Existência de Deus
Sendo Deus a Causa primeira de todas a coisas, o ponto de
partida de tudo, o eixo sobre que assenta o edifício da Criação, é o ponto que
importa considerar antes de tudo.
É um princípio elementar que se avalia uma causa pelos
seus efeitos, mesmo quando não se vislumbra a causa.
Se um pássaro cortando o ar é atingido com chumbo mortal,
julgamos que um hábil atirador o feriu, apesar de não vermos o atirador. Portanto,
nem sempre é necessário ter-se visto uma coisa para sabermos que existe. Em
tudo, é ao observar os efeitos que chegamos ao conhecimento das causas.
Um outro princípio igualmente elementar passou ao estado de axioma à força de
verdadeiro: que qualquer efeito inteligente deve ter uma causa
inteligente.
Se perguntássemos quem é o engenheiro de um tal engenhoso
mecanismo, que pensaríamos de quem respondesse que este se tinha feito
sozinho? Quando vemos uma obra-prima da arte ou da indústria, dizemos
que deve ser produto de um homem de génio, porque uma elevada inteligência deve
ter presidido à sua concepção; calculamos todavia que deve ter sido feito por
um homem, porque sabemos que a coisa não está acima da capacidade humana, mas
ninguém se lembrará de dizer que saiu do cérebro de um idiota ou de um
ignorante e ainda menos que se trata do trabalho de um animal ou de produto do
acaso.
Em todo o lado reconhecemos a presença do homem nas suas
obras. A existência dos homens antediluvianos não
seria unicamente provada pelos fósseis humanos, mas também e com a mesma
certeza pela presença dos terrenos dessa época de objectos trabalhados pelos
homens; um fragmento de vaso, uma pedra talhada, uma arma, um tijolo, serão
suficientes para atestar a sua presença. Pela rudeza ou pela perfeição
do trabalho reconhecemos o grau de inteligência e da evolução dos que o
executam. Se portanto vos encontrardes num país habitado
exclusivamente por indígenas e descobrirdes uma estátua de Fídias, não hesitareis em
dizer que os indígenas teriam sido incapazes de a fazer, terá de ser obra de
uma inteligência superior à dos indígenas.
Pois bem. Lançando um olhar à nossa volta para as
obras da natureza, observando a previsão, a sabedoria, a harmonia que presidem a
todas, reconhecemos não existir uma única que não ultrapasse os limites mais elevados
da inteligência humana. Uma vez que o homem não as pode produzir, é
porque são produto de uma inteligência superior à humana, a não ser que se diga
que é efeito sem causa.
A isto alguns opõem o seguinte raciocínio:
As obras ditas da natureza são o produto de forças materiais
que agem mecanicamente devido às leis de atracção e retracção; as moléculas dos
corpos inertes agregam-se e desagregam-se, crescem e reproduzem-se sempre da
mesma maneira, cada qual dentro da sua espécie, graças a estas mesmas leis;
cada indivíduo é semelhante àquele de onde saiu; o crescimento, a floração, a
frutificação, a coloração, estão subordinados às causas materiais, tais como o
calor, a electricidade, a luz, a humanidade, etc. Passa-se o mesmo com os
animais. Os astros formam-se pela atracção molecular e movem-se perpetuamente
nas suas órbitas devido ao efeito da gravitação. Esta regularidade mecânica na
aplicação das forças naturais não revela de maneira nenhuma uma inteligência
livre. O homem mexe o seu braço quando quer como quer, mas quem o mexesse no
mesmo sentido desde o nascimento até à sua morte, seria um autómato; ora, as
forças orgânicas da natureza são puramente automáticas.
Tudo isto é verdade; mas estas forças são efeitos que devem ter uma causa e ninguém pretende que constituam a Divindade. São materiais e mecânicas; não são de maneira nenhuma inteligentes em si mesmas e isto é ainda verdade; mas são postas em acção, distribuídas, apropriadas para as necessidades de cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A útil apropriação destas forças é um efeito inteligente que revela uma causa inteligente. Um pêndulo move-se com uma regularidade automática e é esta regularidade que lhe dá o mérito. A força que a faz agir é toda material e de modo nenhum inteligente, mas que seria este pêndulo se uma inteligência não tivesse combinado, calculado o emprego desta força para fazer mover-se com precisão? Por a inteligência não estar no mecanismo do pêndulo e porque a não vemos, seria racional concluir que não existe? Julgamo-la pelos seus efeitos.
Tudo isto é verdade; mas estas forças são efeitos que devem ter uma causa e ninguém pretende que constituam a Divindade. São materiais e mecânicas; não são de maneira nenhuma inteligentes em si mesmas e isto é ainda verdade; mas são postas em acção, distribuídas, apropriadas para as necessidades de cada coisa por uma inteligência que não é a dos homens. A útil apropriação destas forças é um efeito inteligente que revela uma causa inteligente. Um pêndulo move-se com uma regularidade automática e é esta regularidade que lhe dá o mérito. A força que a faz agir é toda material e de modo nenhum inteligente, mas que seria este pêndulo se uma inteligência não tivesse combinado, calculado o emprego desta força para fazer mover-se com precisão? Por a inteligência não estar no mecanismo do pêndulo e porque a não vemos, seria racional concluir que não existe? Julgamo-la pelos seus efeitos.
A existência do relógio atesta a existência do relojoeiro; o engenho do mecanismo atesta
a inteligência e
a sabedoria do
relojoeiro. Quando um relógio vos dá num determinado ponto a indicação
de que necessitais, já alguma vez veio à ideia de alguém dizer: aqui está um
relógio muito inteligente?
Portanto, a existência de Deus é um facto adquirido não só
através da revelação mas
pela evidencia material dos factos. Os povos primitivos não tiveram
revelações e, no entanto, acreditavam instintivamente na
existência de um poder sobre-humano; viam coisas que estavam acima do poder
humano e concluíam daí que emanavam de
um ser superior à
humanidade. Não serão mais lógicos que aqueles que pretendem que elas se
fizeram sozinhas?
/...
ALLAN KARDEC, A GÉNESE – Os Milagres e as
Profecias Segundo o Espiritismo, Capítulo II Deus, A natureza divina, A
Providência, A visão de Deus – Existência de Deus (de 1 a 7) 15º fragmento da obra.
Tradução portuguesa de Maria Manuel Tinoco, Editores Livros de Vida.
(imagem de contextualização: Diógenes e
os pássaros de pedra, pintura em acrílico de Costa Brites)
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