O Reinado do Espírito ~
(15 de Dezembro de 1918)
Os frutos ilusórios e venenosos do materialismo (i) podiam ser encontrados, antes da guerra, por todos os lados à volta de nós, tanto na
política como na literatura e nos costumes. Foi necessário o terrível choque
dos acontecimentos para que viessem à luz as heróicas qualidades do país, que
estavam mergulhadas numa espessa camada de interesses e de paixões egoístas.
Agora, terminada a tempestade, os frutos venenosos não
terão desaparecido, de todo e, é de temer que o conflito de interesses e as
lutas de classes, a acção surda e violenta das paixões prossigam e ainda
tenhamos outros sofrimentos e outras provas para sofrer.
A solução para tudo isso consiste principalmente na
procura e na aplicação de um ideal nobre,
que ajudará o homem a levantar os olhos e os seus pensamentos acima das
ambições terrenas.
Um país só é grande pela ideia que
ele representa e não há ideia mais nobre que a do progresso individual e
colectivo, a elevação de cada um de nós para esses píncaros eternos que são a
sabedoria, a justiça e o amor. Nada mais belo que a colaboração crescente na
obra do progresso universal.
Entretanto, como interessar os homens por esse ideal,
quando já houve pastores cruéis que, durante longo tempo, os mantiveram
na ignorância de sua natureza e do seu importante papel?
A tarefa será longa, trabalhosa e difícil, mas não há
outra maneira de despertar uma vida espiritual elevada e pura, de fazer reinar o
espírito sobre a matéria.
Faz 20 ou 30 anos que uma poderosa
corrente encaminha os povos para uma democracia socialista, mas para que ela
seja fecunda deverá realizar o reinado do espírito, respeitando a liberdade pessoal,
que é sagrada, que é o próprio garante de nossa autonomia e cuja luz deve
permanecer sempre nas nossas almas. Se houvesse um constrangimento, uma
violência, se se espezinhasse a liberdade individual, o Socialismo seria
simplesmente uma forma de despotismo e chegaria aos piores excessos.
Na Rússia temos o exemplo disso; a revolução, no
início, era inspirada em sentimentos generosos, porém, pela opressão, caiu no
abismo, transformando-se numa forma de anarquia e pilhagem.
O socialismo igualitário estaria no
caminho errado, como já demonstramos noutros artigos, a igualdade não reside na
natureza nem pode sobreviver na sociedade. A nivelação, por baixo, como pensam
certos utópicos e, a igualdade imposta pela
força iriam suprimir as capacidades, isto é, todas as forças intelectuais
chegariam ao reinado universal da mediocridade, ao fracasso da arte e da
ciência, constituindo-se num retrocesso à barbárie.
O socialismo materialista esqueceu uma coisa
importante: que a alma humana necessita de esperança e
fé, como o corpo precisa de alimentos.
A democracia deve ser uma solidariedade estreita e
fraterna entre todos; um esforço comum para o melhor, uma dedicação para nos
elevarmos a uma vida mais digna e mais alta. Em tais condições, a democracia representaria
um valor de ordem moral e teria a sua sede nas
consciências.
Quanto ao ponto de vista dos interesses, a paz social
só se adquire pelos sacrifícios voluntários daqueles que possuem os bens e
pelas reivindicações justas e equitativas dos que, nada tendo, colaboram para
estabelecer a riqueza pública. O socialismo não deve ser inspirado no ódio das
classes, mas na simpatia e na benevolência. O ódio só gera ódio, que só pode
ser vencido pelo amor.
Entretanto, para se alcançar esse alvo,
todo o conjunto das leis e das instituições políticas serão impotentes. Não
basta que se dirijam à inteligência e à razão; é preciso que atinjam,
principalmente, o coração dos
homens, dele suprimindo o egoísmo, a inveja e o espírito de dominação.
Só existe possibilidade de triunfo pela divulgação de
uma grande doutrina, alicerçada em provas concretas, que ensine a todos o
dever, a responsabilidade moral, iluminando o caminho do porvir. Somente assim
os conflitos terminarão e um melhor destino se preparará para a humanidade.
Onde encontrar os obreiros para tal transformação, os
colaboradores para o reerguer espiritual e moral de nossa pátria? Iremos
encontrá-los entre os homens que, há 20 anos, prosseguem no poder? Quem os
conhece bem garante que não, salvo raras excepções.
A democracia deve ser conduzida por mãos honestas e
puras e não por materialistas amantes do gozo, descuidados das leis superiores
e do destino que o Além lhes reserva.
Talvez seja necessário aguardar a chegada
de outra geração, o advento de novos homens
que, rompendo as estruturas dos velhos partidos, instituam uma situação
mais condizente com
o verdadeiro objectivo da vida e com as normas do progresso humano.
De qualquer forma, já o afirmamos, cabe ao Espiritismo desempenhar
um grande papel, podendo, confiante, encarar o futuro, oferecendo desde já
supremas consolações e incalculáveis esperanças para todos os corações
sofredores.
O Espiritismo amplia a comunhão com o
invisível e, ao mesmo tempo, a torna mais real e mais forte. Por meio das
faculdades mediúnicas e das revelações concordantes dos
espíritos, conhecemos muito melhor as condições da existência no mundo
espiritual. Os laços de amizade e de solidariedade que nos ligam aos mortos se
ampliam e as duas formas de vida, a visível e a invisível, se juntam numa
poderosa unidade. Todos os que praticam o diálogo com os seus queridos entes
desaparecidos (e o seu número é grande) sabem quanta ajuda e quantos elementos
de renovação as relações com o além-túmulo introduzem na nossa mente e na nossa
consciência.
Os horizontes de nossa vida ampliam-se, reduzindo-se
as coisas da Terra às suas justas proporções. Aprendemos a nos desinteressar de
tudo o que é fútil e vão, colocando o nosso alvo na conquista de bens
espirituais indestrutíveis.
A cooperação e a vida em comum com os nossos entes
invisíveis é qual um banho fluídico onde as nossas almas se retemperam e
robustecem.
Os nossos actos, os nossos pensamentos e as nossas
percepções se modificam profundamente; a morte, por exemplo, perde todo o seu
carácter fúnebre; todo o aparato de pavor com que as religiões,
propositadamente, a envolveram desmorona e se esfuma.
A morte passa a ser um retorno para a
verdadeira vida, vida radiante e livre do espírito que não cometeu erros. É
o descanso para o pesquisador fatigado e o refúgio de quantos sofreram e
lutaram.
O hábito de conversarmos com os nossos
amigos do Espaço e a ideia de que eles estão muitas vezes a nosso lado,
falando-nos, ouvindo-nos e interessando-se pelos nossos labores, obrigam-nos a
vigiar melhor os nossos actos. À medida que nos adiantamos sob as suas
inspirações, a nossa compreensão da vida espiritual se torna mais profunda, o
dever fica mais fácil de cumprir e o fardo das provações fica menos pesado.
Aprendemos a nos libertar de mil submissões
materiais, livrando-nos das ambições doentias, dos ciúmes mesquinhos e de tudo
quanto separe e desgrace os homens.
Nas situações trágicas que atravessamos, o
intercâmbio entre a Terra e o Céu, entre os vivos e os mortos, assume aspecto
grandioso e consegue uma extensão e uma intensidade incalculáveis. As almas dos
heróis que tombaram na defesa da pátria e de todos quantos ofereceram a vida em
sacrifício para que o solo da França não fosse escravizado, a incomparável
multidão desses espíritos que, nos seus voos de glória, pairam sobre as nossas
cabeças, todos se associam aos nossos esforços, às nossas dores e ao nosso
pranto.
Não se trata de um caso isolado o de Raymond
Lodge; por todos os lados as manifestações similares se multiplicam. Assim
que acaba o período de perturbação, que acontece depois das mortes violentas,
todos esses espíritos só têm um pensamento: ajudar os nossos soldados na luta
gloriosa em que estão empenhados, exaltando-lhes o
ânimo e sustentando-lhes o ardor impetuoso até que o inimigo seja repelido para
lá das nossas fronteiras.
No momento actual, os médiuns videntes podem admirar esse espectáculo
impressionante das duas humanidades que se juntam num esforço supremo para
salvar a França e o mundo dos dolorosos ataques da águia germânica. E esse
grande movimento não se extinguirá quando a guerra terminar, porque as forças
espirituais que estão em actividade continuarão a intervir, já não numa luta
armada, mas para levar por diante a obra pacificadora e restauradora por
excelência.
Pelos seus abusos e excessos, a humanidade
criou, fluidicamente, à sua volta, um círculo fatal que só poderia ser rompido
por um choque violento. Em vez de reconhecer os seus próprios erros como a
causa principal dos males que suportava, em lugar de procurar os remédios para
esses males no estudo e na prática das
leis eternas, a humanidade se agarrou ao sensualismo e à negação. E o choque se
produziu! – o choque que quebrou muitos egoísmos e destruiu muitas
prevenções e rotinas; que tirou do homem antigo a roupagem do seu
orgulho, possibilitando o seu entendimento das coisas divinas.
Agora, as reformas e os melhoramentos
individuais e sociais que não foram realizados na paz e na tranquilidade terão
que ser executados na provação e na dor.
Todos os que se opunham ao progresso do
pensamento e à evolução moral irão desaparecer. Entre
nós, encarnarão espíritos elevados para a realização dos desígnios
espirituais. Um poderoso sopro passará sobre o mundo. Os habitantes da Terra,
unidos aos habitantes do Espaço, trabalharão juntos a fim de preparar dias mais
prósperos no nosso atrasado planeta.
Penso ser meu dever acrescentar o meu
testemunho pessoal às considerações anteriores. – No meu
contacto constante com os invisíveis, obtive inspirações e as forças
necessárias para realizar o que pude fazer de útil e bom no curso desta vida, que
já declina e se acaba. A colaboração dos nobres espíritos do Espaço me
proporcionou os principais elementos da minha obra de divulgação.
Nesses contactos diários, consegui muitas provas
de identidade, a minha fé e a minha confiança aumentaram, ao mesmo tempo em que
se iluminava a minha vida interior. Acostumei-me a me desprender das
superficialidades do mundo, colocando os meus afectos e o meu objectivo no
Além.
A idade já chegou, trazendo consigo o seu cortejo
de enfermidades; os meus meios de acção se debilitam e um sombrio véu se
estende sobre os meus olhos.
Perdi a excelente médium por meio da qual me comunicava com os meus
guias e protectores invisíveis, mas sinto-os constantemente à minha volta e
ainda lhes percebo as irradiações dos pensamentos e dos fluidos.
De agora em diante, nada mais desejo do que me
juntar a eles, quando Deus quiser, para viver com eles na paz serena do Espaço
e na divina harmonia das almas e dos mundos!
/…
Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXI O
Reinado do Espírito, 15 de Dezembro de 1918, 36º fragmento da obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no
dia de Natal durante a primeira guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo informal
entre soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana,
trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)
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