(IV)
A nacionalidade, o clima, a natureza dos alimentos, a
educação, não bastam para constituir caracteres inteligentes e indómitos! No carácter humano a energia é, realmente, poder
central, o eixo da roda, o centro de gravidade. Só ela dá impulsão aos actos.
Essa força mental é a própria base e a condição de toda a esperança
legítima e, se é verdade que a esperança é o perfume da vida; o poder mental
há-de ser a raiz dessa planta preciosa.
Ainda mesmo que as esperanças se desvaneçam e a
criatura sucumba nos seus esforços, resta-lhe a satisfação de haver trabalhado
para vencer e, sobretudo, que, longe de ser escrava da matéria, se manteve fiel
às regras, por vezes árduas, que a honestidade impõe. Haverá espectáculo mais
belo e digno de elogios que o de um homem a lutar energicamente com a sorte, a
demonstrar que lhe palpita no seio uma força imperecível, a triunfar pela
grandeza de carácter e a prosseguir corajoso e resoluto, ainda “quando lhe
fraquejam as pernas e sangram os pés”?
Em sentido menos generalizado que o destes grandes
factos precedentes, temos visto exemplos particulares de vontades poderosas a
realizar milagres. Os nossos desejos são, muitas vezes, os precursores da
capacidade de realização, bastando intensificá-los para que a possibilidade se
resolva na realidade.
Se de um lado as vontades de um Napoleão e
de um Richelieu riscam dos dicionários a palavra impossível,
por outro existem os vacilantes, a quem nada se afigura possível.
“Saiba querer energicamente – dizia Lamennais a um espírito enfermo –, fixe a
sua vida flutuante e não se deixe levar por todos os ventos, qual folha murcha
desgarrada do tronco.”
Pessoalmente, temos conhecido criaturas exaltadas,
que, depois de terem estado com um pé na sepultura, recuaram de espanto
perante o esplendor da vida que pretendiam abandonar e resolveram
conservá-la. Estes exemplos são raros, por só serem possíveis quando o corpo não
esteja tocado pela mão da morte. E, no entanto, existem. Um escritor
inglês, Walker, autor de O Original (e que não
deixa de revelar uma certa originalidade na sua determinação) resolveu um dia
vencer a enfermidade que o acabrunhava, conseguindo admiração dali por diante.
Os fastos militares oferecem-nos o exemplo de vários
chefes que, velhos ou doentes, logo que ouvindo no momento decisivo da batalha
que os seus comandados desertavam, se atiravam para fora da tenda, assim se
reuniam e conduziam à vitória, para logo depois tombarem exaustos e exalarem o
último suspiro.
Não somente a vontade, mas também a imaginação domina
a matéria, contradiz o testemunho dos sentidos e origina, às vezes, ilusões
absolutamente alheias ao domínio físico.
Expliquem-nos como pode morrer um homem quando, com
uma simples picada, os médicos lhe sugerem que o sangue
escorre da veia rasgada. (Este e outros factos estão judicialmente
averiguados.) Que nos expliquem como a imaginação cria um mundo de quimeras, que
actuam activamente no organismo e se reflectem na saúde.
Ao demais, tão forte e autónoma é a vontade, que
as influências ambientes tão precárias se afirmam, para explicar a marcha da
vida intelectual, que, a maior parte das vezes, não a atrapalham e, ao
contrário, nos induzem a proceder com energia tanto maior, quanto mais
prementes são os obstáculos que se nos deparam. Todos quantos se votam
a tarefas intelectuais dirão connosco que a fase em que mais operaram na sua
carreira foi precisamente a de maiores dificuldades na vida prática e
que a vontade é qual os rios que seguem destruindo e vencendo os acidentes do
seu curso, não obedecem a barragens e até se encrespam e se precipitam mais
impetuosos, quanto mais sólida e alta é a muralha que se lhes opõe. Quando o
sucesso e a glória vêm coroar os nossos trabalhos e após uma faina longamente
sustentada a reacção vem convidar-nos ao repouso, nele nos deixamos efeminar
pelas delícias
de Cápua e já o fogo da inspiração não nos acende auroras na mente. O
trabalho pessoal da vontade é condição sine qua non do nosso
progresso.
