Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

O sentido da vida ~


Negativas da Ciência

A natureza profundamente deísta do Espiritismo e a sua posição filosófica ao lado do dualismo de Descartes, contra o monismo de Espinoza, no que se refere às relações entre o corpo e o espírito, suscitam contra ele as negativas da ciência académica. E o dizemos, ciência académica tendo em conta que muitos cientistas, do maior renome mundial, constituindo uma plêiade suficiente para a organização da verdadeira academia da ciência espírita, já demonstraram publicamente, até mesmo através de obras científicas como o Tratado de Metapsíquica, de Charles Richet, a evidência dos factos espíritas e a legitimidade de sua interpretação doutrinária.

A tendência moderna da biologia é a de considerar o homem do ponto de vista de Espinoza, a que acima aludimos, ou seja, como um todo de corpo e espírito, em que um não actua sobre o outro, pela simples razão de que são ambos diferentes aspectos de uma só e a mesma coisa. Mas há uma diferença, que devemos lembrar. Espinoza ia muito além na sua concepção das coisas, dos simples limites orgânicos, materiais, a que se prende a biologia moderna.

A ciência académica, porém, prefere o monismo de Espinoza naquele sentido restrito, negando a possibilidade, já tantas vezes comprovada, da existência independente do espírito. Para ela, morto o corpo, estará extinto o espírito. Também a existência de Deus para ela é uma simples hipótese.

Dessa maneira e, uma vez que os atributos de Deus estão ao alcance de todos, o materialista e o descrente podem amar a Deus e, consequentemente, chegar à crença e ao espiritualismo através do amor a Deus por um dos seus atributos, ou seja, do amor à verdade.

A ciência também pode ser definida, neste caso, como um acto de amor a Deus. Pois o que procura a ciência, senão descobrir a verdade? As suas negativas actuais decorrem apenas das suas próprias limitações, da sua temporária impossibilidade de atingir o conhecimento da verdade mais ampla, que ela deseja atingir e atingirá fatalmente no futuro. Para isso, a ciência terá de juntar aos seus dados os conseguidos através da experiência filosófica e da busca religiosa. No dia em que isso se fizer, não mais veremos cientistas materialistas, esforçando-se ao máximo para negar a evidência das manifestações espíritas. Nesse dia, o pensamento humano, que partiu da análise científica, chegará à síntese filosófica, pela reunião de todos os dados do conhecimento, hoje divididos em campos opostos e até mesmo antagónicos.

Mas, assim como um homem que avança pela estrada vai aos poucos descortinando o panorama das regiões que atingirá mais tarde, assim também a humanidade tem vislumbres e visões antecipadas das suas conquistas futuras. O Espiritismo é bem uma dessas visões, perfeitamente delineadas nos seus contornos. Na sua estrutura doutrinária ele já nos oferece a síntese daqueles três ramos do conhecimento humano. Apoiando-se na ciência, que observa e regista os fenómenos considerados supranormais, ele ergue ante os nossos olhos o edifício de uma filosofia que é a interpretação do mundo e da vida em espírito e verdade, culminando, por isso mesmo, naquilo que Kardec chamou de consequências religiosas, isto é, na religião espírita, que não depende de aparatos exteriores porque é todo um processo interior de sentimento e compreensão.

Friedrich Engels, na Dialética da Natureza, depois de fazer várias críticas a Russel Wallace e a William Crookes, não perdoando mesmo a interpretação do apocalipse feita por Isaac Newton, chega à conclusão, por sua conta e risco, de que o Espiritismo é a mais estéril de todas as superstições (aliás, trata-se de um artigo de Engels, adicionado ao manuscrito do livro). Para Engels, os cientistas espíritas pertencem todos à classe dos empíricos ingleses, que só se ocupam com o assunto na decrepitude. Engels, porém, era o defensor de uma nova teoria nascente, a da interpretação materialista do mundo, sendo justo que assim reagisse, diante da teoria que surgia para combater a sua, a da interpretação espiritualista racional, científica e não empírica. Engels defendia a sua posição por amor à verdade, e nesse sentido, embora não crendo em Deus, ele o amava, através do seu atributo “verdade”.

Muitos anos mais tarde, Leonidio Ribeiro e Murillo de Campos, no Brasil, apossaram-se dos argumentos de Engels. Mais tarde ainda, Osório César tentou fazer o mesmo, com o seu livro Misticismo e loucura, que foi forçado a negar. E ainda mais tarde, já agora, nos nossos dias, quando quase cem anos se passaram sobre a Dialéctica de Engelsa ciência tomou novos rumos, aproximando-se cada vez mais das verdades espirituais, agora que entramos no campo aberto da desintegração atómica, provando que a matéria não é mais do que uma condensação de energia, agora que Einstein rasga os horizontes da Física, através da sua nova teoria, da gravitação generalizada e do campo unificado, outro médico brasileiro, o prof. Silva Mello, escreve e publica o seu livro Mistérios e realidades deste e do outro mundo, repetindo os mesmos e encanecidos argumentos de Engels.

É claro que, do nosso ponto de vista, estes doutores não estão incluídos no número dos materialistas que podem amar a Deus, pelo menos através do amor à verdade.
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José Herculano Pires, O Sentido da Vida, Negativas da Ciência, 5º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Platão e Aristóteles, pormenor d'A escola de Atenas de Rafael Sanzio, 1509)

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