Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 11 de maio de 2024

metapsíquica | humana


~~~ a propósito da mediunidade da Sra. Piper

Passando às experiências feitas com a Sra. Piper, o nosso autor em muito reduz a sua tarefa. Recorre ao sistema de citar tudo o que foi obtido de menos probante e mesmo de negativo com esta médium, principalmente no transcorrer de certos períodos da sua longa carreira profissional, em que nela se verificava uma decadência medianímica, transitória é verdade, mas pronunciada. Nesses momentos, ela não mantinha o seu papel de médium, na verdadeira acepção do termo; tornava-se antes um paciente sonambúlico, sugestionado em determinada direcção ou podendo sê-lo à vontade dos experimentadores, mormente quando estes eram pretensos homens de ciência, mas de tal modo incapazes que, longe de se conservarem passivos, a fim de não provocarem interferências desta natureza, intencionalmente, sugestionavam a médium em transe, por meio de insidiosas interrogações. Obtinham, destarte, justamente o que procuravam, como teriam conseguido com qualquer paciente hipnóticoE esse sistema é tanto mais extravagante, quanto ninguém põe em dúvida a possibilidade de, através de sugestões apropriadas, conseguir-se perturbar e mesmo suprimir as delicadas condições medianímicas, sempre oscilantes, num estado instável de equilíbrio, e transformá-las nas do sonambulismo propriamente dito. Daí a possibilidade de se poder provocar, à vontade, o fenómeno hipnótico da “objectivação dos tipos”. Ora, de uma vez, aconteceu que a Sra. Piper, insidiosamente sugestionada no sentido da “objectivação de um tipo”, o personificou, como fazem os pacientes hipnóticos, enquanto pretenso “Espírito Guia” da médium parecia levar a sério a personificação sugerida; compreende-se, entretanto, que o pretenso “Guia” não era mais do que a personificação subconsciente que, por efeito auto-sugestivo, havia tomado o nome de um “Espírito Guia” autêntico. Como era de prever em tais circunstâncias, nenhuma prova de conhecimentos supranormais de outra natureza foi obtida. Deveria o facto bastar ao experimentador para que ele compreendesse a diferença existente entre um caso de “objectivação de um tipo” e a manifestação de uma personalidade autêntica espírita. Mas o pseudo-sábio não estava à altura para poder discernir; pelo contrário, serviu-se triunfante da sua “admirável” descoberta, para os fins que tinha em vista. E esta se reduzia, evidentemente, a uma verdade elementar, dado ninguém jamais haver contestado que, em determinadas circunstâncias, um médium em transe possa ser transformado em paciente sonambúlico. Se nos quisermos lembrar que o professor Hyslop demonstrou, em polémica memorável, como esses factos devem ser interpretados, chegando a conclusões decisivas, veremos que existe, de sobra, motivo para desânimo ao constatar que, ainda hoje, haja quem persista em ressuscitar essas experiências tolas e deploráveis, como se Hyslop não as houvesse, para sempre, marcado com o ferrete da futilidade.

Enfim, por mais que desta última observação ressalte o esforço ingente de tentar fazer-se ouvir por aqueles que fecham propositadamente os ouvidos, eu venho aqui demonstrar, firmando-me nos factos, que uma série inumerável de casos de identificação de Espíritos de mortos foi conseguida com a medianimidade da Sra. Piper. Esses casos permanecem, de modo absoluto, inexplicáveis pela teoria da “prosopopese-metagnomia”, teoria que longe está de ser nova, pois sob a capa de todos esses neologismos se encontram apenas as antigas hipóteses das “personificações sonambúlicas” e da “clarividência telepática”. A hipótese mesmo da “criptestesia” aí a descobriremos. Empreendendo a tarefa que aqui me incumbe, devo lembrar a máxima, cientificamente sem possibilidade de apelo, de Sir William Crookes, segundo a qual “o valor teórico de cem experiências negativas fica literalmente anulado por uma só experiência positiva bem observada”.

Vou começar por um exemplo que Sudre transcreve no seu livro, embora o faça de modo abreviado, ao ponto de lhe tirar todo o valor teórico:

“George Pelham, incorporado na Sra. Piper, reconhece os seus amigos, dentre as pessoas que lhe são apresentadas, e lhes dirige palavras, como o teria feito quando vivo. É verdade que a prova fracassa quando chega a vez da Srta. Warner, que conhecera menina, mas os esforços que faz para se recordar o lançam sobre a pista de novas provas de identidade.”

O episódio acima parece relatado com fidelidade, mas se tivermos em conta o ponto de vista antiespírita do autor, veremos que foi resumido com “grande habilidade”. Como está, aqueles que desconhecem o texto não podem imaginar que o incidente negativo, ocorrido com a Srta. Warner, contém a prova positiva de que as hipóteses combinadas da “prosopopese-metagnomia” são impotentes para explicar o caso da identificação de George Pelham.

Vamos, por isso, reproduzir o incidente em apreço, relatando integralmente a parte que se prende ao caso.

Como se sabe, à personalidade medianímica de George Pelham foram apresentados, cada um de per si, trinta dos seus antigos amigos, que foram imediatamente por ela reconhecidos, sem que uma só pessoa haja sido com eles confundida. E não só Pelham chamou cada um desses pelos próprios nomes, mas ainda a todos dirigiu a palavra, em tons diferentes, como fazia em vida. (Nós não falamos, aqui na Terra, do mesmo modo com todos os nossos amigos; o carácter da nossa conversa varia de acordo com a categoria das pessoas, com a sua idade, com a intimidade que com elas temos e com a estima ou afeição que a cada uma nos prende.)

Chega, enfim, a vez da Srta. Warner, rapariga que Pelham conhecera pequenina, quando contava apenas 8 anos. Pelham não a reconheceu, perguntando ao Dr. Hodgson quem podia ela ser. Hodgson respondeu que a mãe da jovem era amiga da Sra. Howard, que Pelham havia, com alguma familiaridade, conhecido. Reproduzo o diálogo que, em seguida, se travou entre Pelham e a Srta. Warner:

G. P. – Não creio ter-vos conhecido muito.

Srta. W. – Muito pouco, com efeito; vínheis algumas vezes visitar a mamã.

G. P. – Devo, portanto, também ter-vos visto.

Srta. W. – Sim, algumas vezes. Vínheis acompanhado do Sr. Rogers.

G. P. – Interessante! Noutro dia, quando pela primeira vez vos notei a presença, pensei, não sei porque, em Rogers.

Srta. W. – Compreendo, mas não falastes.

G. P. – Não obstante isso, não chego a reconhecer-vos e desejava muito reconhecer todos os meus amigos, o que consegui até agora... Talvez me encontre já muito afastado da esfera terrestre. Em suma, não me posso recordar da vossa fisionomia... Deveis estar muito mudada, não é?

Nesse momento interveio o Dr. Hodgson: – “Vejamos, não te lembras, por acaso, da Sra. Warner?”

A mão da médium traduziu uma forte excitação:

G. P. – Sim, sim, de facto dela me lembro; porventura será a sua filhinha?

Srta. W. – Sim, sou eu mesma.

G. P. – Meu Deus, como crescestes!... Oh, eu conheci muito bem a vossa mãe.

Srta. W. – Realmente, ela apreciava muito a vossa conversa.

G. P. – Tínhamos as mesmas aspirações.

Srta. W. – Como escritores?

G. P. – Sim, precisamente. Mas então conhecestes o Sr. Marte?

Srta. W. – Encontrei-me, de facto, algumas vezes com ele.

G. P. – A vossa mãe compreenderá o motivo por que a ele me refiro. Perguntai-lhe se ainda se lembra do livro que lhe emprestei.

Srta. W. – Perguntar-lhe-ei, podeis estar certo.

G. P. – Perguntai-lhe ainda se ela se recorda das nossas longas palestras, à noite, em sua casa.

Srta. W. – Não sei se delas se lembra, mas perguntarei.

G. P. – Quisera ter-vos reconhecido melhor; não podeis imaginar como é agradável voltar ao passado em companhia dos amigos da Terra!

Srta. W. – Eu era ainda muito criança e não seria de esperar que melhor me houvésseis reconhecido.”

Tal foi o interessante episódio do não reconhecimento, por parte de George Pelham, de uma pessoa que conhecera, quando vivo. O Dr. Hodgson faz a seguinte observação:

“Esta sessão, cumpre não esquecer, realizou-se cinco anos depois da morte de Pelham, e este, ao morrer, havia já três ou quatro anos não via a Srta. Warner. Além disso, convém repetir que a Srta. Warner era apenas uma menina quando, pela última vez, Pelham a vira, de quem não podia, portanto, ser o que se chama um amigo particular, devendo ao mesmo tempo ter sensivelmente mudado depois dos 8 anos. Esse episódio interessante, de não reconhecimento por parte de George Pelham, torna-se, portanto, inteiramente natural. O facto, porém, de estar eu perfeitamente informado do nome e do prenome da Srta. Warner e de sabê-la conhecida de Pelham, dá, ao do não reconhecimento, valor do melhor argumento possível, em favor da tese da existência independente de George Pelham, visto contrapor-se à hipótese de uma personalidade secundária, dependente, para as suas informações, da consciência e da subconsciência de pessoas vivas.”

A ninguém escapará que as considerações do Dr. Hodgson encerram, implicitamente, a refutação da hipótese da “prosopopese-metagnomia”, hipótese que é apenas a reprodução, sob denominação nova, das antigas hipóteses a que Hodgson se refere na sua crítica. Repito, portanto, que, se se tratasse de uma “personificação subconsciente”, assistida pelas faculdades clarividentes da médium, a personalidade de que se trata poderia ter colhido das subconsciências dos assistentes as informações necessárias para uma mistificação, ou, por outra, deveria ter reconhecido imediatamente, na moça que tinha diante de si, a menina que Pelham havia conhecido, quando vivo. Por que não o conseguiu, quando lhe foi possível fazê-lo em relação a todos os demais amigos? Que consequências teóricas daí se devem tirar? Se fosse o caso de uma “personificação subconsciente”, esta, em tais circunstâncias, deveria reconhecer a Srta. Warner, sem hesitar. Se, pelo contrário, se tratasse da presença real do Espírito de George Pelham, este não a deveria reconhecer, dado que ele só a havia visto algumas vezes na primeira infância, sendo ela agora uma mulher. Noutros termos: no caso da interpretação espírita dos factos, observa-se uma concordância admirável entre o que se devia passar e o que, de facto, se passou; enquanto que na hipótese oposta se verifica uma discordância desastrosa, que se manifesta precisamente no momento crítico da “corroboração” experimental da hipótese em apreço. Somos, portanto, obrigados a optar pela hipótese que explica realmente os factos e que não pode ser senão a espírita, pois outra não existe, nem pode existir, capaz de explicar casos análogos. Ora, os casos dessa natureza se contam por centenas nas experiências com a Sra.Piper.

Ainda assim, como a fertilidade sofística dos nossos antagonistas não conhece limites, não deixaria de ser útil acautelar-nos, desde já, imaginando as objecções de que poderiam lançar mão. E não descubro mais que duas.

Vejamos a primeira. Poderiam objectar que as investigações metapsíquicas têm demonstrado que o médium ou o sensitivo não percebe senão com grande dificuldade uma coisa pensada, em dado momento, pelo consultante, enquanto que facilmente a apreende desde que este dela tire o sentido; quer isto dizer que os sensitivos lêem, em geral, facilmente no subconsciente dos indivíduos e só com grande dificuldade na sua mentalidade consciente. Poder-se-ia, pois, presumir que, no caso ora examinado, a personalidade sonambúlica não tivesse apreendido as informações pedidas, pelo facto de nelas estar pensando o consultante. A esta objecção especiosa respondo que, se assim fosse, não haveria como explicar os trinta casos dos amigos, anteriormente reconhecidos, não obstante ter cada um deles em mente os seus próprios nomes, prenomes, parentesco e 16 qualidades, exactamente como se dava com a Srta. Warner e com o Dr. Hodgson. A objecção assim formulada não se mantém de pé; tem contra si os factos, que a deitam por terra.

Abordando a segunda das duas objecções presumíveis, percebo bem que poderiam lembrar que, se a “metagnomia” existe, ninguém afirma deva ela exercer-se permanentemente, donde a possibilidade de não haver ela funcionado no caso em litígio. Que seja. Admitamo-lo, embora aquele diálogo medianímico contenha outras coisas, que merecem ser esclarecidas, além do detalhe que nos prende; mas admitamo-lo, por um momento, ao menos para vermos surgir, formidável, a outra ponta do dilema. De facto, se para o caso que agora nos interessa a metagnomia não funcionava, qual a origem dos detalhes verídicos dados, de conta própria, pelo comunicante? Não; não há fugir: ou admitimos que a metagnomia funcionou e então prova decisiva nos é dada da sua impotência para explicar os casos de identificação espírita, análogos ao citado, ou sustentamos que a metagnomia não funcionou e evidente se torna que as provas de identificação pessoal, fornecidas pelo comunicante, provinham do Espírito do morto que, ali, se declarava presente. Para este dilema outra solução não existe.

Tendo, de modo completo e decisivo, elucidado este primeiro caso contrário à tese “prosopopese-metagnomia” e a todas as outras hipóteses naturalistas forjadas até hoje para explicar os casos de identificação espírita, venho trazer outros exemplos do mesmo género, tirados todos das experiências feitas com a Sra. Piper, limitando-me a fazê-los acompanhar apenas de certos esclarecimentos, por isso que a todos se adaptam aos comentários de ordem geral, que acabo de fazer.

No caso que se segue, a circunstância inconciliável com a hipótese da “prosopopese-metagnomia” consiste em que a personalidade comunicante se equivoca sobre a significação de uma pergunta a ela feita pelo experimentador e responde, citando factos que, embora exactos e apropriados, não correspondem à pergunta; entretanto, rectifica o erro, logo que o percebe.

No decorrer de uma sessão, a que assistia o professor James Hyslop, manifestou-se uma entidade que dizia ser Carruthers, tio do professor. Pergunta-lhe este:

“– Poderás dizer-me algo sobre um passeio de carro que ambos fizemos, pouco tempo depois da morte de meu pai?

– Lembras-te, James, da epígrafe colocada...

– Colocada... onde?

– Sobre o túmulo.

– Sim, meu tio, mas sobre que túmulo?

– Sobre o túmulo de teu pai.

– Sim, lembro-me perfeitamente.

– É a esse passeio de carro que te queres referir?

– Não.

– Aludes, então, à visita que juntos fizemos a Nannie?

– Também não. Diz-nos o que se passou connosco durante um passeio.

– Ah! Julgava que aludias ao dia em que colocamos a epígrafe sobre o túmulo... mas vejo que estamos a pensar em duas coisas diferentes... Deixa-me reflectir. Queres falar da tarde de um domingo...

– Sim, meu tio, é isso mesmo.

– Recordo-me agora; e tu... lembras-te do acidente...

(Esta palavra está em lugar de ruptura; assim explicou o “Espírito-guia” Rector, que, como se sabe, prestava-me a servir de intermediário, com o fim de facilitar as comunicações.)

– Ruptura está muito bem; continua.

– Espera um pouco, James, eu disse que tinha havido uma ruptura e eu a liguei com a... Peguei uma faca e fiz um furo, depois, como nos foi possível, consertamos as rédeas com um cordel...

(Aqui Rector intervém novamente, dizendo: “Ele experimenta tão grande emoção que eu não consigo apanhar-lhe todas as palavras.”) E logo depois a entidade Carruthers recomeçou a expor, em frases entrecortadas, mas de modo claro e minucioso, o incidente em todos os seus detalhes.”

Prof. Hyslop comenta:

“O incidente do nosso passeio ao cemitério, para ver o epitáfio que havia mandado colocar no túmulo de meu pai, é verdadeiro e verificou-se um ano depois da morte deste. Mas eu o tinha completamente esquecido e dele só me lembrei depois que o Espírito de meu tio a ele se referiu. É claro, pois, que absolutamente eu não pensava nele, quando fiz a pergunta. Uma circunstância interessante do diálogo está no facto de a entidade perceber em determinado momento que nós estávamos a pensar em duas coisas diferentes e de assinalá-lo imediatamente...” (American Proceedings, vol. IV, págs. 536-537.)

Trata-se, é certo, de um detalhe teoricamente importante, na sua espontaneidade sugestiva. Dá ele impressão do fragmento de uma conversa entre duas pessoas vivas, que se não houvessem, desde logo, bem compreendido. Esses incidentes parecem de pouca monta, mas sob o ponto de vista teórico têm alta significação em favor da existência real de duas mentalidades independentes, enquanto que se não poderiam de modo algum enquadrar dentro da hipótese da “prosopopese-metagnomia”. Acresce que eles correspondem exactamente aos incidentes não menos insignificantes que, nos tribunais de justiça humana, servem para esclarecer os juízes e o fazem ao ponto de determinar a condenação ou a absolvição do réu.

Neste outro episódio análogo, a personalidade medianímica, dizendo-se o Dr. Hodgson, engana-se sobre o sentido de uma pergunta que lhe é feita pela Sra. William James, esposa do célebre psicólogo.

A Sra. James nunca havia estado em casa do Dr. Hodgson, enquanto ele vivo, e apenas uma vez, depois dele morto. Pensando nessa visita, perguntou-lhe ela:

“– Podeis dizer-me quando estive em vossa casa?  

– Vós, em minha casa! Para tomar chá?

– Não.

– Para consultar documentos, talvez?

– Também não.

– Quem sabe, então, se depois de minha morte?

– Sim, para buscar objectos que vos tinham pertencido...

– Muito bem; eis uma boa prova. Lodge e Piddington ligam grande importância aos incidentes em que me não posso lembrar das coisas que não aconteceram...”

(Proceedings, vol. XXII, pág. 103.)

Esta última reflexão do Dr. Hodgson constitui um traço bem característico do experimentado psiquista, quando vivo. Com efeito, sob o ponto de vista teórico, deve ligar-se importância máxima aos casos em que a entidade comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas, declarando não se lembrar, sempre que tal acontece. E quando se trata, como no caso supra, de um falso indício, que tende insinuar a ideia de incidentes pessoais precisos, esquecidos pelo comunicante, mas que, na realidade, nunca aconteceram, a coisa reveste-se ainda de maior importância, diante da sugestão, nesses casos, forte bastante para ser acolhida até mesmo por pessoas vivas e normais. O facto, em tal circunstância, de não se lembrar de coisas que não se deram, demonstra a presença de uma individualidade independente que, naturalmente, não deve ser outra senão a do defunto, que se diz presente.

Há ainda a observar a natural espontaneidade do diálogo. Já pela primeira exclamação: “Vós, em minha casa!”, Hodgson mostra claramente não se recordar que a Sra. James tenha ido vê-lo; já porque, não confiando demasiadamente na sua memória de Espírito comunicante, ele continua a questionar com certa perplexidade, como o teria feito, com a maior simplicidade, qualquer mortal. Sob o nosso ponto de vista, é evidente que, se se tratasse de “prosopopese-metagnomia”, a personalidade, neste caso mistificadora, teria imediatamente discernido a intenção da Sra. James, ao invés de procurar alcançá-la por meio do critério eliminatório.

Seguem-se dois incidentes análogos e interessantes que, pela preocupação de ser breve, exporei, aproveitando-me do excelente resumo feito por M. Sage, no trabalho por ele consagrado às experiências da Sra. Piper:

“Quando vivia no Estado de Ohio, o Sr. Robert Hyslop, pai do Prof. Hyslop, tinha por vizinho um certo Samuel Cooper. Os cães deste último mataram, certo dia, alguns carneiros de Robert Hyslop, o que provocou, entre ambos, uma desavença, que durou anos. Numa sessão, onde se manifestava uma entidade que dizia ser a de Robert Hyslop, o Dr. Hodgson, que substituía o Prof. Hyslop, fez àquele uma pergunta, que este último lhe havia enviado por escrito, pretendendo, por ela, chamar a atenção do pai sobre os incidentes da sua vida em Ohio. A pergunta era assim concebida: “Lembras-te de Samuel Cooper e a respeito poderias dizer-nos alguma coisa?” O comunicante respondeu: “James quer referir-se ao velho amigo que eu tive no Oeste. Recordo-me perfeitamente das visitas que mutuamente nos fazíamos, e das longas palestras em que nos entretínhamos sobre assuntos filosóficos.” Noutra sessão, onde o Dr. Hodgson ainda estava só, ele voltou ao assunto: “Eu tive um amigo chamado Cooper, cujo espírito apresentava uma feição muito filosófica; nutria por ele um grande respeito. Tivemos oportunidade de muitas vezes, como amigos, discutir; trocamos mesmo muitas cartas, algumas das quais guardei, que talvez possam ser ainda encontradas.” Noutro dia, estando então presente o Prof. Hyslop, o comunicante disse ainda: “Procurei lembrar-me da escola de Cooper.” E no dia imediato, mais uma vez tornou: “Tu me perguntaste, James, o que eu sabia de Cooper: pensaste, por acaso, que ele tivesse deixado de ser meu amigo? Havia guardado algumas das suas cartas, que julgava estivessem contigo.”

Em tudo isso o Prof. Hyslop não encontrava qualquer sinal de Samuel Cooper. Não sabia mesmo que pensar a respeito, quando, por uma pergunta directa, procurou conduzir o pai ao assunto que ele tinha em mente:

– Queria saber – disse ele – se te lembras dos cães que mataram os nossos carneiros.

– Oh, lembro-me perfeitamente, mas me havia esquecido. Foi a causa da desavença entre Samuel Cooper e eu. Mas eu não pensei nele, desde logo, porque não era dos meus parentes nem dos meus amigos. Se eu tivesse compreendido que era dele que querias falar, teria feito um esforço para me recordar. Ele está aqui, mas eu o distingo apenas vagamente.

Este episódio é interessante. Tudo o que Robert Hyslop havia dito até então relativamente a Cooper, nada se referia a Samuel, mas a um velho amigo seu, o Dr. Joseph Cooper. Robert Hyslop havia tido efectivamente com ele numerosas discussões filosóficas e comummente se correspondiam. O Prof. Hyslop talvez tivesse ouvido pronunciar o nome desse homem, mas ignorava completamente houvesse sido íntimo do seu pai. Foi a sua madrasta que lhe forneceu tais pormenores no decorrer das investigações que fez, junto dos seus, com o fim de esclarecer os incidentes das sessões, para ele obscuros. Nota-se que, como nós, os desencarnados são passíveis de se enganarem.

Vou passar, agora, ao incidente certamente mais dramático do caso. O Prof. Hyslop, lembrando-se que o seu pai dava o nome de “catarro” à sua última doença, enquanto que ele, James Hyslop, pensava tratar-se de um cancro da laringe, fez-lhe calculadamente uma pergunta para trazer à baila a palavra “catarro”. Para isso, serviu-se de um termo de que não temos o equivalente, tendo, ao mesmo tempo, dois sentidos, o que impede traduzir a pergunta à letra. Efectivamente a palavra trouble tanto pode significar aflição física como mal-entendido. Deu isso lugar a um curioso equívoco da parte do comunicante, equívoco que a hipótese da telepatia dificilmente poderá explicar. Este, denotando grande espanto, disse:  

– Eu não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, qualquer mal-entendido; se me não falha a memória, tivemos sempre um pelo outro viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido, certamente, com outra pessoa.

– Compreendeste mal, meu pai; quero referir-me à doença.

– Ah! então bem, isso sim; eu sofria do estômago.

– Não sofrias, por acaso, de outra coisa?

– Sim, do estômago, do fígado e da cabeça. Tinha grande dificuldade de respirar; o meu coração, James, o meu coração me fazia sofrer bastante. Não te recordas com que dificuldade eu respirava? Creio, mesmo, que era o meu coração o que mais me fazia sofrer; o coração e os pulmões. Tinha a impressão de que alguma coisa me constringia o peito e me sufocava. mas, por fim... adormeci.

Um pouco depois acrescentou:

– Sabes que a última coisa de que me lembro foi de te ouvir falar: Foste o último a falar. Recordo-me perfeitamente de haver visto o teu rosto, mas estava já demasiado fraco para poder dizer alguma coisa.

Este diálogo desconcertou o Prof. Hyslop, que viu baldados todos os esforços no sentido de obter do pai o nome da doença, que este julgava ter nos últimos tempos de vida. Só um pouco mais tarde, ao redigir a acta da sessão, foi que notou haver o pai descrito, em termos muito seus, as suas últimas horas de vida. O médico havia constatado uma dor no estômago, às 7 horas da manhã; às 9:30 o bater do coração tornou-se menos sensível; pouco depois, a dificuldade de respirar era enorme e o moribundo expirava. Cerrando-lhe os olhos, o filho, James Hyslop, disse: “Tudo está acabado”. Foi o último a falar. Este incidente parece indicar que a consciência nos moribundos dura muito mais tempo do que, em geral, se pensa.” (M. Sage – Mme. Piper, etc., págs. 201-295.)

É de notar que, neste último caso, além dos episódios onde o comunicante se engana na interpretação das perguntas que lhe são feitas, respondendo de acordo – atitude inexplicável pela hipótese da “prosopopese-metagnomia” –, um se apresenta, análogo ao precedentemente citado, em que o comunicante não se deixa sugestionar pelas perguntas; levado por estas a supor que se não pode lembrar dos acontecimentos importantes de sua vida, sente-se tão senhor de si mesmo, que recusa admitir esse esquecimento. Com efeito, o comunicante Robert Hyslop, tendo-se equivocado sobre a significação de uma palavra e crendo que o seu filho fizesse alusão a um mal-entendido ocorrido entre ambos, diz com verdadeira surpresa: “Não me recordo, James, de jamais haver existido, entre nós, o menor mal-entendido. Se me não falha a memória, sempre tivemos, um pelo outro, a mais viva simpatia. Não me lembro de nenhum mal-entendido. Diz a que respeito se deu ele; mas deves estar enganado, deve ter sido certamente com outra pessoa.” A espontaneidade eloquente dessa linguagem a ninguém deixará de impressionar, assim como a importância teórica de episódios semelhantes, somente explicáveis com o auxílio da hipótese espírita.

Neste outro exemplo, de que nos vamos ocupar, a inaplicabilidade da hipótese da “prosopopese-metagnomia” ressalta do facto de a personalidade do comunicante chegar às últimas particularidades de que se lembra, sobre o leito de morte, e que coincidem com alguns dos seus movimentos, indicando a própria consciência, sem invadir o campo das recordações complementares, presentes no pensamento do interlocutor, recordações efectivamente pouco conciliáveis com as condições comatosas em que se encontrava o moribundo.

Numa sessão muito interessante, onde a entidade comunicante era a finada esposa do professor Hyslop, ela disse, dirigindo-se ao marido:

“Lembras-te da noite anterior à minha morte? Estavas sentado comigo, ou antes, perto de mim; mas, a não ser disso, de bem pouco mais me recordo.

– Lembro-me perfeitamente, Maria.

– E tu tomaste a minha mão; não foi?

– Sim, exactamente.

– E eu me recordo, ao contrário, de muito pouca coisa.

(Não tendo sido esta última frase enunciada claramente, Rector explica que ela queria dizer que se lembrava muito pouco do incidente e que ele se devia recordar melhor.)”

Prof. Hyslop comenta:

“A minha mulher piorara na manhã de sexta-feira. Havia passado ao estado de inconsciência (dentro do que era possível presumir) na noite de quarta-feira, às 11 horas, e assim permaneceu, pelo menos aparentemente, até à morte. Na tarde de quinta-feira, se não me engano (o que não é provável, por haver de tudo tomado nota logo após o falecimento), encontrando-me à sua cabeceira, tomei-lhe a mão e fiquei surpreendido de constatar que, se eu fazia determinado sinal, ela demonstrava dele ter consciência, de modo evidente... Para não diminuir o valor de ulteriores alusões, da parte dela, e ainda possíveis, sobre esse incidente, abstenho-me de dizer como me conduzi nessa ocasião. Basta se saiba, por enquanto, que o conteúdo da mensagem é exacto, parecendo apenas, como é provável e natural, que ela se lembra de bem pouca coisa além dos pormenores comunicados... Nestas condições, como poderia a telepatia chegar a circunscrever os limites do estado de coma, em que se encontrava a suposta comunicante, ao ponto de saber distinguir os detalhes conciliáveis com as condições em que se encontrava, daqueles que só por mim podiam ter sido apreendidos? Por que não fornecer os outros pormenores complementares? Por que parar tão oportunamente?” (American Proceedings of the S.P.R.; vol. IV, pág. 545.)

De facto, se pensarmos que os detalhes complementares estavam presentes no espírito do consultante, nem mais nem menos que os outros observados, não poderíamos compreender o mistério de uma selecção tão sábia da parte da... “prosopopese-metagnomia”.

Longa já vai a lista dos exemplos que opus às malfadadas hipóteses aqui combatidas; resumirei, portanto, mais dois apenas.

Nas sessões experimentais da Srta. Macleod, uma irmã desta, de nome Etta, manifestou-se quando ainda viva e atormentada pelo mal que a devia levar ao túmulo, julgava ela sofrer de uma doença do estômago; as demais pessoas da família sabiam, entretanto, tratar-se de uma doença do coração. Ora, na mensagem medianímica, ela, entre outras, faz alusão à causa da sua morte, atribuindo-a a uma doença do estômago. (Proceedings of the s.P.R., vol. XIII, pág. 351.)

Como conciliar esse género de erros com a hipótese da “prosopopese-metagnomia”? A Srta. Macleod conhecia a verdade, os familiares ausentes também a não ignoravam; nem a metagnomia com os presentes nem com os ausentes, bastaria para elucidar o incidente.

Difícil ainda seria harmonizar a “prosopopese-metagnomia” com este outro incidente. No admirável caso de identificação dos gémeos do casal Thaw, o “Espírito-guia” Phinuit, que afirmava os estar a ver exactamente como se apresentavam em vida, equivocou-se, julgando fosse um menino a menina Ruthy; ora, enquanto eles vivos, toda a gente que via a menina Ruthy tomava-a por um menino. (Proceedings, vol. XIII, pág. 384.)

A confissão feita por Phinuit não precisa ser comentada, desde que tomemos à letra a sua própria afirmação de estar a ver os gémeos, exactamente como eram em vida; mas nada se explicaria, ao contrário, pelas hipóteses da “prosopopese-metagnomia”, se considerarmos que os pais, presentes, conheciam bem o sexo da filhinha e deveriam, por conseguinte, ter telepaticamente influído sobre Phinuit.

Antes de nos despedirmos dos casos que se relacionam com a medianimidade da Sra. Piper, convém abordar um outro facto negativo, sobrevindo nas experiências com essa médium. Sudre a ele liga grande importância, encarando-o como prova decisiva, em apoio da sua tese. Mal se concebe não tenha percebido que, embora negativo, desastroso é ele para as hipóteses da “prosopopese-metagnomia”.

A personalidade medianímica, que afirmava ser o Espírito de Myers, não conseguiu revelar o conteúdo de um invólucro lacrado, pelo eminente psiquista deixado antes de morrer, a fim de poder, depois de morto, provar, medianimicamente, a própria identidade. Daquilo que, sob o ponto de vista espírita, pode ser facilmente explicado, com o auxílio das considerações feitas pelo Prof. Hyslop, relativamente às interferências perturbadoras que se produzem no acto da comunicação, não nos ocuparemos por enquanto. O que urge deixar bem claro é que, depois de diversas tentativas, os directores da Society for Psychical Research, depositários do invólucro, decidiram abri-lo e tomar conhecimento do seu conteúdo. Se a medianimidade da Sra. Piper consistisse realmente numa forma de metagnomia combinada com a prosopopese, deveria ela ter desalojado o famoso segredo, ao menos de uma das subconsciências que então já o possuíam, e isso com tanto maior razão, quanto os detentores do segredo se encontravam habitualmente presentes nas sessões realizadas posteriormente. Não obstante, nada foi revelado.

O mesmo se pode dizer do caso do Sr. Blodgett, e este com a circunstância notável de, constatado o insucesso e aberto o invólucro, continuar ele as sessões com o fim deliberado de, ainda que demasiado tarde, obter qualquer manifestação a respeito. Renovaram-se as tentativas também da parte da personalidade comunicante, ou da médium em transe, se preferirem, para a revelação do conteúdo já conhecido do Sr. Blodgett e do Prof. W. James, mas tudo resultou também inútil.

Como vimos, mesmo nos dois últimos casos com a Sra. Piper, em que as circunstâncias eram em extremo favoráveis, não conseguiu essa médium captar telepaticamente o pensamento consciente ou subconsciente dos assistentes ou dos ausentes. Quer isto dizer que nos casos com a Sra. Piper a hipótese da “prosopopese-metagnomia” foi ainda uma vez rebatida pelos factos, que se encarregaram de demonstrar que os incidentes de identificação pessoal de defuntos, que se produziram por intermédio dessa médium, devem ser considerados como autenticamente espíritas.

Ainda uma observação. Os casos acima, que na sua totalidade representam variadas formas de manifestações inexplicáveis por qualquer uma das hipóteses naturalistas, oferecem-nos o ensejo de formular uma conclusão de ordem geral, mas de excepcional valor teórico a que cheguei, isto é, que a repulsa que se verifica no campo dos metapsiquistas puros pela explicação espírita dos casos de identificação dos mortos deve ser atribuída, principalmente, à circunstância de ali estarem sinceramente convencidos de que o simples facto da existência da metagnomia (ou clarividência ou criptestesia, se mais preferem) torna supérflua a hipótese espírita, por poderem explicar cientificamente todos os casos dessa natureza por meio das faculdades supranormais inerentes à subconsciência humana. Mas absolutamente assim não é. Aquela opinião, fruto de uma análise superficial dos factos, não passa de um preconceito deplorável, de um erro evidente, que precisa ser combatido com energia, se quisermos que as investigações metapsíquicas enveredem pela senda de uma orientação menos partidária.

Vimos, com efeito, que em todas as circunstâncias análogas às que tive ocasião de citar, de casos de identificação pessoal de mortos, os mesmos não são absolutamente explicáveis pela metagnomia. Vimos, ao mesmo tempo, que nas circunstâncias acima referidas se podem facilmente discernir os casos autenticamente espíritas dos que o não são, ou mais precisamente, dos que não apresentam suficientes garantias nesse sentido.

Longe, portanto, de concordarmos que graças a “prosopopese-metagnomia” se conseguem explicar os casos de identificação de mortos, deveremos concluir que todos os casos de identificação de mortos, com episódios análogos aos que por mim foram aqui citados, devem ser considerados autenticamente espíritas, como experimentalmente têm sido demonstrados.

Aqueles que sustentam o contrário precisam justificar as suas opiniões, refutando, com argumentos, os argumentos por nós até aqui expostos, e também os que se vão seguir.

/…
(Nesta obra, de natureza puramente científica, Bozzano faz uma minuciosa análise com o objectivo de refutar a obra anti-espírita de René Sudre, “Introdução ao Estudo da Metapsíquica". Desenvolvendo argumentação insofismável sobre aparições junto ao leito de morte, fenómenos de materialização e outros, o autor demonstra que a “prosopopese-metagnomia”, hipótese fundamental sustentada por Sudre, para explicar as manifestações metapsíquicas de efeitos inteligentes, de modo algum atinge o fim que teve em vista o autor.)


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A propósito da Introdução à Metapsíquica Humana, Refutação do livro de René Sudre  Título Original em Italiano; Ernesto Bozzano - Per la difesa dello spiritismo (A proposito della "Introduction à la Métapsychique Humaine" di René Sudre) Società Editrice Partenopea, Napoli (1927); II – A propósito da mediunidade da Sra. Piper, 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

Sem comentários: