A Extinção
da Vida |
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A insistência do homem na negação de sua própria
imortalidade não decorre, como geralmente se pensa, das dificuldades para
prová-la cientificamente, nem da visão caótica do mundo em que se perdem os
espíritos cépticos, que vivem como aturdidos entre as certezas e incertezas do
conhecimento humano.
Decorre apenas do sentimento da fragilidade humana,
considerado tão importante pelos existencialistas.
O instinto de morte da tese
freudiana, num mundo em que tudo morre, nada permanece, como notava Protágoras
desolado, supera e esmaga na sensibilidade humana o instinto de vida, os
anseios existenciais geralmente confundidos com o elã vital de Bergson.
Sentindo-se frustrado e desolado ante a fatalidade irremovível da morte, e
levado ao desespero ante a irracionalidade das proposições religiosas, o homem
vê secarem as suas esperanças no inverno único e irremissível da vida material.
Sua impotência se revela como absoluta, apagando em seu espírito as esperanças
e a confiança na vida que o sustentavam na mocidade. A vida se extingue em si
mesma e a seus olhos por toda parte, em todos os reinos da Natureza, e
ninguém jamais conseguiu barrar o fluxo arrasador do tempo, que leva de roldão
as coisas e os seres, envelhecendo-os e desgastando-os, por maiores, mais
fortes e brilhantes que possam parecer. A passagem inexorável dos anos marca
minuto a minuto, com uma segurança fatal e uma pontualidade exasperante, o fim
inevitável de todas as coisas e todos os seres.
Ao contrário do que se diz popularmente, não são os velhos
que sonham com a imortalidade, mas os jovens. Porque estes, na segurança
ilusória de sua vitalidade, são mais propícios a aceitar e cultivar esperanças
de renovação. Por mais geniais que sejam, por mais realistas que se mostrem, os
jovens – com excepção dos que sofrem de desequilíbrios orgânicos e psíquicos –
crêem na vida que usufruem sem preocupações.
Alega-se que são os velhos e não
os jovens que se interessam pelas religiões, acreditando-se que esse interesse
da velhice pela ilusão da sobrevivência é o desespero do náufrago que se apega
à tábua de salvação. Imagem aparentemente apropriada, mas na verdade falsa. O
velho religioso, não raro fanático, sabe muito bem que os seus dias estão
contados e teme a possibilidade de seu encontro com os julgadores implacáveis
com que as religiões os ameaçaram, desde a infância remota. Querem geralmente
prevenir-se do que pode lhes acontecer ao passarem para outra vida carregados
de pecados que as religiões prometem aliviar.
O medo da morte é tão generalizado
entre as pessoas que entram na recta final da existência, que Heideggard
acentuou, com certa ironia, a importância da partícula se nas expressões sobre
a morte. A maioria das pessoas dizem morre-se
ao invés de morremos, porque se refere aos outros e não a si mesmo.
A figura
jurídica da legítima defesa, nos
casos de assassinato, institucionalizou racionalmente o direito de matar que,
se por um lado reconhece a validade social do instinto de conservação, por
outro lado legitima nos códigos do mundo o sentido oculto da partícula se nas
fraudes inconscientes da linguagem. Por outro lado, essa partícula confirma o
desejo individual de que os outros morram, e não nós, mostrando a inocuidade
dos mandamentos religiosos. Por sinal, essa inocuidade, como se sabe,
revelou-se no próprio Sinai, quando Moisés, ainda com a Tábua das Leis em mãos,
ordenou a matança imediata de dois mil israelitas que adoravam o Bezerro de Ouro.
Chegamos assim à conclusão de que a posição do homem diante
da morte é ambivalente, colocando-o num dilema sem saída, perdido no labirinto
das suas próprias contradições. Desse desespero resulta a loucura das matanças
colectivas, das guerras, do apelo humano aos processos de genocídio, tão
espantosamente evidenciados na História Humana. Os arsenais atómicos do
presente, e particularmente o recurso novíssimo das bombas de neutrões, revelam
no homem o desejo inconsciente, mas racionalizado pelas justificativas de
segurança, de extinção total da vida no planeta. Os versos consagrados do
poeta: “Antes morrer do que um viver de escravos”, valem por uma catarse colectiva.
A extinção da vida é o supremo desejo da Humanidade, que só não se realiza
graças à impotência do homem ante a rigidez das leis naturais. Por isso a
Ciência acelera sem cessar a descoberta de novos meios de matança massiva. Os
escravos da vida preferem a morte.
Esse panorama apocalíptico só pode modificar-se através da
Educação para a Morte. Não se trata de uma educação especial nem supletiva, mas
de uma para-educação sugerida e até mesmo exigida pela situação actual do
mundo. O problema da chamada explosão demográfica, com o acelerado
desenvolvimento da população mundial, impossível de se deter por todos os meios
propostos, mostra-nos a necessidade de uma revisão profunda dos processos educacionais,
de maneira a reajustá-los às novas condições de vida, cada vez mais
intoleráveis.
Como assinalou Kardec, somente a Educação poderá levar-nos às
soluções desejadas. Os recursos que, em ocasiões como esta, são sempre
produzidos pela própria Natureza, já nos foram dados através da também chamada
explosão psíquica dos fenómenos paranormais. O conhecimento mais profundo da
natureza humana, levado pelas pesquisas psicológicas e parapsicológicas até às
profundezas da alma, revelam que o novo processo educacional deve atingir os
mecanismos da consciência subliminar da teoria de Frederich Myers, de maneira a
substituir as introjecções negativas e desordenadas do inconsciente por introjecções
positivas e racionais. A teoria dos arquétipos de Jung, bem como a sua teoria
parapsicológica das coincidências significativas, podem ajudar-nos em dois
planos: o da transcendência e o da dinâmica mental consciente.
A Educação para
a Morte socorrerá a vida, restabelecendo-lhe a esperança e o entusiasmo das
novas gerações pelas novas perspectivas da vida terrena. Uma nova cultura, já
esboçada em nossos dias, logo se definirá como a saída natural que até agora
buscamos inutilmente para o impasse.
/…
Herculano Pires, José – Educação
para a Morte, 4 A
Extinção da Vida 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo,
pintura de William-Adolphe Bouguereau)
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