Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 24 de janeiro de 2021

Da sombra do dogma à luz da razão ~


~ Uranorafia Geral (*) 
O espaço e o tempo ~ 

| Galileu, Espírito 
(Études Uranographi-ques) (II) 

~ As leis e as forças 🌈

  Se um destes seres desconhecidos que consomem a sua existência efémera no fundo das regiões tenebrosas do oceano, se uma dessas poligaláceas, uma dessas nereidas – miseráveis animalejos que só conhecem da natureza os peixes ictiófagos e as florestas submarinas – recebesse subitamente o dom da inteligência, a faculdade de estudar o seu mundo e de estabelecer sobre as suas apreciações um raciocínio conjectural extensivo à universalidade das coisas, que ideia fariam eles da natureza viva que se desenvolve no seu meio e do mundo terrestre que não faz parte do seu campo de observação? 

 Se agora, por um efeito maravilhoso do seu novo poder, esse mesmo ser conseguisse elevar-se acima das trevas eternas, à superfície do mar, não longe dos rios opulentos de uma ilha de esplêndida vegetação, ao sol fecundo, fornecedor de um benfazejo calor, que pensariam então das teorias antecipadas da Criação universal, teoria que bem cedo apagaria através de uma apreciação mais vasta mas ainda relativamente tão incompleta como a primeira? É esta, ó homens, a imagem da vossa ciência toda ela especulativa (ii)

 Quando então venho tratar aqui a questão das leis e das forças que regem o Universo, eu que tal como vós não sou mais que um ser relativamente ignorante relativamente à ciência real, apesar da aparente superioridade que me dá sobre os meus irmãos da Terra a possibilidade de estudar questões naturais que lhes são proibidas na sua posição, o meu objectivo é unicamente expor-vos a noção geral das leis universais sem explicar em pormenor o modo de acção e a natureza das forças especiais que daí dependem. 

 Há um fluido etéreo que enche o espaço e penetra os corpos; este fluido é o éter ou matéria cósmica primitiva, gerador do mundo e dos seres. Ao éter são inerentes as forças que presidiram às metamorfoses da matéria, as leis imutáveis e necessárias que governam o mundo. Estas formas múltiplas, indefinidamente variadas, consoante as combinações da matéria, localizadas segundo as massas, diversificadas nas formas de acção consoante as circunstâncias e os meios, são conhecidas na Terra com o nome de peso, coesão, afinidade, magnetismo, electricidade activa; os movimentos vibratórios do agente, são conhecidos pelos de som, calor, luz, etc. Noutros mundos apresentam-se sob outros aspectos, apresentam outros caracteres desconhecidos deste e na mesma extensão dos céus, forças em número indefinido, desenvolvendo-se numa escala imaginária de que somos tão incapazes de avaliar a grandeza como os crustáceos no fundo do oceano, são incapazes de abarcar a universalidade dos fenómenos terrestres (iii)

  A natureza nunca está em oposição consigo mesma. O brasão do Universo só tem uma divisa: UNIDADE / VARIEDADE. Subindo a escala dos mundos, encontramos a unidade de harmonia e de criação ao mesmo tempo que uma variedade infinita nesse imenso canteiro de estrelas; percorrendo os degraus da vida, desde o mais ínfimo dos seres até Deus, a grande lei da continuidade dá-se a conhecer; considerando as forças em si mesmas, podemos formar com elas uma série cuja resultante, confundindo-se com a geradora, é a lei universal. 

  Não poderíeis apreciar esta lei em toda a sua extensão dado que as forças que a representam no campo das vossas observações são restritas e limitadas; no entanto, a atracção e a electricidade podem ser consideradas como uma vasta aplicação da lei primordial que reina para além dos céus. 

  Todas estas forças são eternas – explicaremos esta palavra – e eternas como a Criação; sendo inerentes ao fluido cósmico, agem necessariamente em tudo e em todo o lado, modificando a sua acção pela sua simultaneidade ou pela sua sucessão; predominando aqui, apagando-se mais longe; poderosas e activas nalguns pontos, latentes ou secretas noutros; mas finalmente preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos nos seus diversos períodos de vida, governando os trabalhos maravilhosos da natureza em qualquer sítio que ocorram, garantindo para todo o sempre o eterno esplendor da Criação. 

                                                                                                         Espírito Galileu 

/… 
(*) Este capítulo foi textualmente extraído de uma série de comunicações ditadas à Sociedade Espírita de Paris, em 1862 e 1863, sob o título de Études Uranographiques e assinado, Galileu; médium M. C. F. (N. do A.) 
(ii) É esta também a situação dos negadores do mundo dos Espíritos, quando, depois de se terem despojado do seu invólucro carnal, os horizontes deste mundo se desenvolvem a seus olhos. Percebem então o vazio das teorias com que pretendiam tudo explicar através unicamente da matéria. No entanto, estes horizontes têm ainda para eles mistérios que só se revelam a pouco e pouco, à medida que se elevam por depuração. Mas, a partir dos seus primeiros passos, neste mundo novo, são obrigados a reconhecer a sua cegueira e até que ponto estavam longe da verdade. (N. do A.) 
(iii) Relacionando tudo com aquilo que conhecemos e não entendemos o que escapa à percepção dos nossos sentidos assim como o cego nato não percebe os efeitos da luz e a utilidade dos olhos. Pode no entanto acontecer que noutros meios o fluido cósmico tenha propriedades, combinações, de que não fazemos qualquer ideia, efeitos apropriados às necessidades que nos são desconhecidos, dando lugar a novas percepções ou outros modos de percepção. Não percebemos, por exemplo, que se possa ver sem os olhos do corpo e sem a luz; mas quem nos diz que não existem outros agentes para além da luz a que estejam afectos organismos especiais? A visão sonambúlica, que não é travada nem pela distância, nem pelos obstáculos materiais, nem pela obscuridade, dá-nos disso um exemplo. Suponhamos que, num mundo qualquer, os seres são normalmente aquilo que os nossos sonâmbulos só são excepcionalmente, não terão necessidade nem da luz, nem dos nossos olhos e no entanto verão o que nós não podemos ver. Passa-se o mesmo com todas as outras sensações. As condições de vitalidade e de percepção, as sensações e as necessidades variam consoante os meios. 


ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo VI, Uranografia Geral, O espaço e o tempo – As leis e as forças (de 8 a 11), 24º fragmento desta obra. Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites).

Sem comentários: