Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 23 de junho de 2017

| o grande enigma ~


a acção de Deus | no Mundo e na História

Deus, foco de inteligência e de amor, é tão indispensável à vida interior quanto o Sol à vida física!

Deus é o sol das almas. É Dele que emanam essas forças, às vezes energia, pensamento, luz, que anima e vivifica todos os seres. Quando se pretende que a ideia de Deus é inútil, indiferente, tanto valeria dizer que o Sol é inútil, indiferente à Natureza e à vida.

Pela comunhão de pensamento, pela elevação da Alma a Deus, se produz uma penetração contínua, uma fecundação moral do ser, uma expressão gradual das potências Nele encerradas, porque essas potências, pensamento e sentimento, não podem revelar-se e crescer senão por altas aspirações, pelos transportes do nosso coração. Fora disso, todas essas forças latentes dormitam no nosso íntimo, conservam-se inertes, adormecidas!

Falamos da prece. Expliquemo-nos ainda a respeito desta palavra. A prece é a forma, a expressão mais potente da comunhão universal. Ela não é o que muitas pessoas supõem: uma recitação frívola, o exercício monótono e muitas vezes repetido. Não! Pela verdadeira prece, a prece improvisada, aquela que não comporta fórmulas, a Alma se transporta às regiões superiores; aí haure forças, luzes; aí encontra apoio que não podem conhecer nem compreender aqueles que desconhecem Deus. Orar é voltarmo-nos para o Ser eterno, é expor-lhe os nossos pensamentos e as nossas acções, para submetê-los à sua Lei e fazer da sua vontade a regra de nossa vida; é encontrar, por esse meio, a paz do coração, a satisfação da consciência, numa palavra, esse bem interior que é o maior, o mais imperecível de todos os bens!

Diremos, pois, que desconhecer, desprezar a crença em Deus e a comunhão do pensamento que a Ele se liga, a comunhão com a Alma do Universo, com esse foco de onde irradiam para sempre a inteligência e o amor, seria, ao mesmo tempo, desconhecer o que há de maior; depreciar as potências interiores que fazem a nossa verdadeira riqueza. Seria espezinhar a nossa própria felicidade, tudo o que pode promover a nossa elevação, a nossa glória, a nossa ventura.

O homem que desconhece Deus e não quer saber que forças, que recursos, que socorros Dele dimanam, esse é comparável a um indigente que habita ao lado de um palácio, cheio de tesouros, e se presta a morrer de miséria, diante da porta que lhe está aberta e, pela qual tudo o convida a entrar.

Ouvem-se frequentemente certos profanos que dizem: “Não tenho necessidade de Deus!” Palavras tristes, deploráveis, palavras orgulhosas dos que, sem Deus, nada seriam, não teriam existido. Oh! cegueira do espírito humano, cem vezes pior que a do corpo! Ouviste alguma vez a flor dizer: não tenho necessidade de sol? Pois bem, nós o sabemos, Deus não é somente a luz das Almas; é também o amor! E o amor é a força das forças. O amor triunfa perante todas as potências brutais. Lembremo-nos de que se a ideia cristã venceu o mundo antigo, se venceu o poder romano, a força dos exércitos, o gládio dos Césares, foi pelo amor! Venceu por estas palavras: “Felizes os que têm a doçura, porque possuirão a Terra!”.

E, com efeito, não há homem, por mais duro, por mais cruel, que não se sinta desarmado contra vós, se estiver convencido de que quereis o seu bem, a sua felicidade e de que tal desejais de modo real e desinteressado.

O amor é todo-poderoso; é o calor que faz fundir os gelos do cepticismo, do ódio, da fúria, o calor que vivifica as almas embotadas, porém, prestes a desabrochar e a dilatar ao bafejo desse raio de amor.

Notai bem: são as forças subtis e invisíveis as rainhas do mundo, as senhoras da Natureza. Vede a electricidade! Nada pesa e não parece coisa alguma; entretanto, a electricidade é uma força maravilhosa; volatiliza os metais e decompõe todos os corpos. O mesmo se dá com o magnetismo, que pode paralisar o braço de um gigante. De igual modo o amor pode dominar a força e reduzi-la; pode transformar a alma humana, princípio da vida em cada um, sede das forças do pensamento. Eis a razão por que Deus, sendo o foco universal, é também o poder supremo. Se compreendêssemos a que alturas, a que grande e nobre tarefa o nosso Espírito pode chegar pela compreensão profunda da obra divina, pela penetração do pensamento de Deus em cada ser, seríamos transportados de admiração.

Há homens convencidos de que, prosseguirmos nós a nossa ascensão espiritual, acabaremos por perder a existência, para nos aniquilar no Ser supremo. É isso um erro grave: porque, ao contrário, se conforme a razão indica e o confirmam todos os grandes Espíritos, quanto mais nos desenvolvemos em inteligência e em moral, mais a nossa personalidade se afirma. O ser pode estender-se e irradiar; pode crescer em percepções, em sensações, em sabedoria, em amor, sem por isso deixar de ser ele próprio. Não percebemos que os Espíritos elevados são personalidades poderosas? E nós próprios não sentimos que, quanto mais amamos, mais nos tornamos susceptíveis de amar; que quanto melhor compreendemos mais nos sentimos capazes de compreender?

Estar unido a Deus é sentir, é realizar o pensamento de Deus. Mas o poder de sentir essa possibilidade de acção do Espírito não o destrói. Só pode engrandecê-lo. E quando chega a certo grau de ascensão, a Alma torna-se, por sua vez, uma das potências, uma das forças activas do universo; ela se transforma num dos agentes de Deus na obra eterna, porque a sua colaboração se estende sem cessar. O seu papel é transmitir as vontades divinas aos seres que estão abaixo dela, atrair a ela, na sua luz, no seu amor, tudo o que se agita, luta e sofre nos mundos inferiores. Não se contenta mesmo com uma acção oculta. Muitas vezes encarna, ocupa um corpo e torna-se um missionário, desses que passam quais meteoros na noite dos séculos.

Há outras teorias que consistem em crer que, quando em consequência de suas peregrinações, a Alma chega à perfeição absoluta, a Deus, depois de longa permanência no meio das beatitudes celestes, torna a descer ao abismo material, ao mundo da forma, ao mais baixo grau da escala dos seres, para recomeçar a lenta, dolorosa e penosa ascensão que acaba de conseguir.

Tal teoria não é mais admissível que a outra; para aceitá-la seria necessário fazer abstracção da noção do Infinito. Ora, essa noção impõe-se embora escape à nossa análise. Basta reflectir um pouco para compreender que a Alma pode prosseguir a sua marcha ascendente e aproximar-se sem cessar do apogeu, sem jamais o atingir. Deus é o Infinito! É o Absoluto! E nunca seremos, em relação a Ele, apesar do nosso progresso, senão seres finitos, relativos, limitados.

O ser pode, pois, evoluir, crescer sem cessar, sem nunca realizar a perfeição absoluta. Isto parece difícil de compreender e, entretanto, que há de mais simples? Escolhemos um exemplo ao alcance de todos, um exemplo matemático. Tomai uma unidade – e a unidade é um pouco a imagem do ser – e ajuntai-lhe a maior fracção que encontrardes. Aproximar-vos-eis do algarismo 2, mas nunca o atingireis. Nós, homens, encerrados na carne, temos grande dificuldade em fazer ideia do papel do Espírito, que contém em si todas as potências, todas as forças do Universo, todas as belezas e esplendores da vida celeste e os faz irradiar sobre o mundo. Mas o que podemos e devemos compreender é que esses Espíritos potentes, esses missionários, esses agentes de Deus, foram, tal qual agora somos, homens de carne, cheios de fraquezas e misérias; atingiram essas alturas pelas suas pesquisas e os seus estudos, pela adaptação de todos os seus actos à lei divina. Ora, o que fizeram todos podemos fazer nós também. Todos têm o gérmen de um poder e de uma grandeza iguais ao seu poder e à sua grandeza. Todos têm o mesmo futuro grandioso, e só de nós mesmo dependem o desenvolvimento desse gérmen através das nossas inúmeras existências.

Graças aos estudos psíquicos, aos fenómenos telepáticos, estamos mais ou menos aptos a compreender, desde já, que as nossas faculdades não se limitam aos nossos sentidos. O nosso Espírito pode irradiar além do corpo, pode receber as influências dos mundos superiores, as impressões do pensamento divino. O apelo do pensamento humano é ouvido; a Alma, quebrando as fatalidades da carne, pode transportar-se a esse mundo espiritual, que é a sua herança, o seu domínio o seu por vir. Eis por que é necessário que cada um de nós se torne o seu próprio médium, aprenda a se comunicar com o mundo superior do Espírito.

