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segunda-feira, 11 de abril de 2022

O Homem e a Sociedade ~


Capítulo V 

O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico

Nos tempos actuais, o materialismo dialéctico encontra-se no auge, devido a considerar-se o seu método de conhecimento como o novo instrumento filosófico com o qual se pode interpretar a realidade histórica e, porque pode determinar uma transformação social que redunde num tipo de sociedade nova. 

Segundo os seus princípios, o homem deixa de ser uma entidade que conduz a marcha dos fenómenos sociais, para converter-se numa máquina manejada pelas forças exteriores. Deste modo, a matéria é que tem preeminência sobre o espírito, convertendo-se o Ser numa representação físico-química. Esquecemos assim que o indivíduo possui uma realidade metapsíquica, que supera em todos os sentidos o seu mundo corporal. 

Na dialéctica de Hegel, os fenómenos materiais são apenas objectivações da Ideia e, o mundo subjectivo desenvolve-se por uma lei de contradições que se opera através de uma tese, uma antítese e uma síntese. Penetrando na filosofia dialéctica de Hegel, compreenderemos, com assombro, que ela está baseada no mesmo processo da filosofia palingenésica do espiritismoGustave Geley, referindo-se a Hegel, disse: 

“Na filosofia de Hegel encontram-se nitidamente as ideias de evolução e involução. O absoluto, que não é mais do que um ideal puro, sem realidade alguma, desenvolve-se para chegar à plena consciência de si mesmo. Isto origina a evolução, que Hegel chama o porvir. O desenvolvimento opera-se em três fases ou tempos: primeiro, estado de pura virtualidade, chamado por Hegel: tesesegundo, delimitação e divisão, isto é: a antíteseterceiro, desaparecimento das delimitações e a identificação dos contrários, numa síntese superior. 

“Esta síntese, por vezes, converte-se logo no ponto de partida de um movimento análogo, que se repete até ao infinito. Tese, antítese e síntese reaparecem constantemente, em todos os momentos do desenvolvimento do Ser. Na sua evolução, o Ser realiza todos os progressos e chega, deste modo, à plena consciência de si mesmo. (1) 

A exacta interpretação que Geley faz de Hegel leva-nos a supor um grande porvir para a função ideológica que a palingenesia dialéctica desenvolverá. 

Hegel escreveu a sua Fenomenologia do Espírito afastando-se de todo o dogma. Geley, em plena actualidade, fez outro tanto com o seu extraordinário livro Do Inconsciente ao Consciente. Assim, para Geley, o Absoluto de Hegel chama-se Dinamopsiquismo e, evolui do inconsciente ao consciente; de maneira que Espírito Absoluto do filósofo alemão e o Dinamopsiquismo do metapsiquista francês se nos apresentam como uma mesma entidade metafísica, cujas três fases de tese, antítese síntese da dialéctica concordam com a trilogia espírita de nascer, morrer renascer. Como poderemos ver, o nascimento corresponderia à tese, a morte à antítese e o renascimento à síntese. 

Marx inverteu, como sabemos, o sentido original da dialéctica, acreditando demonstrar dessa maneira que o mundo material é que determina a realidade espiritual. Contudo, os fenómenos metapsíquicos dão razão à interpretação dialéctica de Hegel, demonstrando que por trás de todo o fenómeno material oculta-se um ser teleológico, que revela uma presença inteligente e espiritual. Os fenómenos de materialização e desmaterialização julgam o materialismo dialéctico de maneira terminante. Pois se o Espírito Absoluto de Hegel e o Dinamopsiquismo de Geleyem circunstâncias especiais, se materializam e desmaterializam, isso demonstra que a realidade material não é a que impulsiona o processo histórico, mas sim a Ideia ou realidade espiritual. 

Chegamos assim à conclusão de que o determinismo histórico está movimentado por uma causalidade espiritual, cujo motor psíquico é a parte fundamental do Ser. 

Tratamos, em seguida, de interpretar a lei materialista dialéctica de negação da negação, que, segundo a filosofia espírita, corresponde ao processo de evolução da involução. 

Com efeito, quando o materialismo dialéctico afirma que as coisas são processos materiais, que se transformam e se desenvolvem, não faz outra coisa senão mostrar-nos um processo dialéctico espiritual, porque, se as coisas são processos, estes confirmam a tese palingenésica do Ser, quando nos explica que é um factor psíquico o determinante da evolução da involução (no materialismo dialéctico: negação da negação). 

Mas antes de prosseguir, façamos algumas breves reflexões sobre esta teoria, chamada negação da negação pela filosofia Materialista dialéctica. 

Para o espiritismo, é o conceito de negação que redunda na desordem, no caos, na morte e no nada. De maneira terminante, a negação não é mais do que a base ideológica do existencialismo ateu. Se tudo isto implica o conceito de negação o materialismo dialéctico nunca poderá falar de uma verdadeira negação de negação, por lhe faltar uma ideologia transcendental, que dê sentido e finalidade à existência e ao Universo. 

A sua interpretação da história sempre se faz no conceito de negação, já que a sua própria ideologia é uma consequência da negação de toda a teleologia espiritual do homem e do mundo. Nenhuma ideia ou sistema que não aceite o espírito, como o expõe a filosofia espírita, poderá aspirar a uma posição verdadeira ao conceito de negação, visto que este não é mais do que um encontro com o nada. (2) 

A negação é uma propriedade do Nada e, uma real negação da negação só poderá efectuar-se sobre o fundamento da vida eterna e da concepção de um homem infinito. Então, destruir negação nas coisas é trabalho do espiritualismo espírita e, não do materialismo dialéctico, assente sobre a ideia do nada e da morte definitiva do indivíduo, isto é, sobre o conceito de negação, dentro do qual cabem todas as formas ideológicas que se opõem à vida e à evolução palingenésica. 

Se, como afirma a dialéctica materialista, todas as coisas são processos, necessariamente a identidade e coesão das mesmas para que se mantenham, devem corresponder a um númeno psíquico, já que não pode; haver processo se não houver antes harmonia no formal. Consequentemente, a matéria, para estar submetida a processos, deve ser conduzida por algo e, esse algo não é mais do que o Espírito Absoluto de Hegel ou o Dinamopsiquismo de Geley

O materialismo dialéctico silencia a este respeito. Não explica nada sobre esse factor essencial, que mantém o processo formal das coisas. E, é aqui, que a realidade do fenómeno metapsíquico se impõe e, por ele fica demonstrado que o Universo é o que Geley chama Dinamopsiquismo Essencial. É este facto que renova a filosofia idealista por meio do perispírito, órgão psíquico do espírito, através do qual o Absoluto de Hegel deixa de ser um puro ideal sem realidade nenhuma, como dizia Geley ao apreciar a dialéctica hegeliana. 

Se todas as coisas são processos, como afirma o materialismo dialéctico, o próprio homem resultará um dinamopsiquismo individual, cuja natureza o revelará como um ser palingenésico. É aqui que se nos apresenta o processo dialéctico de tese, antítese e síntese, concordando admiravelmente com a trilogia espírita de nascer, morrer renascer, verdadeiro fundamento da negação da negação, ampliada pela tese palingenésica de evolução da involução. 

/… 

(1) Geley, Ensaio de Revista Geral e de Interpretação Sintética do Espiritismo. 
(2) Título de um livro de Helmut Kuhn. 


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (1 de 3), 8º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

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