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sábado, 17 de dezembro de 2022

O Homem e a Sociedade ~


O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo Dialéctico 
(III de III) 

  O que os materialistas dialécticos não deveriam ignorar é que o conceito de movimento traz como consequência um conceito idealista da natureza, quando se reconhece o movimento como a origem das formas. 

  O movimento levará sempre a um espiritualismo dinâmico, o que nos faz reconhecer que o materialismo histórico, para permanecer como um verdadeiro materialismo, não devia adoptar a dialéctica de Hegel, já que ela, queira-se ou não, desembocará numa concepção idealista do homem da vida. A filosofia espírita apresenta ao materialismo dialéctico uma interpretação nova do espírito, baseada na teoria do perispírito, mediante a qual demonstra a substancialidade do Ser e da Ideia, antes considerados como puras abstracções. Por isso, disse Gustave Geley: "A noção do perispírito suprime a grave objecção, feita continuamente ao espiritualismo, quanto à dificuldade de conceber a própria alma sem nenhuma forma definida.” 

  Com a teoria do perispírito, o movimento, como as formas materiais, resultam numa consequência da vida Universal. Com ela aparece uma teleologia do Ser, sendo a dialéctica a causa da expansão psíquica dos seres e, o perispírito o receptor da força e da inteligência. O materialismo dialéctico não conseguiu nunca explicar como se produz na mente do indivíduo a pantomnésia, isto é, a conservação da individualidade e das recordações. Porque, se o processo dialéctico é também mental, em virtude de que princípios a memória regista as impressões do mundo exterior e permanece inalterável à consciência do indivíduo? Além disso, que essência misteriosa protege o pensamento, se o movimento o renova totalmente e tudo é e não é ao mesmo tempo? Por que, se ninguém se banhará duas vezes no mesmo rio, a inteligência continua sendo a mesma, sem esquecer as suas aquisições e conhecimentos? Numa palavra, quem preserva a coesão individual e a memória, se tudo está exposto ao processo dialéctico? 

  Eis aqui, pois, os pontos capitais a que o materialismo histórico deverá responder. 

  O espiritismo pode solucionar o problema, dizendo que o Ser espiritual se mantém inalterável no meio do processo dialéctico, devido ao perispírito, no qual se resumem toda a sua inteligência e a sua individualidade. O Ser, com efeito, sustenta-se no perispírito, órgão que não pode ser alterado pelas leis do movimento dialéctico. Como veremos, esta interpretação do homem sobrepuja completamente a interpretação materialista da história. Assim, já não é somente o factor económico que determina as condições políticas, artísticas, religiosas e, outras da sociedade, pois nelas intervêm também os elementos espirituais. Porque, se a vida espiritual do homem dependesse exclusivamente dos modos de produção, não existiriam espíritos com sentido de justiça: a inteligência estaria ao nível das formas imperfeitas da sociedade. 

  Não obstante, as formas capitalista e socialista são a consequência de estados de consciência, respondendo a dois graus de evolução intelectual e mental do indivíduo. Estes dois graus de evolução deveriam explicar-se pelo estado moral do perispírito, base de todas as sensações do Ser e, pelo maior desenvolvimento palingenésico do homem. Se é certo que os modos de produção aperfeiçoam e ampliam a técnica, vemos, entretanto, que os referidos factores são incapazes de criar no organismo humano novos membros, que o indivíduo pudesse utilizar em seu proveito. Esta impotência dos modos de produção permite à filosofia espírita estabelecer a seguinte conclusão: 

  Se a mão foi o primeiro instrumento do qual se valeu o homem, na sua luta pela existência, este mesmo facto nos indica que é sempre a Ideia, ou o Espírito, que rege a realidade objectiva, por intermédio de um órgão material. 

  E a isto, para sermos mais explícitos, devemos acrescentar que não foram as forças produtivas da economia que desenvolveram as mãos no indivíduo, mas o próprio poder de materialização do Ser, já que os modos de produção em nada alteraram as formas anatómicas do homem. Podemos dizer que as formas orgânicas do indivíduo não foram tocadas pelo processo dialéctico da economia, o que nos mostra a existência, na natureza humana, de um princípio psíquico que não poderá ser alterado por nenhuma espécie de influência exteriores. 

  O desenvolvimento ou aparição de asas nas espécies voláteis não tem origem de carácter económico, mas corresponde apenas a uma finalidade do perispírito (i) desses seres. O aparecimento das faculdades metapsíquicas na espécie humana não se deve tampouco a qualquer tipo de determinismo económico. O seu desenvolvimento corresponde a factores espirituais que o homem traz em si mesmo, e que irão aumentando à medida que ele avance através do processo palingenésico. 

  Entretanto, os factores económicos são elementos que podem influir indirectamente sobre o desenvolvimento metapsíquico do homem. Por isso, no seu aspecto social, a filosofia espírita revela um sentido nitidamente socialista. Um povo economicamente pobre não poderá desenvolver com facilidade o sentido psíquico da vida espiritual; não terá oportunidade para isso, visto que a pobreza sempre engendra o raquitismo. O desenvolvimento de qualquer faculdade metapsíquica nos homens e nos povos requer a organização de uma sociedade próspera, no sentido económico; as nações pacíficas e felizes são as que mais prontamente se aproximam das realidades do mundo invisível. 

  O materialismo dialéctico deverá reconhecer que a vida do homem tem uma finalidade transcendental. Desse modo poderia conter, como parece desejar, os erros do existencialismo. Porque, se o homem e o cidadão, a sociedade e a história, não possuem uma suprema teleologia espiritualde nada valerá o esforço para instituir na Terra uma sociedade sem classes. Se o homem, repetimos, é um Ser para a morte e para o nada, como o admite o existencialismo ateu, pouco importa que existam ou não classes exploradoras, pois tudo há de terminar na gélida noite do sepulcro. Em compensação, se o Ser é uma individualidade espiritual para a vida eterna, poderão justificar-se as diversas lutas em prol de uma sociedade justa e perfeita. (1) 

  A filosofia espírita, que experimentalmente pode provar a existência imortal do Espírito, é uma vigorosa ideologia que poderá inspirar todo o homem que se sacrifique pelo bem e pela igualdade. Se o materialismo dialéctico quer enveredar por este novo caminho da filosofia e da ciência, deverá espiritualizar as suas conclusões e reconhecer que, nos diversos processos da evolução, todo o princípio material tem o seu espírito e, todo o princípio espiritual tem a sua matéria. Desta aproximação entre o material e o espiritual surgirá a mais extraordinária das revoluções, que dignificará o homem, como em nenhum outro período da história. 

 /… 
(1) Os materialistas lutam estoicamente por um futuro que nega o seu objectivismo e os coloca no plano do idealismo. Mariotti acentua essa contradição, dialecticamente resolvida pelo espiritismo. (Nota de José Herculano Pires). 


Humberto MariottiO Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (III de III), 10º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

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