a acção de Deus | no Mundo e na História
Deus, foco de inteligência e de amor, é tão indispensável à
vida interior quanto o Sol à vida física!
Deus é o sol das almas. É Dele que emanam essas forças, às vezes energia, pensamento, luz, que anima e vivifica todos os seres. Quando se pretende que a ideia de Deus é inútil, indiferente, tanto valeria dizer que o Sol é inútil, indiferente à Natureza e à vida.
Pela comunhão de pensamento, pela elevação da Alma a Deus,
se produz uma penetração contínua,
uma fecundação moral do ser, uma expressão gradual das potências Nele
encerradas, porque essas potências, pensamento e sentimento, não podem
revelar-se e crescer senão por altas aspirações, pelos transportes do nosso
coração. Fora disso, todas essas forças latentes dormitam no nosso
íntimo, conservam-se inertes, adormecidas!
Falamos da prece. Expliquemo-nos ainda a respeito desta
palavra. A prece é a forma, a expressão mais potente da comunhão
universal. Ela não é o que muitas pessoas supõem: uma recitação
frívola, o exercício monótono e muitas vezes repetido. Não! Pela
verdadeira prece, a prece improvisada, aquela que não comporta fórmulas, a Alma
se transporta às
regiões superiores; aí haure forças, luzes; aí encontra apoio que não podem
conhecer nem compreender aqueles que desconhecem Deus. Orar é voltarmo-nos
para o Ser eterno, é expor-lhe os nossos pensamentos e as nossas acções, para
submetê-los à sua Lei e fazer da sua vontade a regra de nossa vida; é
encontrar, por esse meio, a paz do coração, a satisfação da consciência, numa
palavra, esse bem interior que é o maior, o mais imperecível de todos os bens!
Diremos, pois, que desconhecer, desprezar a crença em Deus e a comunhão do pensamento que a Ele se liga, a comunhão com a Alma do Universo, com esse foco de onde irradiam para sempre a inteligência e o amor, seria, ao mesmo tempo, desconhecer o que há de maior; depreciar as potências interiores que fazem a nossa verdadeira riqueza. Seria espezinhar a nossa própria felicidade, tudo o que pode promover a nossa elevação, a nossa glória, a nossa ventura.
O homem que desconhece Deus e não quer saber que forças, que
recursos, que socorros Dele dimanam, esse é comparável a um indigente que
habita ao lado de um palácio, cheio de tesouros, e se presta a morrer de
miséria, diante da porta que lhe está aberta e, pela qual tudo o convida a
entrar.
Ouvem-se frequentemente certos profanos que dizem: “Não
tenho necessidade de Deus!” Palavras tristes, deploráveis, palavras orgulhosas
dos que, sem Deus, nada seriam, não teriam existido. Oh! cegueira do
espírito humano, cem vezes pior que a do corpo! Ouviste alguma vez a flor
dizer: não tenho necessidade de sol? Pois bem, nós o sabemos, Deus não
é somente a luz das Almas; é também o amor! E o amor é a força das
forças. O amor triunfa perante todas as potências brutais. Lembremo-nos
de que se a ideia cristã venceu o mundo antigo, se venceu o poder romano, a
força dos exércitos, o gládio dos Césares, foi pelo amor! Venceu por estas
palavras: “Felizes os que têm a doçura, porque possuirão a Terra!”.
E, com efeito, não há homem, por mais duro, por mais cruel,
que não se sinta desarmado contra vós, se estiver convencido de que quereis o
seu bem, a sua felicidade e de que tal desejais de modo real e desinteressado.
O amor é todo-poderoso; é o calor que faz fundir os gelos
do cepticismo, do ódio, da fúria, o calor que vivifica as almas embotadas, porém, prestes a
desabrochar e a dilatar ao bafejo desse raio de amor.
Notai bem: são as forças subtis e invisíveis as rainhas do
mundo, as senhoras da Natureza. Vede a electricidade! Nada pesa e não parece
coisa alguma; entretanto, a electricidade é uma força maravilhosa; volatiliza
os metais e decompõe todos os corpos. O mesmo se dá com o magnetismo, que pode
paralisar o braço de um gigante. De igual modo o amor pode dominar a força e reduzi-la;
pode transformar a alma humana, princípio da vida em cada um, sede das forças
do pensamento. Eis a razão por que Deus, sendo o foco universal, é também o
poder supremo. Se compreendêssemos a que alturas, a que grande e nobre
tarefa o nosso Espírito pode chegar pela compreensão profunda da obra divina,
pela penetração do pensamento de Deus em cada ser, seríamos transportados de
admiração.
