Capítulo VIII
Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das
reencarnações (II)
Após um tempo de permanência e repouso no Espaço, a alma,
dizem os espíritos, deve renascer na condição humana. Ela leva consigo toda a
herança do passado, bom ou mau, e volta para adquirir novos poderes, novos
méritos que facilitarão a sua ascensão, a sua marcha para a frente. E assim, de
renascimento em renascimento, o espírito progride, eleva-se, sobe na direcção
desse ideal de perfeição que é o objectivo de toda evolução universal.
A Terra é um mundo de provas e de reparação, onde as almas
se preparam para uma vida mais elevada. Não há iniciação sem provas, nem
reparação sem dor. Elas, sozinhas, podem purificar a alma, sagrá-la, torná-la
digna de penetrar nos mundos felizes. Esses mundos, ou sistemas de mundos, são
dispostos no Universo em planos ou graus sucessivos. As condições de vida
nesses planos são tanto mais perfeitas e mais harmónicas quanto mais acentuada
é a evolução dos seres que os povoam. Ninguém se eleva para um grau superior a
não ser quando adquiriu, na fase precedente, as perfeições inerentes a esse
meio.
Ora, a variedade quase infinita e a desigualdade das
condições de existência sobre a Terra não permitem crer que nela se possa
adquirir as qualidades necessárias no decorrer de uma só vida. É preciso, para
a grande maioria dos homens, uma sucessão de vidas, bem vividas, para realizar
esse estado de subtileza fluídica e de maturidade moral que lhes permitirá
penetrar nas sociedades mais avançadas.
Daí resulta que, se todas as almas terrestres fossem
indistintamente chamadas a renascer no seio das sociedades superiores, essas
seriam contaminadas e o plano geral de evolução estaria alterado, inteiramente
falsificado.
Essa maneira de ver esse juízo são confirmados pelo atestado de inúmeros parentes e amigos mortos com os quais me foi possível
relacionar no decorrer de minha longa vida.
É-nos feita a objecção de que isso não acontece por toda a parte. Na Inglaterra e na América do Norte diz-se que certos espíritos ficam em
dúvida e negam a necessidade de renascimentos na Terra. Essa contradição
aparente é o principal argumento dos adversários do Espiritismo de Kardec.
Se examinarmos a questão de perto, um facto aparece de
início: é que todos esses espíritos, opostos à ideia da reencarnação,
pertencem, no mundo, ao culto protestante. Sabe-se que essa forma de
Cristianismo dá aos seus adeptos uma educação religiosa muito rigorosa e
intensa, uma fé robusta cujas tendências e pontos de vista se prolongam com
tenacidade na vida no Além.
O Protestantismo ensina que a morte da alma é julgada de um
modo definitivo e fixada para a eternidade no paraíso ou no inferno.
O protestante não ora para as almas dos mortos, a sua sorte
é irrevogável. Uma doutrina rígida que elimina a alma culpada de toda a
possibilidade de reparação e retira de Deus o prestígio sublime da misericórdia
e do perdão. Com ela, nenhum meio há para voltar à Terra.
O Catolicismo, ao menos, pela noção de purgatório, abre uma
saída à redenção possível, e certos sacerdotes vêem nessa teoria uma eventual
aproximação com o Espiritismo, se a Igreja algum dia chegar a atenuar a sua
intransigência e reconhecer que o purgatório, esse lugar de reparação, é a
própria Terra, pelo processo dos renascimentos.
Pode então explicar-se, pelos preconceitos dogmáticos
inveterados, a oposição de certos espíritos, nos meios protestantes, à lei das
reencarnações.
Mas, dir-se-á, já que todo o passado está escrito em nós, na
nossa consciência profunda, como demonstram as experiências de exteriorização –
sendo a morte a exteriorização completa e persistente – como é que esses espíritos se
podem enganar sobre a natureza desse passado e a forma de seu futuro?
Sim, sem dúvida, todo o passado está escrito em nós, como num
livro, nos recônditos ocultos da memória subconsciente. Mas do mesmo modo que
para se ler um livro é preciso, inicialmente, abri-lo, depois querer e saber
lê-lo, para explorar as profundezas do ser é necessário um acto de vontade. É
por esse processo que o hipnotizador obtém do paciente a reconstituição de suas
vidas passadas. Não nos ocorre, sermos obrigados a fazer um esforço mental,
esforço repetido e prolongado, para voltar a fixar, na vida actual, as lembranças
adormecidas?
Muitas pessoas imaginam que a morte é como um véu que se
destrói e que uma viva luz logo aparece sobre todos os problemas que lhe concernem.
Erro grave, pois é lentamente, por todo um trabalho interior, por observações,
por comparações repetidas que a alma do morto se liberta, pouco a pouco, das
rotinas, dos preconceitos das falsas noções que a educação terrestre acumulou
sobre ela. No entanto, ainda é preciso, para isso, a assistência e o concurso
de espíritos mais adiantados.
Mas, como nos diz Allan Kardec, o espírito, na sua volta ao
espaço, procura os grupos de almas em vibração harmónica com os seus próprios
modos de ver e com os seus sentimentos; ele se associa à vida espiritual e,
desde então, confinado nesse meio ambiente particular, pode persistir, por
muito tempo, nos erros e nos costumes comuns.
Todos os espíritas conhecem esse estado de alma que se
revela nas comunicações do além e desejam, às vezes, provas originais de
identidade que não são sem interesse e sem lucro, sob o ponto de vista da demonstração
da sobrevivência.
Durante as minhas experiências encontrei, às vezes,
espíritos dessa natureza, que não se lembravam de ter vivido muitas vezes na
nossa Terra e que negavam, de bom grado, o princípio das existências
sucessivas. Eu os convidei, então, a pesquisar no âmago escondido de seu
subconsciente e a procurar os traços de suas vidas anteriores. Nas reuniões
seguintes eles vinham declarar-me que tinham encontrado esses resquícios e
podiam retomar o fio de seus últimos renascimentos. Pude observar que esses
espíritos eram, geralmente, de ordem inferior. Os seus antecedentes, pouco
importantes, se reuniam em várias existências de paixão, de violência, de
desordem, fontes de amargos desgostos no além.
Não está no meu pensamento comparar esses espíritos atrasados com
aqueles de origem anglo-saxónica, de que falei mais acima. Aqueles possuem,
talvez, as riquezas ocultas, intelectuais e morais cuja importância eles
ignoram. Eu exorto os nossos amigos de ultramar para que realizem pesquisas metódicas,
uma análise profunda das suas faculdades e de suas lembranças. O encadeamento
de suas existências terrestres, então, se reconstituirá e nós chegaremos, assim,
à unidade de pontos de vista susceptível de dar à doutrina das vidas sucessivas
toda a sua autoridade, toda a sua amplitude. Para isso bastará pôr em acção
esta alavanca incomparável: a vontade!
Notemos, aliás, que, desde há cinquenta anos, a crença na
pluralidade das vidas da alma na Terra não cessou de aumentar nos Estados
Unidos e na Inglaterra. Ela contava, há trinta anos, com alguns representantes
isolados, enquanto que hoje, com a própria advertência dos espíritas ingleses,
cerca de metade entre eles admite a volta possível, às vezes necessária, da
alma sobre a Terra.
Eis, a propósito, a opinião de dois representantes, os mais
autorizados e os mais ilustres, do pensamento espiritualista britânico,
formulada em obras recentes.
O prof. Sir William Barrett, da Universidade de Dublin,
escreveu no seu livro No Limiar do
Invisível, páginas 214 e 215:
“Opunha-se à ideia de reencarnação o esquecimento total das nossas existências passadas, mas isso pode ser somente um eclipse
temporário. É possível que a lembrança de nossas vidas anteriores nos retorne,
pouco a pouco, durante os nossos progressos espirituais, à medida que atingimos
uma vida mais ampla, com uma consciência mais extensa.”
E ele acrescenta uma citação do Sr. Massey, afirmativa e
explicativa, sobre a reencarnação na Terra:
“A razão da reencarnação tem a sua fonte na atracção que o
nosso mundo exerce. O que nos trouxe aqui uma vez nos reconduzirá, sem dúvida,
outras vezes, enquanto a causa que nos impulsiona não tenha mudado. Só a
regeneração, isto é, a renovação de nossa natureza é que nos isenta da reencarnação.”
Nos seus estudos sobre os múltiplos aspectos da
personalidade humana, Sir Barrett também dizia:
“Os casos de invasão psíquica tornam compreensíveis as reencarnações
carnais.”
De sua parte, Oliver Lodge, reitor da Universidade de
Birmingham, escreveu na sua obra Evolução
Biológica e Espiritual do Homem:
“Pode admitir-se, em certos casos, a possibilidade das
encarnações, não somente de uma sucessão de indivíduos do tipo ordinário, mas
também de verdadeiros grandes homens.”
Ele acreditava na reencarnação fragmentária, que lhe parece aplicável
ao caso de Cristo.
Já Stainton Moses, com o pseudónimo de Oxon, professor da
Universidade de Oxford, que foi um dos propugnadores mais estimados da ideia
espírita no seu país, escrevia nos seus Ensinos
Espiritualistas as seguintes linhas, obtidas pela sua própria mediunidade:
“A criança (o ser humano) não pode obter o amor e a ciência
a não ser pela educação adquirida em uma nova vida terrestre. Uma tal
experiência é necessária e numerosos espíritos escolhem um retorno à Terra a
fim de alcançar o que lhes falta.”
Fredrich Myers, na sua obra magistral A Personalidade Humana, capítulo X, expressa a mesma opinião e diz:
“A doutrina da reencarnação não contém nada que seja
contrário à melhor razão e aos mais elevados instintos do homem.”
Ele volta a tratar da evolução gradual (das almas) em numerosas etapas “a que é impossível de assinalar um limite”.
Quanto à América do Norte, poderíamos citar várias obras
editadas nesse país que demonstram que a ideia da reencarnação também segue o
seu caminho e que as mensagens dos espíritos que afirmam os renascimentos terrestres
são cada vez mais frequentes, como se pode observar na maioria das revistas
espiritualistas de língua inglesa. O mesmo movimento de opinião ressalta do
acolhimento feito à tradução do meu livro O
Problema do Ser e do Destino, pela Sra. Wilcox, sob o título Life and Destiny, editado em Londres e
em Nova Iorque.
É evidente que essa grande verdade foi durante muito tempo
apagada pelo trabalho lento e oculto dos séculos, porque cada vez que nós a
afirmamos, nos defrontamos com objecções que denotam um esquecimento completo.
Entretanto, não se deve perder de vista que essa doutrina
permanece activa no oriente. No momento actual, das Índias ao Japão, oitocentos
milhões de asiáticos conhecem e aceitam a lei dos renascimentos. Bramanistas,
budistas, xintoístas, adoptam essa mesma crença, o que lhes assegura uma certa
superioridade de pontos de vista. O Alcorão,
nas suas primeiras “suratas”, também afirma que é possível a reencarnação, na
Terra, de muitos adeptos do profeta (Maomé).
E sem pesquisar a fundo, entre nós mesmos e nos nossos dias,
longa seria a lista de homens ilustres que aceitaram essa crença, desde Victor Hugo, Charles Bonnet, Pierre Leroux, Jean Reynaud até Mazzini e Flammarion. A
maioria não teve necessidade de provas experimentais. O uso de sua razão,
liberta das rotinas de escola e dos sofismas, e o panorama da vida, se desenvolvendo
em volta deles, lhes foram suficientes para discernir as leis. Eles foram
seduzidos pela beleza e pela grandeza desta evolução que faz do homem o autor
de seu próprio destino. A alma, pensavam eles, constrói o seu futuro por meio
de vidas renascentes; ela desenvolve as suas faculdades e a sua consciência
pelo trabalho, pela prova, pela dor, cinzel divino que lhe comunica as suas
belas formas. Ela se depura, se eleva, se interpenetra dos esplendores da
natureza, se inicia nas suas leis e participa, na medida de sua potência
crescente, da ordem e da harmonia universal.
Para esses precursores, como para nós, espíritas, esta
revelação, seja intuitiva, seja vinda do Alto, dissipou como uma neblina as
hipóteses fantasiosas e as negações estéreis. A vida e a morte mudaram de
situação: esta não é mais do que a transição necessária entre as duas formas
alternativas de nossa existência: visível e invisível. A vida é a conquista das
riquezas imperecíveis da alma, das forças radiantes e das qualidades morais que
assegurarão a sua situação no além e lhe prepararão as melhores reencarnações
na Terra e em outros mundos. Assim, o pessimismo sombrio se esvai para dar
lugar à confiança, à alegria de viver na tarefa bem cumprida, à satisfação do
dever bem realizado, com as perspectivas de um futuro sem limites e a ascensão
gradual e radiosa de círculos em círculos, de esferas em esferas, em direcção
ao foco divino.
/…
LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível,
Segunda Parte – Capítulo VIII Palingenesia: preexistências e vidas
sucessivas. A lei das reencarnações (2 de 5) 25º fragmento da
obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que
morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis
Girodet-Trioson)
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