Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Diálogos de Kardec ~


§ Teoria da beleza ~ 

  Será a beleza uma coisa convencional e relativa a cada tipo? O que, para certos povos, constitui a beleza, não será, para outros, horrenda fealdade? Os negros consideram-se mais belos que os brancos e vice-versa. Nesse conflito de gostos, haverá uma beleza absoluta? Em que ela consiste? Somos, realmente, mais belos do que os hottentotes e os Cafres? Porquê? 

  Esta questão, à primeira vista, parece estranha ao objecto dos nossos estudos, mas ela se liga de forma directa e fundamental ao futuro da humanidade. Ela nos foi sugerida, bem como a sua solução, pela seguinte passagem de um livro muito interessante e muito instrutivo, intitulado: As Revoluções Inevitáveis no Globo e na Humanidade (i), de Charles Richard. 

  O autor combate a opinião dos que sustentam a degenerescência física do homem, desde os tempos primitivos; refuta vitoriosamente a crença na existência de uma raça primitiva de gigantes e empreende provar que, do ponto de vista físico e do talhe, os homens de hoje valem o mesmo que os antigos, se é que não os ultrapassam. 

  Tratando da beleza das formas, exprime-se ele assim, nas páginas 41 e seguintes: 

  “Pelo que toca à beleza do rosto, à graça da fisionomia, ao conjunto que constitui a estética do corpo, ainda é mais fácil comprovar-se uma melhoria operada. 

  “Basta, para isso, que se lance um olhar sobre os tipos que as medalhas e as estátuas antigas nos transmitiram intactas através dos séculos. 

  “A iconografia de Visconti e o museu do Conde de Claral são, entre muitas outras, duas fontes donde com facilidade se podem tirar variados elementos para este interessante estudo. 

  “O que mais chama a atenção nesse conjunto de figuras é a rudeza dos traços, a animalidade da expressãoa crueza do olhar. O observador sente, com involuntário frémito, que tem diante de si gente que o cortaria em pedaços, para dá-los de comer às suas moreias, como o fazia Pollio, rico apreciador de boas iguarias, cidadão de Roma e familiar de Augusto. 

  “O primeiro Brutus (Lucius Junius), o que mandou cortar a cabeça a seus filhos e assistiu a sangue-frio ao suplício de ambos, assemelha-se a uma fera. O seu perfil sinistro tem da águia e do mocho o que esses dois carniceiros do ar apresentam de mais feroz. Vendo-o, ninguém pode duvidar de que haja merecido a ignominiosa honra que a História lhe conferiu. Assim como matou os dois filhos, também teria estrangulado a própria mãe, pelo mesmo motivo. 

  “O segundo Brutus (Marcus), que apunhalou César, o seu pai adoptivo, precisamente na hora em que este mais contava com o seu reconhecimento e o seu amor, lembra, pelos traços, um asno fanático; não mostra, sequer, a beleza sinistra que o artista descobre muitas vezes, essa energia extremada que impele ao crime. 

  “Cícero, o orador brilhante, escritor espiritual e profundo, que deixou tão grande recordação da sua passagem por este mundo, tem um rosto acachapado e vulgar, que certamente tornava muito menos agradável vê-lo, do que ouvi-lo. 

  “Júlio César, o grande, o incomparável vencedor, o herói dos massacres, que deu entrada no reino das sombras com um cortejo de dois milhões de almas por ele previamente despachadas para lá, era tão feio como o seu predecessor, mas de outro género. O seu rosto magro e ossudo, posto sobre um pescoço comprido e enfeado por um pomo-de-adão saliente, parecia-se mais com um grande Gilles (*) do que com um grande guerreiro. 

  “GalbaVespasianoNervaCaracalaAlexandre SeveroBalbino, não eram apenas feios, mas horrendos. É com dificuldade que, nesse museu dos antigos tipos da nossa espécie, o observador logra descobrir, aqui e ali, algumas figuras que possam merecer um olhar de simpatia. 

  “As de Cipião o Africano, de Pompeu, de Cómodo, de Heliogábalo, de Antinoo o pequeno de Adriano, são desse reduzido número. Sem serem belos, no sentido moderno da palavra, essas figuras são, entretanto, regulares e de agradável aspecto. 

  “As mulheres não são melhor tratadas do que os homens e dão ensejo às mesmas notas. Lívia, filha de Augusto, tem o perfil pontudo de uma fuinhaAgripina mete medo e Messalina, como que para desconcertar a Cabanis e Lavater, parece uma serviçal gorduchona, mais amante de sopas suculentas, do que de outra coisa. 

