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terça-feira, 16 de agosto de 2022

O Homem e a Sociedade ~


O SIGNIFICADO ESPÍRITA do Materialismo Dialéctico
 
(II de III) 

  Mas, para explicar claramente essa lei dialéctica, será preciso interpretar o Ser como uma tese essencial que, segundo a filosofia espírita, contém o Universo inteiro e, que começa o seu desenvolvimento no inconsciente das coisas, até chegar, mais tarde, ao grau de consciência. Este estado alcançado pela tese do Ser se transformará mais adiante; no contrário do seu primeiro período evolutivo, isto é, negará a sua condição anterior ao penetrar na de antítese, que representa uma etapa mais desenvolvida que a primeira, até se situar na de síntese, resumo superior dos seus dois tempos primitivos e tudo isso nos dará o seguinte: O presente é o que não existia ontem, mas esse ontem é a negação da qual surgiu o hoje; logo, deste hoje resultará a negação da qual surgirá o amanhã. 

  Nisto consiste, pois, a lei chamada negação da negação ou evolução da involuçãoa interpretação espírita que nos mostra agora o desenvolvimento palingenésico como um processo dialéctico do Ser. Assim, vemos como o homem, ao nascer, é uma entidade espiritual de natureza dialéctica, chamada a desenvolver-se continuamente através do processo histórico. 

  Pelo exemplo seguinte, vejamos como se desenvolve a lei denominada negação da negação: 

  Tomemos um grão de trigo, o qual representa a tese. Que faremos, para que esse grão de trigo se torne o ponto de partida de um processo de desenvolvimento"? Enterramo-lo e, isso determina a etapa de antítese (ou de encarnação do Ser). Que sucederá então? Assistiremos à negação do grão de trigo, para que nasça a espiga. Primeira negação: o grão de trigo desapareceu, mas se transformou numa planta. Esta planta cresceu e produz grãos de trigo, como é natural e depois morre. Segunda negação: A planta desapareceu, depois de reproduzir o grão de trigo que a originou. Não nos esqueçamos, porém, de que não produziu um só grão de trigo, mas uma grande quantidade, que inclusive poderá suscitar novas qualidades. (*) 

  Transportada a ideia do processo dialéctico para o desenvolvimento do Ser, vemos que esta negação da negação só poderá efectuar-se pela parte psíquica de sua natureza e, que permitirá essa transformação. Estes processos dialécticos, que têm a virtude de revelar novas qualidades nas coisas de acordo com a filosofia espírita, explicam o desenvolvimento do dinamopsiquismo essencialmediante a evolução da involução, isto é, a essência evoluída, fazendo desenvolver a essência ainda não-evoluída. 

  O estado de antítese, ou de encarnação do Ser, Gustave Geley no-lo apresentou do seguinte modo: “Tudo acontece como se cada existência terrestre, cada objectivação orgânica, ou, podemos dizer, cada encarnação, seria para a actividade do Ser uma limitação no espaço e nos meios; seria como que uma sujeição a um trabalho limitado e especializado, a um esforço quase exclusivo, em uma única direcção.” 

  Por último, a antítese, ou estado de encarnação do Ser é, como bem disse Geley, um processo de análise. É, acrescentava ele, a subdivisão da consciência em faculdades diversas e, do sentido único em sentidos múltiplos, para facilitar o seu exercício e promover o seu desenvolvimento. 

  Como se verá, nesta limitação espiritual aparece o que se chama a etapa de antítese do Ser. Esta antítese consiste em não poder ele recordar o passado nem estender a visão além do físico e, ainda mais, em não dispor das faculdades metapsíquicas que o espírito possui em forma latente. Tudo isto corresponde ao que se chama antítese do Serdado que o mundo físico é como uma negação do mundo espiritual, receptáculo maravilhoso onde o indivíduo guarda todos os valores de sua evolução. 

  Impulsionado o Ser pelo processo dialéctico, entrará no seu terceiro tempo: a sua existência de síntese. Esta síntese está baseada na dialéctica da desencarnação ou da morte; representa a reunião de todas as faculdades espirituais numa só; é o que se chama, na linguagem espírita, estado do Ser desencarnado. Este estado, disse Geley, constitui uma espécie de produto sintético dos elementos diversos das personalidades anteriores. Em resumo, a desencarnação é um processo de síntese, de síntese orgânica e de síntese psíquica do Ser. 

  É nesta unidade, em que a tese e a antítese do indivíduo se transformam numa síntese, – que se opera na consciência por causa da desencarnação, – que o espírito se sente em toda a sua plenitude. Porque é nesta síntese que os valores humanos se convertem em valores divinos e onde se reconhece que a raiz de todos os fenómenos sociais e morais está no mundo espiritual. 

  Nesta análise sobre os três tempos dialécticos do espírito, podemos notar a profundidade da dialéctica hegeliana, destacando-se, em compensação, à limitação ideológica do materialismo dialéctico, no que respeita ao homem, ao considerá-lo, como o faz o existencialismo ateu, um ser para a morte e para o nada eterno. Entretanto, o marxismo pretende refutar ideologicamente o pensamento existencialista, sem levar em conta que os seus princípios estão baseados, também, sobre nada do ser

  Para a filosofia espírita, o processo histórico é produto da acção do espírito e não o resultado dos modos de produção; por conseguinte, ela não admite uma evolução exclusivamente material. Esta concepção é também sustentada pela lógica formal, na qual os seres e as coisas aparecem em estado imóvel e de repouso. Esta tese, porém, é inadmissível num tipo de materialismo considerado dialéctico, cuja doutrina sustenta que as coisas são e não são ao mesmo tempopela razão de que tudo está em perpétua transformação e que o movimento é que dá impulso aos fenómenos materiais. Sobre este ponto, convém fazer algumas reflexões. 

  Se o movimento da matéria, de acordo com Georgi Plekanov, destacado expositor do materialismo dialéctico, é a base de todos os fenómenos da natureza e, se as moléculas da matéria em movimento, ao se unirem umas às outras, formam determinadas combinações, que são os seres e as coisas; se estas combinações se distinguem por uma solidez menor ou maior e, existem durante um tempo mais ou menos longo, desaparecendo finalmente, para serem substituídas por outras e, se o que é eterno é somente o movimento da matéria e a matéria em si como substância indestrutível, podemos formular as seguintes perguntas: Que maravilhoso demiurgo é a matéria, para possuir tantas propriedades e, o que é o movimento em si mesmo? 

  Do ponto de vista espírita e metapsíquico, a matéria é uma objectivação que se traduz em movimento, mediante uma perimatériaa qual é a força que dá conformação e existência à matéria, mas nunca a matéria em si. O materialismo dialéctico, ao conceber o movimento como qualidade da matéria, admite a possibilidade de um princípio psíquico, já que o psíquico não é mais do que movimento, como o por ele atribuído à matéria. Daí que a filosofia espírita sustente que não podemos admitir nem o materialismo nem o espiritualismo puros

  Foi Geley quem disse que tudo nos induz a crer que não há matéria sem inteligência, nem inteligência sem matériaEsta é a razão pela qual o espiritismo pode oferecer um campo de reconhecimento entre o materialismo e o espiritialismo clássico. O mesmo Geley, para confirmar esta asserção, escreveu o seguinte: “Desde o momento em que, na teoria espírita, espírito, força e matéria estão sempre juntos e são inseparáveis; e que não podemos e não devemos supô-los com vida própria e isolados uns dos outros, a doutrina espírita pode ser desde logo admitida, tanto pelos que fazem da inteligência um produto da evolução avançada da matéria, como por aqueles que sustentam não ser a matéria nem mais nem menos do que uma manifestação do espírito.” A força, para Geley, nas duas hipóteses, constitui o princípio intermediário a que chamamos perimatéria

  Pelo exposto, se deduz que a filosofia espírita pode ser aceite, no seu aspecto palingenésico, tanto pelo pensamento materialista como pelo espiritualista, desde que o espírito fosse a causa de um movimento ascendente do Universo. Em consequência, poder-se-ia dizer que o materialismo só é admissível na sua concepção mecanicista, mas nunca do ponto de vista materialista dialéctico, o qual se baseia na lei do movimento e na dinâmica do Universo, gérmen de uma possível entidade inteligente. 

/… 
(*) A. Thalheimer, Introdução ao Materialismo Dialéctico. 


Humberto Mariotti (i)O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização, Do Materialismo Histórico a uma Dialéctica do Espírito, 1ª PARTE O NÚMENO ESPIRITUAL NOS FENÓMENOS SOCIAIS, Capítulo V – O Significado Espírita do Materialismo Dialéctico (II de III), 9º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Alrededores de la ciudad paranóico-crítica: tarde al borde de la historia europea | 1936, Salvador Dali)

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