Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Inquietações Primaveris~


Extinção 
da Vida |

A insistência do homem na negação de sua própria imortalidade não decorre, como geralmente se pensa, das dificuldades para prová-la cientificamente, nem da visão caótica do mundo em que se perdem os espíritos cépticos, que vivem como aturdidos entre as certezas e incertezas do conhecimento humano. 

Decorre apenas do sentimento da fragilidade humana, considerado tão importante pelos existencialistas. 

O instinto de morte da tese freudiana, num mundo em que tudo morre, nada permanece, como notava Protágoras desolado, supera e esmaga na sensibilidade humana o instinto de vida, os anseios existenciais geralmente confundidos com o elã vital de Bergson

Sentindo-se frustrado e desolado ante a fatalidade irremovível da morte, e levado ao desespero ante a irracionalidade das proposições religiosas, o homem vê secarem as suas esperanças no inverno único e irremissível da vida material. 

Sua impotência se revela como absoluta, apagando em seu espírito as esperanças e a confiança na vida que o sustentavam na mocidade. A vida se extingue em si mesma e a seus olhos por toda parte, em todos os reinos da Natureza, e ninguém jamais conseguiu barrar o fluxo arrasador do tempo, que leva de roldão as coisas e os seres, envelhecendo-os e desgastando-os, por maiores, mais fortes e brilhantes que possam parecer. A passagem inexorável dos anos marca minuto a minuto, com uma segurança fatal e uma pontualidade exasperante, o fim inevitável de todas as coisas e todos os seres.

Ao contrário do que se diz popularmente, não são os velhos que sonham com a imortalidade, mas os jovens. Porque estes, na segurança ilusória de sua vitalidade, são mais propícios a aceitar e cultivar esperanças de renovação. Por mais geniais que sejam, por mais realistas que se mostrem, os jovens – com excepção dos que sofrem de desequilíbrios orgânicos e psíquicos – crêem na vida que usufruem sem preocupações. 

Alega-se que são os velhos e não os jovens que se interessam pelas religiões, acreditando-se que esse interesse da velhice pela ilusão da sobrevivência é o desespero do náufrago que se apega à tábua de salvação. Imagem aparentemente apropriada, mas na verdade falsa. O velho religioso, não raro fanático, sabe muito bem que os seus dias estão contados e teme a possibilidade de seu encontro com os julgadores implacáveis com que as religiões os ameaçaram, desde a infância remota. Querem geralmente prevenir-se do que pode lhes acontecer ao passarem para outra vida carregados de pecados que as religiões prometem aliviar. 

O medo da morte é tão generalizado entre as pessoas que entram na recta final da existência, que Heideggard acentuou, com certa ironia, a importância da partícula se nas expressões sobre a morte. A maioria das pessoas dizem morre-se ao invés de morremos, porque se refere aos outros e não a si mesmo. 

A figura jurídica da legítima defesa, nos casos de assassinato, institucionalizou racionalmente o direito de matar que, se por um lado reconhece a validade social do instinto de conservação, por outro lado legitima nos códigos do mundo o sentido oculto da partícula se nas fraudes inconscientes da linguagem. Por outro lado, essa partícula confirma o desejo individual de que os outros morram, e não nós, mostrando a inocuidade dos mandamentos religiosos. Por sinal, essa inocuidade, como se sabe, revelou-se no próprio Sinai, quando Moisés, ainda com a Tábua das Leis em mãos, ordenou a matança imediata de dois mil israelitas que adoravam o Bezerro de Ouro.

Chegamos assim à conclusão de que a posição do homem diante da morte é ambivalente, colocando-o num dilema sem saída, perdido no labirinto das suas próprias contradições. Desse desespero resulta a loucura das matanças colectivas, das guerras, do apelo humano aos processos de genocídio, tão espantosamente evidenciados na História Humana. Os arsenais atómicos do presente, e particularmente o recurso novíssimo das bombas de neutrões, revelam no homem o desejo inconsciente, mas racionalizado pelas justificativas de segurança, de extinção total da vida no planeta. Os versos consagrados do poeta: “Antes morrer do que um viver de escravos”, valem por uma catarse colectiva. A extinção da vida é o supremo desejo da Humanidade, que só não se realiza graças à impotência do homem ante a rigidez das leis naturais. Por isso a Ciência acelera sem cessar a descoberta de novos meios de matança massiva. Os escravos da vida preferem a morte.

Esse panorama apocalíptico só pode modificar-se através da Educação para a Morte. Não se trata de uma educação especial nem supletiva, mas de uma para-educação sugerida e até mesmo exigida pela situação actual do mundo. O problema da chamada explosão demográfica, com o acelerado desenvolvimento da população mundial, impossível de se deter por todos os meios propostos, mostra-nos a necessidade de uma revisão profunda dos processos educacionais, de maneira a reajustá-los às novas condições de vida, cada vez mais intoleráveis. 

Como assinalou Kardec, somente a Educação poderá levar-nos às soluções desejadas. Os recursos que, em ocasiões como esta, são sempre produzidos pela própria Natureza, já nos foram dados através da também chamada explosão psíquica dos fenómenos paranormais. O conhecimento mais profundo da natureza humana, levado pelas pesquisas psicológicas e parapsicológicas até às profundezas da alma, revelam que o novo processo educacional deve atingir os mecanismos da consciência subliminar da teoria de Frederich Myers, de maneira a substituir as introjecções negativas e desordenadas do inconsciente por introjecções positivas e racionais. A teoria dos arquétipos de Jung, bem como a sua teoria parapsicológica das coincidências significativas, podem ajudar-nos em dois planos: o da transcendência e o da dinâmica mental consciente. 

A Educação para a Morte socorrerá a vida, restabelecendo-lhe a esperança e o entusiasmo das novas gerações pelas novas perspectivas da vida terrena. Uma nova cultura, já esboçada em nossos dias, logo se definirá como a saída natural que até agora buscamos inutilmente para o impasse.
/…


Herculano Pires, José – Educação para a Morte, 4 A Extinção da Vida 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem: O caranguejo, pintura de William-Adolphe Bouguereau)

Sem comentários: