Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

O Mundo Invisível e a Guerra ~


XXI 
O Reinado do Espírito ~ 

(15 de Dezembro de 1918) 

  Os frutos ilusórios e venenosos do materialismo (i) podiam ser encontrados, antes da guerra, por todos os lados à volta de nós, tanto na política como na literatura e nos costumes. Foi necessário o terrível choque dos acontecimentos para que viessem à luz as heróicas qualidades do país, que estavam mergulhadas numa espessa camada de interesses e de paixões egoístas. 

  Agora, terminada a tempestade, os frutos venenosos não terão desaparecido, de todo e, é de temer que o conflito de interesses e as lutas de classes, a acção surda e violenta das paixões prossigam e ainda tenhamos outros sofrimentos e outras provas para sofrer. 

  A solução para tudo isso consiste principalmente na procura e na aplicação de um ideal nobre, que ajudará o homem a levantar os olhos e os seus pensamentos acima das ambições terrenas. 

  Um país só é grande pela ideia que ele representa e não há ideia mais nobre que a do progresso individual e colectivo, a elevação de cada um de nós para esses píncaros eternos que são a sabedoria, a justiça e o amor. Nada mais belo que a colaboração crescente na obra do progresso universal. 

  Entretanto, como interessar os homens por esse ideal, quando já houve pastores cruéis que, durante longo tempo, os mantiveram na ignorância de sua natureza e do seu importante papel? 

  A tarefa será longa, trabalhosa e difícil, mas não há outra maneira de despertar uma vida espiritual elevada e pura, de fazer reinar o espírito sobre a matéria. 

  Faz 20 ou 30 anos que uma poderosa corrente encaminha os povos para uma democracia socialista, mas para que ela seja fecunda deverá realizar o reinado do espírito, respeitando a liberdade pessoal, que é sagrada, que é o próprio garante de nossa autonomia e cuja luz deve permanecer sempre nas nossas almas. Se houvesse um constrangimento, uma violência, se se espezinhasse a liberdade individual, o Socialismo seria simplesmente uma forma de despotismo e chegaria aos piores excessos. 

  Na Rússia temos o exemplo disso; a revolução, no início, era inspirada em sentimentos generosos, porém, pela opressão, caiu no abismo, transformando-se numa forma de anarquia e pilhagem. 

  O socialismo igualitário estaria no caminho errado, como já demonstramos noutros artigos, a igualdade não reside na natureza nem pode sobreviver na sociedade. A nivelação, por baixo, como pensam certos utópicos e, a igualdade imposta pela força iriam suprimir as capacidades, isto é, todas as forças intelectuais chegariam ao reinado universal da mediocridade, ao fracasso da arte e da ciência, constituindo-se num retrocesso à barbárie. 

  O socialismo materialista esqueceu uma coisa importante: que a alma humana necessita de esperança e fé, como o corpo precisa de alimentos. 

  A democracia deve ser uma solidariedade estreita e fraterna entre todos; um esforço comum para o melhor, uma dedicação para nos elevarmos a uma vida mais digna e mais alta. Em tais condições, a democracia representaria um valor de ordem moral e teria a sua sede nas consciências. 

  Quanto ao ponto de vista dos interesses, a paz social só se adquire pelos sacrifícios voluntários daqueles que possuem os bens e pelas reivindicações justas e equitativas dos que, nada tendo, colaboram para estabelecer a riqueza pública. O socialismo não deve ser inspirado no ódio das classes, mas na simpatia e na benevolência. O ódio só gera ódio, que só pode ser vencido pelo amor. 

  Entretanto, para se alcançar esse alvo, todo o conjunto das leis e das instituições políticas serão impotentes. Não basta que se dirijam à inteligência e à razão; é preciso que atinjam, principalmente, o coração dos homens, dele suprimindo o egoísmo, a inveja e o espírito de dominação. 

  Só existe possibilidade de triunfo pela divulgação de uma grande doutrina, alicerçada em provas concretas, que ensine a todos o dever, a responsabilidade moral, iluminando o caminho do porvir. Somente assim os conflitos terminarão e um melhor destino se preparará para a humanidade. 

  Onde encontrar os obreiros para tal transformação, os colaboradores para o reerguer espiritual e moral de nossa pátria? Iremos encontrá-los entre os homens que, há 20 anos, prosseguem no poder? Quem os conhece bem garante que não, salvo raras excepções. 

  A democracia deve ser conduzida por mãos honestas e puras e não por materialistas amantes do gozo, descuidados das leis superiores e do destino que o Além lhes reserva. 

  Talvez seja necessário aguardar a chegada de outra geração, o advento de novos homens que, rompendo as estruturas dos velhos partidos, instituam uma situação mais condizente com o verdadeiro objectivo da vida e com as normas do progresso humano. 

  De qualquer forma, já o afirmamos, cabe ao Espiritismo desempenhar um grande papel, podendo, confiante, encarar o futuro, oferecendo desde já supremas consolações e incalculáveis esperanças para todos os corações sofredores. 

  O Espiritismo amplia a comunhão com o invisível e, ao mesmo tempo, a torna mais real e mais forte. Por meio das faculdades mediúnicas e das revelações concordantes dos espíritos, conhecemos muito melhor as condições da existência no mundo espiritual. Os laços de amizade e de solidariedade que nos ligam aos mortos se ampliam e as duas formas de vida, a visível e a invisível, se juntam numa poderosa unidade. Todos os que praticam o diálogo com os seus queridos entes desaparecidos (e o seu número é grande) sabem quanta ajuda e quantos elementos de renovação as relações com o além-túmulo introduzem na nossa mente e na nossa consciência. 

  Os horizontes de nossa vida ampliam-se, reduzindo-se as coisas da Terra às suas justas proporções. Aprendemos a nos desinteressar de tudo o que é fútil e vão, colocando o nosso alvo na conquista de bens espirituais indestrutíveis. 

  A cooperação e a vida em comum com os nossos entes invisíveis é qual um banho fluídico onde as nossas almas se retemperam e robustecem. 

  Os nossos actos, os nossos pensamentos e as nossas percepções se modificam profundamente; a morte, por exemplo, perde todo o seu carácter fúnebre; todo o aparato de pavor com que as religiões, propositadamente, a envolveram desmorona e se esfuma. 

  A morte passa a ser um retorno para a verdadeira vida, vida radiante e livre do espírito que não cometeu erros. É o descanso para o pesquisador fatigado e o refúgio de quantos sofreram e lutaram. 

  O hábito de conversarmos com os nossos amigos do Espaço e a ideia de que eles estão muitas vezes a nosso lado, falando-nos, ouvindo-nos e interessando-se pelos nossos labores, obrigam-nos a vigiar melhor os nossos actos. À medida que nos adiantamos sob as suas inspirações, a nossa compreensão da vida espiritual se torna mais profunda, o dever fica mais fácil de cumprir e o fardo das provações fica menos pesado. 

  Aprendemos a nos libertar de mil submissões materiais, livrando-nos das ambições doentias, dos ciúmes mesquinhos e de tudo quanto separe e desgrace os homens. 

  Nas situações trágicas que atravessamos, o intercâmbio entre a Terra e o Céu, entre os vivos e os mortos, assume aspecto grandioso e consegue uma extensão e uma intensidade incalculáveis. As almas dos heróis que tombaram na defesa da pátria e de todos quantos ofereceram a vida em sacrifício para que o solo da França não fosse escravizado, a incomparável multidão desses espíritos que, nos seus voos de glória, pairam sobre as nossas cabeças, todos se associam aos nossos esforços, às nossas dores e ao nosso pranto. 

  Não se trata de um caso isolado o de Raymond Lodge; por todos os lados as manifestações similares se multiplicam. Assim que acaba o período de perturbação, que acontece depois das mortes violentas, todos esses espíritos só têm um pensamento: ajudar os nossos soldados na luta gloriosa em que estão empenhados, exaltando-lhes o ânimo e sustentando-lhes o ardor impetuoso até que o inimigo seja repelido para lá das nossas fronteiras. 

  No momento actual, os médiuns videntes podem admirar esse espectáculo impressionante das duas humanidades que se juntam num esforço supremo para salvar a França e o mundo dos dolorosos ataques da águia germânica. E esse grande movimento não se extinguirá quando a guerra terminar, porque as forças espirituais que estão em actividade continuarão a intervir, já não numa luta armada, mas para levar por diante a obra pacificadora e restauradora por excelência. 

  Pelos seus abusos e excessos, a humanidade criou, fluidicamente, à sua volta, um círculo fatal que só poderia ser rompido por um choque violento. Em vez de reconhecer os seus próprios erros como a causa principal dos males que suportava, em lugar de procurar os remédios para esses males no estudo e na prática das leis eternas, a humanidade se agarrou ao sensualismo e à negação. E o choque se produziu! – o choque que quebrou muitos egoísmos e destruiu muitas prevenções e rotinas; que tirou do homem antigo a roupagem do seu orgulho, possibilitando o seu entendimento das coisas divinas. 

  Agora, as reformas e os melhoramentos individuais e sociais que não foram realizados na paz e na tranquilidade terão que ser executados na provação e na dor. 

  Todos os que se opunham ao progresso do pensamento e à evolução moral irão desaparecer. Entre nós, encarnarão espíritos elevados para a realização dos desígnios espirituais. Um poderoso sopro passará sobre o mundo. Os habitantes da Terra, unidos aos habitantes do Espaço, trabalharão juntos a fim de preparar dias mais prósperos no nosso atrasado planeta. 

  Penso ser meu dever acrescentar o meu testemunho pessoal às considerações anteriores. – No meu contacto constante com os invisíveis, obtive inspirações e as forças necessárias para realizar o que pude fazer de útil e bom no curso desta vida, que já declina e se acaba. A colaboração dos nobres espíritos do Espaço me proporcionou os principais elementos da minha obra de divulgação. 

  Nesses contactos diários, consegui muitas provas de identidade, a minha fé e a minha confiança aumentaram, ao mesmo tempo em que se iluminava a minha vida interior. Acostumei-me a me desprender das superficialidades do mundo, colocando os meus afectos e o meu objectivo no Além. 

  A idade já chegou, trazendo consigo o seu cortejo de enfermidades; os meus meios de acção se debilitam e um sombrio véu se estende sobre os meus olhos. 

  Perdi a excelente médium por meio da qual me comunicava com os meus guias e protectores invisíveis, mas sinto-os constantemente à minha volta e ainda lhes percebo as irradiações dos pensamentos e dos fluidos. 

  De agora em diante, nada mais desejo do que me juntar a eles, quando Deus quiser, para viver com eles na paz serena do Espaço e na divina harmonia das almas e dos mundos! 

/… 


Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXI O Reinado do Espírito, 15 de Dezembro de 1918, 36º fragmento da obra. 
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo informal entre soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana, trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes) 

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