Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Victor Hugo e o invisível ~


Jean-Paul Sartre e Victor Hugo ~

Eis dois nomes que representam duas concepções de vida: o primeiro é um apologista da matéria, o segundo um defensor do espírito. São duas figuras que sintetizam duas interpretações do Ser; o primeiro sustenta que a única realidade é o nada, o segundo afirma que a criação responde à vida.

Jean-Paul Sartre quer modificar o mundo sem encontrar para o homem um sentido; Victor Hugo sustenta que o  mundo se modificará indiscutivelmente pela própria evolução do SerO primeiro é um filósofo da negação e sobre essa base deseja dar à sociedade e à história um devir. O segundo é um poeta e revela o que a realidade encerra no seu mundo interior. Sartre impõe ao Ser um processo assente no nada, Hugo descobre a teleologia do espírito e mostra-a a cantar.

O primeiro filosofa sobre a base da Negação; o segundo desenha preciosidades cósmicas sobre os cimentos da Afirmação. Sartre encarna a fealdade externa do mundo; Hugo é o vidente da beleza humana e divina. O primeiro vê em tudo uma espantosa e sombria solidão; o segundo capta em tudo o que existe um Ser latente que procura mostrar-se como uma realidade da essência do universo.

Jean-Paul Sartre faz filosofia para ao mesmo tempo negá-la; Victor Hugo elabora uma nova poesia para ampliá-la continuamente. O primeiro compraz-se em anunciar o triunfo e o império da morte e do nada; o segundo demonstra que a vida é uma manifestação da essência divina, a afirmar-se no seu Ser infinito.

O filósofo Sartre escreveu O Ser e o nada para anunciar à humanidade que tudo morre e se extingue no nada. Mediante uma complicada linguagem metafísica, busca demonstrar que do nada surge o Ser para se reintegrar nele sem nenhuma finalidade existencial. O Ser é o nada e o nada é o Ser no pensamento de Sartre, que parecia regozijar-se ao se entregar a essa elaboração metafísica suicida.

O humanismo de Sartre funda-se na negação universal do Ser. Nega o espírito, o sentido da vida, a verdade, a moral, a liberdade e, finalmente, a existência de Deus.

O poeta Victor Hugo escreveu A legenda dos séculos para demonstrar em primeiro lugar o significado do universo, a afirmação da vida, a evolução e o desenvolvimento dos espíritos, aceitando a existência de uma Causa Suprema. Assim, Hugo penetra no aparente caos do mundo e extrai das suas profundezas a ordem e a finalidade. Demonstra que tanto o planeta terra como os demais mundos do universo formam um imenso cenário sobre o qual assenta um plano do que existe. Disse à humanidade que o homem não existe em vão; assinala que a vida tem um significado espiritual e que tudo é chamado a transformar-se para se elevar a estados superiores. Hugo possuía a divina vidência do universo; via com os olhos do espírito o que está escrito nas páginas do infinito. Descobre assim que o homem é imortal e que, mediante uma criadora palingenesia, se aperfeiçoa até alcançar os níveis mais altos da sabedoria. Para Victor Hugo o nada não existe; ele sustenta como único saber a Afirmação do Ser e o Sentido espiritual do homem e do universo. Ainda que no meio do mal, faz ver à criatura humana que ele é uma etapa para chegar ao bem. Por isso, apesar das mais duras contradições históricas e existenciais, afirma como única realidade a existência do bem.

Em Sartre está o nada como base de todo o humanismo social e filosófico. Sustenta que o advento de um estado superior na terra se dará sobre a base de uma liberdade assente no nada. Aspira a uma sociedade socialista, onde o bem e a igualdade desaparecerão ontologicamente no não-ser. Quer criar uma igualdade social para que o homem não se sinta vencido pelo pessimismo existencial.

Em Victor Hugo está a vida como fundamento do Espírito, da Justiça e da Beleza. Para ele, todos os planetas estão povoados por seres inteligentes; sustenta a doutrina da pluralidade dos mundos habitados relacionada com a filosofia da pluralidade das existências da alma. Pela poesia, capta os fraternos rumores do mundo invisível. Cantou que morrer é nascer noutra lugar e nascer é morrer no mundo do espírito, dizendo que o nada é uma ilusão dos sentidos.

Jean-Paul Sartre é o sustentáculo do existencialismo ateu, da negação e do não-serVictor Hugo é o propulsor do espiritualismo espírita, da imortalidade da alma e da palingenesia espiritual. Sartre vê no mineral, na planta e no animal apenas cegos resultados da matéria inconsciente. Não alcança a profundidade infinita da vida, que existe nos olhos de um cão, de um cavalo ou de um réptil. Para ele, o mineral, o vegetal e o animal não são mais que resultados da casualidade. Para Victor Hugo, um mineral está presente na vida esperando o momento para a sua manifestação; no vegetal toma alento a inteligência do Ser em vias de evolução e no animal encontra-se o espírito em situação rudimentar, esperando a sua divina transformação: passar da forma em que se encontra para atingir a hominal.

Como se vê, em Victor Hugo tudo é chamado a ser, a evoluir, a aperfeiçoar-se, a chegar ao mundo da consciência para melhor compreender toda a criação.

Será heresia, ateísmo e ofensa à essência da religião este processo do homem e do universo sustentado pelo autor de As Contemplações?

Cremos que não, pois não cabe nesta cosmovisão nem o ateísmo nem a heresia. Pensamos que nesta visão de Victor Hugo, terminantemente oposta ao conceito niilista de Jean-Paul Sartreestá o verdadeiro sentido do ser e do mundo, como demonstração viva e real de que Deus é amor, como dizia João, o evangelista.

Eis, aqui, enfim, duas visões da existência: uma que proclama a morte e o nada como únicas realidades do ser e a outra que demonstra a eternidade da vida, as potencialidades do espírito frente ao nada e o seu aperfeiçoamento divino pela lei dos renascimentos. Duas visões do mundo das quais depende o futuro da civilização e da cultura; dois projectos a respeito do ser e da vida sustentados por dois homens: o primeiro cego e enganado pelo Nada e pela Negação e o segundo iluminado pelo espírito e a verdade.

Sem uma dignificação "espiritual" do poeta e do escritor sobre a base de uma segura convicção "de sua imortalidade pessoal", a decadência moral das letras e das artes será inevitável. Tal como Nietzsche proclamou a morte de Deus, niilismo lançará o desolador grito: "a Beleza está morta". Assim, a aparição do mediunismo poético e literário é uma necessidade moral que se impõe no momento em que tudo se reduz a sensações e prazeres corporais. Contrariamente, avançará o existencialismo sobre cujas bases pretende firmar-se uma solução niilista e ateia do homem e do universo.

Se o nada é o que rege o processo histórico; se a morte é o sustentáculo da vida espiritual do ser, a humanidade está vivendo de ilusões. Toda a ânsia de verdade, de justiça e de beleza é uma incongruência ao não responder a nenhum sentido espiritual da existência.

A se prosseguir nessa negação do fenómeno mediúnico por medo ou por defeito; continuando a procurar-se uma intrincada explicação do mesmo a fim de não aceitar nele a presença do Espírito, estaremos a sujeitar-nos ao Nada, ao Ateísmo e à Morte. Estaremos indo de encontro à vida infinita para reclamar outra finita e sem sentido, cuja única meta é o não-ser.

Acreditamos que o mediunismo literário merece ser considerado como uma possível realidade espiritual pela crítica do nosso tempo. Este novo tipo de literatura resultará como uma blindagem espiritual frente ao império do materialismo, pois o homem, como expressão altamente tecnológica deverá saber, neste momento, de onde vem e para onde se dirige. mediunidade tanto literária como filosófica deverá elevar a sua lâmpada divina no meio desta noite terrena para salvar a raça do ódio e do nada.

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Humberto Mariotti (i)Victor Hugo Espírita, Jean-Paul Sartre e Victor Hugo, 16º fragmento da obra.
(imagem de contextualização: Criança com uma boneca, pintura de Anne-Louis GIRODET-TRIOSON)

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