizado.
Muito se há discutido sobre a alma animal, depois que Descartes, Leibnitz e,
a seguir, Reaniur se deram ao trabalho de observar in natura,
directamente, a vida e costumes dos animais. É, sobretudo, pela observação
directa que nos podemos instruir acerca da preciosa faculdade das espécies
vivas, que lhes assegura a conservação e, basta constatar os sinais evidentes
desta lei universal, para lhe aferir o valor, sob o ponto de vista dos
desígnios da Criação.
Antes de tudo, convém distinguir inteligência e instinto.
Os animais possuem uma e o outro como faculdades bem distintas. Com a primeira
pensam, reflectem, compreendem, decidem, recordam, adquirem experiência, amam,
odeiam, julgam, por processos análogos aos da inteligência humana; com a
segunda, operam obedecendo a uma impulsão íntima, sem apreensão, sem
conhecimento, inconscientes do motivo e do resultado dos seus actos. Fixemos
alguns exemplos, para melhor definir esses caracteres.
Eis como nos fala Buffon de
um orangotango ainda novo, por ele observado: – “Vi-o dar a mão para conduzir
as pessoas que o visitavam e passear com elas como se estivesse convencido do
seu papel; vi-o sentar-se à mesa, pegar um guardanapo, limpar os lábios,
utilizar-se da colher e do garfo, encher o copo e tocá-lo noutro, quando a isso
convidado; vi-o ir buscar uma chávena, pôr-lhe o açúcar e o chá, aguardando que
este esfriasse para então o beber. Tudo isso, sem outra instigação que a
palavra e a mímica do seu dono e, algumas vezes, por si mesmo. Não fazia mal a
quem quer que fosse; mostrava-se mesmo circunspecto e na atitude de quem
pedisse carinho, etc.”
O Sr. Flourens diz que havia no Jardim Zoológico um
orangotango notável pela inteligência: meigo, amante de carícias,
principalmente das crianças, com elas brincava procurando imitar tudo quanto
via, etc. Assim é que, sabia manejar a chave do seu compartimento, enfiando-a
na fechadura e abrindo a porta. Se acontecia pendurarem a chave na chaminé, lá
trepava por meio de uma corda presa ao tecto e que lhe servia comummente de
balanço. Certa vez, deram um nó na corda, para fazê-la mais curta e, ele o
desatou imediatamente. Tal como o de Buffon, não revelava a impaciência e
petulância próprias da espécie, antes tinha um ar tristonho, passos lentos e
gestos comedidos.
O professor foi visitá-lo um dia, acompanhado por um ilustre ancião, que
era também um observador sagaz e profundo.
Um trajo algo esquisito, os passos lentos e vacilantes, o busto arqueado
do visitante, logo despertaram a atenção do símio. Prestou-se ele, complacente,
a tudo o que se lhe exigiu, mas, de olho sempre atento no objecto de sua
curiosidade. Quando nos íamos retirar e ele mais se aproximou do novo
visitante, tirou-lhe delicada e maliciosamente a bengala e, fingindo apoiar-se
nela, curvado e vagaroso, deu uma volta ao compartimento, como procurando
imitar o meu velho amigo.
Depois, por si mesmo restituiu-lhe a bengala. É evidente que ele também
sabia observar...
Cuvier,
por sua vez, observou factos não menos curiosos. O seu orangotango se divertia
trepando as árvores e nelas permanecendo encarapitado. Um dia, fizeram menção
de lá o irem buscar e ele logo se pôs a sacudir a árvore, assim procedendo
sempre que tentavam apanhá-lo. “De qualquer modo – diz Cuvier – que
consideremos este acto, não será possível negá-lo como resultante de uma
combinação de ideias, para reconhecer que o animal possui a faculdade de
generalizar.
De facto, o orangotango, aqui, concluía de si para outrem: mais de uma
vez, o abalo violento dos corpos, em que se apoiara, tê-lo-ia espavorido,
levando-o a concluir que este mesmo medo atingiria a outrem, ou – para melhor
dizer com Cuvier – “de uma circunstância particular ele fazia uma regra geral”.
Flourens cita o exemplo de um curioso indício de
inteligência, observado no Jardim Zoológico. Julgado excessivo o número de
ursos lá existentes, foi resolvida a eliminação de dois exemplares. O veneno
seria o ácido prússico, ministrado em pequenos bolos. À vista dos bolos, os
animais logo se ergueram nas patas traseiras, abrindo a boca, na qual
conseguiram atirar alguns bolos. Entretanto, logo rejeitaram o manjar e se
puseram em fuga. Dir-se-ia que não seriam mais tentados a tocar na iguaria e,
contudo, ei-los a empurrar com as patas os bolos para dentro do tanque e,
depois de muito revolverem a água, iam comendo os bolos, à medida que o veneno
se evaporava. Em o fazerem assim, impunemente demonstraram uma sagacidade que
lhes granjeou a revogação da sentença.
Plutarco afirma
ter visto um cão atirar pedrinhas dentro de uma talha, não completamente cheia
de óleo, admirando-se de como o cão pudesse induzir que
o peso das pedras haveria de fazer subir e transbordar o conteúdo.
Buffon escreveu
belas páginas sobre a inteligência do cão, mas não lhe interpretou o alto
valor. Há, nos fastos da espécie canina, exemplos de inteligência, habilidade
raciocínio, julgamento, e também de afeição, devotamento, bondade e
reconhecimento, dignos de serem apontados como modelo a uma grande parte do
género humano.
Poder-se-ia escrever uma série de volumes e nem assim se esgotaria o
acervo de factos comprobatórios da inteligência animal,
notadamente do cão. De resto, os adversários estão connosco em admitir
estes factos. Citemos aqui o exemplo interessante de uma deliberação de
andorinha, contado pelo autor de Força
e Matéria. Um casal de andorinhas tinha começado a construir o ninho na
cumeeira de uma casa. Um dia, entra por lá um bando de companheiras e travam
longa discussão pela posse do ninho. Reunidas no forro da casa e não longe do
ninho disputado, fizeram uma algazarra infernal. Depois de algum tempo,
enquanto algumas andorinhas se destacavam para inspeccionar o ninho, se
dissolveu a assembleia e o resultado foi o casal abandonar o ninho começado,
entrando logo a construir outro em lugar quiçá mais adequado.”
Um facto ainda mais notável veio à baila recentemente. Nos arredores de
uma granja de Weddendorg, perto de Magdebourg, as cegonhas, após sério debate,
julgaram uma companheira adúltera. Mataram-na às bicadas e atiraram-na fora do
ninho (*).
Agassiz,
mais que ninguém, exalta as faculdades intelectuais dos animais. Depois de
mostrar as dificuldades que ainda não permitem estabelecer uma comparação
científica entre instintos e faculdades humanas e animais, emite ele as
seguintes ideias: – “O desenvolvimento das paixões é tão extenso no
animal quanto no homem e, eu me encontraria seriamente embaraçado para lhes
apreender diferenças específicas, naturais, ainda que as haja e, grandes, no
graduamento das manifestações e na forma de expressão. Ao demais, a gradação
das faculdades morais entre os animais e o homem é tão imperceptível, que,
recusar aos primeiros um certo sentimento de responsabilidade e consciência
fora, certo, exagerar a diferença. Além disso, há neles, limitadas às
suas respectivas capacidades, individualidades tão definidas como no homem. Os
criadores de cavalos, os guardadores de animais, pastores,
etc., aí estão para confirmá-lo.
E aí temos argumentos dos mais fortes a favor da existência de um princípio
imaterial em todos os animais análogo ao que, por excelência e
faculdades superiores, coloca o homem em plano eminente. A maior parte dos
argumentos filosóficos em prol da imortalidade do homem
aplica-se, igualmente, à indestrutibilidade desse
princípio nos outros seres vivos (**).
Quem se atreveria hoje a pôr em dúvida a inteligência animal? Só
um tímido espírito de sistema, temeroso das consequências desta verdade, em
relação a umas tantas crenças, pode fechar os olhos à evidência. A
nós, cumpria-nos constatar, antes de tudo, esta verdade, a fim de mais
livremente podermos falar do instinto e derrocar a argumentação dos que
presumem que o instinto não existe.
Há, certamente, uma grande diferença entre actos instintivos e
actos racionais. Não que esses dois caracteres da força viva se
encontrem isolados (nada o está na Natureza), mas por não se encontrarem na
mesma graduação e não se poderem confundir. Não devemos insistir,
maioritariamente aqui, a respeito dos factos de ordem intelectual. Vamos,
porém, compará-los aos factos inerentes ao domínio do instinto e que revelam
existir uma providência universal presidindo à vida em geral e
que não explicam de modo algum, pela instrução, o raciocínio ou o julgamento
nos animais em que se deparam.
Chama-se instinto ao conjunto das directivas que impelem o animal,
obedecendo a uma necessidade constante. O instinto é inato, actua à revelia da
instrução, inexperiente e invariavelmente e, não realiza progresso algum. É em
tudo a antítese da inteligência. Tanto mais notáveis são os fenómenos do
instinto quanto mais se afirmam inteiramente involuntários. “Não podemos fazer
uma ideia nítida do instinto – dizia Georges
Cuvier – senão admitindo que os animais sejam submetidos a imagens ou
sensações inatas constantes, que os obrigam a proceder como levados por
sensações acidentais. É uma espécie de sonho ou visão que os persegue
incessante e, em tudo que se reporta ao instinto, podemos julgar os animais
assim uma espécie de sonâmbulos.”
Frédéric
Cuvier consagrou parte da vida a descobrir a linha que separa o
instinto da inteligência. Pode dizer-se, sem paradoxo, que não há linhas
divisórias na Natureza. Aqui, porém, não se trata de metafísica.
Contentemo-nos, assim, em ouvir o que diz o Sr.
Flourens, das laboriosas observações do esforçado naturalista.
O castor é um mamífero da ordem dos roedores, isto é, da ordem menos
inteligente, e, contudo, possui um instinto maravilhoso, qual o de construir
uma cabana sobre a água, com calçadas e diques e, tudo à mercê de uma indústria
que demandaria inteligência elevadíssima, se de inteligência dependesse.
O essencial, portanto, fora provar essa independência e foi isso o que
fez F. Cuvier. Com castores muito novos, educados longe de seus
pares e, por conseguinte, nada havendo com eles ou deles aprendido. Esses
castores, assim isolados, solitários, postos numa jaula expressamente destinada
à experiência e de forma a dispensá-los do seu trabalho peculiar construtivo,
não se cobriram de o realizar, impelidos por uma força maquinal cega, ou seja
um puro instinto.
A mais completa antítese separa o instinto da inteligência. No
instinto tudo é cego, necessário, invariável; na inteligência é tudo elevado,
condicional, modificável. O castor que constrói uma cabana, o pássaro que
constrói um ninho, só o fazem por instinto. O cão e o cavalo, que chegam a
compreender o sentido de algumas palavras e nos obedecem, o fazem por inteligência.
No instinto é tudo inato: o castor constrói sem haver aprendido.
Dir-se-ia que o faz por uma fatalidade, dirigido por uma força constante e
incoercível.
Na inteligência é tudo resultado da experiência e da instrução: o cão
obedece quando ensinado. E aí tudo é livre, o cão obedece porque quer.
Finalmente, tudo no instinto é particular; essa indústria admirável que
o castor utiliza ao construir a cabana não pode ele utilizá-la senão com esse
fim; ao passo que, na inteligência,
tudo se generaliza, uma vez que essa mesma maleabilidade de atenção e de
concepção do cavalo e do cachorro pode aproveitar-lhes para fazer diversas
coisas.
Distinção que se impunha, esta. Na história da Natureza importa
reconhecer em cada qual o que lhe pertence e exactamente o que lhe pertence,
sem restrição sistemática, sem prevenção tendenciosa. Descartes e Buffon (este
contraditório, às vezes) negam aos animais qualquer partícula de
inteligência. Condillac e
G. Leroy, ao contrário, chegam a conceder-lhes operações intelectuais das mais
elevadas. É um erro duplo. Os animais não são plantas nem são homens. Weinband
não tem razão em pretender que isso que designamos como instinto não passa de
“indolência do espírito para livrar-se dos penosos esforços que o estado da
alma animal reclama”. Não a tem, tampouco, Sachus, quando adita que “não há
necessidade imediata, resultante da organização intelectual, nem pendores cegos
e arbitrários que impulsem os animais”. Não hesitamos em reconhecer que esta
questão, como todos os grandes problemas da Natureza, é difícil de resolver.
Pensamos que, no seu estudo, como de resto noutras questões sucede, o homem se
tem protegido mais com palavras que com ideias. Quando não se compreende o acto
inteligente de um animal, é comum ligar-se ao embaraço, utilizando a palavra
instinto, assim como um véu lançado ao objecto que se quer examinar; mas, à
parte este processo ilusório, restam factos que não são certamente resultado de
reflexão, nem de julgamento. Em vão o Sr. Darwin,
e com ele Lamarck, afirmam que o instinto é um hábito hereditário.
Esta explicação não transfere o instinto para os domínios da inteligência e,
ainda menos, para os domínios do materialismo puro. Tampouco está
demonstrado seja o instinto um hábito hereditário. Consideremos essas
borboletas que vivem no ar e que, chegando à terceira fase da sua maravilhosa
existência, se entreabrem aos beijos da luz e aos eflúvios do amor.
Célere, depositarão em círculos concêntricos minúsculos ovos brancos,
sobre talos ou folhas. Esses ovos não vingarão antes da próxima estação, quando
surgem as pequenas lagartas e, isso depois de transcorridos muitos dias, quando
as borboletas já dormem na poeira o sono da morte. Que voz teria
ensinado a estas novas borboletas que as futuras lagartas, ao desovarem, hão de
encontrar tal ou tal alimentação? Quem lhes aponta os talos e as
folhas em que hajam de depositar os seus ovos? Os pais? Mas, se os não
conhecem? Será, então, das folhas e talos que lhes advém a memória?
Que memória, porém, se elas viveram três existências após essa época
longínqua e substituíram os alimentos inferiores pelo manjar delicado das
corolas olentes?
Eis aqui, porém, outras espécies que protestam, ainda mais vivamente, contra as
explicações humanas. Os necróforos (nome lúgubre) morrem imediatamente após a
postura e as gerações jamais se conhecem. Nenhum ser desta
espécie viu a mãe nem verá os filhos e, contudo, as mães têm grande cuidado em
dispor cadáveres ao lado dos ovos, para que aos filhos não falte alimento logo
ao nascer. Em que parte aprenderam esses necróforos que os seus ovos
contêm germe de insectos que em tudo se lhes assemelham? Há outras
espécies nas quais o regime alimentar é inteiramente oposto, para a larva e
para o insecto. Nos pompilídeos as mães são herbívoras e os filhos carnívoros.
Em fazerem a postura sobre cadáveres, contrariam os próprios hábitos. E aqui
não colhe admitir o acaso, nem o hábito lentamente adquirido. Qualquer espécie
que aberrasse desta
lei não poderia subsistir, visto que os rebentos morreriam de fome logo após o
nascimento. A estes insectos podemos juntar os odíneros e os sphex. As larvas
destes últimos são carnívoras e o ninho precisa ser provido de carne fresca.
Para preencher essa condição, a fêmea que vai desovar busca uma presa
conveniente, tendo o cuidado de não a matar, limitando-se a feri-la de
paralisia irremediável. Coloca, depois, sobre cada ovo um certo número desses
enfermos incapazes de se defenderem da larva que os há de devorar, mas com vida
bastante para que o corpo não se corrompa. Em algumas famílias acresce o
cuidado pela alimentação da presa, até à eclosão da larva.
Os nossos elementos de argumentação, neste particular, são tão numerosos
que seria impossível reuni-los a todos. Limitamo-nos, assim, a citar alguns
exemplos, convidando o leitor a tirar da letra o espírito. Entre estes
exemplos, incluamos o da abelha xilófaga, com a qual o Sr.
Milne-Edwards entreteve recentemente, na Sorbonne, a curiosidade dos
seus ouvintes.
Essa abelha que vemos adejar na Primavera, que vive solitária e pouco
sobrevive à postura, não viu nunca os genitores e não viverá o tempo suficiente
para assistir ao nascimento das pequeninas larvas vermiformes, desprovidas de
patas e incapazes, não só de se protegerem, como de angariar alimento. E,
contudo, elas precisam permanecer em repouso cerca de um ano, numa habitação
bem fechada, sob pena de se extinguir a espécie.
Como, então, supor que a abelha gestante, antes de pôr o primeiro ovo,
tenha podido adivinhar as necessidades da prole futura e o que deve fazer para
lhe assegurar o bem-estar? Tivesse ela em partilha a inteligência humana e,
nada soubera a tal respeito, visto que todo o raciocínio requer
premissas. Este insecto, que nada pôde aprender, tudo prepara e opera
sem hesitação, como se o futuro lhe estivera devassado e uma previdência
racional a norteasse. Apenas lhe despontam as asas e logo a xilófaga
trata de preparar a casa dos filhos. Com as mandíbulas, broca um tronco de
madeira exposto ao Sol, escava uma longa galeria e vai depois buscar, longe, no
pólen das flores, o néctar açucarado. É o cibo do
recém-nascido e que lhe há de bastar, o “quantum satis”, para bem-viver até à
Primavera próxima.
