XXIII
A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica ~
~~ Janeiro de 1919 ~
(2 de 2)
A escrita automática é o recurso mais utilizado pelos
grandes espíritos para nos darem os seus ensinamentos e foi por meio das
mensagens escritas que Kardec elaborou a Doutrina Espírita.
Tais mensagens são notórias pela sua elevação e, embora
obtidas em muitos pontos do mundo, pelos mais diversos médiuns, apresentam
concordância perfeita quanto aos princípios fundamentais.
Seria impossível considerá-las como obra pessoal
desses médiuns, porque as opiniões e a educação de cada um deles,
na maior parte dos casos, estavam em antagonismo com
as tendências manifestadas nas comunicações.
A revelação espírita está, portanto, acima das revelações
precedentes, graças ao carácter de simultaneidade e universalidade que
possui.
Todavia, ela não contradiz as anteriores, ela completa-as,
ampliando o campo dos nossos conhecimentos sobre o mundo invisível, a natureza
e o destino dos seres.
As discordâncias que, no princípio, apareciam entre os
espíritos latinos e os anglo-saxónicos sobre a reencarnação e
as vidas sucessivas, tendem a suavizar-se e desaparecer, pois os
anglo-saxónicos estão empenhados, provavelmente por inspiração de espíritos
superiores, no estudo do seu passado e na pesquisa das suas vidas
anteriores.
Disso resulta que as crenças do Oriente e do Ocidente se
aproximam e se juntam numa poderosa unidade para maior bem-estar e progresso do
género humano. A pouco e pouco (lentamente, mas com segurança) a humanidade vai
formando uma mesma alma, uma mesma consciência e uma mesma fé.
Citámos três mensagens que destacam, com clareza
impressionante, o carácter dos seus autores e, agora, eis uma outra
comunicação, inédita, de ordem moral e sem assinatura. Por discrição, os
espíritos superiores, excepto em casos de necessidade absoluta, vacilam em se
apresentar de outro modo que não seja com termos alegóricos ou disfarçando-se
com o véu do anonimato. Todavia, é fácil descobri-los pela elevação dos seus
pensamentos e a profundidade dos seus juízos, enquanto que os espíritos
frívolos gostam de aparecer com nomes célebres, que não lhes pertencem, nas
mais insignificantes mensagens.
A comunicação a seguir foi conseguida em 16 de Julho de 1893, por Madame Hyver, já mencionada, a qual considero uma das
melhores médiuns escreventes que existem. Eu vi-a,
na penumbra, escrever numerosas páginas que, uma vez terminadas, atirava para
trás de si, em movimentos febris. Essas páginas, juntas e coordenadas, traziam
mensagens notáveis, tanto na forma como na essência.
~~~ Mensagem sobre a Unidade de Crença ~~~
A união mais perfeita que pode haver entre os homens é a
união do pensamento, é a harmonia dos corações e das inteligências numa ideia
comum. É isso, justamente, o que falta aos cultos actuais. Eles não possuem um
vínculo comum que consiga fazer circular, no mesmo instante,
por todos os fiéis, o mesmo sentimento, a mesma inspiração. São estranhos entre
si, o sacerdote e os fiéis; sob a aparência da forma que se observa, o culto
real é frio e morto. Os raros impulsos de fé individual perdem-se na onda
confusa da multidão e, a religião deixa de ser uma expressão dos sentimentos de
um povo.
A diferença das inteligências, da educação e das condições
sociais cria, entre os indivíduos, muros muitas vezes intransponíveis, mas que
podem ser demolidos pela comunhão da fé e pelo mesmo ideal religioso.
Para cada povo é necessária uma religião que seja a
linguagem comum de todos os indivíduos, porém esse ideal quase não é entendido
pelas actuais religiões, que se foram desviando dele no decorrer dos tempos.
Nenhuma é realmente popular. A religião nova que a humanidade deseja, simples
como tudo quanto é belo, poderosa como tudo o que é verdadeiro e grandiosa como
tudo o que é justo, deve atender às aspirações do espírito mais amplo e ser compreendida pelos mais humildes.
Juntamente com o grande movimento de massas que se vai
estendendo por toda a Terra, em busca da igualdade social, é preciso que
corresponda a um movimento religioso; é isso o que falta às acções humanas que
não são animadas pelo sopro de um ideal.
O povo tornou-se indiferente a todos os cultos e para
novamente trazê-lo ao sentimento religioso é preciso abandonar todos os
dogmas em favor da essência da religião e só procurar, nas formas antigas, os
pontos gerais que constituem transcrições de uma mesma página, universalmente
escrita para todos os homens.
A religião deve atender não apenas à vida social e à vida
moral, como antigamente, mas também à ciência; deve penetrar em todas as
camadas sociais, corresponder a todos os ramos do conhecimento humano e dar uma
base comum a todas as aspirações humanas e a todos os seus trabalhos.
A França, particularmente, retornará ao ideal religioso, mas
só depois de grandes provações que lhe gelarão nos lábios o costumeiro sorriso
incrédulo. Mais do que qualquer outro país, ela pode dar à ideia religiosa essa
forma popular que lhe é tão necessária. Pela sua língua, pelo génio de sua raça
e pelo poder profundo de assimilação que possuem os franceses, a nossa pátria é
uma nação privilegiada.
Por si mesma, a França é una e múltipla, pois cada província
mostra um tipo particular de actividade humana e a raça inteira se encontra,
apesar de tudo, poderosamente centralizada.
Colocado entre o norte e o sul, o francês escapa dos dois
caracteres extremos, sendo, entre os outros povos, o tipo que os realiza a
todos, sendo capaz de traduzir para todos o grande movimento das ideias.
Tal movimento está muito perto, porém, antes da sua
realização, é necessário que aconteçam, na França e na Europa inteira,
profundas crises sociais.
Essas revoluções, essas lutas dos povos, despertarão as
faculdades superiores dos homens, fazendo nascer os grandes gestos de
fraternidade e de caridade; as desgraças que as nações vierem a padecer irão
reconduzi-las a Deus.
O papel da França será maravilhoso, porque ela estenderá o
seu poder moral sobre todas as nações, do Norte ao Sul, de Leste a Oeste,
combatendo em favor da justiça.
Ela introduzirá a ideia religiosa na vida social e
trabalhará pela modificação das condições de vida dos seres, através das
conquistas do verdadeiro progresso, o qual deverá suavizar todos os
sofrimentos, respeitar a vida e educar a inteligência.
Se ainda parece vago o papel que a França vai
representar é porque ela se prepara inconscientemente para desempenhá-lo
e, os progressos que ela realizou foram exactamente para se libertar do jugo
religioso e ampliar os direitos e poderes de cada indivíduo.
Os danos causados por essa nova situação impedem que se veja
claramente o grande passo dado para a frente e o rompimento dos laços que
prendiam a França a um passado morto. O materialismo que ora domina a França é antifrancês
e anti ariano. O francês é artista e idealista em tão elevado grau que não pode
permanecer muito tempo numa rota que só lhe oferece o lado inferior da criação.
Ele possui um fundo de bondade, de generosidade e de grandeza que as
circunstâncias farão reaparecer.
"A humanidade já chegou, no que se refere às raças
civilizadas, ao ponto em que todas as verdades descobertas pelos homens acabam
por convergir, formando um mesmo foco e iluminando toda a Terra. Cada nação será
conclamada a participar desse grande trabalho, cada povo trará a sua pedra para
o templo da religião universal. Essa religião nova surgirá pela própria força
das coisas, nascendo do povo movido por um grande ideal, manifestando-se por
vozes inspiradas. Ela há de ser dirigida por almas nobres, estendendo a sua
influência pelo mundo inteiro.
Em cada povo do passado e em cada povo do presente nela
aparecerão com o que tenham de mais puro e de mais belo, fundindo-se cada
bíblia numa bíblia universal. Cada religião juntará a sua luz ao novo sol,
apagando-se tudo o que separou os homens que, então, compreenderão que não
existem ritos, dogmas nem livros; que a letra se apaga diante do espírito e que
o espírito que sopra por sobre o mundo é o amor na sua dupla auréola de bondade
e de inteligência."
(Não assinada)
~~~ Outra Mensagem ~~~
(A mensagem seguinte foi obtida em 11 de Abril de
1910, do espírito de um académico, na Terra fervoroso católico, recém-falecido.)
"A minha espera não foi decepcionante, porque a morte me
confiou o segredo supremo que a minha alma procurava, em vão, descobrir.
Acreditei sempre noutra vida que terminasse com perfeição
a presente mas não pensei encontrar esse esplendor radiante do espírito divino,
que aclara com os seus múltiplos raios a obscura inteligência humana
permitindo-lhe contemplar a construção admirável do Universo e a harmonia
sublime que coordena todas as suas partes.
Como é que é possível que tão refulgente revelação não se
manifeste ao homem carnal para tirá-lo do limbo onde vegeta, no meio das brumas
do seu pensamento e dos erros dos seus sentidos? É que o êxtase talvez o
prostrasse, retirando-lhe toda a vontade de acção. Talvez essas névoas
acumuladas à nossa volta, esses erros dos nossos sentidos sejam necessários ao
progresso do nosso ser espiritual. Talvez o esforço seja a base desta vida
universal, como indica o seu anseio para esse infinito que buscamos, mesmo
através das mais simples manifestações de nossa personalidade, ainda
inconsciente.
Muito novo ainda na vida espiritual, consigo apenas
usufruir do grandioso espectáculo que se desdobra a meus olhos, sem conseguir
aprofundar as causas secretas que transformam a humanidade terrena numa
humanidade enclausurada, que vive na masmorra da matéria, enquanto que a
humanidade celeste alça as suas asas de arcanjo nas imensidades siderais onde
todas as forças do Universo se manifestam no seu conjunto maravilhoso, nos seus
efeitos tão diversos, porém tão harmoniosos.
Os sonhos dos poetas, as visões dos místicos, as criações
do génio, as comprovações e demonstrações da Ciência, as realizações mais
perfeitas da arte são apenas ecos muito débeis e percepções pequeninas que os
homens, com melhores dotes, captam como num relâmpago quando a matéria,
dominada por poucos instantes, permite que a alma possa entrever alguns pálidos
reflexos do mundo divino.
Como é doce a morte para quem confiou nela e a esperou,
não como o fim de todas as coisas, porém como o prelúdio de uma ressurreição
fulgurante!
Feliz aquele que, como eu, fechou as pálpebras sob a
obscuridade de um mundo que apenas se esboça, tornando-as a abrir perante a
glória de um mundo aperfeiçoado.
Nenhum ente vivo pode avaliar a alegria ardente que
invade o recém-eleito; é a alma liberta que alça o seu voo na certeza e na
vida, após ter errado na dúvida e na morte durante tanto tempo.
Ressurreição! Ressurreição! Glória ao Senhor! O homem,
como Jesus,
ressuscitou dos mortos para penetrar na cidade dos eleitos."
(Não assinada)
A inspiração de que certos escritores gozam pode ser
considerada, em muitos casos, como já demonstramos, (*) como uma das formas de
mediunidade, porque, quando uma onda de pensamentos nos invade e temos
dificuldade de fixá-los no papel, podemos acreditar na manifestação
do eu subliminal ou, mais frequentemente, numa acção exercida pelo
mundo invisível, que nos envolve e penetra com os seus pensamentos.
O pensamento é uma força cujas vibrações se alastram
como, na superfície da água, os círculos produzidos pela queda de um corpo. Em
extensão e potência, as vibrações do pensamento variam conforme a causa que as
produz. Os pensamentos das almas superiores alcançam incalculáveis distâncias;
o pensamento de Deus anima e enche o Universo.
O pensamento exterior nos domina, não nos obedece. Assim
que a alma humana se desapega das preocupações habituais e se eleva, começa a
sentir as correntes de vibração que, aos milhares, se entrecruzam e percorrem o
espaço. O médium sofre os seus efeitos mais do que os
outros.
O pensamento superior se estende sobre todos, porém nem
todos o sentem nem o manifestam da mesma maneira; da mesma maneira como uma
máquina obedece à corrente eléctrica que a acciona, também o médium obedece a
uma corrente de pensamentos que o invade.
O pensamento do espírito actuante é uno quanto à sua
emissão, porém variável nas suas manifestações, conforme a maior ou menor perfeição
dos instrumentos que emprega.
Como já foi visto, cada médium marca com o selo da sua personalidade o
pensamento que lhe vem de mais alto. Quanto mais desenvolvida e espiritualizada
se encontra a criatura, tanto mais se reprimem nela a matéria e os instintos e
com maior pureza e fidelidade será transmitido o pensamento superior. O
essencial, durante as reuniões, é a passividade e o abandono momentâneo da
faculdade de pensar.
O Espiritismo tem por finalidade familiarizar-nos com
esse mundo pouco conhecido, com essas aptidões da alma que, quando está
purificada e se desprendeu dos ambientes grosseiros, pode reproduzir os ecos,
as vozes e as harmonias dos mundos superiores, tornando-se fonte de inspiração,
de socorro e de luz por onde o influxo exterior desce até nós para nos
retemperar e nos robustecer.
O fundamental, para abrir essa fonte interior, promover
essa comunhão e torná-la permanente é nos libertarmos, o quanto possível, das
sugestões da matéria, de suas violentas paixões, eliminando em nós os ruídos do
mundo.
É, principalmente, reprimindo tudo o que venha
do eu egoísta que facilitamos a penetração das influências
superiores. Quanto mais recusarmos as manifestações inferiores da
personalidade, mais desenvolveremos os poderes e as faculdades inatas que fazem
a nossa comunicação com os mundos celestes.
Encaminhemos, portanto, todos os nossos pensamentos e
actos para um fim elevado e, isso é possível mesmo nas condições sociais mais
humildes e no meio das ocupações mais vulgares.
Recorramos, à oração espontânea, por essa manifestação do
pensamento que não é uma repetição mecânica de palavras, porém um grito do
coração, a essa inspiração, a esse influxo do Alto que se irá avolumando, de
tal maneira que a comunicação com o que existe de grande e elevado no invisível
tornar-se-á familiar e constante para nós.
Seremos, assim, intermediários e agentes do pensamento
superior. Dessa forma teremos tal força e tal apoio que, de agora em diante, já
não teremos desânimo, vacilação nem fraqueza e nos sentiremos envolvidos por
essa confiança e essa serenidade que a posse dos bens imorredouros do espírito
nos garante.
/…
(*) Veja-se o último capítulo de No
Invisível (Espiritismo e Mediunidade).
Léon Denis, O Mundo Invisível e a Guerra, XXIII
A Experimentação Espírita: Escrita Mediúnica (2); (Janeiro de 1919), (Mensagem
sobre a Unidade de Crença, de 16 de Julho de 1893), (Outra Mensagem, de 11
de Abril de 1910). 39º fragmento desta obra.
(imagem: Dois soldados um alemão e o outro britânico, no
dia de Natal durante a primeira
guerra mundial (1914), aquando de um cessar-fogo promovido
pelos próprios soldados, alemães, britânicos e também franceses, ao longo
de uma semana trocaram saudações, cantaram músicas e chegaram a trocar presentes)
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