Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 11 de agosto de 2015

O Génio Céltico e o Mundo Invisível ~


Capítulo VIII

Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (II)

   Após um tempo de permanência e repouso no Espaço, a alma, dizem os espíritos, deve renascer na condição humana. Ela leva consigo toda a herança do passado, bom ou mau, e volta para adquirir novos poderes, novos méritos que facilitarão a sua ascensão, a sua marcha para a frente. E assim, de renascimento em renascimento, o espírito progride, eleva-se, sobe na direcção desse ideal de perfeição que é o objectivo de toda evolução universal.

   A Terra é um mundo de provas e de reparação, onde as almas se preparam para uma vida mais elevada. Não há iniciação sem provas, nem reparação sem dor. Elas, sozinhas, podem purificar a alma, sagrá-la, torná-la digna de penetrar nos mundos felizes. Esses mundos, ou sistemas de mundos, são dispostos no Universo em planos ou graus sucessivos. As condições de vida nesses planos são tanto mais perfeitas e mais harmónicas quanto mais acentuada é a evolução dos seres que os povoam. Ninguém se eleva para um grau superior a não ser quando adquiriu, na fase precedente, as perfeições inerentes a esse meio.

   Ora, a variedade quase infinita e a desigualdade das condições de existência sobre a Terra não permitem crer que nela se possa adquirir as qualidades necessárias no decorrer de uma só vida. É preciso, para a grande maioria dos homens, uma sucessão de vidas, bem vividas, para realizar esse estado de subtileza fluídica e de maturidade moral que lhes permitirá penetrar nas sociedades mais avançadas.

   Daí resulta que, se todas as almas terrestres fossem indistintamente chamadas a renascer no seio das sociedades superiores, essas seriam contaminadas e o plano geral de evolução estaria alterado, inteiramente falsificado.

   Essa maneira de ver esse juízo são confirmados pelo atestado de inúmeros parentes e amigos mortos com os quais me foi possível relacionar no decorrer de minha longa vida.

   É-nos feita a objecção de que isso não acontece por toda a parte. Na Inglaterra e na América do Norte diz-se que certos espíritos ficam em dúvida e negam a necessidade de renascimentos na Terra. Essa contradição aparente é o principal argumento dos adversários do Espiritismo de Kardec.

   Se examinarmos a questão de perto, um facto aparece de início: é que todos esses espíritos, opostos à ideia da reencarnação, pertencem, no mundo, ao culto protestante. Sabe-se que essa forma de Cristianismo dá aos seus adeptos uma educação religiosa muito rigorosa e intensa, uma fé robusta cujas tendências e pontos de vista se prolongam com tenacidade na vida no Além.

   O Protestantismo ensina que a morte da alma é julgada de um modo definitivo e fixada para a eternidade no paraíso ou no inferno.

   O protestante não ora para as almas dos mortos, a sua sorte é irrevogável. Uma doutrina rígida que elimina a alma culpada de toda a possibilidade de reparação e retira de Deus o prestígio sublime da misericórdia e do perdão. Com ela, nenhum meio há para voltar à Terra.

   O Catolicismo, ao menos, pela noção de purgatório, abre uma saída à redenção possível, e certos sacerdotes vêem nessa teoria uma eventual aproximação com o Espiritismo, se a Igreja algum dia chegar a atenuar a sua intransigência e reconhecer que o purgatório, esse lugar de reparação, é a própria Terra, pelo processo dos renascimentos.

   Pode então explicar-se, pelos preconceitos dogmáticos inveterados, a oposição de certos espíritos, nos meios protestantes, à lei das reencarnações.

   Mas, dir-se-á, já que todo o passado está escrito em nós, na nossa consciência profunda, como demonstram as experiências de exteriorização – sendo a morte a exteriorização completa e persistente – como é que esses espíritos se podem enganar sobre a natureza desse passado e a forma de seu futuro?

   Sim, sem dúvida, todo o passado está escrito em nós, como num livro, nos recônditos ocultos da memória subconsciente. Mas do mesmo modo que para se ler um livro é preciso, inicialmente, abri-lo, depois querer e saber lê-lo, para explorar as profundezas do ser é necessário um acto de vontade. É por esse processo que o hipnotizador obtém do paciente a reconstituição de suas vidas passadas. Não nos ocorre, sermos obrigados a fazer um esforço mental, esforço repetido e prolongado, para voltar a fixar, na vida actual, as lembranças adormecidas?

   Muitas pessoas imaginam que a morte é como um véu que se destrói e que uma viva luz logo aparece sobre todos os problemas que lhe concernem. Erro grave, pois é lentamente, por todo um trabalho interior, por observações, por comparações repetidas que a alma do morto se liberta, pouco a pouco, das rotinas, dos preconceitos das falsas noções que a educação terrestre acumulou sobre ela. No entanto, ainda é preciso, para isso, a assistência e o concurso de espíritos mais adiantados.

   Mas, como nos diz Allan Kardec, o espírito, na sua volta ao espaço, procura os grupos de almas em vibração harmónica com os seus próprios modos de ver e com os seus sentimentos; ele se associa à vida espiritual e, desde então, confinado nesse meio ambiente particular, pode persistir, por muito tempo, nos erros e nos costumes comuns.

   Todos os espíritas conhecem esse estado de alma que se revela nas comunicações do além e desejam, às vezes, provas originais de identidade que não são sem interesse e sem lucro, sob o ponto de vista da demonstração da sobrevivência.

   Durante as minhas experiências encontrei, às vezes, espíritos dessa natureza, que não se lembravam de ter vivido muitas vezes na nossa Terra e que negavam, de bom grado, o princípio das existências sucessivas. Eu os convidei, então, a pesquisar no âmago escondido de seu subconsciente e a procurar os traços de suas vidas anteriores. Nas reuniões seguintes eles vinham declarar-me que tinham encontrado esses resquícios e podiam retomar o fio de seus últimos renascimentos. Pude observar que esses espíritos eram, geralmente, de ordem inferior. Os seus antecedentes, pouco importantes, se reuniam em várias existências de paixão, de violência, de desordem, fontes de amargos desgostos no além.

   Não está no meu pensamento comparar esses espíritos atrasados com aqueles de origem anglo-saxónica, de que falei mais acima. Aqueles possuem, talvez, as riquezas ocultas, intelectuais e morais cuja importância eles ignoram. Eu exorto os nossos amigos de ultramar para que realizem pesquisas metódicas, uma análise profunda das suas faculdades e de suas lembranças. O encadeamento de suas existências terrestres, então, se reconstituirá e nós chegaremos, assim, à unidade de pontos de vista susceptível de dar à doutrina das vidas sucessivas toda a sua autoridade, toda a sua amplitude. Para isso bastará pôr em acção esta alavanca incomparável: a vontade!

   Notemos, aliás, que, desde há cinquenta anos, a crença na pluralidade das vidas da alma na Terra não cessou de aumentar nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ela contava, há trinta anos, com alguns representantes isolados, enquanto que hoje, com a própria advertência dos espíritas ingleses, cerca de metade entre eles admite a volta possível, às vezes necessária, da alma sobre a Terra.

   Eis, a propósito, a opinião de dois representantes, os mais autorizados e os mais ilustres, do pensamento espiritualista britânico, formulada em obras recentes.

   O prof. Sir William Barrett, da Universidade de Dublin, escreveu no seu livro No Limiar do Invisível, páginas 214 e 215:

   “Opunha-se à ideia de reencarnação o esquecimento total das nossas existências passadas, mas isso pode ser somente um eclipse temporário. É possível que a lembrança de nossas vidas anteriores nos retorne, pouco a pouco, durante os nossos progressos espirituais, à medida que atingimos uma vida mais ampla, com uma consciência mais extensa.”

   E ele acrescenta uma citação do Sr. Massey, afirmativa e explicativa, sobre a reencarnação na Terra:

   “A razão da reencarnação tem a sua fonte na atracção que o nosso mundo exerce. O que nos trouxe aqui uma vez nos reconduzirá, sem dúvida, outras vezes, enquanto a causa que nos impulsiona não tenha mudado. Só a regeneração, isto é, a renovação de nossa natureza é que nos isenta da reencarnação.”

   Nos seus estudos sobre os múltiplos aspectos da personalidade humana, Sir Barrett também dizia:

   “Os casos de invasão psíquica tornam compreensíveis as reencarnações carnais.”

   De sua parte, Oliver Lodge, reitor da Universidade de Birmingham, escreveu na sua obra Evolução Biológica e Espiritual do Homem:

   “Pode admitir-se, em certos casos, a possibilidade das encarnações, não somente de uma sucessão de indivíduos do tipo ordinário, mas também de verdadeiros grandes homens.”

   Ele acreditava na reencarnação fragmentária, que lhe parece aplicável ao caso de Cristo.

   Já Stainton Moses, com o pseudónimo de Oxon, professor da Universidade de Oxford, que foi um dos propugnadores mais estimados da ideia espírita no seu país, escrevia nos seus Ensinos Espiritualistas as seguintes linhas, obtidas pela sua própria mediunidade:

   “A criança (o ser humano) não pode obter o amor e a ciência a não ser pela educação adquirida em uma nova vida terrestre. Uma tal experiência é necessária e numerosos espíritos escolhem um retorno à Terra a fim de alcançar o que lhes falta.”

   Fredrich Myers, na sua obra magistral A Personalidade Humana, capítulo X, expressa a mesma opinião e diz:

   “A doutrina da reencarnação não contém nada que seja contrário à melhor razão e aos mais elevados instintos do homem.”

   Ele volta a tratar da evolução gradual (das almas) em numerosas etapas “a que é impossível de assinalar um limite”.

   Quanto à América do Norte, poderíamos citar várias obras editadas nesse país que demonstram que a ideia da reencarnação também segue o seu caminho e que as mensagens dos espíritos que afirmam os renascimentos terrestres são cada vez mais frequentes, como se pode observar na maioria das revistas espiritualistas de língua inglesa. O mesmo movimento de opinião ressalta do acolhimento feito à tradução do meu livro O Problema do Ser e do Destino, pela Sra. Wilcox, sob o título Life and Destiny, editado em Londres e em Nova Iorque.

   É evidente que essa grande verdade foi durante muito tempo apagada pelo trabalho lento e oculto dos séculos, porque cada vez que nós a afirmamos, nos defrontamos com objecções que denotam um esquecimento completo.

   Entretanto, não se deve perder de vista que essa doutrina permanece activa no oriente. No momento actual, das Índias ao Japão, oitocentos milhões de asiáticos conhecem e aceitam a lei dos renascimentos. Bramanistas, budistas, xintoístas, adoptam essa mesma crença, o que lhes assegura uma certa superioridade de pontos de vista. O Alcorão, nas suas primeiras “suratas”, também afirma que é possível a reencarnação, na Terra, de muitos adeptos do profeta (Maomé).

   E sem pesquisar a fundo, entre nós mesmos e nos nossos dias, longa seria a lista de homens ilustres que aceitaram essa crença, desde Victor Hugo, Charles Bonnet, Pierre Leroux, Jean Reynaud até Mazzini e Flammarion. A maioria não teve necessidade de provas experimentais. O uso de sua razão, liberta das rotinas de escola e dos sofismas, e o panorama da vida, se desenvolvendo em volta deles, lhes foram suficientes para discernir as leis. Eles foram seduzidos pela beleza e pela grandeza desta evolução que faz do homem o autor de seu próprio destino. A alma, pensavam eles, constrói o seu futuro por meio de vidas renascentes; ela desenvolve as suas faculdades e a sua consciência pelo trabalho, pela prova, pela dor, cinzel divino que lhe comunica as suas belas formas. Ela se depura, se eleva, se interpenetra dos esplendores da natureza, se inicia nas suas leis e participa, na medida de sua potência crescente, da ordem e da harmonia universal.

   Para esses precursores, como para nós, espíritas, esta revelação, seja intuitiva, seja vinda do Alto, dissipou como uma neblina as hipóteses fantasiosas e as negações estéreis. A vida e a morte mudaram de situação: esta não é mais do que a transição necessária entre as duas formas alternativas de nossa existência: visível e invisível. A vida é a conquista das riquezas imperecíveis da alma, das forças radiantes e das qualidades morais que assegurarão a sua situação no além e lhe prepararão as melhores reencarnações na Terra e em outros mundos. Assim, o pessimismo sombrio se esvai para dar lugar à confiança, à alegria de viver na tarefa bem cumprida, à satisfação do dever bem realizado, com as perspectivas de um futuro sem limites e a ascensão gradual e radiosa de círculos em círculos, de esferas em esferas, em direcção ao foco divino.

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LÉON DENIS, O Génio Céltico e o Mundo Invisível, Segunda Parte – Capítulo VIII Palingenesia: preexistências e vidas sucessivas. A lei das reencarnações (2 de 5) 25º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: A Apoteose dos heróis franceses que morreram pelo seu país durante a guerra da Liberdade, pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson)

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