Na polémica acerca da existência da vontade, a
questão muito longa e inutilmente contestada, do livre-arbítrio,
não pode ficar sem o seu ponto de interrogação. Os adversários negam-no-lo
absolutamente e proclamam, como vimos e suficientemente comentámos, que todas
as realizações humanas são o resultado necessário de causas ou oportunidades
emergentes à revelia da reflexão, sem que esta lhes possa mudar o
curso. O pensamento não é mais que o movimento físico da substância cerebral.
Esse movimento procede do sistema nervoso, afectado, a seu turno, por um
movimento exterior.
O movimento pensante, por sua vez, reage sobre
os nervos e os músculos e determina os actos. Em toda esta sucessão não há
movimentos materiais transmitidos. Eu imagino de bom grado o encontro
de um cristão com um discípulo de Holbach no
sótão de um desses ateliês, cujas portadas se protegem com a clássica
estatueta de Hipócrates travando o seguinte diálogo:
– É facílimo demonstrar que o pensamento é
produto da matéria – dirá o holbaquiano –.
Eis, por exemplo, uma locomotiva que se precipita veloz ao vosso encontro. A
visão da locomotiva ou, para falar fisicamente, o raio luminoso partido dessa
máquina atinge o vosso globo ocular e provoca um dado movimento distensivo do
nervo óptico... Por intermédio desse mesmo nervo o movimento se transmite ao
cérebro. Depois, o movimento cerebral, tornando-se causal, por sua vez acciona
os nervos correspondentes às pernas e estas começam a correr e a levar-vos para
fora da linha. É evidente, pois, que em tudo isto não utilizas uma partícula de
liberdade qualquer. A vossa atitude deriva, necessariamente, da impressão
visual da locomotiva.
– Mas, perdão – retorquirá o outro – e, se eu,
por um capricho de suicida, aliás comum, tivesse deliberado permanecer na linha
até que a locomotiva me esmagasse? Não praticaria dessarte um acto voluntário e
de livre-arbítrio?
– Absolutamente. A não ser que houvesse
enlouquecido e tivésseis premeditado e maturado o plano do suicídio, nem por
isso ele deixaria de ser o resultado de causas predispostas e,
portanto, involuntário.
– Admitamos que assim seja, quanto ao momento
decisivo, uma vez que matar-se a gente sem motivo seria imbecil. Mas, pergunto
ainda: quanto ao género de morte, não poderia escolher a corda, o veneno, a
queda de uma torre, a bala, etc., em vez de me atravessar na linha
férrea? Não terei, pelo menos, a liberdade de opção?
– Desenganai-vos. Se vos decidirdes pelo
esmagamento, será porque existe próximo uma linha-férrea; ou por imaginardes
ser esse um processo mais rápido, menos doloroso; ou por vos repugnarem outros
géneros de morte, etc.
– Mas, de qualquer forma, sempre se conclui que
escolhe...
– Jamais! É que uns tantos movimentos se
operaram no órgão da reflexão. Seria um causado pelo aspecto de uma força, o
outro pelo necrotério; pela imagem de um crânio partido, pela hipótese de um
tiro falhado, das angústias da asfixia e assim por diante. O movimento
correspondente ao esmagamento pelo comboio seria, então, o que se afigurava
menos desagradável e, dominando os demais, decidiria da vossa sorte.
– Mas, se eu tivesse, por exemplo, conflitos com
um irmão e, em lugar de postar-me na linha, fosse, por determinação dos
movimentos correspondentes a tais agravos, levado a atirar sob as rodas
do comboio o corpo do meu irmão, tinha ou não a liberdade de o fazer? Seria
responsável, ou não?
– Não entremos em tricas jurídicas...
– Pois muito bem: voltando ao nosso suicídio,
dissestes que eu teria escolhido um género de morte determinado por uma causa
qualquer. Ora, isso é claro, pois de outro modo, para falar com franqueza, escolher
sem uma causa determinante, é estúpido. Mas, como podem tais causas actuar materialmente?
– Por um revés de sorte perdeis a tranquilidade
e o bem-estar. Habituado à fartura e a todos os regalos do corpo e do espírito,
encontrais-vos de chofre na maior miséria. O constrangimento, as restrições do
vosso organismo, a alteração de hábitos, actuam sobre o cérebro, que, perante a
perspectiva de morte lenta e miserável, decide antecipá-la desde logo. São
sempre, como vedes, movimentos físicos.
– Mas... se forem desgostos de família,
decepções amorosas, medo da desonra, causas de ordem moral, em suma?