Há homens convencidos de que, prosseguirmos nós a nossa
ascensão espiritual, acabaremos por perder a existência, para nos aniquilar no
Ser supremo. É isso um erro grave: porque, ao contrário, se conforme a
razão indica e o confirmam todos os grandes Espíritos, quanto mais nos
desenvolvemos em inteligência e em moral, mais a nossa personalidade se afirma. O
ser pode estender-se e irradiar;
pode crescer em percepções, em sensações, em sabedoria, em amor, sem por isso
deixar de ser ele próprio. Não percebemos que os Espíritos elevados são
personalidades poderosas? E nós próprios não sentimos que, quanto mais amamos, mais nos tornamos
susceptíveis de amar; que quanto melhor compreendemos mais nos sentimos capazes
de compreender?
Estar unido a Deus é sentir, é realizar o pensamento de
Deus. Mas o poder de sentir essa possibilidade de acção do Espírito não o
destrói. Só pode engrandecê-lo. E quando chega a certo grau de
ascensão, a Alma torna-se, por sua vez, uma das potências, uma das forças
activas do universo; ela se transforma num dos agentes de Deus na obra eterna,
porque a sua colaboração se estende sem cessar. O seu papel é
transmitir as vontades divinas aos seres que estão abaixo dela,
atrair a ela, na sua luz, no seu amor, tudo o que se agita, luta e sofre nos
mundos inferiores. Não se contenta mesmo com uma acção oculta. Muitas
vezes encarna,
ocupa um corpo e torna-se um missionário, desses que passam quais meteoros na
noite dos séculos.
Há outras teorias que consistem em crer que, quando em
consequência de suas peregrinações, a Alma chega à perfeição absoluta, a Deus,
depois de longa permanência no meio das beatitudes celestes, torna a descer ao
abismo material, ao mundo da forma, ao mais baixo grau da escala dos seres,
para recomeçar a lenta, dolorosa e penosa ascensão que acaba de conseguir.
Tal teoria não é mais admissível que a outra; para aceitá-la seria necessário fazer abstracção da noção do Infinito. Ora, essa noção impõe-se embora escape à nossa análise. Basta reflectir um pouco para compreender que a Alma pode prosseguir a sua marcha ascendente e aproximar-se sem cessar do apogeu, sem jamais o atingir. Deus é o Infinito! É o Absoluto! E nunca seremos, em relação a Ele, apesar do nosso progresso, senão seres finitos, relativos, limitados.
O ser pode, pois, evoluir, crescer sem cessar, sem nunca
realizar a perfeição absoluta. Isto parece difícil de compreender e,
entretanto, que há de mais simples? Escolhemos um exemplo ao alcance de todos,
um exemplo matemático. Tomai uma unidade – e a unidade é um pouco
a imagem do ser – e ajuntai-lhe a maior fracção que encontrardes.
Aproximar-vos-eis do algarismo 2, mas nunca o atingireis. Nós, homens,
encerrados na carne, temos grande dificuldade em fazer ideia do papel do
Espírito, que contém em si todas as potências, todas as forças do Universo,
todas as belezas e esplendores da vida celeste e os faz irradiar sobre o mundo. Mas
o que podemos e devemos compreender é que esses Espíritos potentes, esses
missionários, esses agentes de Deus, foram, tal qual agora somos, homens de
carne, cheios de fraquezas e misérias; atingiram essas alturas pelas suas
pesquisas e os seus estudos, pela adaptação de todos os seus actos à
lei divina. Ora, o que fizeram todos podemos fazer nós também.
Todos têm o gérmen de um poder e de uma grandeza iguais ao seu poder e à sua
grandeza. Todos têm o mesmo futuro grandioso, e só de nós mesmo dependem o
desenvolvimento desse gérmen através das nossas inúmeras existências.
Graças aos estudos psíquicos, aos fenómenos telepáticos,
estamos mais ou menos aptos a compreender, desde já, que as nossas faculdades não se
limitam aos nossos sentidos. O nosso Espírito pode irradiar além do corpo,
pode receber as influências dos mundos superiores, as impressões do pensamento
divino. O apelo do pensamento humano é ouvido; a Alma, quebrando as
fatalidades da carne, pode transportar-se a esse mundo espiritual, que é a sua
herança, o seu domínio o seu por vir. Eis por que é necessário que
cada um de nós se torne o seu próprio médium, aprenda a se
comunicar com o mundo superior do Espírito.
Esse poder tem sido até aqui privilégio de alguns iniciados.
Hoje, é necessário que todos o adquiram e que todo o homem chegue a apreender,
a compreender as manifestações do pensamento superior. Ele pode chegar
aí por uma vida pura e sem mácula e pelo exercício gradual das suas
faculdades.
A acção de Deus desvela-se no Universo, tanto no mundo
físico quanto no mundo moral; não há um único ser que não seja objecto da sua
solicitude. Nós a vemos manifestar-se nessa majestosa lei do
progresso que preside à evolução dos seres e das coisas, levando-os
a um estado sempre mais perfeito. Essa acção mostra-se igualmente na
história dos povos. Pode seguir-se, através dos tempos, essa marcha grandiosa,
esse impulso da Humanidade para o bem, para o melhor. Sem dúvida, há nessas
caminhadas seculares muitos desfalecimentos e recuos, muitas horas tristes e
sombrias; não se deve, porém, esquecer que o homem é livre nas suas
acções. Os seus males são
quase sempre consequência de erros,
dos seus estados de inferioridade.
Não é uma escolha providencial que designa os homens
destinados a produzir as grandes inovações, os descobrimentos que contribuem
para o desenvolvimento da obra civilizadora? Esses descobrimentos se encadeiam; aparecem, uns
depois dos outros, de maneira metódica, regular, à medida que podem encaixar-se
com êxito aos progressos anteriores.
O que demonstra, de modo brilhante, a intervenção de Deus na
História é o aparecimento, no tempo próprio, nas horas
solenes, desses grandes missionários, que vêm estender a mão aos homens e os
repor na senda perdida, ensinando-lhes a lei moral, a fraternidade, o amor aos
seus semelhantes, dando-lhes o grande exemplo do sacrifício próprio das causas
de todos.
Haverá algo mais imponente do que essa missão dos Enviados
divinos? Eles vêm e caminham no meio dos povos. Em vão os sarcasmos e o
ridículo chovem sobre eles. Em vão o desprezo e o sofrimento os atingem. Eles
seguem sempre! Em vão se levantam à sua volta os patíbulos, os cadafalsos.
As fogueiras se acendem. Mas eles seguem, com a fronte
altiva, a alma serena.
Qual é, pois, o segredo da sua força? Quem os impele assim para a frente?
Acima das sombras da matéria e das vulgaridades da vida,
mais alto que a Terra, mais alto que a Humanidade, eles vêem
resplandecer esse foco eterno,
um raio que os ilumina e lhes dá a coragem de afrontar todas as dores,
todos os suplícios.
Contemplaram a Verdade sem os véus e, daí em diante, não
têm outra preocupação se não difundir,
pôr ao alcance das multidões, o conhecimento das grandes leis que regem as almas e os
mundos!
Todos esses Espíritos potentes têm declarado que vêm em nome
de Deus e para executar a sua vontade. Jesus afirma-o várias vezes:
“É meu Pai, diz ele, que me envia.” E Jeanne d'Arc não é
menos precisa: “Venho da parte de Deus, para livrar a França dos ingleses.”
No meio da noite temerosa do século XV, nesse abismo de
misérias e de dores em que soçobravam a vida e a honra de uma grande nação, que
trazia Jeanne à
França traída, subjugada, agonizante? Era algum socorro material, soldados, um
exército? Não, o que ela trazia era a fé, a fé em si mesma, a fé no
futuro da França, a fé em Deus!
“Eu venho da parte do Rei dos Céus – dizia ela – e trago-vos
os socorros do Céu.” E com essa fé a França se ergueu, escapou à destruição e à
morte!
O mesmo aconteceu de 1914 a 1918. Só houve um remédio, quer para
esse cepticismo aparatoso, quer para essa indiferença cega que caracterizava o
espírito francês antes da guerra. Só houve um remédio para essa apatia do
pensamento e da consciência nacionais que nos dissimulavam a extensão do
perigo. Esse remédio foi a fé em nós mesmos, nos grandes destinos da Pátria, a
fé nessa Potência Suprema que salvou de novo a França nos dias do Marne e
de Verdun.
Mas os dias de perigo e de glória passaram; a união
sagrada não sobreviveu
ao drama sanguinolento. O pessimismo, o desencorajamento e a discórdia
retomaram a sua acção mórbida; a anarquia e a ruína batem à nossa porta.
O único meio de salvar a sociedade em perigo é elevar os pensamentos e os
corações, todas as aspirações da alma humana para a Potência
Infinita – que é Deus; é unir a nossa vontade à sua e nos compenetrarmos
da sua Lei: aí está o segredo de toda a força, de toda a elevação!
