A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica ~
~~ Janeiro de 1919 ~
(1 de 2)
Os nossos contraditores, muitas vezes, gostam de realçar os
excessos decorrentes de uma prática experimental incorrecta do Espiritismo,
colocando em destaque as decepções a que ficamos expostos dentro dele.
Todavia, elas resultam quase sempre das condições
incorrectas em que se trabalha e da inobservância das regras estabelecidas
pelos espíritos.
Quando lêem as obras de escritores espíritas, alguns
leitores ficam muito impressionados com os factos e os testemunhos narrados e,
animados pelo seu pensamento, acreditam que tais factos sejam frequentes,
numerosos e fáceis de se obter.
Deixam de considerar as exigências próprias de publicações
que nos obrigam a reunir e condensar, num espaço limitado, fenómenos que, na
realidade, se produziram num período de tempo considerável e em lugares muito
distantes entre si.
Quando esses leitores se aproximam do terreno experimental,
fazem-no sem método, sem preparação, desprezando recomendações e precauções
essenciais, esquecendo os nossos conselhos, fatigando-se logo e abandonando a
tarefa, quando os resultados não são imediatos.
É preciso ir aprofundado o estudo do mundo espiritual para
quem queira orientar-se no meio dos fenómenos, determinando-lhes as causas com
exactidão. Há muitíssimos elementos nas forças em acção, durante as sessões,
para que experimentadores mal preparados e mal instruídos possam evitar erros e
suposições falsas, não sendo prudente admitir nos grupos a não ser pessoas que
tenham feito um estudo teórico preliminar, através de uma atenta e reflectida
leitura das obras especializadas.
A lei harmónica das vibrações é a base da
comunicação espírita. Sabemos que cada alma é um centro de forças cujas
irradiações variam em extensão e em intensidade, conforme a sua natureza e o
seu grau de evolução. A acção da vontade pode aumentar ou diminuir o poder
dessas vibrações.
Tenho uma fotografia (Fotografia
Kirlian) (*) onde, sob a influência da prece, vemos
os eflúvios irradiados dos dedos do experimentador estendendo-se e recobrindo
toda a placa, ao passo que, no estado de repouso do pensamento, os efeitos
produzidos são fracos.
A vida na carne amortece as irradiações da alma, porém não
as elimina. Existem tantas diferenças entre os vários estados vibratórios como
as há entre as fisionomias e os caracteres humanos. É necessária,
entretanto, certa concordância para o estabelecimento das
relações entre os espíritos e os encarnados.
O espírito que deseja comunicar-se procurará um médium cujo estado psíquico tenha maior analogia com o
seu. Depois, por um adestramento gradual que pode, conforme os casos, abranger
semanas, meses ou até anos e, com o qual o médium deve cooperar pelo
pensamento, em desejo e pela vontade e, assim chegará a estabelecer uma espécie
de sincronismo. Quando é mal sucedido dirigirá os seus esforços
para outra pessoa.
A mediunidade mais comum é a da escrita, nas suas várias
formas. A que se denomina mecânica nos parece
apresentar mais garantias que os outros processos, pois, neste caso, o espírito
age apenas sobre o braço do médium sem impressionar o seu
cérebro.
Realmente, seja intuitiva ou semi-mecânica, a faculdade de
escrever admite, inevitavelmente, uma mistura do pensamento do espírito com o
do médium. O pensamento do espírito provoca, no cérebro do médium, imagens,
expressões e mesmo ideias que lhe são familiares e que são encontradas nas
comunicações obtidas.
Como é que se deve fazer a diferença, estabelecendo a parte
que corresponde a um e ao outro? É uma tarefa delicada e difícil e que somente
os próprios poderiam realizar.
A faculdade da escrita normalmente é precedida por uma fase
de exercícios, durante a qual o médium produz movimentos irregulares e traçados
ilegíveis e, cuja finalidade é normalizar e disciplinar os seus fluidos,
adaptando-os às finalidades desejadas.
Esse período de preparação, conforme as pessoas é, mais ou
menos prolongado. Conheci um oficial de repartição que se exercitou
diariamente, com paciência, durante mais de um ano, obtendo finalmente
comunicações seguidas que apresentavam, além de forma elegante, um sentido
profundo.
A prática dessa faculdade tem o grave inconveniente de
proporcionar uma acção pessoal e inconsciente do médium, todavia tal
inconveniente diminui com o tempo, acabando por desaparecer quase
totalmente.
