Será a beleza uma coisa convencional e relativa
a cada tipo? O que, para certos povos, constitui a beleza, não será, para
outros, horrenda fealdade? Os negros consideram-se mais belos que os brancos e
vice-versa. Nesse conflito de gostos, haverá uma beleza absoluta? Em que ela
consiste? Somos, realmente, mais belos do que os hottentotes e
os Cafres?
Porquê?
Esta questão, à primeira vista, parece estranha ao objecto
dos nossos estudos, mas ela se liga de forma directa e fundamental ao futuro da
humanidade. Ela nos foi sugerida, bem como a sua solução, pela seguinte
passagem de um livro muito interessante e muito instrutivo, intitulado: As Revoluções Inevitáveis no Globo e na Humanidade (i), de Charles Richard.
O autor combate a opinião dos que sustentam a degenerescência física
do homem, desde os tempos primitivos; refuta vitoriosamente a crença na
existência de uma raça primitiva de gigantes e empreende provar que, do ponto
de vista físico e do talhe, os homens de hoje valem o mesmo que os antigos, se
é que não os ultrapassam.
Tratando da beleza das formas, exprime-se ele assim, nas
páginas 41 e seguintes:
“Pelo que toca à beleza do rosto, à graça da fisionomia, ao
conjunto que constitui a estética do
corpo, ainda é mais fácil comprovar-se uma melhoria operada.
“Basta, para isso, que se lance um olhar sobre os tipos que
as medalhas e as estátuas antigas nos transmitiram intactas através dos
séculos.
“A iconografia de Visconti e o museu do Conde de Claral
são, entre muitas outras, duas fontes donde com facilidade se podem tirar
variados elementos para este interessante estudo.
“O que mais chama a atenção nesse conjunto de figuras é a
rudeza dos traços, a animalidade da expressão, a crueza
do olhar. O observador sente, com involuntário frémito, que tem diante de
si gente que o cortaria em pedaços, para dá-los de comer às suas moreias,
como o fazia Pollio, rico apreciador de boas iguarias, cidadão de Roma e
familiar de Augusto.
“O primeiro Brutus (Lucius
Junius), o que mandou cortar a cabeça a seus filhos e assistiu a
sangue-frio ao suplício de ambos, assemelha-se a uma fera. O seu perfil
sinistro tem da águia e do mocho o que esses dois carniceiros do ar apresentam
de mais feroz. Vendo-o, ninguém pode duvidar de que haja merecido a ignominiosa
honra que a História lhe conferiu. Assim como matou os dois filhos, também
teria estrangulado a própria mãe, pelo mesmo motivo.
“O segundo Brutus (Marcus), que apunhalou César,
o seu pai adoptivo, precisamente na hora em que este mais contava com o seu
reconhecimento e o seu amor, lembra, pelos traços, um asno fanático;
não mostra, sequer, a beleza sinistra que o artista descobre
muitas vezes, essa energia extremada que impele ao crime.
“Cícero, o orador brilhante, escritor espiritual e profundo,
que deixou tão grande recordação da sua passagem por este mundo, tem um rosto
acachapado e vulgar, que certamente tornava muito menos agradável vê-lo, do que
ouvi-lo.
“Júlio
César, o grande, o incomparável vencedor, o herói dos massacres, que deu
entrada no reino das sombras com um cortejo de dois milhões de almas por ele
previamente despachadas para lá, era tão feio como o seu
predecessor, mas de outro género. O seu rosto magro e ossudo, posto sobre um
pescoço comprido e enfeado por um pomo-de-adão saliente, parecia-se mais com um
grande Gilles (*) do que com um grande guerreiro.
“Galba, Vespasiano, Nerva, Caracala, Alexandre
Severo, Balbino,
não eram apenas feios, mas horrendos. É com dificuldade que, nesse museu dos
antigos tipos da
nossa espécie, o observador logra descobrir, aqui e ali, algumas figuras que
possam merecer um olhar de simpatia.
“As de Cipião o
Africano, de Pompeu,
de Cómodo,
de Heliogábalo,
de Antinoo o
pequeno de Adriano, são desse reduzido número. Sem serem belos, no
sentido moderno da palavra, essas figuras são, entretanto,
regulares e de agradável aspecto.
“As mulheres não são melhor tratadas do que os homens e dão
ensejo às mesmas notas. Lívia,
filha de Augusto, tem o perfil pontudo de uma fuinha; Agripina mete
medo e Messalina, como que para desconcertar a Cabanis e Lavater,
parece uma serviçal gorduchona, mais amante de sopas suculentas, do
que de outra coisa.
“Os gregos, é preciso dizê-lo, são, em geral, menos mal
talhados que os romanos. As figuras de Temístocles e
de Milcíades,
entre outros, podem comparar-se aos mais belos tipos modernos.
Mas Alcibíades,
o avô longínquo dos nossos Richelieu e
dos nossos Lauzun,
cujas façanhas galantes, por si sós, enchem a crónica de Atenas, tinha,
como Messalina,
muito pouco do físico que corresponderia às suas actividades. Ao ver-lhe os
traços solenes e a fronte grave, quem quer que seja o tomaria antes por um
jurista agarrado a um texto de lei, do que pelo audacioso conquistador, que
foi, de mulheres, que se fazia exilar em Esparta, unicamente para
enganar o pobre rei Ágis e, depois, vangloriar-se de ter sido amante de uma
rainha.
“Não obstante a pequena vantagem que, quanto a esse ponto,
se possa conceder aos gregos sobre os romanos, quem se der ao trabalho de
comparar esses velhos tipos com os do nosso tempo, reconhecerá sem esforço que
nesse sentido, como em todos os outros, houve progresso. Apenas,
convém não esquecer, nessa comparação, que aqui se trata de classes
privilegiadas, sempre mais belas do que as outras e que, por conseguinte,
os tipos modernos que se tenham de contrapor aos antigos
deverão ser escolhidos nos salões e não nas pocilgas.
É que a pobreza, ah!... em todos os tempos e sob todos os
aspectos, jamais foi bela e não o é,
precisamente, para nos envergonhar e forçar-nos a um dia a
nos libertarmos dela.
“Não quero, pois, dizer, longe disso, que a fealdade tenha
desaparecido inteiramente das nossas frontes e que a marca divina se encontra
afinal posta em todas as máscaras que velam uma alma. Longe de mim avançar uma
afirmação que muito facilmente poderia ser contestada por toda a gente. A minha
pretensão limita-se a verificar que, num período de dois mil anos, coisa
tão pouca para uma humanidade que tanto tem de viver, a
fisionomia da espécie melhorou de maneira já sensível.
“Creio, além disso, que as mais belas figuras da antiguidade
são inferiores às que podemos diariamente admirar nas nossas reuniões públicas,
nas nossas festas e até no trânsito das ruas. Se não fosse o receio de ofender certas
modéstias e também o de excitar certos
ciúmes, confirmaria a evidência do facto com algumas centenas de exemplos
conhecidos de todos, no mundo contemporâneo.
“Os oradores do passado enchem constantemente a boca com a
famosa Vénus de Médicis, que lhes parece o ideal da beleza
feminina, sem se aperceberem de que essa mesma Vénus passeia todos os domingos
pelas avenidas d’Arles,
em mais de cinquenta exemplares e, poucas serão as nossas cidades, sobretudo do
Sul, que não possuam algumas...
“...Em tudo o que vimos de dizer, limitamo-nos a
comparar o nosso tipo actual com o dos povos que nos precederam de apenas
alguns milhares de anos. Se, porém, remontarmos mais longe através das
idades, penetrando nas camadas terrestres onde dormem os despojos das
primeiras raças que habitaram o nosso globo, a vantagem a
nosso favor se tornará de tal modo sensível que qualquer negação a esse
respeito se desvanecerá por si mesma.
“Sob aquela influência teológica que deteve Copérnico e Tycho Brahe,
que perseguiu Galileu e que, nestes tempos mais próximos, obscureceu
por um instante o génio do próprio Cuvier,
a Ciência hesitava em sondar os mistérios das épocas antediluvianas. A
narrativa bíblica, admitida ao pé da letra, no mais estreito sentido, parecia
haver dito a última palavra acerca da nossa origem e dos séculos que nos
separam dela. Mas, a verdade, impiedosa nos seus acrescentamentos, acabou
rompendo a veste de ferro em que a queriam aprisionar para sempre e pondo a nu
formas até então ocultas.
“O homem que vivia, antes do dilúvio, em companhia dos
mastodontes, do urso das cavernas e de outros grandes mamíferos hoje
desaparecidos, o homem fóssil, numa palavra, por tão longo tempo negado, foi
encontrado afinal, ficando fora de dúvida a sua existência. Os recentes
trabalhos dos geólogos, particularmente os de Boucher
de Perthes (**), de Filippi e de Lyell,
permitem se apreciem os caracteres físicos desse venerável avô do género
humano.
Ora, a despeito dos contos imaginados pelos poetas, sobre a
beleza originária; malgrado ao respeito que lhe é devido, como
chefe antigo da nossa raça, a Ciência é obrigada a atestar que ele era de
prodigiosa fealdade.
“O seu ângulo facial não passava dos 70º; as suas
mandíbulas, de considerável volume, eram armadas de dentes longos e salientes;
tinha fugidia a fronte e as têmporas achatadas, o nariz esborrachado, largas as
narinas. Em resumo, esse venerável pai devia assemelhar-se bem mais a um
orangotango, do que aos seus afastados filhos de hoje; a tal ponto que, se não
lhe tivessem encontrado ao lado as achas de sílex que fabricara e, em alguns
casos, animais que ainda apresentavam traços das feridas causadas por essas
armas informes, fora de duvidar-se do papel que ele desempenhava na nossa
filiação terrestre. Não somente sabia fabricar achas de sílex, como
também clavas e
pontas de dardos, da mesma matéria.
“A galantaria antediluviana chegava mesmo a confeccionar
braceletes e colares de pedrinhas arredondadas para adorno, naqueles tempos
longínquos, dos braços e pescoços do sexo encantador, que depois se tornou
muito mais exigente, como todos podem testemunhar.
“Não sei o que a respeito pensarão as elegantes dos nossos
dias, cujas espáduas cintilam de diamantes; quanto a mim, confesso-o, não me
posso forrar a uma emoção profunda, ao pensar nesse primeiro esforço que o
homem, mal diferenciado do bruto, fez para agradar à sua
companheira, pobre e nua como ele, no seio de uma natureza inóspita, sobre a
qual a sua raça há de reinar um dia. Oh! distanciados avós! se já
sabíeis amar, com as vossas faces rudimentares, como poderíamos nós duvidar
da vossa paternidade, perante esse sinal divino
da nossa espécie?
“É, pois, manifesto que aqueles humanos informes são nossos
pais, uma vez que nos deixaram traços da sua inteligência e do
seu amor, atributos essenciais que nos separam da besta. Podemos,
então, examinando-os atentamente, despojados das aluviões que os cobrem, medir,
como a compasso, o progresso físico
que a nossa espécie realizou, desde o seu aparecimento na Terra. Ora, esse
progresso, que, há pouco, podia ser contestado pelo espírito de sistema e pelos
prejuízos de educação, assume tal evidência que já não há como deixar de o
reconhecer e proclamar.
“Alguns milhares de anos podiam permitir dúvidas, algumas
centenas de séculos as dissipam irrevogavelmente...
“...Quão jovens e recentes somos em todas as coisas! Ainda
ignoramos o nosso lugar e o nosso caminho na imensidade do Universo e ousamos
negar progressos que, por falta de tempo, ainda não puderam ser reconhecidos.
Crianças que somos, tenhamos um pouco de paciência e os séculos,
aproximando-nos da meta, nos revelarão esplendores que, no seu afastamento,
escapam aos nossos olhos apenas entreabertos.
“Mas, desde já, proclamemos em altas vozes, pois que a
Ciência no-lo permite, o facto capital e consolador do progresso lento, mas
seguro, do nosso tipo físico, rumo a esse ideal que os grandes artistas
entreviram, graças às inspirações que o céu lhes envia, revelando-lhes os seus
segredos. O ideal não é produto ilusório da imaginação, um sonho fugitivo
destinado a dar, de tempos a tempos, compensação às nossas misérias. É um
fim assinado por Deus aos nossos aperfeiçoamentos, fim
infinito, porque só o infinito, em todos os casos, pode satisfazer ao nosso
espírito e oferecer-lhe uma carreira digna dele.”
Destas judiciosas observações, resulta
que a forma dos corpos se modificou em sentido determinado e
segundo uma lei, à medida que o ser moral se
desenvolveu; que a forma exterior está
em relação constante com o instinto e os apetites do ser moral;
que, quanto mais os seus instintos se aproximam da animalidade, tanto mais a
forma igualmente dela se aproxima; enfim, que, à medida que os instintos
materiais se depuram e dão lugar a sentimentos morais, o envoltório material,
que já não se destina à satisfação de necessidades grosseiras, toma formas cada
vez menos pesadas, mais delicadas, de harmonia com a elevação e a delicadeza das
ideias. A perfeição da forma é, assim, consequência da perfeição do Espírito:
donde se pode concluir que o ideal da forma há de ser a que revestem os
Espíritos em estado de pureza, a com que sonham os poetas e os verdadeiros
artistas, porque penetram, pelo pensamento, nos mundos superiores.
Diz-se, de há muito, que o semblante é o espelho da alma.
Esta verdade, que se tornou axioma, explica o facto vulgar de desaparecerem
certas fealdades debaixo do reflexo das qualidades morais do
Espírito e o de, muito amiúde, se preferir uma pessoa feia, dotada de eminentes
qualidades, a outra que apenas possua a beleza plástica. É que semelhante
fealdade consiste unicamente em irregularidades de forma, mas sem excluir a
finura dos traços, necessária à expressão dos sentimentos delicados.
Do que precede se pode concluir que a beleza real consiste
na forma que mais afastada se apresenta da animalidade e que melhor reflecte a
superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal.
Influindo o moral, como influi, sobre o físico, que ele apropria às suas
necessidades físicas e morais, segue-se: 1º que o tipo da beleza consiste na
forma mais própria à expressão das mais altas qualidades morais e intelectuais;
2º que, à medida que o homem se elevar moralmente, o seu envoltório se irá avizinhando do
ideal da beleza, que é a beleza angélica. O negro pode ser belo para o negro,
como um gato é belo para um gato; mas, não é belo em sentido absoluto, porque
os seus traços grosseiros, os seus lábios espessos acusam a materialidade dos
instintos; podem exprimir as paixões violentas, mas não podem prestar-se a
evidenciar os delicados matizes do sentimento, nem as modulações de um espírito
fino.
Daí o podermos, sem fatuidade, creio, dizer-nos mais belos
do que os negros e os hottentotes.
Mas, também pode ser que, para as gerações futuras, melhoradas, sejamos o
que são os hottentotes com relação a nós. E quem sabe se, quando
encontrarem os nossos fósseis, essas gerações não os tomarão pelos de alguma
espécie de animais.
~*~~
Lido que foi este artigo na Sociedade de Paris,
tornou-se objecto de
grande número de comunicações, apresentando todas elas as mesmas conclusões.
Transcreveremos apenas as duas seguintes, por serem as mais desenvolvidas:
Paris, 4 de Fevereiro de 1869.
(Médium: Sra. Malet)
Ponderastes com acerto que a fonte primária de toda a
bondade e de toda a inteligência é também a fonte de toda a beleza. — O amor
gera a beleza de todas as coisas, sendo, ele próprio, a perfeição. — O Espírito
tem por dever adquirir essa perfeição, que é a sua essência e o seu destino.
Ele tem que se aproximar, por seu trabalho, da inteligência soberana e da
bondade infinita; tem, pois, também que revestir a forma cada vez mais
perfeita, que caracteriza os seres perfeitos.
Se, nas vossas sociedades infelizes, no vosso globo ainda
mal equilibrado, a espécie humana está tão longe dessa beleza física, é porque
a beleza moral ainda está em início de desenvolvimento. A
ligação entre essas duas belezas é facto certo, lógico e
do qual já neste mundo a alma tem a intuição. Com efeito, sabeis todos quão
penoso é o aspecto de uma encantadora fisionomia, cujo encanto, porém, o
carácter desmente. Se ouvis falar de uma pessoa de mérito comprovado,
logo lhe atribuis os mais simpáticos traços e ficais dolorosamente impressionados,
quando verificais que a realidade desmente as vossas
conjecturas.
Que concluir daí, senão que, como todas as coisas que o
futuro guarda de reserva, a alma tem a presciência da
beleza, à medida que a Humanidade progride e se aproxima do seu tipo divino.
Não procureis tirar, da aparente decadência em que se encontra
a raça mais adiantada deste globo, argumentos contrários a essa afirmação. Sim,
é verdade que a espécie parece degenerar, abastardar-se; sobre vós se abatem
as enfermidades antes da velhice; mesmo a infância sofre
as doenças que habitualmente só se manifestam noutra idade da vida. É isso, no
entanto, simples transição. A vossa época é má; ela acaba e gera: acaba
um período doloroso e gera uma época de regeneração física,
de adiantamento moral, de progresso intelectual.
A nova raça, de que já falei, terá mais faculdades, mais recursos para os
serviços do espírito; será maior, mais forte, mais bela. Desde o princípio, pôr-se-á de
harmonia com as riquezas da Criação que a vossa raça,
descuidosa e fatigada, desdenha ou ignora. Ter-lhe-eis feito grandes coisas,
das quais ela aproveitará, avançando pela estrada das descobertas e
dos aperfeiçoamentos, com um ardor febril cujo poder desconheceis.
Mais adiantados também em bondade, os vossos descendentes
farão desta infeliz terra o que não haveis sabido fazer: um mundo ditoso, onde
o pobre não será repelido, nem desprezado, mas socorrido por vastas e liberais
instituições. Já desponta a aurora dessas ideias; chega-nos, por momentos, a
claridade delas.
Amigos, eis afinal o dia em que a luz brilhará na Terra
obscura e miserável, em que a raça será boa e bela, de acordo com o grau de
adiantamento que tenha alcançado, em que o sinal posto na fronte do
homem já não será o da reprovação, mas um sinal de alegria e
de esperança. Então, os Espíritos adiantados virão, em multidão, tomar
lugar entre os colonos deste globo; estarão em maioria e tudo
lhes cederá ao passo. Far-se-á a renovação e a face do globo será mudada,
porquanto essa raça será grande e poderosa e o momento em que ela vier
assinalará o começo dos tempos venturosos.
Pamphile
~*~~
Paris, 4 de Fevereiro de 1869.
A beleza, do ponto de vista puramente humano, é uma questão
muito discutível e muito discutida. Para a apreciarmos bem, precisamos
estudá-la como amadores desinteressados. Aquele que estiver
sob o encantamento não pode ter voz no capítulo. Também
entra em linha de conta o gosto de cada um, nas apreciações
que se fazem.
Belo, realmente belo só é o que o é sempre e
para todos; e essa beleza eterna, infinita, é a manifestação divina nos seus
aspectos incessantemente variados; é Deus nas suas obras e nas
suas leis! Eis aí a única beleza absoluta. É a harmonia das harmonias
e tem direito ao título de absoluta, porque nada de mais belo se pode conceber.
Quanto ao que se convencionou chamar belo e que é
verdadeiramente digno desse título, não deve ser considerado senão como coisa essencialmente relativa,
porquanto sempre se pode conceber alguma coisa mais bela, mais perfeita.
Somente uma beleza existe e uma única perfeição: Deus. Fora dele, tudo o que
adornarmos com esses atributos não passa de pálido reflexo do
belo único, de um aspecto harmonioso das mil e uma harmonias da Criação.
Há tantas harmonias, quantos objectos criados, quantas
belezas típicas, por conseguinte, determinando o ponto culminante da perfeição
que qualquer das subdivisões do elemento animado pode alcançar. — A pedra é
bela e bela de modos diversos. — Cada espécie mineral tem as suas harmonias e o
elemento que reúne todas as harmonias da espécie possui a
maior soma de beleza que a espécie possa alcançar.
A flor tem as suas harmonias; também ela pode possuí-las
todas ou insuladamente e ser diferentemente bela, mas somente
será bela quando as harmonias que concorrem para a sua criação
se encontrarem harmonicamente fusionadas. — Dois tipos de beleza podem produzir, por fusão, um ser híbrido, informe, de
aspecto repulsivo. — Há então cacofonia! Todas as vibrações, insuladamente, eram harmónicas, mas a diferença de tonalidade
entre elas produziu um desacordo, ao encontrarem-se as ondas
vibrantes; daí o monstro!
Descendo a escala criada, cada tipo animal dá lugar às
mesmas observações e a ferocidade, a manha, até a inveja poderão
dar origem a belezas especiais, se estiver sem mistura o princípio que determina
a forma. A harmonia, mesmo no mal, produz o belo. Há o belo satânico e o belo
angélico; a beleza enérgica e a beleza resignada.
Cada sentimento, cada feixe de sentimentos,
contanto que seja harmónico, produz um particular tipo de beleza,
cujos aspectos humanos são todos, não degenerescências, mas esboços.
É, pois, certo dizermos, não que somos mais belos, porém que
nos aproximamos cada vez mais da beleza real,
à medida que nos elevamos para a perfeição.
Todos os tipos se unem harmonicamente no
perfeito. Daí ser este o belo absoluto. — Nós que progredimos possuímos apenas
uma beleza relativa, debilitada e combatida pelos elementos desarmónicos da
nossa natureza.
Lavater
/...
(*) Espécie de Pierrot parvo e poltrão que Watteau representou
num quadro notavél (Louvre) – Apud “Petit Larousse
Illustré”. Nota da Editora, à 13ª edição, em 1973.
(**) Vejam-se as duas obras sábias de Boucher
de Perthes: Do Homem antediluviano e de suas obras; e Dos
utensílios de pedra.
Lavater, Johann Kaspar: (além de pastor,
foi filósofo, poeta, teólogo[1] e um entusiasta do magnetismo
animal na Suíça). Fonte: Wikipédia / Wikiwand, a
enciclopédia livre. Ler toda a notícia.
ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte – Sobre as artes
em geral; a sua regeneração por meio do Espiritismo – Teoria da beleza,
19º fragmento desta obra.
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela,
de Noêmia
Guerra)
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