Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

terça-feira, 22 de março de 2011

O Infinito na Natureza

“Vésper que antecedes a noite! carro do Setentrião! Magnificências estelares! Misteriosas perspectivas de abismo insondável! Que olhar, apercebido de vossas munificências, poderia fitar-vos indiferente? Quantos olhares sonhadores se têm perdido nos vossos desertos, ó solidões do espaço!
Quantos ansiosos pensamentos têm viajado de ilha em ilha, no vosso luminoso arquipélago! E nas horas da saudade e da melancolia, quantas pupilas molhadas têm baixado sobre os olhos fitos numa estrela predilecta!
É que a Natureza tem nos lábios palavras doces, no olhar tesouros de amor e no coração sentimentos afectivos de uma preciosidade esquisita, e isso porque ela, a Natureza, não consiste somente numa organização corporal, mas também tem alma e vida. Quem quer que só a tenha entrevisto no seu aspecto material apenas lhe conhece a metade. A beleza íntima das coisas é tão verdadeira e positiva como a sua composição química. A harmonia do mundo não é menos digna de apreço do que o seu movimento mecânico. A direcção inteligente do Universo deve ser constatada ao mesmo título das fórmulas matemáticas. Obstinar-se em só considerar a criatura com os olhos do corpo e jamais com os do espírito é parar voluntariamente à superfície. Bem sabemos que os adversários vão objectar-nos que o espírito não tem olhos, que é um cego de nascença e que toda afirmativa, não originária dos órgãos visuais, perde todo o valor. Mas, isto também não passa de um conceito arbitrário e, ao demais, infundado. Temos visto que é possível, de boa fé, pôr em dúvida as verdades de ordem intelectual e que é em nosso próprio senso que se forma a convicção de toda e qualquer verdade.
Transporemos, portanto, sem receio, essas mofinas objecções. Para nós a Natureza é um ser vivo e animado, e mais ainda – um ser amigo. Onipresente, fala-nos pelas suas cores, pelos sons e pelos movimentos; tem sorrisos para as nossas alegrias, gemidos para as nossas tristezas, simpatia para todas as nossas aspirações. Filhos da Terra, nosso organismo está em consonâncias vibratórias com todos os movimentos que constituem a vida da Natureza: ele os compreende e deles compartilhamos, de modo a nos deixarem n'alma uma repercussão profunda, a menos que o artifício nos tenha atrofiado. Congênita do princípio da criação, nossa alma reencontra o infinito na Natureza.”

FLAMMARION, CAMILLE in “Deus na Natureza” Tomo V - DEUS, (1/6)

Sem comentários: