A fotografia e a telegrafia do pensamento são
questões até agora pouco explanadas. Como todas as que não apresentam ligação com as leis que, devem ser universalmente
difundidas, foram relegadas para segundo plano, não obstante serem de capital
importância e poderem os elementos que elas contêm concorrer para a elucidação de muitos problemas que ainda se encontram sem solução.
Quando um artista de talento executa um quadro, uma obra
magistral a que consagrou todo o génio que progressivamente adquiriu, dá dela primeiramente
os traços gerais, de forma que se compreenda, desde o esboço, todo o resultado
que espera dali tirar. Só depois de haver elaborado minuciosamente o
seu plano geral é que entra nas minúcias; e, embora a este último trabalho
deva, talvez, dispensar maiores cuidados do que àquele outro, tal não lhe seria
possível, se não houvesse esboçado antes
o seu quadro. O mesmo sucede no Espiritismo. As
leis fundamentais, os princípios gerais, cujas raízes existem no espírito de
todo o ser criado, foram elaborados desde a origem. Todas as outras questões,
quaisquer que sejam, dependem das primeiras. Por isso é que, durante certo
tempo, se torna forçoso pôr de lado o estudo dessas questões.
Com efeito, poder-se-ia logicamente falar de fotografia e de telegrafia do pensamento, antes de estar demostrada a existência da alma que manobra os elementos fluídicos e a dos fluidos que permitem se estabeleçam relações entre duas almas distintas? Ainda hoje, talvez, mal começamos
a estar suficientemente esclarecidos para a elaboração de tão vastos
problemas! Entretanto, não se encontrarão deslocadas aqui algumas
considerações de natureza a preparar as bases para um estudo mais completo?
Limitado nas suas ideias e aspirações, tendo circunscritos os
seus horizontes,
o homem precisa concretizar todas as coisas e pôr-lhes etiquetas,
a fim de guardar delas apreciável lembrança e basear os seus futuros estudos
nos dados que haja reunido. Pelo sentido da vista foi que lhe vieram
as primeiras noções do conhecimento. Foi a imagem de um objecto que lhe ensinou
a existência desse objecto. Quando conheceu muitos objectos, tirou
deduções das impressões diferentes que eles lhe produziam no íntimo do ser,
fixou na inteligência a quintessência deles
por meio do fenómeno da memória. Ora, que é a memória,
senão um espécie de álbum mais ou menos volumoso, que se folheia para
encontrar de novo as ideias apagadas e reconstituir os acontecimentos que se
foram? Esse álbum tem marcas nos pontos capitais. De alguns factos o
indivíduo imediatamente se recorda; para recordar-se de outros, é-lhe
necessário folhear por longo tempo o álbum.
A memória é como um livro! Aquele em que lemos algumas
passagens facilmente no-las apresenta aos olhos; as folhas virgens ou
raramente perlustradas têm que ser folheadas uma a uma, para que
consigamos reconstituir um facto sobre o qual pouco tenhamos demorado a
atenção.
Quando o Espírito encarnado se
lembra, a sua memória lhe apresenta, de certo modo, a fotografia do facto que
ele procura. Em geral, os encarnados que o cercam nada vêem; o álbum se
encontra em lugar inacessível ao olhar deles; mas, os Espíritos o vêem e
folheiam connosco. Em dadas circunstâncias, podem mesmo, deliberadamente,
ajudar a nossa pesquisa, ou perturbá-la.
O que se produz de um encarnado para
um desencarnado também se verifica do desencarnado para o vidente. Quando se evoca a lembrança de certos factos da existência de
um Espírito, apresenta-se-lhe a fotografia desses factos; e o vidente, cuja
situação espiritual é análoga à do Espírito livre, vê como ele e, até, em
determinadas circunstâncias, vê o que o Espírito não vê por si mesmo, tal
como um desencarnado pode folhear a memória de um encarnado, sem que este
tenha disso consciência e lembrar-lhe factos
de há muito esquecidos. Quanto aos pensamentos abstractos, por isso
mesmo que existem, tomam corpo para impressionar o cérebro; têm de agir
naturalmente sobre este e, de certo modo, gravar-se nele. Ainda neste caso,
como no primeiro, parece perfeita a semelhança entre os factos da terra e os do
espaço.
Já tendo sido o fenómeno da fotografia do pensamento objecto
de algumas reflexões nossas na Revista, para maior clareza
reproduziremos alguns trechos do artigo em que o assunto foi tratado e que
completaremos com outras observações novas.
Sendo os fluidos o
veículo do pensamento,
este actua sobre aqueles como o som actua sobre o ar; eles nos trazem o
pensamento como o ar nos traz o som. Pode, pois, dizer-se, com verdade,
que há ondas nos fluidos e radiações do
pensamento, que se cruzam sem se confundirem, como há, no ar, ondas e radiações
sonoras.
Ainda mais; criando imagens fluídicas, o
pensamento reflecte-se no envoltório perispirítico como
num espelho, ou, então, como essas imagens de objectos terrestres que se
reflectem nos vapores do ar tomando aí um corpo e,
de certo modo, fotografando-se. Se um homem, por exemplo,
tiver a ideia de matar alguém, embora o seu corpo material se conserve
impassível, o seu corpo fluídico é accionado por essa ideia e a reproduz com
todos os matizes. Ele executa fluidicamente o gesto, o acto que o
indivíduo premeditou. O seu pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira
se desenha, como num quadro, tal qual lhe está na mente.
É, assim que os mais secretos movimentos da alma se repercutem no
invólucro fluídico. É assim que uma alma pode ler noutra alma como num livro e
ver o que não é perceptível aos olhos corporais. Estes vêem as impressões
interiores que se reflectem nos traços fisionómicos: a cólera, a
alegria, a tristeza; a alma, porém, vê nos traços da alma os pensamentos que
não se exteriorizam.
Entretanto, se, vendo a intenção, pode a alma pressentir a
execução do acto que lhe será a consequência, não pode, contudo,
determinar o momento em que ele será executado, nem lhe precisar os
pormenores, nem mesmo afirmar que ele se realize,
porque ulteriores circunstâncias podem modificar os planos concebidos
e mudar as disposições. Ela não pode ver o que ainda não está no
pensamento; o que vê é a preocupação ocasional ou
habitual do indivíduo, os seus desejos, os seus projectos, as suas intenções
boas ou más. Daí os erros nas previsões de alguns
videntes.
Quando um acontecimento está subordinado ao livre-arbítrio de
um homem, eles apenas podem pressentir-lhe a probabilidade,
de acordo com o pensamento que vêem; mas,
não podem afirmar que se dará de tal forma, ou em tal momento. A maior
ou menor exactidão nas previsões depende, além disso, da extensão e da
clareza da vista psíquica. Nalguns indivíduos, desencarnados ou encarnados,
limita-se a um ponto ou é difusa, ao passo que noutros é nítida e
abrange todo o conjunto dos pensamentos e das vontades que hajam de concorrer
para a realização de um facto. Mas, acima de tudo, há sempre a
vontade superior que pode, na sua sabedoria, permitir uma
revelação ou impedi-la. Neste último caso, um véu impenetrável é lançado sobre
a mais perspicaz vista psíquica. (Veja, em A Génese, o capítulo sobre a Presciência.)
A teoria das criações fluídicas e, por conseguinte, da fotografia
do pensamento, é uma conquista do moderno Espiritismo e
pode, doravante, considerar-se como firmada em princípio, ressalvadas as
aplicações de minúcia, que hão de resultar da observação. Este fenómeno é
incontestavelmente a origem das visões fantásticas e desempenha grande papel em
certos sonhos.
Quem na Terra sabe de que maneira se estabeleceram os
primeiros meios de comunicação do pensamento? Como foram inventados ou,
antes, descobertos, dado que nada se inventa, pois que tudo existe
em estado latente, cabendo aos homens apenas os meios de pôr em acção as forças
que a Natureza lhes oferece? Quem sabe quanto tempo foi necessário para
que os homens usassem da palavra de modo perfeitamente inteligível?
Aquele que soltou o primeiro grito inarticulado tinha sem
dúvida uma certa consciência do que queria exprimir, mas os a quem ele se
dirigiu nada a princípio compreenderam. Só decorrido longo lapso de tempo se
verificou a existência de palavras convencionadas, depois a de frases
abreviadas e, por fim, discursos inteiros. Quantos milhares de anos não
foram necessários para que a Humanidade chegasse ao ponto em que hoje se
encontra! Cada progresso nos modos de comunicação, nas relações entre os
homens, foi sempre assinalado por uma melhoria do estado social dos seres. À
medida que as relações de indivíduo a indivíduo se tornam mais estreitas, mais
regulares, a necessidade se faz sentir de uma nova e mais rápida forma de
linguagem, mais apropriada a pôr os homens em comunicação instantânea e
universalmente uns com os outros. Por que não teria cabimento no mundo moral, de encarnado a
encarnado, por meio da telegrafia humana, o que ocorre no mundo físico, por
meio da telegrafia eléctrica? Por que as relações ocultas que ligam, de
maneira mais ou menos consciente, os pensamentos dos homens e dos Espíritos,
por meio da telegrafia espiritual, não se generalizariam entre os homens, de
modo consciente?
A telegrafia humana! Aí está uma coisa de
molde certamente a provocar o riso dos que se negam a admitir o que não cabe
debaixo dos sentidos materiais. Mas, que importam as zombarias dos
presunçosos? As suas negações, por mais que eles as multipliquem, não
obstarão a que as leis naturais sigam o seu curso, nem a que se encontrem novas aplicações dessas
leis, à medida que a inteligência humana se encontre em estado de lhes
experimentar os efeitos.
O homem exerce acção directa sobre as coisas, assim como
sobre as pessoas que o cercam. Frequentemente, uma pessoa a quem se dá
pouca atenção a exerce decisiva sobre outras de reputação muito superior. Isto
decorre de que na Terra se vêem muito mais máscaras do
que semblantes e de que aí o olhar tem a
obscurecê-lo a vaidade, o interesse pessoal e todas as paixões más. A
experiência demonstra que se pode actuar sobre o espírito dos homens, à revelia
deles. Um pensamento superior, fortemente pensado,
permita-se-nos a expressão, pode, pois, conforme a sua força e a sua
elevação, tocar de perto ou de longe homens que nenhuma ideia fazem da maneira
por que ele lhes chega, do mesmo modo que muitas vezes aquele que o emite não
faz ideia do efeito produzido pela sua emissão. É esse um jogo constante
das inteligências humanas e da acção recíproca de umas sobre as outras. Juntai-lhe a das inteligências dos desencarnados e imaginai, se o conseguirdes, o poder incalculável dessa força composta de tantas forças reunidas.
Se se pudesse suspeitar do imenso mecanismo que o
pensamento acciona e dos efeitos que ele produz de um indivíduo a outro, de um
grupo de seres a outro grupo e, afinal, da acção universal dos pensamentos das
criaturas umas sobre as outras, o homem ficaria assombrado! Sentir-se-ia
aniquilado diante dessa infinidade de pormenores, diante dessas inúmeras redes ligadas entre si por uma potente vontade e actuando harmonicamente para alcançar um único objectivo: o progresso universal.
Pela telegrafia do pensamento, ele apreciará em todo o
seu esplendor a lei de solidariedade,
ponderando que não há um pensamento, seja criminoso, seja virtuoso, ou de outro
género, que não tenha acção real sobre o conjunto dos pensamentos humanos e
sobre cada um deles. Se o egoísmo o levava a desconhecer as consequências, para
outrem, de um pensamento perverso, pessoalmente o seu, por esse mesmo egoísmo ele
se verá induzido a
ter bons pensamentos, para elevar o nível moral da generalidade das criaturas, atentando nas
consequências que sobre si mesmo produziria um mau pensamento de outrem.
Que serão, senão consequência da
telegrafia do pensamento, esses choques misteriosos que nos advertem da alegria
ou do sofrimento de um ente querido, que se encontra longe de nós? Não é a um
fenómeno do mesmo género que devemos os sentimentos de simpatia ou de repulsão
que nos arrastam para certos Espíritos e nos afastam de outros?
/...
ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira
Parte, Manifestações dos Espíritos, – Fotografia e telegrafia do
Pensamento, 17º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra)
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