Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 14 de dezembro de 2013

Da sombra do dogma à luz da razão ~


Natureza da Revelação Espírita (V)

  Sendo Deus o eixo de todas as crenças religiosas, o objectivo de todos os cultos, o carácter de todas as religiões está de acordo com a ideia que estas transmitem de Deus. As religiões que criam um Deus vingativo e cruel julgam honrá-lo com actos de crueldade, com fogueiras e torturas; as que criam um Deus parcial e ciumento são intolerantes; são mais ou menos meticulosas na forma, consoante o julguem mais ou menos maculado com as fraquezas e mesquinhez humanas.

  Toda a doutrina de Cristo se funda sobre o carácter que ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente justo, bom e misericordioso, conseguiu fazer do amor de Deus e da caridade para com o próximo a condição expressa da redenção e dizer: «Amai a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a vós mesmos.» Sobre esta única crença, conseguiu estabelecer o princípio da igualdade dos homens perante Deus e da fraternidade universal. Mas era possível amar aquele Deus de Moisés? Não; só poderíamos temê-lo.

  Esta revelação dos verdadeiros atributos da Divindade, juntamente com a da imortalidade da alma e da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens, impunha-lhes novas obrigações, fazia com que encarassem a vida actual sob uma nova luz; devia, por isso mesmo, actuar sobre os costumes e as relações sociais. Incontestavelmente, pelas suas consequências, este é o ponto capital da revelação de Cristo e de que não se compreendeu suficientemente a importância; é lamentável dizer que este é também o ponto de que mais nos afastamos, em que nos enganámos na interpretação dos seus ensinamentos.

  No entanto, Cristo acrescenta: «Muitas das coisas que vos digo não as podeis ainda compreender e teria muitas mais para vos dizer que não entenderíeis; é por isso que vos falo por parábolas; mas, mais tarde, enviar-vos-ei o Consolador, o Espírito da Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las explicará todas

  Se Cristo não disse tudo o que poderia ter dito, foi por ter acreditado que devia deixar certas verdades na sombra até os homens estarem em estado de as entender. Conforme declarou, o seu ensinamento estava portanto incompleto, dado que anunciou a vinda do que o iria completar; previa então que as suas palavras seriam erradamente interpretadas, que se desviariam dos seus ensinamentos; resumindo, que desfariam o que tinha feito, já que todas as coisas deviam ser restabelecidas; ora, só se restabelece o que foi desfeito.

  Por que chama ao novo Messias Consolador? Este nome, significativo e sem ambiguidades, constitui uma revelação completa. Ele previa portanto que os homens iriam precisar de consolações, o que implica a insuficiência das que iriam encontrar na crença que iriam adoptar. Talvez nunca Cristo tenha sido mais claro e mais explícito que nestas últimas palavras a que poucas pessoas prestaram atenção, talvez porque se tenha evitado dar-lhes relevo e aprofundar o seu sentido profético.

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ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo I NATUREZA DA REVELAÇÃO ESPÍRITA números de 24 a 27, 7º fragmento da obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de ilustração: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)

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