Uma vez provida a despensa, aí deposita o ovo e ei-la amalgamando com
terra a serragem prudentemente guardada e fazendo como que uma argamassa, de
maneira que o leito dessa primeira cela se transforme em tecto de uma segunda
despensa e berço da larva a nascer de outro ovo. Assim se constrói um edifício
de alguns andares, no qual cada alojamento recolhe um ovo e servirá, mais
tarde, à larva desse ovo.
“Admira – diz Edwards –
como diante de factos tão significativos e numerosos ainda haja quem nos venha
dizer que todas as maravilhas da Natureza não passam de obras do acaso ou,
então, de consequências das propriedades gerais da matéria; desta Natureza que
faz a substância da pedra como da madeira e que os instintos da abelha, assim
como as mais altas expressões da genialidade humana, não são mais que resultado
de um jogo de forças físicas ou químicas, as mesmas que determinam o
congelamento da água, a combustão do carvão e a queda dos corpos... Essas
hipóteses balofas, ou melhor, essas aberrações do espírito, que se mascaram, às
vezes, com o nome de ciência positiva, só podem ser repelidas pela verdadeira
Ciência. O naturalista não poderia acreditá-lo.
“Por pouco que penetremos num desses obscuros redutos onde se esconde o
débil insecto, nele ouvimos distintamente a voz da Providência ditando às
criaturas a sua conduta diária.”
Em todas as províncias da vida – acrescentamos nós – a mão do Criador
inteligente e previdente se revela aos olhos que sabem verdadeiramente ver. E
sempre que a dúvida nos perturbe, nada melhor se nos impõe que o estudo acurado
da Natureza, porquanto todos os que tiverem consigo o sentimento do belo e do
verdadeiro, perante o espectáculo maravilhoso da Criação, logo terão dissipadas
as nuvens qual floração de luz.
/…
(*) Temos numerosos documentos comprobatórios da inteligência dos
animais. Aqui, porém, não nos podemos alongar no assunto. Ao exemplo
precedente, acrescentemos que a dar crédito a uns tantos barqueiros ingleses,
chamados “panters”, os patos selvagens fazem reuniões parlamentares e votam.
Estes, como todos os animais, têm expressões próprias para traduzir alegria,
dor, fome, amor, medo, ciúme, etc. Esses termos variam, conforme as espécies.
Antes da revoada matinal, uma discussão muito viva se empenha durante dez a
vinte minutos, e só depois de assente uma resolução é que se opera a debandada.
Conta-se, também, que uma ave, tombada num choque, apelou a seu modo para uma
outra, que, procurando alentá-la, ficou a seu lado por uma hora mais ou menos,
até que a outra morresse. Segundo E. W. Gruner, os gansos têm inflexões e
tonalidades vocais muito variadas. O cão alegre late de modo muito diverso de
quando está raivoso. A linguagem mímica e sónica dos insectos (abelhas,
formigas, escaravelhos, etc.), por meio das antenas e movimentos de asas, é,
como sabemos, muito rica e variada. Não iremos ao extremo de os traduzir em
francês com Dupont de Nemours, mas a verdade é que se não pode negar que os
animais se permutem nas suas impressões. Eles têm mesmo, sobre nós, o privilégio
de compreender as nossas palavras, ao passo que nós não compreendemos as suas.
Mais: compreendem-se em qualquer latitude, ao passo que um francês não
compreende um alemão, nem um chinês.
(**) Contribuitions to the Natural History of the United States
of North America volume 1 – 1ª parte.
(Referências: – Leis que presidem à conservação das
espécies. – Faculdades instintivas especiais. – Não se explica o instinto pela
suposição de hábitos hereditários. – Distinção fundamental entre os factos
instintivos e os racionais. – Desígnio nas obras da Natureza. – Ordem geral e
as harmonias universais. – Qual a distinção geral do mundo? – Magnitude do
problema. – Insuficiência da razão humana.)
Camille Flammarion, Deus na Natureza, Quarta Parte (4); O
Destino dos Seres e das Coisas, (2) Plano da Natureza, O Instinto e a
Inteligência (1 de 3), 34º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales (Contos da Selva) 1895,
pintura de James Jebusa Shannon)
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