A Dor ~
Será a dor um bem? Será um mal? Se é um bem, porque a
consideramos como – indesejável? – Se é um mal, porque Deus fez dela património
comum da Humanidade? Será a dor punição, ou castigo? Então como se explica que
atinja ela os bons e que da sua influência não escapem os justos? De outra
sorte, como se entende que a vida dos maus, senão sempre, muitas vezes,
transcorra menos árida e penosa que a dos que procuram viver segundo a justiça?
A dor será, então, um problema complexo, de solução difícil,
inacessível às inteligências vulgares? Não devemos procurar o seu "porquê"?
Cumpre que a ela nos submetamos, premidos pelas circunstâncias, como vítimas
indefesas? Diante da dor, qual é a atitude a assumir, de revolta ou de
submissão incondicional e passiva?
Descobre-se facilmente a incógnita da dor através da
seguinte parábola de Jesus:
"Um homem tinha uma figueira plantada na sua vinha, e
foi procurar fruto nela, e não o encontrou. Então disse ao viticultor: Faz
três anos que venho procurar fruto nesta figueira, e não o encontro; corta-a,
para que está ela ainda a ocupar a terra inutilmente? Respondeu-lhe o
viticultor: Senhor, deixa-a por mais este ano, até que eu lhe cave em
volta e lhe ponha adubo; e se der fruto no futuro, bem está; mas, senão,
cortá-la-ás."
Eis aí como se faz luz sobre o caso. Aquilo que nos parecia
tão complicado, torna-se perfeitamente claro.
A dor é uma necessidade em orbes como este onde nos
encontramos. Ela é, na vida do Espírito, o que o fertilizante é na vida da
planta. Os homens, como as árvores, não devem ocupar neste mundo um
lugar inutilmente. É da lei que as árvores e os homens produzam
frutos, cada um segundo a sua espécie e natureza. Quando a árvore se torna
estéril, o agricultor recorre aos processos aconselhados para o caso: abre
sulcos em volta do seu tronco e aduba a terra em seu redor. Quando o
Espírito estaciona na senda da evolução, mostrando-se negligente e obstinado no
dever que lhe assiste de produzir frutos de aperfeiçoamento moral e de
desenvolvimento intelectual, vem o aguilhão da dor despertá-lo. É
assim que os abúlicos,
os comodistas impenitentes, os preguiçosos e os cínicos são chamados a postos e
forçados a assumirem atitudes definidas e positivas nas lutas da vida.
A Humanidade terrena é composta de elementos
retardatários. Daí se explica porque a dor é património comum a todos os
homens. As lutas, as dificuldades e o sofrimento nos assediam por
todos os lados e nos salteiam a cada passo no carreiro da existência presente.
Debalde procuramos fugir às suas investidas. Chega o momento em que nos vemos
forçados a enfrentar obstáculos e a resolvê-los; a aceitar as lutas e a
vencê-las; a encarar a dor face a face e a suportá-la.
E de tudo isso resulta um bem. Após as refregas e as dores,
o Espírito sente-se mais capaz e menos egoísta, mais corajoso e menos
indolente. Ao concurso da dor devemos, pois, grande parte do nosso progresso
intelectual e moral.
A dor física, determinando sensações desagradáveis e
penosas, põe cobro aos desmandos da intemperança, aos bacanais e a
todos os arrastamentos da animalidade a que nós homens nos entregamos na
satisfação insaciável dos sentidos. Em busca da saúde perdida,
vêmo-nos na necessidade de nos submeter às leis de higiene, cujos preceitos são
mandamentos divinos. Começa aí a obra de nossa espiritualização.
A dor moral gera sentimentos que fazem aflorar nos corações
as mais belas virtudes ao lado das mais puras e santas emoções. É pelo
sentimento que o gérmen de tudo o que é bom e de tudo o que é belo cresce e
frutifica. O sentimento é o esplendor da centelha divina que anima e vivifica o
espírito, ou, para melhor dizer, é a essência do próprio espírito. A dor
moral é o sopro que desperta os sentimentos como a aragem ressuscita a brasa
amortecida sob espessa camada de cinza.
O homem assemelha-se à cana-de-açúcar. Através dos grandes
sofrimentos é que ele nos revela as belezas ocultas e as suas qualidades mais
nobres e excelentes, tal como a cana que só esmagada e triturada entre os
impiedosos cilindros da moenda é que nos fornece o seu delicioso sumo repassado
de incomparável doçura. Daí porque sofrem todos neste mundo: os injustos para
que se regenerem, e os justos e os santos para que melhor se justifiquem e se
santifiquem.
"Bem-aventurados os que choram, porque serão
consolados." (Mateus, 5:4.) A dor, suportada com valor e paciência,
encerra em si mesma a consolação, porque atrai a graça divina, esse bálsamo que
mitiga e suaviza todas as agruras e tormentos, fazendo despontar a aurora
bendita da esperança nas almas aflitas e sobrecarregadas.
"Ai de vós, os que agora rides! porque haveis de
lamentar e chorar. Ai de vós, os que agora estais fartos! porque tereis fome.
Ai de vós que sois ricos! porque já recebestes a vossa consolação."
(Lucas, 6:24 e 25)
Estas são as figueiras estéreis: não produzem frutos. Por
isso estão a reclamar que o arado rasgue largos e profundos sulcos em torno de
si, abalando as suas raízes; em seguida, receberão o fertilizante.
"Bem-aventurados vós os pobres, porque vosso é o reino
de Deus. Bem-aventurados vós que tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados
sois quando perseguidos e vilipendiados; quando vos odiarem e hostilizarem.
Regozijai-vos e exultai: pois grande será o vosso galardão." (Mateus,
5:3,6 e 10 a 12.) Estes são as figueiras sob a influência do
fertilizante: já estão a produzir frutos sazonados.
Riqueza e pobreza, vigor e debilidade – são provações. O
rico há de dar conta de sua riqueza, como o pobre há de responder acerca da
maneira por que se houve na sua pobreza. O forte dirá que uso fez de sua
fortaleza, e o débil como se portou nas suas enfermidades. O planeta
Terra é o grande cenário onde os Espíritos vêm exercitar as suas actividades e
experimentar as suas possibilidades. As encarnações são oportunidades concedidas para tal finalidade.
A vitória ou a derrota tracejará as linhas do porvir que no
além nos aguarda.
A dor é o aguilhão que nos impele à arena do combate.
Aqueles que menosprezam ou malbaratam a ocasião favorável, que lhes é
concedida, lamentarão amargamente o tempo perdido. A dor os espreita e, como
efeito de uma causa adrede criada,
sobre eles recairá inexoravelmente até que os conduza à senda da vida cujo
senso máximo é o progresso sob todos os prismas e aspectos.
E assim a dor se define, não como o objecto ou a finalidade
da vida, mas como o meio que conduz os espíritos àquele
objecto e àquela finalidade.
A supremacia do espírito ~
Pretende-se dividir o trabalho em duas categorias distintas:
o trabalho intelectual e o trabalho manual.
Diz-se – intelectuais – dos homens cuja actividade se exerce
numa sala: são as chamadas – profissões liberais. Aqueles que labutam em
serviços que demandam o concurso dos músculos – nas fábricas, nas oficinas ou
no campo – denominam-se operários e jornaleiros.
Em rigor esta classificação não corresponde à
realidade. Quem age é, invariavelmente, o intelecto ou a inteligência,
seja qual for o ramo de actividade que o homem exerça. Os músculos são
para o homem o que a ferramenta é para o operário. Ninguém diria que a trolha,
o prumo e o nível constroem casas. Seria ainda maior insânia dizer que o
arsenal cirúrgico realiza operações de baixa e alta cirurgia, ou que alguns
pincéis e uma paleta sejam
os legítimos autores de telas e painéis que se admiram nos museus.
Não há trabalho, por mais modesto, que não reclame a acção
do intelecto. É a inteligência que dirige a pá do cantoneiro, a brocha do
pintor, a garlopa do carpinteiro, a pena do escritor, o buril do estatuário, o
bisturi do cirurgião. Qualquer obra é fruto da inteligência, seja esta,
seja aquela.
O homem máquina é uma aberração. As coisas simples e
comezinhas requerem inteligência na execução. As obras mais rudes e materiais – como a escavação ou o nivelamento do solo – e as mais delicadas e intelectivas – como as intervenções Cirúrgicas em órgãos vitais – reclamam sempre a
inteligência, e só a inteligência as pode executar tais como deve ser.
A inteligência educada ou deseducada revela-se tanto no
plano intelectual, quanto no manual ou muscular.
O automatismo, na esfera humana de acção, é indício seguro
de anomalia psíquica.
O homem consciente de si mesmo, cuja dignidade despertou,
jamais se movimenta como as máquinas. Tudo quanto o homem é chamado a fazer, no
cenário da vida, há de ser feito com a inteligência. Cérebro e músculos, cabeça
e braços são – como, de resto, todas as demais partes do corpo – instrumentos
do espírito. E o homem, digno de ser homem, sabe que ele é espírito porque tem
plena consciência de que vive pela inteligência e pelo sentimento.
/...
"Aos que comigo crêem e sentem as revelações do Céu, comprazendo-se na sua
doce e encantadora magia, dedico esta obra."
Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius”
Pedro de Camargo “Vinícius” (i), Em torno do Mestre, Primeira Parte / Seixos e Gravetos; A Dor / A supremacia do espírito, 8º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Jesus em casa de Marta e Maria,
óleo sobre tela, pintura de Johannes Vermeer)
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