(Victor Hugo)
Eis como Arsène
Houssaye relata a resposta que Victor
Hugo deu a ateus em 1866:
“Quem nos diz – recomeçou o poeta – que não me
reencontro através dos séculos? Shakespeare escreveu: A
vida é um conto de fadas que se lê pela segunda vez.
Ele poderia ter dito: “pela milésima vez!”, pois
não há século em que eu não veja passar a minha sombra.
Vós não credes nas materializações que se movem (isto é, nas
reencarnações) sob o pretexto de que não vos lembrais de nada de vossas
existências anteriores. Porém, como é que as recordações dos séculos dissipados
permaneceriam impressas em vós, quando mal vos recordais das mil e uma cenas de
vossa vida presente? Desde 1802, houve em mim dez Victor Hugo! Acreditas, pois,
que me recordo de todas as suas acções e de todos os seus pensamentos?
Quando eu tiver atravessado a tumba para reencontrar uma
outra luz, todos esses Victor Hugo ser-me-ão um pouco estranhos, porém será
sempre a mesma alma!
Sinto em mim – diz-lhes ele ainda – toda uma vida nova, toda
uma vida futura. Sou como a floresta que várias vezes foi abatida: os jovens
rebentos são cada vez mais fortes e vivazes. Subo, subo em direcção ao
infinito! Tudo é radiante diante de mim. A terra me dá a sua seiva generosa,
porém o céu ilumina-me com os reflexos dos mundos entrevistos!
Dizeis que a alma é apenas a expressão das forças corporais.
Então, porque é que a minha alma está mais luminosa quando as forças corporais
vão em breve abandonar-me? O inverno encontra-se sobre a minha cabeça, porém a
primavera eterna está na minha alma! Respiro a esta hora os lilases, as
violetas e as rosas como aos vinte anos!
Quanto mais me aproximo do fim, mais ouço à minha volta as
imortais sinfonias dos mundos que me chamam! É maravilhoso e, é simples.
Há todo um meio século que escrevo o meu pensamento em prosa
e em verso: história, filosofia, drama, romance, lenda, sátira, ode, canção,
etc.; tudo tentei; porém sinto que não disse a milésima parte do que se
encontra em mim. Quando eu me deitar na tumba, não direi como tantos outros:
terminei a minha jornada. Não, pois a minha jornada recomeçará no dia seguinte
de manhã. A tumba não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no
crepúsculo e reabre ao alvorecer!”
Destinos da alma
O homem tem sedes insaciadas;
Em seu passado vertiginoso
Sente reviver outras vidas,
Conta os nós de sua alma.
Procura no fundo das sombrias cúpulas
Sob que forma resplandeceu,
Ouve seus próprios fantasmas,
Que atrás de si lhe falam.
O homem é o único ponto da criação
Em que, para permanecer livre tornando-se melhor,
A alma deve esquecer sua vida anterior.
Ele diz: Morrer é conhecer;
Procuramos a saída tacteando;
Eu era, eu sou, eu devo ser,
A sombra é uma escada, subamos. (*)
(*) Nota do tradutor – Para que pudéssemos ser
fiéis ao conteúdo do texto original e aos termos utilizados pelo poeta,
obrigamo-nos a prejudicar toda a melodia e as rimas dos versos, pois, para
mantê-los, precisaríamos mudar a estrutura das frases e as palavras, o que
fatalmente mudaria em parte o sentido do texto original. Preferimos, portanto,
traduzi-lo quase que literalmente. Eis a seguir, no entanto, o texto original,
com toda a sua beleza quanto à forma como ao conteúdo:
« Des destinées de l’âme / L’homme a
des soifs inassouvies; / Dans son passé vertigineux / Il sent revivre d’autres
vies, / De son âme il compte de noeuds, / Il cherche au found des sombres dômes
/ Sous quelle forme il a lui, / Il entend ses propres fantômes / Qui lui
parlent derrière lui. / L’homme est l’unique poit de la création / Où, pour
demeurer libre en se faisant meilleure, / L’âme doive oublier sa vie
anterieure. / Il se dit: Mourir c’est connaítre; / Nous cherchons l’issue à
tátons; / J’étais, je suis, je dois être, / L’ombre est une échelle, montons.»
/...
Albert
de Rochas, As Vidas Sucessivas, Primeira Parte – Crenças
antigas e conceitos modernos (Victor Hugo), 3º
fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Albert de Rochas
d'Aiglun (1837-1914), engenheiro militar francês, historiador da
ciência, pesquisador de fenómenos espíritas, escritor, tradutor e administrador
da Escola Politécnica de Paris)
Sem comentários:
Enviar um comentário