Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 6 de novembro de 2021

Hippolyte Léon Denisard Rivail


Sr. Home 
(Terceiro artigo) 

(Ver os números de Fevereiro e Março de 1858) (*) 

Não é do nosso conhecimento que o Sr. Home tenha feito aparecer, pelo menos visivelmente a todos, outras partes do corpo além das mãos. Cita-se, entretanto, um general, morto na Crimeia, que teria aparecido à sua viúva e visível somente a ela; mas não pudemos constatar a realidade do facto, sobretudo no que diz respeito à intervenção do Sr. Home em tal circunstância. Limitar-nos-emos apenas àquilo que pudermos afirmar. Por quê mãos, de preferência a pés ou a uma cabeça? É o que não sabemos e ele próprio o ignora. Interrogados a respeito, os Espíritos responderam que outros médiuns poderiam fazer aparecer o corpo inteiro; aliás, isso não é o ponto mais importante; se só as mãos aparecem, as demais partes do corpo não são menos evidentes, como se verá dentro em pouco. 

A aparição de uma mão geralmente manifesta-se, em primeiro lugar, sob a toalha de uma mesa, através de ondulações produzidas a percorrer toda a sua superfície; depois mostra-se à borda da toalha, que ela levanta; algumas vezes vem postar-se sobre a toalha, bem no meio da mesa; frequentemente, pega um objecto e leva-o para baixo da toalha. Esta mão, visível a toda a gente, não é vaporosa, nem translúcida; tem a cor e a opacidade naturais; no punho, termina de maneira vaga, mal definida; se é tocada com precaução, confiança e sem segundas intenções hostis, oferece a resistência, a solidez e a impressão de uma mão viva; o seu calor é suave, húmido e comparável ao de um pombo morto há cerca de meia hora. Não é de forma alguma inerte, porquanto age, presta-se aos movimentos que se lhe imprime, ou resiste, acaricia-vos ou aperta-vos. Se, ao contrário, quiserdes pegá-la bruscamente e de surpresa, somente encontrareis o vazio. Uma testemunha ocular narrou-nos o seguinte facto que se passou com ela. Tinha entre os dedos uma campainha de mesa; uma mão, a princípio invisível, pouco depois perfeitamente visível, veio pegá-la, fazendo esforços para arrancá-la; não o tendo conseguido, passou por cima para fazê-la escorregar; o esforço de tracção era muito sensível, qual se fora uma mão humana. Tendo querido segurar violentamente essa mão, a sua só encontrou o ar; havendo retirado os dedos, a campainha ficou suspensa no espaço e veio pousar lentamente no soalho. 

Algumas vezes há várias mãos. A mesma testemunha contou-nos o facto que se segue. Várias pessoas estavam reunidas em volta de uma dessas mesas de sala de jantar que se separam em duas. Golpes são batidos; a mesa agita-se, abre-se por si mesma e, através da fenda, aparecem três mãos, uma de tamanho natural, muito grande outra e, uma terceira completamente felpuda; toca-se nelas, apalpa-se-lhes, elas vos apertam a mão, depois esvanecem-se. Na casa de um de nossos amigos, que havia perdido um filho de tenra idade, é a mão de um recém-nascido que aparece; todos a podem ver e tocar; essa criança acomoda-se no colo da mãe, que sente distintamente a impressão de todo o seu corpo sobre os joelhos. 

Frequentemente, a mão vem pousar sobre vós. Então a vedes ou, se não o conseguis, percebeis a pressão dos seus dedos; algumas vezes ela vos acaricia, noutras vos belisca até provocar dor. Na presença de várias pessoas, o Sr. Home sentiu que lhe pegavam o pulso e, os assistentes puderam ver-lhe a pele puxada. Um instante depois ele sentiu que o mordiam e a marca da impressão de dois dentes ficou visivelmente assinalada durante mais de uma hora. 

A mão que aparece também pode escrever. Algumas vezes ela se coloca no meio da mesa, pega um lápis e escreve letras sobre um papel especialmente colocado para esse efeito. Na maioria das vezes leva o papel para debaixo da mesa e o traz de volta todo escrito. Se a mão permanece invisível, a escrita parece produzir-se por si mesma. Obtêm-se, por esse meio, respostas às diversas perguntas que se quer fazer. 

Um outro género de manifestações não menos notável, mas que se explica pelo que acabamos de dizer, é o dos instrumentos de música que tocam sozinhos. Em geral são pianos ou acordeões. Nessas circunstâncias, vê-se distintamente as teclas agitarem-se e o fole a mover-se. A mão que toca ora é visível, ora invisível; a ária que se ouve pode ser conhecida e executada a pedido de alguém. Se o artista invisível é deixado à vontade, produz acordes harmoniosos, cujo efeito lembra a vaga e suave melodia da harpa eólica. Na residência de um de nossos assinantes, onde tais fenómenos se produziram muitas vezes, o Espírito que assim se manifestava era o de um rapaz, falecido há algum tempo, amigo da família e que, quando vivo, possuía notável talento como músico; a natureza das árias que preferia tocar não deixava nenhuma dúvida quanto à sua identidade às pessoas que o haviam conhecido. 

O facto mais extraordinário deste género de manifestações não é, na nossa opinião, o da aparição. Se fosse sempre vaporosa, concordaria com a natureza etérea que atribuímos aos Espíritos; ora, nada se oporia a que essa matéria etérea se tornasse perceptível à vista por uma espécie de condensação, sem perder a sua propriedade vaporosa. O que há de mais estranho é a solidificação dessa mesma matéria, bastante resistente para deixar uma impressão visível aos nossos órgãos. Daremos, no nosso próximo número, a explicação deste fenómeno singular, conforme os ensinamentos dos próprios Espíritos. Limitar-nos-emos, hoje, a deduzir-lhe uma consequência relativa ao toque espontâneo dos instrumentos de música. Com efeito, desde que a tangibilidade temporária desta matéria eterizada é um facto constatado; que, nesse estado, uma mão, aparente ou não, oferece bastante resistência para exercer pressão sobre os corpos sólidos, nada há de espantoso em que possa exercer pressão suficiente para mover as teclas de um instrumento. Por outro lado, factos não menos positivos atestam que esta mão pertence a uma inteligência; nada, pois, de admirar que tal inteligência se manifeste por sons musicais, como o pode fazer pela escrita ou pelo desenho. Uma vez entrados nesta ordem de ideias, as pancadas, o movimento dos objectos e todos os fenómenos espíritas de ordem material explicam-se naturalmente. 


Diversidade ~~

Em certos indivíduos a malevolência não conhece limites; a calúnia tem sempre veneno para quem quer que se eleve acima da multidão. Os adversários do Sr. Home encontraram a arma do ridículo demasiado fraca; com efeito, ela devia voltar-se contra os nomes respeitáveis que o cobrem com a sua protecção. Já não podendo divertir-se à sua custa, quiseram denegri-lo. Espalhou-se o boato, adivinhe-se com que objectivo e, as más línguas a repetir, que o Sr. Home não havia partido para a Itália, como fora anunciado, mas que estava preso na prisão de Mazas, sob o peso das mais graves acusações, narradas como anedotas, de que estão sempre ávidos os desocupados e os amantes de escândalo. Podemos garantir que não há nada de verdadeiro em todas essas maquinações infernais. Sob os nossos olhos, temos várias cartas do Sr. Home, escritas de Pisa, Roma e Nápoles, onde se encontra neste momento e, estamos em condições de provar o que afirmamos. Muita razão têm os Espíritos, quando dizem que os verdadeiros demónios estão entre os homens. 

Lê-se num jornal: “Segundo a Gazettte des Hopitaux, o hospital dos alienados de Zurique conta neste momento 25 pacientes que perderam a razão graças às mesas falantes e aos Espíritos batedores”. 

Em primeiro lugar, perguntamos se foi bem averiguado que esses 25 alienados devem, todos, a perda da razão aos Espíritos batedores, o que se pode contestar até prova em contrário. Supondo que esses fenómenos estranhos tenham podido impressionar de maneira lamentável certos caracteres fracos, perguntaríamos, além disso, se o medo do diabo não fez mais loucos do que a crença nos Espíritos. Ora, como não se impedirá os Espíritos de baterem, o perigo está em acreditar que são demónios todos aqueles que se manifestam. Afastai essa ideia, dando a conhecer a verdade e, deles não se terá mais medo do que dos fogos-de-artifício. A ideia de que se é assediado pelo demónio é feita sob a medida de perturbar a razão. Eis, de sobra, a contrapartida do artigo acima. Lemos num outro jornal: “Existe um curioso documento estatístico, de consequências funestas, o de que o povo inglês é levado ao hábito da intemperança e dos licores fortes. De cada 100 indivíduos admitidos no hospício de loucos de Hamwel, há 72 cuja alienação deve ser atribuída à embriaguez.” 

Recebemos dos nossos assinantes numerosas relações de factos muito interessantes, que nos apressaremos a publicar nas nossas próximas edições; a falta de espaço, porém, impede-nos de fazê-lo neste número.                                                                                                                                                                                                                                                                                                         Allan Kardec
/... 
(*) Sr. Home (primeiro e segundo artigos) 


Allan Kardec (i), aliás, Hippolyte Léon Denisard Rivail, Revue Spirite, Sr. Home, Diversidade (Terceiro artigo – Ver os números de Fevereiro e Março de 1858). – Jornal de Estudos Psicológicos, Paris, Abril de 1858, 11º fragmento da Revista objecto do presente título desta publicação.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)

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