Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Diálogos de Kardec ~


§ Fotografia e telegrafia do Pensamento" 

A fotografia e a telegrafia do pensamento são questões até agora pouco explanadas. Como todas as que não apresentam ligação com as leis que, devem ser universalmente difundidas, foram relegadas para segundo plano, não obstante serem de capital importância e poderem os elementos que elas contêm concorrer para a elucidação de muitos problemas que ainda se encontram sem solução. 

Quando um artista de talento executa um quadro, uma obra magistral a que consagrou todo o génio que progressivamente adquiriu, dá dela primeiramente os traços gerais, de forma que se compreenda, desde o esboço, todo o resultado que espera dali tirar. Só depois de haver elaborado minuciosamente o seu plano geral é que entra nas minúcias; e, embora a este último trabalho deva, talvez, dispensar maiores cuidados do que àquele outro, tal não lhe seria possível, se não houvesse esboçado antes o seu quadro. O mesmo sucede no EspiritismoAs leis fundamentais, os princípios gerais, cujas raízes existem no espírito de todo o ser criado, foram elaborados desde a origem. Todas as outras questões, quaisquer que sejam, dependem das primeiras. Por isso é que, durante certo tempo, se torna forçoso pôr de lado o estudo dessas questões. 

Com efeito, poder-se-ia logicamente falar de fotografia e de telegrafia do pensamento, antes de estar demostrada a existência da alma que manobra os elementos fluídicos e a dos fluidos que permitem se estabeleçam relações entre duas almas distintas? Ainda hoje, talvez, mal começamos a estar suficientemente esclarecidos para a elaboração de tão vastos problemas! Entretanto, não se encontrarão deslocadas aqui algumas considerações de natureza a preparar as bases para um estudo mais completo? 

Limitado nas suas ideias e aspirações, tendo circunscritos os seus horizontes, o homem precisa concretizar todas as coisas e pôr-lhes etiquetas, a fim de guardar delas apreciável lembrança e basear os seus futuros estudos nos dados que haja reunido. Pelo sentido da vista foi que lhe vieram as primeiras noções do conhecimento. Foi a imagem de um objecto que lhe ensinou a existência desse objecto. Quando conheceu muitos objectos, tirou deduções das impressões diferentes que eles lhe produziam no íntimo do ser, fixou na inteligência a quintessência deles por meio do fenómeno da memória. Ora, que é a memória, senão um espécie de álbum mais ou menos volumoso, que se folheia para encontrar de novo as ideias apagadas e reconstituir os acontecimentos que se foram? Esse álbum tem marcas nos pontos capitais. De alguns factos o indivíduo imediatamente se recorda; para recordar-se de outros, é-lhe necessário folhear por longo tempo o álbum. 

A memória é como um livro! Aquele em que lemos algumas passagens facilmente no-las apresenta aos olhos; as folhas virgens ou raramente perlustradas têm que ser folheadas uma a uma, para que consigamos reconstituir um facto sobre o qual pouco tenhamos demorado a atenção. 

Quando o Espírito encarnado se lembra, a sua memória lhe apresenta, de certo modo, a fotografia do facto que ele procura. Em geral, os encarnados que o cercam nada vêem; o álbum se encontra em lugar inacessível ao olhar deles; mas, os Espíritos o vêem e folheiam connosco. Em dadas circunstâncias, podem mesmo, deliberadamente, ajudar a nossa pesquisa, ou perturbá-la. 

O que se produz de um encarnado para um desencarnado também se verifica do desencarnado para o vidente. Quando se evoca a lembrança de certos factos da existência de um Espírito, apresenta-se-lhe a fotografia desses factos; e o vidente, cuja situação espiritual é análoga à do Espírito livre, vê como ele e, até, em determinadas circunstâncias, vê o que o Espírito não vê por si mesmo, tal como um desencarnado pode folhear a memória de um encarnado, sem que este tenha disso consciência e lembrar-lhe factos de há muito esquecidos. Quanto aos pensamentos abstractos, por isso mesmo que existem, tomam corpo para impressionar o cérebro; têm de agir naturalmente sobre este e, de certo modo, gravar-se nele. Ainda neste caso, como no primeiro, parece perfeita a semelhança entre os factos da terra e os do espaço. 

Já tendo sido o fenómeno da fotografia do pensamento objecto de algumas reflexões nossas na Revista, para maior clareza reproduziremos alguns trechos do artigo em que o assunto foi tratado e que completaremos com outras observações novas. 

Sendo os fluidos o veículo do pensamento, este actua sobre aqueles como o som actua sobre o ar; eles nos trazem o pensamento como o ar nos traz o som. Pode, pois, dizer-se, com verdade, que há ondas nos fluidos e radiações do pensamento, que se cruzam sem se confundirem, como há, no ar, ondas e radiações sonoras. 

Ainda mais; criando imagens fluídicas, o pensamento reflecte-se no envoltório perispirítico como num espelho, ou, então, como essas imagens de objectos terrestres que se reflectem nos vapores do ar tomando aí um corpo e, de certo modo, fotografando-seSe um homem, por exemplo, tiver a ideia de matar alguém, embora o seu corpo material se conserve impassível, o seu corpo fluídico é accionado por essa ideia e a reproduz com todos os matizes. Ele executa fluidicamente o gesto, o acto que o indivíduo premeditou. O seu pensamento cria a imagem da vítima e a cena inteira se desenha, como num quadro, tal qual lhe está na mente. 

É, assim que os mais secretos movimentos da alma se repercutem no invólucro fluídico. É assim que uma alma pode ler noutra alma como num livro e ver o que não é perceptível aos olhos corporais. Estes vêem as impressões interiores que se reflectem nos traços fisionómicos: a cólera, a alegria, a tristeza; a alma, porém, vê nos traços da alma os pensamentos que não se exteriorizam. 

Entretanto, se, vendo a intenção, pode a alma pressentir a execução do acto que lhe será a consequência, não pode, contudo, determinar o momento em que ele será executado, nem lhe precisar os pormenores, nem mesmo afirmar que ele se realize, porque ulteriores circunstâncias podem modificar os planos concebidos e mudar as disposições. Ela não pode ver o que ainda não está no pensamento; o que vê é a preocupação ocasional ou habitual do indivíduo, os seus desejos, os seus projectos, as suas intenções boas ou más. Daí os erros nas previsões de alguns videntes. 

Quando um acontecimento está subordinado ao livre-arbítrio de um homem, eles apenas podem pressentir-lhe a probabilidade, de acordo com o pensamento que vêem; mas, não podem afirmar que se dará de tal forma, ou em tal momento. A maior ou menor exactidão nas previsões depende, além disso, da extensão e da clareza da vista psíquica. Nalguns indivíduos, desencarnados ou encarnados, limita-se a um ponto ou é difusa, ao passo que noutros é nítida e abrange todo o conjunto dos pensamentos e das vontades que hajam de concorrer para a realização de um facto. Mas, acima de tudo, há sempre a vontade superior que pode, na sua sabedoria, permitir uma revelação ou impedi-la. Neste último caso, um véu impenetrável é lançado sobre a mais perspicaz vista psíquica. (Veja, em A Génese, o capítulo sobre a Presciência.) 

A teoria das criações fluídicas e, por conseguinte, da fotografia do pensamentoé uma conquista do moderno Espiritismo e pode, doravante, considerar-se como firmada em princípio, ressalvadas as aplicações de minúcia, que hão de resultar da observação. Este fenómeno é incontestavelmente a origem das visões fantásticas e desempenha grande papel em certos sonhos. 

Quem na Terra sabe de que maneira se estabeleceram os primeiros meios de comunicação do pensamento? Como foram inventados ou, antes, descobertos, dado que nada se inventa, pois que tudo existe em estado latente, cabendo aos homens apenas os meios de pôr em acção as forças que a Natureza lhes oferece? Quem sabe quanto tempo foi necessário para que os homens usassem da palavra de modo perfeitamente inteligível? 

Aquele que soltou o primeiro grito inarticulado tinha sem dúvida uma certa consciência do que queria exprimir, mas os a quem ele se dirigiu nada a princípio compreenderam. Só decorrido longo lapso de tempo se verificou a existência de palavras convencionadas, depois a de frases abreviadas e, por fim, discursos inteiros. Quantos milhares de anos não foram necessários para que a Humanidade chegasse ao ponto em que hoje se encontra! Cada progresso nos modos de comunicação, nas relações entre os homens, foi sempre assinalado por uma melhoria do estado social dos seres. À medida que as relações de indivíduo a indivíduo se tornam mais estreitas, mais regulares, a necessidade se faz sentir de uma nova e mais rápida forma de linguagem, mais apropriada a pôr os homens em comunicação instantânea e universalmente uns com os outros. Por que não teria cabimento no mundo moral, de encarnado a encarnado, por meio da telegrafia humana, o que ocorre no mundo físico, por meio da telegrafia eléctrica? Por que as relações ocultas que ligam, de maneira mais ou menos consciente, os pensamentos dos homens e dos Espíritos, por meio da telegrafia espiritual, não se generalizariam entre os homens, de modo consciente? 

A telegrafia humana! Aí está uma coisa de molde certamente a provocar o riso dos que se negam a admitir o que não cabe debaixo dos sentidos materiais. Mas, que importam as zombarias dos presunçosos? As suas negações, por mais que eles as multipliquem, não obstarão a que as leis naturais sigam o seu curso, nem a que se encontrem novas aplicações dessas leis, à medida que a inteligência humana se encontre em estado de lhes experimentar os efeitos. 

O homem exerce acção directa sobre as coisas, assim como sobre as pessoas que o cercam. Frequentemente, uma pessoa a quem se dá pouca atenção a exerce decisiva sobre outras de reputação muito superior. Isto decorre de que na Terra se vêem muito mais máscaras do que semblantes e de que aí o olhar tem a obscurecê-lo a vaidade, o interesse pessoal e todas as paixões más. A experiência demonstra que se pode actuar sobre o espírito dos homens, à revelia deles. Um pensamento superior, fortemente pensado, permita-se-nos a expressão, pode, pois, conforme a sua força e a sua elevação, tocar de perto ou de longe homens que nenhuma ideia fazem da maneira por que ele lhes chega, do mesmo modo que muitas vezes aquele que o emite não faz ideia do efeito produzido pela sua emissão. É esse um jogo constante das inteligências humanas e da acção recíproca de umas sobre as outras. Juntai-lhe a das inteligências dos desencarnados e imaginai, se o conseguirdes, o poder incalculável dessa força composta de tantas forças reunidas. 

Se se pudesse suspeitar do imenso mecanismo que o pensamento acciona e dos efeitos que ele produz de um indivíduo a outro, de um grupo de seres a outro grupo e, afinal, da acção universal dos pensamentos das criaturas umas sobre as outras, o homem ficaria assombrado! Sentir-se-ia aniquilado diante dessa infinidade de pormenores, diante dessas inúmeras redes ligadas entre si por uma potente vontade e actuando harmonicamente para alcançar um único objectivo: o progresso universal.

Pela telegrafia do pensamento, ele apreciará em todo o seu esplendor a lei de solidariedade, ponderando que não há um pensamento, seja criminoso, seja virtuoso, ou de outro género, que não tenha acção real sobre o conjunto dos pensamentos humanos e sobre cada um deles. Se o egoísmo o levava a desconhecer as consequências, para outrem, de um pensamento perverso, pessoalmente o seu, por esse mesmo egoísmo ele se verá induzido a ter bons pensamentos, para elevar o nível moral da generalidade das criaturas, atentando nas consequências que sobre si mesmo produziria um mau pensamento de outrem. 

Que serão, senão consequência da telegrafia do pensamento, esses choques misteriosos que nos advertem da alegria ou do sofrimento de um ente querido, que se encontra longe de nós? Não é a um fenómeno do mesmo género que devemos os sentimentos de simpatia ou de repulsão que nos arrastam para certos Espíritos e nos afastam de outros? 

/... 


ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte, Manifestações dos Espíritos, – Fotografia e telegrafia do Pensamento, 17º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

Sem comentários: