Negativas da Ciência
A natureza profundamente deísta do Espiritismo e a sua
posição filosófica ao lado do dualismo de Descartes, contra o
monismo de Espinoza,
no que se refere às relações entre o corpo e o espírito, suscitam contra ele as
negativas da ciência académica. E o dizemos, ciência académica tendo
em conta que muitos cientistas, do maior renome mundial, constituindo uma
plêiade suficiente para a organização da verdadeira academia da ciência
espírita, já demonstraram publicamente, até mesmo através de obras científicas
como o Tratado
de Metapsíquica, de Charles Richet, a
evidência dos factos espíritas e a legitimidade de sua interpretação
doutrinária.
A tendência moderna da biologia é a de considerar o homem do
ponto de vista de Espinoza, a que acima aludimos, ou seja, como um todo de
corpo e espírito, em que um não actua sobre o outro, pela simples razão de que
são ambos diferentes aspectos de uma só e a mesma coisa. Mas há uma diferença,
que devemos lembrar. Espinoza ia muito além na sua concepção das coisas, dos
simples limites orgânicos, materiais, a que se prende a biologia moderna.
A ciência académica, porém, prefere o monismo de Espinoza naquele
sentido restrito, negando a possibilidade, já tantas vezes comprovada, da
existência independente do espírito. Para ela, morto o corpo, estará extinto o
espírito. Também a existência de Deus para ela é uma simples hipótese.
Dessa maneira e, uma vez que os atributos de Deus estão ao
alcance de todos, o materialista e o descrente podem amar a Deus e,
consequentemente, chegar à crença e ao espiritualismo através do amor a Deus
por um dos seus atributos, ou seja, do amor à verdade.
A ciência também pode ser definida, neste caso, como um acto
de amor a Deus. Pois o que procura a ciência, senão descobrir a
verdade? As suas negativas actuais decorrem apenas das suas próprias
limitações, da sua temporária impossibilidade de atingir o conhecimento da
verdade mais ampla, que ela deseja atingir e atingirá fatalmente no futuro.
Para isso, a ciência terá de juntar aos seus dados os conseguidos através da
experiência filosófica e da busca religiosa. No dia em que isso se fizer,
não mais veremos cientistas materialistas, esforçando-se ao máximo para negar a
evidência das manifestações espíritas. Nesse dia, o pensamento humano, que
partiu da análise científica, chegará à síntese filosófica, pela reunião de
todos os dados do conhecimento, hoje divididos em campos opostos e até mesmo
antagónicos.
Mas, assim como um homem que avança pela estrada vai aos
poucos descortinando o panorama das regiões que atingirá mais tarde, assim
também a humanidade tem vislumbres e visões antecipadas das suas conquistas
futuras. O Espiritismo é
bem uma dessas visões, perfeitamente delineadas nos seus contornos. Na sua
estrutura doutrinária ele já nos oferece a síntese daqueles três ramos do
conhecimento humano. Apoiando-se na ciência, que observa e regista os fenómenos
considerados supranormais, ele ergue ante os nossos olhos o edifício de uma
filosofia que é a interpretação do mundo e da vida em espírito e verdade,
culminando, por isso mesmo, naquilo que Kardec chamou
de consequências religiosas, isto é, na religião espírita, que não
depende de aparatos exteriores porque é todo um processo interior de sentimento
e compreensão.
Friedrich
Engels, na Dialética da Natureza, depois de fazer várias
críticas a Russel
Wallace e a William
Crookes, não perdoando mesmo a interpretação do apocalipse feita por Isaac Newton, chega à
conclusão, por sua conta e risco, de que o Espiritismo é a
mais estéril de todas as superstições (aliás, trata-se de um artigo de
Engels, adicionado ao manuscrito do livro). Para Engels, os cientistas
espíritas pertencem todos à classe dos empíricos ingleses, que só
se ocupam com o assunto na decrepitude. Engels, porém, era o defensor de uma
nova teoria nascente, a da interpretação materialista do mundo, sendo justo que
assim reagisse, diante da teoria que surgia para combater a sua, a da
interpretação espiritualista racional, científica e não empírica. Engels
defendia a sua posição por amor à verdade, e nesse sentido, embora não crendo
em Deus, ele o amava, através do seu atributo “verdade”.
Muitos anos mais tarde, Leonidio Ribeiro e
Murillo de Campos, no Brasil, apossaram-se dos argumentos de Engels. Mais tarde
ainda, Osório
César tentou fazer o mesmo, com o seu livro Misticismo e
loucura, que foi forçado a negar. E ainda mais tarde, já agora, nos nossos
dias, quando quase cem anos se passaram sobre a Dialéctica de Engels, a
ciência tomou novos rumos, aproximando-se cada vez mais das verdades
espirituais, agora que entramos no campo aberto da desintegração atómica,
provando que a matéria não é mais do que uma condensação de energia, agora
que Einstein rasga
os horizontes da Física, através da sua nova teoria, da gravitação
generalizada e do campo unificado, outro médico brasileiro, o prof. Silva Mello,
escreve e publica o seu livro Mistérios e realidades deste e do outro
mundo, repetindo os mesmos e encanecidos argumentos de Engels.
É claro que, do nosso ponto de vista, estes doutores não
estão incluídos no número dos materialistas que podem amar a Deus, pelo menos
através do amor à verdade.
/…
José Herculano Pires, O Sentido da Vida, Negativas
da Ciência, 5º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Platão e Aristóteles, pormenor d'A
escola de Atenas de Rafael
Sanzio, 1509)
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