– Não existe ordem moral.
– Já esperávamos por essa. E é assim que
pretendeis nada afirmar sem provas? É assim que presumis interpretar fielmente
o ensino da Ciência? Tomemos um último exemplo, vede bem! Eis aqui, em
descanso, a minha mão direita; nada me obriga a erguê-la... Agora, contudo,
quero fazê-lo e o faço... Agi livremente, ou não?
– Não. Houve uma razão determinante, como a de
provar o vosso arbítrio e suscitada pela vossa conversa anterior. Esta, por sua
vez, originando-se de factos precedentes, desde que nascestes. A vida mental,
como a material, ou para melhor dizer – única, não passa de uma sucessão
necessária de causas e efeitos a se entrosarem naturalmente.
– Vede ainda: tenho a mão suspensa. Agora,
imaginai que a movimento num círculo e a espalmo, chapada, na vossa cara.
Tendes uma sensação de ardor, exaltamento imediato e já ruborizado, gritareis:
que é isso? Mas, antes que possais reagir de facto, digo-vos:
– De que vos admirais? Então, este
sopapo não é consequência inevitável do movimento da mão, da fantasia desse
lóbulo que opera acima do ouvido, junto das zonas protectoras da
apófise mastóidea e da sutura occipto-parietal, etc.? E tal não se dá, de
sucessão em sucessão, desde os primórdios do mundo?
– Caro senhor, tendes na verdade exemplos
edificantes, que muito me impressionam. Tenho, para mim, que tudo isso não
passa de um movimento em série da dipotasshydorylhydroxamina no vosso lóbulo frontal
e dado que, em consequência desses movimentos, tomásseis de uma faca para me
esfolar vivo, seria cómico que me formalizasse. Mas, para encerrar a questão,
uma vez que preciso retirar-me, dizei-me: – não pensais com Espinoza que
a nossa pretensa liberdade não passa de aparência e que, “tendo consciência dos
nossos actos, nem por isso lhes conhecemos a causa?”. Não admitis, com Hurne, que o
“homem tem consciência, não do princípio dos seus actos, mas tão somente dos
actos em si, apenas como fenómenos”? Todo o movimento cerebral nos vem do
exterior, pelos sentidos e a excitação do cérebro; o pensamento é um fenómeno material,
como o próprio pensamento. A vontade é a expressão necessária de um estado
cerebral produzido por influências exteriores. Não há vontade livre; não há
concretização de vontade independente da soma de influências que a todo o
momento inspiram o homem e lhe impõem, ainda, os mais poderosos limites
invioláveis”.
Assim falaria, porque assim falam os discípulos
de Holbach.
No parecer deste (ii), “a liberdade não é mais que a necessidade
encerrada dentro de nós. Não há diferença entre o homem que se atira
voluntariamente e o que é atirado de uma sacada abaixo, senão que ao primeiro a
impulsão lhe vem de dentro e ao segundo lhe chega de fora do seu maquinismo”.
Contudo, há casos peremptórios, nos quais
pensamos poder constatar o livre-arbítrio,
como, por exemplo, na atitude de um homem que, possuído de grande sede, repele
dos lábios o copo d'água, logo que lhe dizem que esta contém veneno. Mas, temos
o direito de supor que esse homem assim proceda livremente? A vontade, ou,
melhor, o cérebro se encontra em estado comparável à bola que, recebendo um
impulso em certa direcção, desta se desvia logo que intervenha uma força maior
que a primeira.
Holbach nos
dá uma fórmula aritmética da liberdade: As acções do homem são sempre um misto
de energia própria e dos seres que sobre ele actuam e o modificam (iii).
Respondemos a essa negação integral da
liberdade com uma doutrina que, sem nos investir de um
arbítrio absoluto, uma vez que as influências exteriores actuam constantemente
para atenuar esse absoluto, nem por isso deixa de nos dar uma liberdade real,
uma responsabilidade íntima, um livre-arbítrio incontestável.
O assunto é mais complexo do que parece aos profanos e temos uma permanente
manifestação de sua dificuldade na sucessão secular das crenças religiosas, que
oscilam entre o fatalismo e a graça divina. Maomé arvorou-o
estandarte do fatalismo; Calvino só
vê a predestinação, enquanto Lutero consagra
o livre-arbítrio absoluto. A verdade, pensamos, está entre os extremos. O
número de partes teológicas concernentes à graça divina é incontável e
compreende-se que, nesta época, é tempo perdido para aquele que se emprega
nestas elucubrações. Contudo, é sempre útil saber o que devemos pensar da
liberdade. Nós, pelo menos, assim o consideramos com Spurzheim,
quando a respeito escreveu aquelas páginas sensatas, quando assim pondera o
controverso assunto (iv).
A palavra liberdade é empregada num sentido mais
ou menos lato. Há filósofos que atribuem ao homem uma liberdade ilimitada. A
seu ver, o homem cria, por assim dizer, a sua própria natureza, adquire as
faculdades que deseja e age independente de qualquer lei. Uma tal
liberdade está em contradição com um ser criado. Tudo
quanto possam dizer a seu favor não passará de declamações enfáticas,
desprovidas de senso e de veracidade.
Outros há que admitem uma liberdade absoluta, em
virtude da qual o homem age sem motivo. Isso, porém, é presumir efeito sem
causa, é isentar o homem da lei de causalidade. Seria uma liberdade
contraditória de si mesma, podendo proceder-se no mesmo caso bem ou mal, mas
sempre sem motivo. Inúteis seriam, então, todos os institutos de finalidade
beneficente, individual ou colectiva. De que serviriam as leis, a Religião, as
penalidades e recompensas, se nada determinasse o homem? Por que esperar de
outrem amizade e fidelidade, antes que ódio e perfídia? Promessas, juramentos, votos, tudo ilusão! Uma
tal liberdade nada tem de real, não passa de especulativa e absurda.
Precisamos, ao contrário, reconhecer uma
liberdade concorde com a natureza humana, liberdade que a legislação
pressupõe, liberdade raciocinada.
Três são as condições fundamentais da liberdade
legítima: em primeiro lugar, é preciso que a criatura possa escolher entre os
vários motivos. Seguindo o motivo mais forte, ou agindo só por prazer, já se
não opera com liberdade. O prazer não é mais que uma falsa aparência de
liberdade. A ovelha que mastiga a erva com prazer não está a exercer
um acto livre.
Obedecendo a um desejo mais forte, também o
animal, quanto o homem, não o pratica livremente, tampouco. A condição
principal da liberdade é a inteligência, ou a faculdade de conhecer e escolher
os motivos. Quanto mais activa a inteligência, mais ampla a liberdade. Os
idiotas natos, as crianças até uma certa idade, têm, às vezes, desejos muito
enérgicos, mas ninguém os considera livres, visto não possuírem inteligência
bastante para distinguir o falso do verdadeiro. Os homens melhor educados e os
mais inteligentes são os de quem, mais que dos ignorantes, deploramos as
faltas. À medida que se elevam na série das faculdades intelectivas, os
animais se vão tornando mais livres e modificam mais individualmente os seus
actos, de acordo com as circunstâncias exteriores e com as lições da sua prévia
experiência. Se empregamos a violência para impedir o cão de perseguir
a lebre, ele se lembrará das pancadas que o aguardam e, irascível e trémulo ao império dos próprios desejos,
não deixará de ceder. O homem, superior a todos os seus irmãos da
escala zoológica, é, por sua própria natureza, o ser que goza
de liberdade no grau mais eminente. Só ele procura encadear efeitos e
causas, comparar melhor o presente e o passado e, daí tirar conclusões para o
futuro. Pesa as razões, detém-se nas que lhe parecem preferíveis, conhece a
tradição. O seu raciocínio decide e perfaz a vontade esclarecida, muitas vezes
contrariamente aos seus desejos.
Uma última condição da liberdade é a
influência da volição sobre os instrumentos que devam operar as
suas ordens pessoais. O homem não é responsável pelo desejo ou por faculdades
afectivas dele independentes. A responsabilidade individual começa com
a reflexão e com a possibilidade de proceder voluntariamente. No
estado de saúde os instrumentos operatórios subordinam-se à influência da vontade. A fome
é involuntária, mas, se ao senti-la, eu me abstiver de comer, exerço a
influência da minha vontade sobre os instrumentos do movimento voluntário. A
cólera é involuntária, mas eu não sou forçado a maltratar quem me provoque, só
porque a minha vontade influi nos meus músculos. Perdido o domínio dessa
influência, então sim, o homem já não é livre. É o que amiúde sucede com os
alienados, que experimentam desejos, reconhecem a sua inconveniência, chegam a
maldizê-los, mas não têm a força de restringir os movimentos involuntários,
chegando mesmo, algumas vezes, a pedir que lhos embarguem.
A liberdade moral é a própria base da sociedade e se
ela não passa de ilusão, todo o género humano, tanto as nações incipientes como
as mais civilizadas, que cultivam a Ciência e governam a Matéria, bem como os
povos remotos, toda a Humanidade, – repetimo-lo – ter-se-ia deixado
iludir pelo mais colossal dos erros que ainda existiu, depois de enveredar pela
senda mais falsa e injusta que possamos imaginar. Mas... que dizemos: –
injusta? Neste sistema, essa palavra nada significa e visto que
o bem e o mal não existem; uma vez não haver ordem moral, é claro que todas as
palavras concernentes à descrição dessa ordem, todos os pensamentos e
julgamentos carecem de sentido. E, contudo, a menos que
abstraiamos a própria consciência, não podemos anuir a semelhantes conclusões.
Quaisquer que sejam as conclusões teóricas a que
cheguem os lógicos na questão do livre-arbítrio – dizia Samuel Smiles –, todos
sentimos que somos praticamente livres de escolher entre o bem e o mal. Não
somos o seixo que, lançado na torrente, apenas pode seguir o curso das águas.
Ao contrário, sentimos em nós a força do nadador, que pode escolher a direcção
conveniente, lutar contra a corrente, ir mais ou menos aonde lhe agrada. Nenhum
constrangimento absoluto nos impede a vontade. Sentimos e
sabemos, no concernente aos nossos actos, que não somos encandeados por
qualquer espécie de magia. Todas as nossas aspirações para o bem e para o belo
ficariam paralisadas se pensássemos de modo diferente. Todos os
negócios, a nossa conduta na vida, o regime doméstico, os contractos sociais,
as instituições públicas, tudo, enfim se baseia na noção prática do livre-arbítrio.
E sem ele, onde estaria a responsabilidade? De que serviria ensinar,
aconselhar, predicar, reprimir, punir? Para quê as leis, se não houvesse uma
crença universal como o próprio facto universal, de que dos homens
e da sua determinação depende conformar-se ou não? O homem que melhor evidencia
o seu valor moral é o que se observa a si mesmo, dirige as suas paixões, vive
conforme a regra que se impôs, estuda as suas aptidões e as suas falhas.
Eis, verdadeiramente, o homem: a sua grandeza está na
sua liberdade. Não fora livre o homem, não se lhe permitiria ter fome e sede,
nem comer nem beber; nem senhorear, em coisa alguma, as tendências do seu
corpo. A ordem social não se teria constituído.
/…
(ii) Systéme de la Nature, parte 1ª,
capítulo 1º, página 223. (iii) É claro que sem liberdade não
há moral nem virtude. Depois de falar em “forças soberanas”, “leis
indestrutíveis que constrangem”, o Sr. Taine (i) acrescenta:
Quem se revoltará contra a geometria, principalmente, contra uma geometria viva
– Noutro lanço, pergunta, a propósito de um trecho de Byron (i) sobre
os amores de Haydéa, como se pode deixar de reconhecer a divindade, não apenas
na consciência e no acto, mas no próprio gozo? Quem há que tenha lido os amores
de Haydéa – exclama ele – e experimentasse outro pensamento, que não o de
invejá-la e deplorá-la? Quem pode, à margem das magnificências da Natureza que
os acolhe e lhes sorri, imaginar por eles outra coisa além da sensação que os
une!” Bayle (i) admite,
por outro lado, que vícios e virtudes têm em nós a mesma origem – a força das
paixões. A esse conceito, adita o casta est quam nemo rogavit, etc.
A mulher mais virtuosa é detida, antes pela má reputação, do que pelo fruto
proibido. – Nós nos regozijamos de pensar que a virtude é mais sólida do que
estas teorias. (iv) Essai Phylosophique sur la Nature Morale et Intellectuelle de l’Homme.
Camille Flammarion, Deus na Natureza, Terceira Parte;
(3) A Vontade do Homem (4 de 6), 30º fragmento desta
obra.
(imagem de contextualização: Jungle Tales (Contos da
Selva) 1895, pintura de James
Jebusa Shannon)
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