(A Crise da Morte)
Tiro este segundo facto do volume De Morgan: From
Matter to Spirit (i) (pág.
149). (*) A personalidade mediúnica do Doutor Horace Abraham Ackley descreve,
nestes termos, a maneira como o seu Espírito se separou do organismo somático:
Como acontece em muito elevado número de humanos, o meu espírito não se
libertou facilmente do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos
laços orgânicos, mas encontrava-me em condições pouco lúcidas de existência,
afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em
muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel.
Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pode o meu espírito
despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da
minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado
acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu via distintamente as
pessoas que me cercavam o corpo.
Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no ar.
Depois desse acontecimento, suponho ter passado por um período bastante longo
em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece frequentemente,
se bem que isso não sucede em todos os casos); deduzo-o do facto que, quando
tornei a ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição.
Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos da minha vida desfilaram aos
meus olhos, como que em panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões
naturais, como se o meu passado se tivesse tornado o presente. Revi todo o meu
passado, tendo compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A
visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de
reflectir, tendo ficado como que arrebatado por um turbilhão de emoções. A
visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se mostrara;
as meditações sobre o passado e o futuro, provocaram vivo interesse em
mim pelas condições actuais.
Eu ouvira dizer aos espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no
mundo espiritual pelos seus parentes, ou pelos seus Espíritos-guardiães. Não
vendo ninguém perto de mim, conclui que os espíritas se tinham enganado. Mas,
logo que este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me
eram desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de
afinidade. Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas
que, como eu, não haviam cogitado em
desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me pelo
meu nome, sem que eu o tivesse pronunciado, e me acolheram com uma
familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles
deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até àquele momento.
Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia
obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos,
entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido há
algum tempo...
Notarei que no último parágrafo do episódio precedente se encontra um outro o
dos detalhes secundários habituais, que se diferenciam mais ou menos nas
descrições de tantos Espíritos que se comunicam. Este detalhe encontrará a sua
razão de ser nas condições espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto
autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações transcendentais, lê-se que os
Espíritos dos mortos entram num meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos
pelos Espíritos dos seus parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito
comunicante se encontrou num meio nubloso, onde foi acolhida amistosamente por
dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele,
do ponto de vista das condições espirituais. É fácil de julgar que este
aparente desacordo entre as primeiras impressões deste Espírito desencarnado e
outras muito mais frequentes dependa da circunstância de que, como ele
próprio diz, se descuidara em vida em desenvolver em si o elemento espiritual e
que os Espíritos que lhe foram ao encontro se encontravam nas mesmas condições. Daí
resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava
às condições transitórias, mas obscurecidas, dos seus Espíritos.
De outro ponto de vista, notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito
que se comunica afirma ter sofrido a prova da visão panorâmica do seu
passado, prova que, neste caso, em vez de se desenrolar espontaneamente, em
consequência de uma superexcitação sui generis das faculdades
mnemónicas (superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem as
psicologistas), pareceria antes provocada pelos guias espirituais, com o fim de
predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de exame de consciência.
Esta interpretação do fenómeno ressaltará muito mais claramente de alguns dos
casos que se vão seguir.
Notarei, finalmente, que este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de
um incidente interessante de bilocação no
leito de morte, seguido do fenómeno consistente na situação que durante
algum tempo o Espírito desencarnado se manteve, pairando por cima do cadáver. Frequentes
incidentes análogos encontrar-se-ão nas comunicações da mesma natureza; com
mais frequência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os
descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de
episódios deste género, a começar pelos que foram descritos pelo famoso
vidente Andrew
Jackson Davis e pelo juiz Edmonds, até aos
que chegaram ao Rev. William Stainton
Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy
Snell (i),
que tem vindo a assistir à produção de fenómenos desta espécie desde há vinte
anos. Ora, quem não vê que o facto das afirmações de videntes, concordantes de
modo admirável com o que narram os próprios Espíritas desencarnados, tem
inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente? E também, com
relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente,
ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da
existência de tais fenómenos e da maneira pela qual se produzem no leito de
morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos
começos do movimento espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta
circunstância o médium e os assistentes ignoravam tudo o que concerne aos
fenómenos de bilocação em geral e, sobretudo, à maneira como se dão com os
moribundos.
/...
(*) From Matter to Spirit (Da Matéria
ao Espírito), uma obra escrita por Sophia Elizabeth De Morgan (1809–1892) foi esposa do
matemático e lógico Augustus
De Morgan e mãe do célebre ceramista William De Morgan. Neste livro,
publicado em 1863, De Morgan, escrevendo como 'CD' – com um prefácio de seu
marido assinado como 'AB' – reconhece que supostas manifestações espirituais
enfrentaram muitas críticas e cepticismo, mas argumenta que era um fenómeno
pouco compreendido que merecia mais investigação. Ela passou uma década nesta
pesquisa e se concentrou no papel dos médiuns, pessoas que se acreditava
comunicarem-se com o mundo espiritual. Ela foi auxiliada nisso pela chegada de
um médium que viveu com a família De Morgan durante seis anos. Os seus
capítulos também examinam em profundidade o processo de morrer e as ideias
sobre a vida depois da morte. Um relato em primeira mão do mundo espiritualista
do século XIX, este livro fornece um vislumbre fascinante do cenário religioso
em mudança da Grã-Bretanha à época. Adenda desta publicação.
Ernesto Bozzano (1862-1943) (i), A
Crise da Morte, Publicação original (1930), "La Crisi Della
Morte"; Segundo Caso. 2º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Puro aire, uma pintura de Josefina Robirosa)
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