À medida que essa mediunidade se desenvolve, o espírito
consegue, cada vez mais, um domínio sensível sobre o cérebro do indivíduo,
chegando a eliminar dele tudo quanto não parta de sua própria vontade, porém
a escrita mecânica continua sendo o meio mais seguro para
obtermos provas de identificação e indicações de factos e datas ignorados pelo médium, numa palavra: os elementos comprovantes que sempre
devemos procurar nas comunicações.
Qualquer experimentador pode trabalhar sozinho e todos os
dias durante o período de exercícios preparatórios; porém, logo que escreva
palavras, frases e mensagens coerentes, deve evitar trabalhar isoladamente,
procurando aproximar-se de um grupo bem orientado, que tenha protecção eficaz
e, então submeter as suas produções à análise dos mais esclarecidos.
Na solidão e na falta de direcção, pode expor-se à
influência dos vagabundos do espaço e às suas mistificações, podendo ser vítima
de perigosa obsessão.
Durante muito tempo, nas reuniões que dirigi, criei o habito
de apresentar aos médiuns escreventes um tema que os próprios
desenvolveriam espontaneamente, o que eles faziam com abundância de estilo e
riqueza de expressões, muito para além dos seus habituais recursos.
É verdade que esses resultados não comprovam, forçosamente,
a intervenção dos espíritos. Poderíamos explicá-los atribuindo-os aos recursos
profundos e ocultos do médium, a esse estado que alguns psicólogos chamam
de subconsciente, quando se revelam conhecimentos, qualidades e
poderes que não temos no estado normal. Eis aí um problema que é necessário
resolver.
Tem-se tentado, em vão, explicar o conjunto dos fenómenos
pela teoria que os atribui ao subconsciente, mas os psicólogos que tentaram
essa explicação não foram bem sucedidos, porque os factos espíritas, na
sua maior parte, fogem a essa interpretação. Entretanto, também é verdade
que certos casos de escrita ou inspiração oral, que ocorrem no transe, podem
encontrar uma explicação lógica no subconsciente.
Em outro livro (ii) já comprovamos que
existe em nós um eu profundo, uma consciência e uma memória
mais amplas e mais extensas que a consciência e a memória normais, que escapam,
na maioria das vezes, ao nosso conhecimento e à nossa vontade. É o
reservatório espiritual onde se registam e acumulam os conhecimentos, as
lembranças e as impressões de nossas vidas passadas, tudo quanto forma o
capital intelectual e moral que trazemos connosco, no nascimento. Daí,
as faculdades inatas, as aptidões e as tendências, tudo quanto a herança
psíquica não pode explicar.
Como dizíamos, esse lado ignorado de nossa natureza
íntima permanece bloqueado no estado normal, todavia certas sugestões, sejam
pessoais ou estranhas, ao serem dadas podem fazer surgir uma parte dos nossos
recursos ocultos. Aí, a sugestão desempenha o papel de uma alavanca que levanta
e movimenta os elementos de nossa personalidade profunda.
Nas experiências de regressão de memória, sabemos que
a actuação do magnetizador sobre uma pessoa mergulhada em hipnose pode
despertar as suas lembranças adormecidas. A história do passado remoto se
desdobra imediatamente: os mais pequenos detalhes das existências passadas
renascem e revivem com um realismo notável.
O médium escrevente, da mesma forma, valendo-se da
auto-sugestão, pode fazer um apelo, embora com intensidade menor, para o
seu eu subjectivo, obtendo dele, sem se aperceber, inspirações
bem superiores às suas capacidades normais.
Dai não se deve concluir que todas as comunicações escritas
sejam produto do subconsciente, pois o que nasce da auto-sugestão pode muito
bem ter origem na sugestão dos invisíveis.
Ao demais, os traços pessoais, as provas de identificação e
as explicações dadas sobre os factos e as perguntas ignoradas pelo médium comprovam com clareza a influência de
individualidades estranhas.
A seguir, apresentamos alguns exemplos de mensagens que
destacam o carácter dos inspiradores e fazem crer que promanam, sem dúvida, dos
espíritos que as assinavam. Essas mensagens foram obtidas de forma sucessiva
pela senhora Hyver (Madame Hyver) (iii), no decorrer de uma mesma
reunião de um grupo, em Paris, a 18 de dezembro de 1914.
A primeira traz a assinatura de Henri Heine,
poeta alemão que adoptou a França como sua pátria. Trata das lendas germânicas
onde Odin (ou Wotan), o velho deus alemão e, as suas filhas, as Valkyrias e,
outros deuses e guerreiros habitantes do Walhalla, o Palácio de Odin, precisam
ser derrotados pelo lobo Fenris, que Odin aprisionou outrora no abismo. Tal
derrota deve provocar a queda e a morte dos deuses e a criação de uma terra e
uma humanidade novas, nascidas do cataclismo universal.
Heine evoca e interpela o Chanceler de Ferro, Bismarck e,
este responde-lhe.
Frederico
III, pai de Guilherme II, apresenta-se depois, como juiz entre as teses tão
antagónicas sustentadas pelos dois alemães. Frederico faz sombrios prognósticos
sobre os resultados que terá a obra do seu filho e sobre o destino da Alemanha.
Essas mensagens formam uma espécie de trilogia e anunciam os grandes factos que
presenciamos na actualidade. (iv)
~~~ Primeira Mensagem ~~~
Oh! Chanceler de Ferro, acorda! Estás a ver a tua Alemanha
de rapina e sangue.
Os seus ferozes exércitos espalharam-se pelo mundo; à sua
frente voam as Valkyrias e os guerreiros de Odin saíram do Walhalla.
Não escutas os seus gritos de cólera?
O lobo Fenris também saiu do abismo onde estava
aprisionado.
Tem cuidado com a tua Alemanha, oh! Chanceler de Ferro,
porque o lobo Fenris anda solto pelo mundo. Abandona o vale de
sombras e de trevas que é a tua morada, porque chegou a hora. O toque fúnebre
dos sinos, pela tua Alemanha de rapina e de sangue, acaba de soar.
Eu te digo, Chanceler de Ferro, o lobo Fenris está solto e a
tua Alemanha vai morrer entre os seus dentes cruéis.
Sobe a esta colina e verás a nossa velha Alemanha, ou
melhor, não a verás, porque ninguém já pode reconhecê-la debaixo da
máscara que tu modelaste para ela.
A nossa velha Alemanha era nobre e santa; tinha
coração. Esta outra é um monstro horrendo, sem nada de humano, caminhando ao
clarão sinistro dos incêndios, trazendo na mão um facho ardente que não poupa a
choupana nem o palácio, o templo do senhor Deus ou o asilo do sofrimento.
Esta tem os membros vermelhos do sangue dos inocentes,
caminha sobre os cadáveres de mulheres, de recém-nascidos, de donzelas e de
velhos. Esta não é a nossa Alemanha: é um monstro prussiano que tu fizeste com
perfeição.
Bismarck, tem cuidado, porque o lobo Fenris está solto e
devorará os teus filhos e os próprios deuses de Walhalla, pois os tempos são
chegados e foste tu que abriste a porta ao abismo ao furioso lobo. Tu disseste:
“A força vence o direito” e, terminaste a obra maldita, fabricando esta
Alemanha que é a vergonha do mundo civilizado.
Ah! orgulha-te de tua obra, Chanceler de Ferro! Olha: onde
está a Bélgica? Onde estão Reims, Arras e outras tantas cidades? A Alemanha, a
tua Alemanha, passou por essas cidades. É uma vergonha para ti, Chanceler de
Ferro: nada escapa por onde passa o alemão.
O teu coração se dilata? Responde-me. Esperavas tão
sangrentas colheitas e tão belas espigas? Os filhos de teus filhos
ultrapassaram o próprio Átila. Orgulha-te, Bismarck, nenhum povo causou tantas
ruínas como o teu.
Podes orgulhar-te, está aí a tua obra!
Desejaste que a Alemanha ficasse acima de todos: ela
conseguiu-o por meio do crime e do horror. Pela sucessão dos séculos, se
repetirá o espanto da grande guerra e, dirão que nenhum povo superou a
crueldade dos bárbaros vindos do Reno.
A tua Alemanha está acima de tudo no que se refere ao crime,
ao estupro,
ao incêndio, ao saque; as suas inumeráveis legiões são as legiões do
inferno.
Bismarck, cuidado, pois soltaste o lobo Fenris e, as suas
unhas já estão a cravar-se nos flancos de tua Alemanha, da tua monstruosa
criação.
A Alemanha vai morrer, apesar do seu velho deus, Odin, ter
saído das selvas Hercinias, apesar de suas filhas e de seus guerreiros; o lobo
Fenris saiu do abismo e os tempos vão realizar-se.
Chanceler, escuta bem: os tempos vão chegar e a raça
dos chacais e dos abutres será destruída, apesar de sua força e de suas garras;
será varrida da superfície do mundo, oh! Bismarck!
Aí está o teu castigo, pois desejaste uma Alemanha acima de
tudo; olha para o abismo sobre o qual ela está suspensa e onde vai cair ao som
das maldições e dos gritos de terror.
“A força vence o direito”, tu o disseste... Sim,
durante algum tempo, mas quando o criminoso está no apogeu, Deus, o Deus do
mundo, levanta a mão e lança o criminoso no abismo.
A força vence o direito!, olha Chanceler, tu que preparaste
a ruína de tua pátria com as tuas próprias mãos.
Olha, olha mais, olha sempre, tu, o maldito, tu, Bismarck, o parricida, que
matou a nossa velha Alemanha, a Alemanha dos pensadores e dos sonhadores. Olha
com os teus olhos: o castigo começa!
~~~ Segunda Mensagem ~~~
Por que me chamaram e me fizeram vir até aqui, entre estes
franceses de que eu não gosto? Eu segui um ideal político que vós criticais. Em
primeiro lugar, vós, Heine, que sois um mau alemão e um renegado, não tendes o
direito de falar de uma nação, preferindo a França. Falo convosco sem retórica
e sem cólera, como um homem de Estado e, vos digo que, se fosse possível viver
novamente, recomeçaria a minha obra, só evitando alguns erros que cometi.
A minha política criou uma Alemanha farta de força material
e de homens: não a renego.
Falais como poeta, porém um chefe de Estado não tem nervos,
nem sensibilidade.
Só vedes a derrota, porém o velho Bismarck ainda
não deu a sua última palavra e a Alemanha, que por toda a parte pisou os seus
inimigos, continua mantendo intacto o seu território.
Vós me falais de castigo, porém esperai, porque a minha obra
ainda não se desmoronou e só quando os russos, os ingleses e os franceses
entrarem em Berlim, podereis então falar do crepúsculo dos deuses.
O poder é necessário aos grandes Estados e o poderio alemão
ainda não chegou ao fim.
A tarefa é rude, mas o velho Bismarck ainda está de pé,
inspirando aqueles que têm o governo do Império.
A Alemanha não está no abismo e o castigo a que tu – pássaro
agoureiro – te referes, também ainda não chegou. O velho Chanceler não está
cansado e a máquina ainda funciona bem.
Infelizes dos nossos inimigos! As ruínas que fizemos nada
são! Infelizes deles, se os aliados nos obrigarem a recuar! Não restará pedra
sobre pedra nas suas cidades, nenhum inimigo sairá vivo de nossas mãos.
O alemão saberá vingar-se e, se um dia for abatido, ele vos
morderá tão cruelmente que deixará a marca indelével de seus dentes.
Aconteça o que acontecer, a Alemanha estará acima de tudo e,
se cair, vos esmagará na sua queda e ficareis feridos mortalmente pelo peso do
colosso.
~~~ Terceira Mensagem ~~~
Oh! O homem criminoso que tornou a Alemanha desnaturada e a
quem o Universo todo odeia continua agarrado no seu erro.
Por que Deus me deixou morrer tão cedo? Eu teria parado esse
movimento que me apavorava e teria reconstruído uma Alemanha pacífica de
verdade. O meu infeliz filho levou até ao fim a obra de Bismarck e o
meu pobre país ruma para a perdição.
A cultura oferecida às novas gerações cegou-as
completamente e cada alemão vive no sonho do seu orgulho, porém o despertar
será fulminante e terrível, como terríveis serão as dilacerações
interiores.
Que tristeza saber que há tantas desgraças iminentes
sobre o nosso país! Estou muito penalizado e muito grande é o meu infortúnio
vendo como um nobre povo se desonra desta maneira, entretanto é necessária esta
terrível guerra para aperfeiçoar a raça alemã e preparar a sua evolução.
Franceses, esperai e considerai-vos felizes, apesar dos
males que o vosso país padece, porque não nascestes alemães e pertenceis à
nação mais generosa do mundo, que tem piedade até dos seus criminosos
inimigos.
(Continua no próximo número)
/…
(*) Adenda desta publicação.
(ii) Veja-se O Problema do Ser e do
Destino.
(iii) Adenda desta publicação.
(iv) As três comunicações foram publicadas,
integralmente, no La Dépêche, de Tours, em 28 de fevereiro de 1915.
A colecção desse jornal está à disposição do público na biblioteca da
cidade.
Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIII
A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica (1) Janeiro de 1919; Primeira
Mensagem, Henri Heine / Segunda Mensagem, Bismarck / Terceira Mensagem, Frederico III / comunicações psicografadas por
Madame Hyver em Paris, a 18 de dezembro de 1914, 38º fragmento desta
obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro
britânico, no dia de Natal durante a primeira
guerra mundial (1914), quando fizeram um cessar-fogo informal
entre soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo de uma semana,
trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar
presentes)
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