(II de III)
Mas, para explicar claramente essa lei dialéctica, será
preciso interpretar o Ser como uma tese essencial que, segundo a filosofia
espírita, contém o Universo inteiro e, que começa o seu desenvolvimento no
inconsciente das coisas, até chegar, mais tarde, ao grau de consciência. Este
estado alcançado pela tese do Ser se transformará mais
adiante; no contrário do seu primeiro período evolutivo, isto é, negará a sua
condição anterior ao penetrar na de antítese, que representa uma
etapa mais desenvolvida que a primeira, até se situar na de síntese,
resumo superior dos seus dois tempos primitivos e tudo isso nos dará o
seguinte: O presente é o que não existia ontem, mas esse ontem é
a negação da qual surgiu o hoje; logo, deste hoje resultará a negação
da qual surgirá o amanhã.
Nisto consiste, pois, a lei chamada negação da
negação ou evolução da involução, a
interpretação espírita que nos mostra agora o desenvolvimento palingenésico como um processo dialéctico
do Ser. Assim, vemos como o homem, ao nascer, é uma entidade
espiritual de natureza dialéctica, chamada a desenvolver-se continuamente através
do processo histórico.
Pelo exemplo seguinte, vejamos como se desenvolve a lei
denominada negação da negação:
Tomemos um grão de trigo, o qual representa a tese. Que
faremos, para que esse grão de trigo se torne o ponto de partida de um processo
de desenvolvimento"? Enterramo-lo e, isso determina a etapa de antítese
(ou de encarnação do Ser). Que sucederá então? Assistiremos à negação do grão
de trigo, para que nasça a espiga. Primeira negação: o grão de trigo
desapareceu, mas se transformou numa planta. Esta planta cresceu e produz grãos
de trigo, como é natural e depois morre. Segunda negação: A planta
desapareceu, depois de reproduzir o grão de trigo que a originou. Não nos
esqueçamos, porém, de que não produziu um só grão de trigo, mas uma grande
quantidade, que inclusive poderá suscitar novas qualidades. (*)
Transportada a ideia do processo dialéctico para o
desenvolvimento do Ser, vemos que esta negação da negação só
poderá efectuar-se pela parte psíquica de sua natureza e, que permitirá essa
transformação. Estes processos dialécticos, que têm a virtude de revelar
novas qualidades nas coisas de acordo com a filosofia espírita, explicam o
desenvolvimento do dinamopsiquismo essencial, mediante
a evolução da involução, isto é, a essência
evoluída, fazendo desenvolver a essência ainda não-evoluída.
O estado de antítese, ou de encarnação do Ser, Gustave
Geley no-lo apresentou do seguinte modo: “Tudo acontece como se cada
existência terrestre, cada objectivação orgânica, ou, podemos dizer, cada encarnação, seria
para a actividade do Ser uma limitação no espaço e nos meios; seria como
que uma sujeição a um trabalho limitado e especializado, a um esforço quase
exclusivo, em uma única direcção.”
Por último, a antítese, ou estado de encarnação do Ser é,
como bem disse Geley, um processo de análise. É, acrescentava ele, a
subdivisão da consciência em faculdades diversas e, do sentido único em
sentidos múltiplos, para facilitar o seu exercício e promover o seu
desenvolvimento.
Como se verá, nesta limitação espiritual aparece o que se
chama a etapa de antítese do Ser. Esta antítese consiste em não poder ele
recordar o passado nem estender a visão além do físico e, ainda mais, em não dispor das faculdades metapsíquicas que
o espírito possui em forma latente. Tudo isto corresponde ao que se chama antítese
do Ser, dado que o mundo físico é como uma negação do mundo
espiritual, receptáculo maravilhoso onde o indivíduo guarda todos os valores de
sua evolução.
Impulsionado o Ser pelo processo dialéctico, entrará no
seu terceiro tempo: a sua existência de síntese. Esta síntese está baseada
na dialéctica da desencarnação ou da morte; representa a reunião de todas as
faculdades espirituais numa só; é o que se chama, na linguagem espírita, estado
do Ser desencarnado. Este estado, disse Geley, constitui uma
espécie de produto sintético dos elementos diversos das personalidades
anteriores. Em resumo, a desencarnação é um processo de síntese, de
síntese orgânica e de síntese psíquica do Ser.
É nesta unidade, em que a tese e a antítese do
indivíduo se transformam numa síntese, – que se opera na consciência
por causa da desencarnação, – que o espírito se sente em toda a sua
plenitude. Porque é nesta síntese que os valores humanos se convertem em
valores divinos e onde se reconhece que a raiz de todos os fenómenos
sociais e morais está no mundo espiritual.
Nesta análise sobre os três tempos dialécticos do
espírito, podemos notar a profundidade da dialéctica hegeliana,
destacando-se, em compensação, à limitação ideológica do materialismo
dialéctico, no que respeita ao homem, ao considerá-lo, como o faz o
existencialismo ateu, um ser para a morte e para o nada eterno. Entretanto,
o marxismo pretende
refutar ideologicamente o pensamento existencialista,
sem levar em conta que os seus princípios estão baseados, também, sobre o nada
do ser.
Para a filosofia espírita, o processo histórico é produto da
acção do espírito e não o resultado dos modos de produção; por
conseguinte, ela não admite uma evolução exclusivamente material. Esta
concepção é também sustentada pela lógica formal, na
qual os seres e as coisas aparecem em estado imóvel e de
repouso. Esta tese, porém, é inadmissível num tipo de materialismo
considerado dialéctico, cuja doutrina sustenta que as coisas são
e não são ao mesmo tempo, pela razão de que tudo está
em perpétua transformação e que o movimento é que dá impulso aos fenómenos materiais.
Sobre este ponto, convém fazer algumas reflexões.
Se o movimento da matéria, de acordo com Georgi
Plekanov, destacado expositor do materialismo dialéctico, é a base de todos
os fenómenos da natureza e, se as moléculas da matéria em movimento, ao se
unirem umas às outras, formam determinadas combinações, que são os seres e as
coisas; se estas combinações se distinguem por uma solidez menor ou maior e,
existem durante um tempo mais ou menos longo, desaparecendo finalmente, para
serem substituídas por outras e, se o que é eterno é
somente o movimento da matéria e a matéria em si como substância
indestrutível, podemos formular as seguintes perguntas: Que
maravilhoso demiurgo é a matéria, para possuir tantas
propriedades e, o que é o movimento em si mesmo?
Do ponto de vista espírita e metapsíquico, a
matéria é uma objectivação que se traduz em movimento, mediante uma perimatéria, a
qual é a força que dá conformação e existência à matéria, mas nunca a matéria
em si. O materialismo dialéctico, ao conceber o movimento como qualidade da
matéria, admite a possibilidade de um princípio psíquico, já que o psíquico não
é mais do que movimento, como o por ele atribuído à matéria. Daí que a filosofia
espírita sustente que não podemos admitir nem o materialismo nem o
espiritualismo puros.
Foi Geley quem disse que tudo nos induz a crer
que não há matéria sem inteligência, nem inteligência sem matéria. Esta
é a razão pela qual o espiritismo pode oferecer um campo de
reconhecimento entre o materialismo e o espiritialismo clássico. O
mesmo Geley, para confirmar esta asserção, escreveu o seguinte: “Desde
o momento em que, na teoria espírita, espírito, força e matéria estão
sempre juntos e são inseparáveis; e que não podemos e não devemos
supô-los com vida própria e isolados uns dos outros, a doutrina
espírita pode ser desde logo admitida, tanto pelos que fazem da
inteligência um produto da evolução avançada da matéria, como por
aqueles que sustentam não ser a matéria nem mais nem menos do que
uma manifestação do espírito.” A força, para Geley, nas
duas hipóteses, constitui o princípio intermediário a que
chamamos perimatéria.
Pelo exposto, se deduz que a filosofia espírita pode ser
aceite, no seu aspecto palingenésico, tanto pelo pensamento materialista como
pelo espiritualista, desde que o espírito fosse a causa de um movimento
ascendente do Universo. Em consequência, poder-se-ia dizer que o
materialismo só é admissível na sua concepção mecanicista, mas nunca do ponto
de vista materialista dialéctico, o qual se baseia na lei do movimento e na
dinâmica do Universo, gérmen de uma possível entidade inteligente.
/…
(*) A.
Thalheimer, Introdução ao Materialismo Dialéctico.
Humberto Mariotti (i), O
Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma
Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo
V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (II de III), 9º fragmento
desta obra.
(imagem
de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde
al borde de la historia europea | 1936, Salvador
Dali)
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