Esse poder tem sido até aqui privilégio de alguns iniciados. Hoje, é necessário que todos o adquiram e que todo o homem chegue a apreender, a compreender as manifestações do pensamento superior. Ele pode chegar aí por uma vida pura e sem mácula e pelo exercício gradual das suas faculdades.

A acção de Deus desvela-se no Universo, tanto no mundo físico quanto no mundo moral; não há um único ser que não seja objecto da sua solicitude. Nós a vemos manifestar-se nessa majestosa lei do progresso que preside à evolução dos seres e das coisas, levando-os a um estado sempre mais perfeito. Essa acção mostra-se igualmente na história dos povos. Pode seguir-se, através dos tempos, essa marcha grandiosa, esse impulso da Humanidade para o bem, para o melhor. Sem dúvida, há nessas caminhadas seculares muitos desfalecimentos e recuos, muitas horas tristes e sombrias; não se deve, porém, esquecer que o homem é livre nas suas acções. Os seus males são quase sempre consequência de erros, dos seus estados de inferioridade.

Não é uma escolha providencial que designa os homens destinados a produzir as grandes inovações, os descobrimentos que contribuem para o desenvolvimento da obra civilizadora? Esses descobrimentos se encadeiam; aparecem, uns depois dos outros, de maneira metódica, regular, à medida que podem encaixar-se com êxito aos progressos anteriores.

O que demonstra, de modo brilhante, a intervenção de Deus na História é o aparecimento, no tempo próprio, nas horas solenes, desses grandes missionários, que vêm estender a mão aos homens e os repor na senda perdida, ensinando-lhes a lei moral, a fraternidade, o amor aos seus semelhantes, dando-lhes o grande exemplo do sacrifício próprio das causas de todos.

Haverá algo mais imponente do que essa missão dos Enviados divinos? Eles vêm e caminham no meio dos povos. Em vão os sarcasmos e o ridículo chovem sobre eles. Em vão o desprezo e o sofrimento os atingem. Eles seguem sempre! Em vão se levantam à sua volta os patíbulos, os cadafalsos.

As fogueiras se acendem. Mas eles seguem, com a fronte altiva, a alma serena. Qual é, pois, o segredo da sua força? Quem os impele assim para a frente?

Acima das sombras da matéria e das vulgaridades da vida, mais alto que a Terra, mais alto que a Humanidade, eles vêem resplandecer esse foco eterno, um raio que os ilumina e lhes dá a coragem de afrontar todas as dores, todos os suplícios.

Contemplaram a Verdade sem os véus e, daí em diante, não têm outra preocupação se não difundir, pôr ao alcance das multidões, o conhecimento das grandes leis que regem as almas e os mundos!

Todos esses Espíritos potentes têm declarado que vêm em nome de Deus e para executar a sua vontade. Jesus afirma-o várias vezes: “É meu Pai, diz ele, que me envia.” E Jeanne d'Arc não é menos precisa: “Venho da parte de Deus, para livrar a França dos ingleses.”

No meio da noite temerosa do século XV, nesse abismo de misérias e de dores em que soçobravam a vida e a honra de uma grande nação, que trazia Jeanne à França traída, subjugada, agonizante? Era algum socorro material, soldados, um exército? Não, o que ela trazia era a , a fé em si mesma, a fé no futuro da França, a fé em Deus!

“Eu venho da parte do Rei dos Céus – dizia ela – e trago-vos os socorros do Céu.” E com essa fé a França se ergueu, escapou à destruição e à morte!

O mesmo aconteceu de 1914 a 1918. Só houve um remédio, quer para esse cepticismo aparatoso, quer para essa indiferença cega que caracterizava o espírito francês antes da guerra. Só houve um remédio para essa apatia do pensamento e da consciência nacionais que nos dissimulavam a extensão do perigo. Esse remédio foi a fé em nós mesmos, nos grandes destinos da Pátria, a fé nessa Potência Suprema que salvou de novo a França nos dias do Marne e de Verdun.

Mas os dias de perigo e de glória passaram; a união sagrada não sobreviveu ao drama sanguinolento. O pessimismo, o desencorajamento e a discórdia retomaram a sua acção mórbida; a anarquia e a ruína batem à nossa porta.

O único meio de salvar a sociedade em perigo é elevar os pensamentos e os corações, todas as aspirações da alma humana para a Potência Infinita – que é Deus; é unir a nossa vontade à sua e nos compenetrarmos da sua Lei: aí está o segredo de toda a força, de toda a elevação!

E ficaremos surpreendidos e maravilhados, avançando nesta senda esquecida, de reconhecer, de descobrir que Deus não é abstracção metafísica, vago ideal perdido nas profundezas do sonho, ideal que não existe, conforme o dizem Vacherot e Renan, senão quando nele pensamos. Não; Deus é um ser vivo, sensível, consciente. Deus é uma realidade activa. Deus é o nosso pai, o nosso guia, o nosso condutor, o nosso melhor amigo; por pouco que lhe dirijamos os nossos apelos e que lhe abramos o nosso coração, Ele nos esclarecerá com a sua luz, nos aquecerá no seu amor, expandirá sobre nós a sua Alma imensa, a sua Alma rica de toda a perfeição; por Ele e Nele somente nos sentiremos felizes e verdadeiramente irmãos; fora Dele só encontraremos obscuridade, incerteza, decepção, dor e miséria moral. Eis o socorro que Jeanne trazia à França, o socorro que o Espiritualismo moderno traz à Humanidade!

Pode dizer-se que o pensamento que Deus irradia sobre a História e sobre o mundo; Ele tem inspirado as gerações na sua marcha, tem sustentado, levantado milhões de almas desoladas. Tem sido a força, a esperança suprema, o último apoio dos aflitos, dos espoliados, dos sacrificados, de quase todos aqueles que, através dos tempos, têm sofrido a injustiça, a maldade dos homens, os golpes da adversidade!

Se evocardes a memória das gerações que se têm sucedido sobre a Terra, por toda a parte, vereis os olhares dos homens voltados para essa luz, que nada poderá extinguir, nem diminuir!

É essa a razão pela qual vos dizemos: Meus irmãos, recolhei-vos no silêncio das vossas moradas; elevai frequentemente a Deus os transportes dos vossos pensamentos e dos vossos corações, expondo-lhe as vossas necessidades, as vossas fraquezas, as vossas misérias, e, nas horas difíceis, nos momentos solenes de vossa vida, dirigi-lhe o apelo supremo. Então, no mais íntimo do vosso ser, ouvireis como que uma voz vos responder, consolar, socorrer.

Essa voz vos penetrará de uma emoção profunda; fará talvez brotar as vossas lágrimas, mas levantar-vos-eis fortalecidos, reconfortados.

Aprendei a orar do mais profundo da vossa alma, e não mais da ponta dos lábios; aprendei a entrar em comunhão com o vosso Pai; a receber os seus ensinamentos misteriosos, reservados, não aos sábios e poderosos, mas às almas puras, aos corações sinceros.

Quando quiserdes encontrar refúgio contra as tristezas e as decepções da Terra, lembrai-vos de que há somente um meio: elevar o pensamento a essas regiões puras da luz divina, onde não penetram influências grosseiras do nosso mundo. Os rumores das paixões, o conflito dos interesses não vão até lá. Chegando a essas regiões, o Espírito se desprende das preocupações inferiores, de todas as coisas mesquinhas das nossas existências; paira acima da tempestade humana, mais alto que os ruídos discordantes da luta pela vida, pelas riquezas e honras vãs; mais alto que todas essas coisas efémeras e mutáveis que nos ligam aos mundos materiais. Lá em cima, o Espírito se esclarece, inebria-se dos esplendores da verdade e da luz. Ele vê e compreende as leis do seu destino.

Diante das largas perspectivas da imortalidade, perante o espectáculo dos progressos e da ascensão que nos esperam na escala dos mundos, que se tornam para nós as misérias da vida actual, as vicissitudes do tempo presente?

Aquele que tem no seu pensamento e no seu coração essa  ardente, essa confiança absoluta no futuro, essa certeza que o eleva, esse está blindado contra a dor. Ficará invulnerável no meio das provas. Está aí o segredo de todas as forças, de todo o valor, o segredo dos inovadores, dos mártires, de todos aqueles que, através dos séculos, oferecem a sua vida por uma grande causa; de todos aqueles que, no meio das torturas, sob a mão do algoz, enquanto os seus ossos e a sua carne, esmagados pela roda ou pelo torniquete, não eram mais do que lama sanguinolenta, encontravam ainda a força suficiente para dominar os seus sofrimentos e afirmar a Divina Justiça; daqueles que, sobre o cadafalso, e assim sobre a lenha das fogueiras, viviam, já por antecipação, a vida apreciável e gloriosa do Espírito.

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Léon Denis, O Grande Enigma, Primeira parte / Deus e o Universo, VIII Acção de Deus no Mundo e na História, 19º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: As majestosas e violentas palavras dos poemas, pintura em acrílico de Costa Brites)

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