  “Os gregos, é preciso dizê-lo, são, em geral, menos mal talhados que os romanos. As figuras de Temístocles e de Milcíades, entre outros, podem comparar-se aos mais belos tipos modernos. Mas Alcibíades, o avô longínquo dos nossos Richelieu e dos nossos Lauzun, cujas façanhas galantes, por si sós, enchem a crónica de Atenas, tinha, como Messalina, muito pouco do físico que corresponderia às suas actividades. Ao ver-lhe os traços solenes e a fronte grave, quem quer que seja o tomaria antes por um jurista agarrado a um texto de lei, do que pelo audacioso conquistador, que foi, de mulheres, que se fazia exilar em Esparta, unicamente para enganar o pobre rei Ágis e, depois, vangloriar-se de ter sido amante de uma rainha. 

  “Não obstante a pequena vantagem que, quanto a esse ponto, se possa conceder aos gregos sobre os romanos, quem se der ao trabalho de comparar esses velhos tipos com os do nosso tempo, reconhecerá sem esforço que nesse sentido, como em todos os outros, houve progresso. Apenas, convém não esquecer, nessa comparação, que aqui se trata de classes privilegiadas, sempre mais belas do que as outras e que, por conseguinte, os tipos modernos que se tenham de contrapor aos antigos deverão ser escolhidos nos salões e não nas pocilgas. É que a pobreza, ah!... em todos os tempos e sob todos os aspectos, jamais foi bela e não é, precisamente, para nos envergonhar e forçar-nos a um dia a nos libertarmos dela. 

  “Não quero, pois, dizer, longe disso, que a fealdade tenha desaparecido inteiramente das nossas frontes e que a marca divina se encontra afinal posta em todas as máscaras que velam uma alma. Longe de mim avançar uma afirmação que muito facilmente poderia ser contestada por toda a gente. A minha pretensão limita-se a verificar que, num período de dois mil anos, coisa tão pouca para uma humanidade que tanto tem de viver, a fisionomia da espécie melhorou de maneira já sensível. 

  “Creio, além disso, que as mais belas figuras da antiguidade são inferiores às que podemos diariamente admirar nas nossas reuniões públicas, nas nossas festas e até no trânsito das ruas. Se não fosse o receio de ofender certas modéstias e também o de excitar certos ciúmes, confirmaria a evidência do facto com algumas centenas de exemplos conhecidos de todos, no mundo contemporâneo. 

  “Os oradores do passado enchem constantemente a boca com a famosa Vénus de Médicis, que lhes parece o ideal da beleza feminina, sem se aperceberem de que essa mesma Vénus passeia todos os domingos pelas avenidas d’Arles, em mais de cinquenta exemplares e, poucas serão as nossas cidades, sobretudo do Sul, que não possuam algumas... 

  “...Em tudo o que vimos de dizer, limitamo-nos a comparar o nosso tipo actual com o dos povos que nos precederam de apenas alguns milhares de anos. Se, porém, remontarmos mais longe através das idades, penetrando nas camadas terrestres onde dormem os despojos das primeiras raças que habitaram o nosso globo, a vantagem a nosso favor se tornará de tal modo sensível que qualquer negação a esse respeito se desvanecerá por si mesma. 

  “Sob aquela influência teológica que deteve Copérnico e Tycho Brahe, que perseguiu Galileu e que, nestes tempos mais próximos, obscureceu por um instante o génio do próprio Cuvier, a Ciência hesitava em sondar os mistérios das épocas antediluvianas. A narrativa bíblica, admitida ao pé da letra, no mais estreito sentido, parecia haver dito a última palavra acerca da nossa origem e dos séculos que nos separam dela. Mas, a verdade, impiedosa nos seus acrescentamentos, acabou rompendo a veste de ferro em que a queriam aprisionar para sempre e pondo a nu formas até então ocultas. 

  “O homem que vivia, antes do dilúvio, em companhia dos mastodontes, do urso das cavernas e de outros grandes mamíferos hoje desaparecidos, o homem fóssil, numa palavra, por tão longo tempo negado, foi encontrado afinal, ficando fora de dúvida a sua existência. Os recentes trabalhos dos geólogos, particularmente os de Boucher de Perthes (**), de Filippi e de Lyell, permitem se apreciem os caracteres físicos desse venerável avô do género humano. 

  Ora, a despeito dos contos imaginados pelos poetas, sobre a beleza originária; malgrado ao respeito que lhe é devido, como chefe antigo da nossa raça, a Ciência é obrigada a atestar que ele era de prodigiosa fealdade. 

  “O seu ângulo facial não passava dos 70º; as suas mandíbulas, de considerável volume, eram armadas de dentes longos e salientes; tinha fugidia a fronte e as têmporas achatadas, o nariz esborrachado, largas as narinas. Em resumo, esse venerável pai devia assemelhar-se bem mais a um orangotango, do que aos seus afastados filhos de hoje; a tal ponto que, se não lhe tivessem encontrado ao lado as achas de sílex que fabricara e, em alguns casos, animais que ainda apresentavam traços das feridas causadas por essas armas informes, fora de duvidar-se do papel que ele desempenhava na nossa filiação terrestre. Não somente sabia fabricar achas de sílex, como também clavas e pontas de dardos, da mesma matéria. 

  “A galantaria antediluviana chegava mesmo a confeccionar braceletes e colares de pedrinhas arredondadas para adorno, naqueles tempos longínquos, dos braços e pescoços do sexo encantador, que depois se tornou muito mais exigente, como todos podem testemunhar. 

  “Não sei o que a respeito pensarão as elegantes dos nossos dias, cujas espáduas cintilam de diamantes; quanto a mim, confesso-o, não me posso forrar a uma emoção profunda, ao pensar nesse primeiro esforço que o homem, mal diferenciado do bruto, fez para agradar à sua companheira, pobre e nua como ele, no seio de uma natureza inóspita, sobre a qual a sua raça há de reinar um dia. Oh! distanciados avós! se já sabíeis amar, com as vossas faces rudimentares, como poderíamos nós duvidar da vossa paternidade, perante esse sinal divino da nossa espécie? 

  “É, pois, manifesto que aqueles humanos informes são nossos pais, uma vez que nos deixaram traços da sua inteligência e do seu amor, atributos essenciais que nos separam da besta. Podemos, então, examinando-os atentamente, despojados das aluviões que os cobrem, medir, como a compasso, progresso físico que a nossa espécie realizou, desde o seu aparecimento na Terra. Ora, esse progresso, que, há pouco, podia ser contestado pelo espírito de sistema e pelos prejuízos de educação, assume tal evidência que já não há como deixar de o reconhecer e proclamar. 

  “Alguns milhares de anos podiam permitir dúvidas, algumas centenas de séculos as dissipam irrevogavelmente... 

  “...Quão jovens e recentes somos em todas as coisas! Ainda ignoramos o nosso lugar e o nosso caminho na imensidade do Universo e ousamos negar progressos que, por falta de tempo, ainda não puderam ser reconhecidos. Crianças que somos, tenhamos um pouco de paciência e os séculos, aproximando-nos da meta, nos revelarão esplendores que, no seu afastamento, escapam aos nossos olhos apenas entreabertos. 

  “Mas, desde já, proclamemos em altas vozes, pois que a Ciência no-lo permite, o facto capital e consolador do progresso lento, mas seguro, do nosso tipo físico, rumo a esse ideal que os grandes artistas entreviram, graças às inspirações que o céu lhes envia, revelando-lhes os seus segredos. O ideal não é produto ilusório da imaginação, um sonho fugitivo destinado a dar, de tempos a tempos, compensação às nossas misérias. É um fim assinado por Deus aos nossos aperfeiçoamentos, fim infinito, porque só o infinito, em todos os casos, pode satisfazer ao nosso espírito e oferecer-lhe uma carreira digna dele.” 

  Destas judiciosas observações, resulta que a forma dos corpos se modificou em sentido determinado e segundo uma lei, à medida que o ser moral se desenvolveu; que a forma exterior está em relação constante com o instinto e os apetites do ser moral; que, quanto mais os seus instintos se aproximam da animalidade, tanto mais a forma igualmente dela se aproxima; enfim, que, à medida que os instintos materiais se depuram e dão lugar a sentimentos morais, o envoltório material, que já não se destina à satisfação de necessidades grosseiras, toma formas cada vez menos pesadas, mais delicadas, de harmonia com a elevação e a delicadeza das ideias. A perfeição da forma é, assim, consequência da perfeição do Espírito: donde se pode concluir que o ideal da forma há de ser a que revestem os Espíritos em estado de pureza, a com que sonham os poetas e os verdadeiros artistas, porque penetram, pelo pensamento, nos mundos superiores. 

  Diz-se, de há muito, que o semblante é o espelho da alma. Esta verdade, que se tornou axioma, explica o facto vulgar de desaparecerem certas fealdades debaixo do reflexo das qualidades morais do Espírito e o de, muito amiúde, se preferir uma pessoa feia, dotada de eminentes qualidades, a outra que apenas possua a beleza plástica. É que semelhante fealdade consiste unicamente em irregularidades de forma, mas sem excluir a finura dos traços, necessária à expressão dos sentimentos delicados. 

  Do que precede se pode concluir que a beleza real consiste na forma que mais afastada se apresenta da animalidade e que melhor reflecte a superioridade intelectual e moral do Espírito, que é o ser principal. Influindo o moral, como influi, sobre o físico, que ele apropria às suas necessidades físicas e morais, segue-se: 1º que o tipo da beleza consiste na forma mais própria à expressão das mais altas qualidades morais e intelectuais; 2º que, à medida que o homem se elevar moralmente, o seu envoltório se irá avizinhando do ideal da beleza, que é a beleza angélica. O negro pode ser belo para o negro, como um gato é belo para um gato; mas, não é belo em sentido absoluto, porque os seus traços grosseiros, os seus lábios espessos acusam a materialidade dos instintos; podem exprimir as paixões violentas, mas não podem prestar-se a evidenciar os delicados matizes do sentimento, nem as modulações de um espírito fino. 

  Daí o podermos, sem fatuidade, creio, dizer-nos mais belos do que os negros e os hottentotes. Mas, também pode ser que, para as gerações futuras, melhoradas, sejamos o que são os hottentotes com relação a nós. E quem sabe se, quando encontrarem os nossos fósseis, essas gerações não os tomarão pelos de alguma espécie de animais. 

~*~~ 

  Lido que foi este artigo na Sociedade de Paris, tornou-se objecto de grande número de comunicações, apresentando todas elas as mesmas conclusões. Transcreveremos apenas as duas seguintes, por serem as mais desenvolvidas: 

Paris, 4 de Fevereiro de 1869. 

(Médium: Sra. Malet

  Ponderastes com acerto que a fonte primária de toda a bondade e de toda a inteligência é também a fonte de toda a beleza. — O amor gera a beleza de todas as coisas, sendo, ele próprio, a perfeição. — O Espírito tem por dever adquirir essa perfeição, que é a sua essência e o seu destino. Ele tem que se aproximar, por seu trabalho, da inteligência soberana e da bondade infinita; tem, pois, também que revestir a forma cada vez mais perfeita, que caracteriza os seres perfeitos. 

  Se, nas vossas sociedades infelizes, no vosso globo ainda mal equilibrado, a espécie humana está tão longe dessa beleza física, é porque a beleza moral ainda está em início de desenvolvimento. A ligação entre essas duas belezas é facto certológico e do qual já neste mundo a alma tem a intuição. Com efeito, sabeis todos quão penoso é o aspecto de uma encantadora fisionomia, cujo encanto, porém, o carácter desmente. Se ouvis falar de uma pessoa de mérito comprovado, logo lhe atribuis os mais simpáticos traços e ficais dolorosamente impressionados, quando verificais que a realidade desmente as vossas conjecturas. 

  Que concluir daí, senão que, como todas as coisas que o futuro guarda de reserva, a alma tem a presciência da beleza, à medida que a Humanidade progride e se aproxima do seu tipo divino. Não procureis tirar, da aparente decadência em que se encontra a raça mais adiantada deste globo, argumentos contrários a essa afirmação. Sim, é verdade que a espécie parece degenerar, abastardar-se; sobre vós se abatem as enfermidades antes da velhice; mesmo a infância sofre as doenças que habitualmente só se manifestam noutra idade da vida. É isso, no entanto, simples transição. A vossa época é má; ela acaba e gera: acaba um período doloroso e gera uma época de regeneração física, de adiantamento moral, de progresso intelectual. A nova raça, de que já falei, terá mais faculdades, mais recursos para os serviços do espírito; será maior, mais forte, mais bela. Desde o princípio, pôr-se-á de harmonia com as riquezas da Criação que a vossa raça, descuidosa e fatigada, desdenha ou ignora. Ter-lhe-eis feito grandes coisas, das quais ela aproveitará, avançando pela estrada das descobertas e dos aperfeiçoamentos, com um ardor febril cujo poder desconheceis. 

  Mais adiantados também em bondade, os vossos descendentes farão desta infeliz terra o que não haveis sabido fazer: um mundo ditoso, onde o pobre não será repelido, nem desprezado, mas socorrido por vastas e liberais instituições. Já desponta a aurora dessas ideias; chega-nos, por momentos, a claridade delas. 

  Amigos, eis afinal o dia em que a luz brilhará na Terra obscura e miserável, em que a raça será boa e bela, de acordo com o grau de adiantamento que tenha alcançado, em que o sinal posto na fronte do homem já não será o da reprovação, mas um sinal de alegria e de esperança. Então, os Espíritos adiantados virão, em multidão, tomar lugar entre os colonos deste globo; estarão em maioria e tudo lhes cederá ao passo. Far-se-á a renovação e a face do globo será mudada, porquanto essa raça será grande e poderosa e o momento em que ela vier assinalará o começo dos tempos venturosos. 

Pamphile 
~*~~ 

Paris, 4 de Fevereiro de 1869. 

  A beleza, do ponto de vista puramente humano, é uma questão muito discutível e muito discutida. Para a apreciarmos bem, precisamos estudá-la como amadores desinteressadosAquele que estiver sob o encantamento não pode ter voz no capítulo. Também entra em linha de conta o gosto de cada um, nas apreciações que se fazem. 

  Belo, realmente belo só é o que o é sempre e para todos; e essa beleza eterna, infinita, é a manifestação divina nos seus aspectos incessantemente variados; é Deus nas suas obras e nas suas leis! Eis aí a única beleza absoluta. É a harmonia das harmonias e tem direito ao título de absoluta, porque nada de mais belo se pode conceber. 

  Quanto ao que se convencionou chamar belo e que é verdadeiramente digno desse título, não deve ser considerado senão como coisa essencialmente relativa, porquanto sempre se pode conceber alguma coisa mais bela, mais perfeita. Somente uma beleza existe e uma única perfeição: Deus. Fora dele, tudo o que adornarmos com esses atributos não passa de pálido reflexo do belo único, de um aspecto harmonioso das mil e uma harmonias da Criação. 

  Há tantas harmonias, quantos objectos criados, quantas belezas típicas, por conseguinte, determinando o ponto culminante da perfeição que qualquer das subdivisões do elemento animado pode alcançar. — A pedra é bela e bela de modos diversos. — Cada espécie mineral tem as suas harmonias e o elemento que reúne todas as harmonias da espécie possui a maior soma de beleza que a espécie possa alcançar. 

  A flor tem as suas harmonias; também ela pode possuí-las todas ou insuladamente e ser diferentemente bela, mas somente será bela quando as harmonias que concorrem para a sua criação se encontrarem harmonicamente fusionadas— Dois tipos de beleza podem produzir, por fusão, um ser híbrido, informe, de aspecto repulsivo. — Há então cacofonia! Todas as vibrações, insuladamente, eram harmónicas, mas a diferença de tonalidade entre elas produziu um desacordo, ao encontrarem-se as ondas vibrantes; daí o monstro!

  Descendo a escala criada, cada tipo animal dá lugar às mesmas observações e a ferocidade, a manha, até a inveja poderão dar origem a belezas especiais, se estiver sem mistura o princípio que determina a forma. A harmonia, mesmo no mal, produz o belo. Há o belo satânico e o belo angélico; a beleza enérgica e a beleza resignada. 

  Cada sentimento, cada feixe de sentimentos, contanto que seja harmónico, produz um particular tipo de beleza, cujos aspectos humanos são todos, não degenerescências, mas esboços. É, pois, certo dizermos, não que somos mais belos, porém que nos aproximamos cada vez mais da beleza real, à medida que nos elevamos para a perfeição. 

  Todos os tipos se unem harmonicamente no perfeito. Daí ser este o belo absoluto. — Nós que progredimos possuímos apenas uma beleza relativa, debilitada e combatida pelos elementos desarmónicos da nossa natureza. 

Lavater 

/... 

(*) Espécie de Pierrot parvo e poltrão que Watteau representou num quadro notavél (Louvre) – Apud “Petit Larousse Illustré”. Nota da Editora, à 13ª edição, em 1973. 
(**) Vejam-se as duas obras sábias de Boucher de PerthesDo Homem antediluviano e de suas obras; e Dos utensílios de pedra
Lavater, Johann Kaspar: (além de pastor, foi filósofopoetateólogo[1] e um entusiasta do magnetismo animal na Suíça). Fonte: Wikipédia / Wikiwand, a enciclopédia livre. Ler toda a notícia. 


ALLAN KARDEC, Obras Póstumas, Primeira Parte – Sobre as artes em geral; a sua regeneração por meio do Espiritismo – Teoria da beleza, 19º fragmento desta obra. 
(imagem de contextualização: Dança rebelde, 1965 – Óleo sobre tela, de Noêmia Guerra

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