E ficaremos surpreendidos e maravilhados, avançando nesta
senda esquecida, de reconhecer, de descobrir que Deus não é abstracção
metafísica, vago ideal perdido nas profundezas do sonho, ideal que não existe,
conforme o dizem Vacherot e Renan, senão quando nele
pensamos. Não; Deus é um ser vivo, sensível, consciente. Deus é uma
realidade activa. Deus é o nosso pai, o nosso guia, o nosso
condutor, o nosso melhor amigo; por pouco que lhe dirijamos os nossos apelos e
que lhe abramos o nosso coração, Ele nos esclarecerá com a sua luz, nos
aquecerá no seu amor, expandirá sobre nós a sua Alma imensa, a sua Alma rica de
toda a perfeição; por Ele e Nele somente nos sentiremos felizes e
verdadeiramente irmãos; fora Dele só encontraremos obscuridade,
incerteza, decepção, dor e miséria moral. Eis o socorro que Jeanne trazia à
França, o socorro que o Espiritualismo moderno traz à Humanidade!
Pode dizer-se que o pensamento que Deus irradia sobre a História e
sobre o mundo; Ele tem inspirado as gerações na sua marcha, tem
sustentado, levantado milhões de almas desoladas. Tem sido a força, a
esperança suprema, o último apoio dos aflitos, dos espoliados, dos
sacrificados, de quase todos aqueles que, através dos tempos, têm sofrido a
injustiça, a maldade dos homens, os golpes da adversidade!
Se evocardes a memória das gerações que se têm sucedido
sobre a Terra, por toda a parte, vereis os olhares dos homens voltados para essa luz, que nada poderá
extinguir, nem diminuir!
É essa a razão pela qual vos dizemos: Meus irmãos, recolhei-vos no
silêncio das vossas moradas; elevai frequentemente a Deus os transportes
dos vossos pensamentos e
dos vossos corações,
expondo-lhe as vossas necessidades,
as vossas fraquezas,
as vossas misérias,
e, nas horas difíceis, nos momentos solenes de vossa vida, dirigi-lhe o apelo
supremo. Então, no mais íntimo do
vosso ser, ouvireis como
que uma voz vos responder, consolar, socorrer.
Essa voz vos penetrará de uma emoção profunda;
fará talvez brotar as vossas lágrimas, mas levantar-vos-eis fortalecidos,
reconfortados.
Aprendei a orar do mais profundo da vossa alma,
e não mais da ponta dos lábios; aprendei a entrar em comunhão com o vosso Pai;
a receber os seus ensinamentos misteriosos, reservados, não aos sábios e
poderosos, mas às almas puras,
aos corações sinceros.
Quando quiserdes encontrar refúgio contra as tristezas e
as decepções da Terra, lembrai-vos de que há somente um meio: elevar o
pensamento a essas regiões puras da luz divina, onde não penetram
influências grosseiras do nosso mundo. Os rumores das paixões, o conflito dos
interesses não vão até lá. Chegando a essas regiões, o Espírito se desprende das
preocupações inferiores, de todas as coisas mesquinhas das nossas existências;
paira acima da tempestade humana, mais alto que os ruídos discordantes da luta
pela vida, pelas riquezas e honras vãs; mais alto que todas essas coisas
efémeras e mutáveis que nos ligam aos mundos materiais. Lá em cima, o Espírito
se esclarece, inebria-se dos
esplendores da verdade e da luz. Ele vê e compreende as leis do seu destino.
Diante das largas perspectivas da imortalidade, perante o
espectáculo dos progressos e da ascensão que nos esperam na escala dos mundos,
que se tornam para nós as misérias da vida
actual, as vicissitudes do tempo presente?
Aquele que tem no seu pensamento e no seu coração essa fé ardente, essa confiança
absoluta no futuro, essa certeza que o eleva, esse está blindado contra a dor.
Ficará invulnerável no meio das provas. Está aí o segredo de todas as forças,
de todo o valor, o segredo dos inovadores, dos mártires, de todos aqueles que,
através dos séculos, oferecem a sua vida por uma grande causa; de todos aqueles
que, no meio das torturas, sob a mão do algoz, enquanto os seus ossos e a sua
carne, esmagados pela roda ou pelo torniquete, não eram mais do que lama
sanguinolenta, encontravam ainda a força suficiente para
dominar os seus sofrimentos e afirmar a Divina Justiça; daqueles que, sobre o
cadafalso, e assim sobre a lenha das fogueiras, viviam, já por antecipação, a
vida apreciável e gloriosa do Espírito.
/…
Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, VIII
Acção de Deus no Mundo e na História, 19º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e violentas palavras dos
poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)
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