A
questão
metodo-
lógica
Expostos, nos cinco pontos anteriores, os motivos
históricos, espirituais e escriturísticos que nos asseguram a legitimidade da
obra de Kardec, demonstrada a sua integração na cultura contemporânea, a
confirmação científica, filosófica e religiosa dos seus princípios fundamentais
na actualidade e as perspectivas que abre para a renovação cultural, parece-nos
inegável a importância fundamental do Espiritismo em nossos dias. Bastaria isso para exigir de todos nós o maior respeito por
essa obra ainda tão mal conhecida e mal estudada entre nós. Em consequência, tentativas de reformulá-la não encontram justificativa e as
pretensões de a superar chegam às raias (nos dois extremos do processo lógico)
da ignorância e da irresponsabilidade.
Mas para que isso fique mais claro é conveniente tratarmos
do problema do método em Kardec.
A chamada questão
metodológica, de importância basilar em todos os campos do pensamento,
passa completamente despercebida entre os opositores, os críticos e os
pretensos reformadores da obra de Kardec. É isto o suficiente para mostrar a
insuficiência, a incapacidade e o empirismo (no mau sentido do termo) de todos
os que defendem teorias e obras reformistas no campo do Espiritismo ou
pretendem que certos ramos das Ciências actuais tenham superado a posição
espírita, ou, ainda, supõem que suas experiências pessoais, no geral
corriqueiras e sem obediência às exigências metodológicas, estão em condições
de abrir novos caminhos à pesquisa espírita.
É simplesmente assombrosa a leviandade com que espíritas e
não espíritas, entre gente do povo e homens de cultura, formulam críticas a
Kardec sem o conhecerem, sem haverem realmente estudado a sua obra e meditado
sobre ela. O próprio Kardec já notara, no seu tempo, a estranha leviandade de
homens de ciência que se propunham a opinar sobre questões espíritas sem nada
saberem do assunto. A situação continua a mesma em nossos dias. E é evidente
que essa continuidade não desmerece a doutrina, mas sim os que se mostram
incapazes de compreendê-la.
Em face dessa situação somos obrigados a tratar do assunto
de maneira que muitas vezes parecerá primária a pessoas afeitas a estudos
superiores. Somos forçados a lembrar conceitos já considerados vulgares nos
meios culturais, a aplicar esquemas analíticos rudimentares (como fizemos em O
Verbo e a Carne,
no exame do roustainguismo) e a descer a explicações banais de problemas que na
verdade não podiam nem deviam existir, mormente no meio espírita. Este problema
de método é um deles. Do ponto de vista cultural, é simplesmente vergonhoso que
o tenhamos de recolocar constantemente ante os olhos de dirigentes de grupos,
de centros e de instituições representativas do movimento doutrinário.
/…
José Herculano Pires – A
Pedra e o Joio, Crítica à Teoria Corpuscular do Espírito. A questão
metodológica, 1 de 2, 6º fragmento da obra.
(imagem: As Colhedoras de Grãos, pintura a óleo por Jean-François Millet)
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