Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sábado, 26 de outubro de 2024

metapsíquica | e depois


~~~ Segundo Caso ~~~

(A Crise da Morte)

Tiro este segundo facto do volume De MorganFrom Matter to Spirit (i(pág. 149). (*) A personalidade mediúnica do Doutor Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira como o seu Espírito se separou do organismo somático:

Como acontece em muito elevado número de humanos, o meu espírito não se libertou facilmente do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos laços orgânicos, mas encontrava-me em condições pouco lúcidas de existência, afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel. Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pode o meu espírito despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu via distintamente as pessoas que me cercavam o corpo.

Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no ar. Depois desse acontecimento, suponho ter passado por um período bastante longo em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece frequentemente, se bem que isso não sucede em todos os casos); deduzo-o do facto que, quando tornei a ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição.

Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos da minha vida desfilaram aos meus olhos, como que em panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões naturais, como se o meu passado se tivesse tornado o presente. Revi todo o meu passado, tendo compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de reflectir, tendo ficado como que arrebatado por um turbilhão de emoções. A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se mostrara; as meditações sobre o passado e o futuro, provocaram vivo interesse em mim pelas condições actuais.

Eu ouvira dizer aos espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no mundo espiritual pelos seus parentes, ou pelos seus Espíritos-guardiães. Não vendo ninguém perto de mim, conclui que os espíritas se tinham enganado. Mas, logo que este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de afinidade. Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu, não haviam cogitado em desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me pelo meu nome, sem que eu o tivesse pronunciado, e me acolheram com uma familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até àquele momento. Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos, entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido há algum tempo...

Notarei que no último parágrafo do episódio precedente se encontra um outro o dos detalhes secundários habituais, que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos que se comunicam. Este detalhe encontrará a sua razão de ser nas condições espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações transcendentais, lê-se que os Espíritos dos mortos entram num meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos dos seus parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou num meio nubloso, onde foi acolhida amistosamente por dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das condições espirituais. É fácil de julgar que este aparente desacordo entre as primeiras impressões deste Espírito desencarnado e outras muito mais frequentes dependa da circunstância de que, como ele próprio diz, se descuidara em vida em desenvolver em si o elemento espiritual e que os Espíritos que lhe foram ao encontro se encontravam nas mesmas condições. Daí resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava às condições transitórias, mas obscurecidas, dos seus Espíritos.

De outro ponto de vista, notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma ter sofrido a prova da visão panorâmica do seu passado, prova que, neste caso, em vez de se desenrolar espontaneamente, em consequência de uma superexcitação sui generis das faculdades mnemónicas (superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem as psicologistas), pareceria antes provocada pelos guias espirituais, com o fim de predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de exame de consciência.

Esta interpretação do fenómeno ressaltará muito mais claramente de alguns dos casos que se vão seguir.

Notarei, finalmente, que este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante de bilocação no leito de morte, seguido do fenómeno consistente na situação que durante algum tempo o Espírito desencarnado se manteve, pairando por cima do cadáver. Frequentes incidentes análogos encontrar-se-ão nas comunicações da mesma natureza; com mais frequência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de episódios deste género, a começar pelos que foram descritos pelo famoso vidente Andrew Jackson Davis e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev. William Stainton Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy Snell (i), que tem vindo a assistir à produção de fenómenos desta espécie desde há vinte anos. Ora, quem não vê que o facto das afirmações de videntes, concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritas desencarnados, tem inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente? E também, com relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente, ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da existência de tais fenómenos e da maneira pela qual se produzem no leito de morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos começos do movimento espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância o médium e os assistentes ignoravam tudo o que concerne aos fenómenos de bilocação em geral e, sobretudo, à maneira como se dão com os moribundos.

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(*) From Matter to Spirit (Da Matéria ao Espírito), uma obra escrita por Sophia Elizabeth De Morgan (1809–1892) foi esposa do matemático e lógico Augustus De Morgan e mãe do célebre ceramista William De Morgan. Neste livro, publicado em 1863, De Morgan, escrevendo como 'CD' – com um prefácio de seu marido assinado como 'AB' – reconhece que supostas manifestações espirituais enfrentaram muitas críticas e cepticismo, mas argumenta que era um fenómeno pouco compreendido que merecia mais investigação. Ela passou uma década nesta pesquisa e se concentrou no papel dos médiuns, pessoas que se acreditava comunicarem-se com o mundo espiritual. Ela foi auxiliada nisso pela chegada de um médium que viveu com a família De Morgan durante seis anos. Os seus capítulos também examinam em profundidade o processo de morrer e as ideias sobre a vida depois da morte. Um relato em primeira mão do mundo espiritualista do século XIX, este livro fornece um vislumbre fascinante do cenário religioso em mudança da Grã-Bretanha à época. Adenda desta publicação.


Ernesto Bozzano (1862-1943) (i)A Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della Morte"; Segundo Caso. 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)

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