Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 5 de outubro de 2024

as vidas sucessivas | os elementos ~


~~ Crenças antigas e conceitos modernos ~
(Victor Hugo)

  Eis como Arsène Houssaye relata a resposta que Victor Hugo deu a ateus em 1866:

  “Quem nos diz – recomeçou o poeta – que não me reencontro através dos séculos? Shakespeare escreveu: A vida é um conto de fadas que se lê pela segunda vez.

  Ele poderia ter dito: “pela milésima vez!”, pois não há século em que eu não veja passar a minha sombra.

  Vós não credes nas materializações que se movem (isto é, nas reencarnações) sob o pretexto de que não vos lembrais de nada de vossas existências anteriores. Porém, como é que as recordações dos séculos dissipados permaneceriam impressas em vós, quando mal vos recordais das mil e uma cenas de vossa vida presente? Desde 1802, houve em mim dez Victor Hugo! Acreditas, pois, que me recordo de todas as suas acções e de todos os seus pensamentos?

  Quando eu tiver atravessado a tumba para reencontrar uma outra luz, todos esses Victor Hugo ser-me-ão um pouco estranhos, porém será sempre a mesma alma!

  Sinto em mim – diz-lhes ele ainda – toda uma vida nova, toda uma vida futura. Sou como a floresta que várias vezes foi abatida: os jovens rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Subo, subo em direcção ao infinito! Tudo é radiante diante de mim. A terra me dá a sua seiva generosa, porém o céu ilumina-me com os reflexos dos mundos entrevistos!

  Dizeis que a alma é apenas a expressão das forças corporais. Então, porque é que a minha alma está mais luminosa quando as forças corporais vão em breve abandonar-me? O inverno encontra-se sobre a minha cabeça, porém a primavera eterna está na minha alma! Respiro a esta hora os lilases, as violetas e as rosas como aos vinte anos!

  Quanto mais me aproximo do fim, mais ouço à minha volta as imortais sinfonias dos mundos que me chamam! É maravilhoso e, é simples.

  Há todo um meio século que escrevo o meu pensamento em prosa e em verso: história, filosofia, drama, romance, lenda, sátira, ode, canção, etc.; tudo tentei; porém sinto que não disse a milésima parte do que se encontra em mim. Quando eu me deitar na tumba, não direi como tantos outros: terminei a minha jornada. Não, pois a minha jornada recomeçará no dia seguinte de manhã. A tumba não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no crepúsculo e reabre ao alvorecer!”

Destinos da alma

O homem tem sedes insaciadas;
Em seu passado vertiginoso
Sente reviver outras vidas,
Conta os nós de sua alma.

Procura no fundo das sombrias cúpulas
Sob que forma resplandeceu,
Ouve seus próprios fantasmas,
Que atrás de si lhe falam.

O homem é o único ponto da criação
Em que, para permanecer livre tornando-se melhor,
A alma deve esquecer sua vida anterior.
Ele diz: Morrer é conhecer;
Procuramos a saída tacteando;
Eu era, eu sou, eu devo ser,
A sombra é uma escada, subamos. (*)

(*) Nota do tradutor – Para que pudéssemos ser fiéis ao conteúdo do texto original e aos termos utilizados pelo poeta, obrigamo-nos a prejudicar toda a melodia e as rimas dos versos, pois, para mantê-los, precisaríamos mudar a estrutura das frases e as palavras, o que fatalmente mudaria em parte o sentido do texto original. Preferimos, portanto, traduzi-lo quase que literalmente. Eis a seguir, no entanto, o texto original, com toda a sua beleza quanto à forma como ao conteúdo:

« Des destinées de l’âme / L’homme a des soifs inassouvies; / Dans son passé vertigineux / Il sent revivre d’autres vies, / De son âme il compte de noeuds, / Il cherche au found des sombres dômes / Sous quelle forme il a lui, / Il entend ses propres fantômes / Qui lui parlent derrière lui. / L’homme est l’unique poit de la création / Où, pour demeurer libre en se faisant meilleure, / L’âme doive oublier sa vie anterieure. / Il se dit: Mourir c’est connaítre; / Nous cherchons l’issue à tátons; / J’étais, je suis, je dois être, / L’ombre est une échelle, montons.»

/...


Albert de RochasAs Vidas Sucessivas, Primeira Parte – Crenças antigas e conceitos modernos (Victor Hugo), 3º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Albert de Rochas d'Aiglun (1837-1914), engenheiro militar francês, historiador da ciência, pesquisador de fenómenos espíritas, escritor, tradutor e administrador da Escola Politécnica de Paris)

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