Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Diálogos de Kardec ~


§ Introdução ao estudo da fotografia e da telegrafia do pensamento 

É um facto incontestável, que existe uma acção fisiológica, de um indivíduo ao outro, com ou sem contacto físico. Semelhante acção, evidentemente, só pode dar-se através de um agente intermediário, do qual o nosso corpo apenas é o reservatório e, os nossos olhos e os nossos dedos, são os principais órgãos de emissão e de direcção. Esse agente, invisível, é necessariamente um fluido. Quais são a sua natureza e a sua essência? Quais são as suas propriedades íntimas? Serão um fluido especial, uma modificação eléctrica, ou de algum outro fluido conhecido? Não serão antes, o que chamamos hoje de fluido cósmico, quando se encontra disperso na atmosfera e, fluido perispirítico, quando se encontra individualizado? 

Esta questão, aliás, é secundária. 

O fluido perispirítico é imponderável, como a luz, a electricidade e a força calórica. É-nos invisível, no nosso estado normal e, somente se revela pelos seus efeitos. 

Torna-se, porém, visível a quem se encontre no estado de sonambulismo lúcido e, mesmo, no estado de vigília, às pessoas dotadas de dupla vista. No estado de emissão, ele se apresenta sob a forma de feixes luminosos, muito semelhante à luz eléctrica difundida no vácuo. A isso, em suma, se limita a sua analogia com este último fluido, porquanto não produz, pelo menos ostensivamente, nenhum dos fenómenos físicos que conhecemos. No estado ordinário, denota matizes diversos, conforme os indivíduos que o emitem: ora vermelho fraco, ora azulado, ou acinzentado, qual ligeira bruma. As mais das vezes, espalha sobre os corpos circundantes uma coloração amarelada, mais ou menos forte.

Sobre esta questão, são idênticos os relatos dos sonâmbulos e dos videntes. Teremos ainda ocasião de tratar disso, quando falarmos das qualidades que ao fluido imprimem, o móbil que o põe em movimento e o adiantamento do indivíduo que o emite.

Nenhum corpo lhe opõe obstáculo; ele os penetra e atravessa a todos. Até agora nenhum se conhece que seja capaz de o isolar. Somente a vontade lhe pode ampliar ou restringir a acção. A vontade, com efeito, é o seu mais poderoso princípio. Pela vontade, dirigem-se-lhe os eflúvios através do espaço, saturam-se dele alguns objectos, ou faz-se que ele se retire dos lugares onde exista em excesso. Digamos, de passagem, que é neste princípio que se funda a força magnética. Parece, enfim, que ele é o veículo da vista psíquica, como o fluido luminoso o é da vista ordinária. 

O fluido cósmico, conquanto emane de uma fonte universal, individualiza-se, por assim dizer, em cada ser e adquire propriedades características, que permitem distingui-lo de todos os outros. Nem mesmo a morte apaga esses caracteres de individualização, que persistem por longos anos após a cessação da vida, coisa de que já temos podido convencer-nos. Cada um de nós tem, pois, o seu fluido próprio, que o envolve e acompanha em todos os movimentos, como a atmosfera acompanha cada planeta. É muito variável a extensão da irradiação dessas atmosferas individuais. Encontrando-se o Espírito em estado de absoluto repouso, pode essa irradiação ficar circunscrita nos limites de alguns passos; mas, em função da vontade, pode alcançar distâncias infinitas. A vontade como que dilata o fluido, do mesmo modo que o calor dilata os gases. As diferentes atmosferas individuais se entrecruzam e misturam, sem jamais se confundirem, exactamente como as ondas sonoras que se conservam distintas, a despeito da imensidade de sons que simultaneamente fazem vibrar o ar. Pode, por conseguinte, dizer-se que cada indivíduo é o centro de uma onda fluídica, cuja extensão se encontra em relação com a força de vontade, do mesmo modo que cada ponto vibrante é o centro de uma onda sonora, cuja extensão está na razão propulsora do fluido, como o choque é a causa de vibração do ar e propulsora das ondas sonoras. 

Das qualidades peculiares a cada fluido resulta uma espécie de harmonia ou desacordo entre eles, uma tendência a se unirem ou evitarem, uma atracção ou uma repulsão, numa palavra: as simpatias ou antipatias que se experimentam, muitas vezes sem manifestas causas determinantes. Se nos colocamos na esfera de actividade de um indivíduo, a sua presença não raro se nos revela pela impressão agradável ou desagradável que nos produz o seu fluido. Se estamos entre pessoas de cujos sentimentos não partilhamos, cujos fluidos não se harmonizam com os nossos, penosa reacção entra a oprimir-nos e sentimo-nos ali como nota dissonante num concerto! Se, ao contrário, muitos indivíduos se encontram reunidos em comunhão de vistas e de intenções, os sentimentos de cada um se exaltam na mesma proporção da massa das forças actuantes. Quem não conhece a força de arrastamento que domina as aglomerações onde há homogeneidade de pensamentos e de vontades? Ninguém pode imaginar a quantas influências estamos assim submetidos, à nossa revelia. 

Não podem essas influências ser a causa determinante de certas ideias, dessas ideias que em dado momento se nos tornam comuns e a outras pessoas, desses pressentimentos que nos levam a dizer: paira alguma coisa no ar, pressagiando tal ou tal acontecimento? Enfim, certas sensações indefiníveis de bem-estar ou de mal-estar moral, de alegria ou tristeza, não serão efeitos da reacção do meio fluídico em que nos encontramos, dos eflúvios simpáticos ou antipáticos que recebemos e que nos envolvem como as emanações de um corpo odorífico? Não podemos pronunciar-nos afirmativamente, de modo absoluto, sobre essas questões, mas é forçoso convir, pelo menos, em que a teoria do fluido cósmico, individualizado em cada ser sob o nome de fluido perispirítico, abre um campo inteiramente novo para a solução de uma imensidade de problemas até agora insolúveis. 

No seu movimento de translação, cada um de nós leva consigo a sua atmosfera fluídica, como o caracol leva a sua casa; esse fluido, porém, deixa vestígios na sua passagem; deixa como que um sulco luminoso, inacessível aos nossos sentidos, no estado de vigília, mas que serve para que os sonâmbulos, os videntes e os Espíritos desencarnados reconstituam os factos ocorridos e lhe examinem o móbil que os ocasionou. 

Toda a acção física ou moral, patente ou oculta, de um ser sobre si mesmo, ou sobre outro, pressupõe, de um lado, uma força actuante e, de outro, uma sensibilidade passiva

Em todas as coisas, duas forças iguais se neutralizam e a fraqueza cede à força. Ora, não sendo todos os homens dotados da mesma energia fluídica, ou, por outra, não tendo o fluido perispirítico, em todos, a mesma potência activa, explicado fica por que, nuns, essa potência é quase irresistível, ao passo que, noutros, é nula; porque algumas pessoas são muito acessíveis à sua acção, enquanto que outras lhe são refractárias. 

Essa superioridade e essa inferioridade relativas dependem evidentemente do organismo; mas, seria erro acreditar-se que estão na razão directa da força ou da fraqueza física. A experiência prova que os homens mais robustos às vezes sofrem as influências fluídicas mais facilmente do que outros de constituição muito mais delicada, ao passo que com frequência se descobrem entre estes últimos uma força que a frágil aparência deles não permitiria se suspeitasse. De muitas formas se pode explicar essa diversidade no modo de agir. 

O poder fluídico aplicado à acção recíproca dos homens uns sobre os outros, isto é, ao Magnetismo, pode depender: 1º da quantidade de fluido que cada um possua; 2º da natureza intrínseca do fluido de cada um, abstracção feita da quantidade; 3º do grau de energia da força impulsiva; porventura, até, dessas três causas reunidas. Na primeira hipótese, aquele que tem mais fluido dá-lo-ia ao que tem menos, recebendo-o deste em menor quantidade. Haveria nesse caso analogia perfeita com a permuta de calor entre dois corpos que se colocam em equilíbrio de temperatura. Qualquer que seja a causa daquela diferença, podemos aperceber-nos do efeito que ela produz, imaginando três pessoas cujo poder representaremos pelos números 10, 5 e 1. O 10 agirá sobre o 5 e sobre o 1, porém mais energicamente sobre o 1 do que sobre o 5; este actuará sobre o 1 mas será impotente para actuar sobre o 10; o 1, finalmente, não actuará sobre nenhum dos dois outros. Será essa talvez a razão por que certos pacientes são sensíveis à acção de tal magnetizador e insensíveis à de outro. 

Podemos também, até certo ponto, explicar esse fenómeno, apoiados nas considerações precedentes. Dissemos, com efeito, que os fluídos individuais são simpáticos ou antipáticos, uns com relação aos outros. Ora, não poderia dar-se que a acção recíproca de dois indivíduos estivesse na razão da simpatia dos fluidos, isto é, da tendência destes a se confundirem por uma espécie de harmonia, como as ondas sonoras produzidas pelos corpos vibrantes? Indubitavelmente essa harmonia ou simpatia dos fluidos é uma condição, ainda que não indispensável em absoluto, pelo menos muito preponderante e, quando há desacordo ou antipatia, a acção não pode deixar de ser fraca, ou, até, nula. Este sistema explica bem as condições prévias da acção; mas, não diz de que lado está a força e, admitindo-o, somos forçados a recorrer à nossa primeira suposição. 

Em suma, que o fenómeno se dê por uma ou outra dessas causas, isso não leva a nenhuma consequência. O facto existe; é o essencial. Os da luz se explicam igualmente pela teoria da emissão e pela das ondulações; os da electricidade, pelos fluidos positivo e negativo, vítreo e resinoso. No próximo estudo, apoiando-nos nas considerações que temos exposto, procuraremos definir o que entendemos por fotografia e telegrafia do pensamento. 

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ALLAN KARDEC, OBRAS Póstumas, Primeira Parte, Manifestação dos Espíritos, – Introdução ao estudo da fotografia e da telegrafia do pensamento, 16º fragmento solto desta obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

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