Da arte com que trabalharmos o nosso pensamento dependem as nossas misérias ou as nossas glórias...

domingo, 7 de agosto de 2011

A parte durável, que resiste à morte

“  Se reflectirmos que esses hinos estavam escritos, há cerca de 3.500 anos, na língua mais rica e mais harmoniosa que já existiu, ficamos sem poder calcular a que épocas recuadas remontam essas noções, tão precisas e quase justas, sobre a alma e o seu envoltório. Só mesmo toda a ignorância da nossa época grosseiramente materialista seria capaz de contestar uma verdade velha como o pensamento humano e que se nos depara em todos os povos. As nossas modernas experiências sobre os Espíritos, que se deixam fotografar ou se materializam momentaneamente, como veremos mais adiante, mostram que o perispírito é uma realidade física, tão inegável como o próprio corpo material. Já era essa a crença dos antigos habitantes da margem do Nilo e constitui facto digno de nota que, no alvorecer de todas as civilizações, topamos com crenças fundamentalmente semelhantes, quando quase nenhum meio de comunicação havia entre povos tão distanciados uns dos outros.

O Egipto

   Tão longe quanto possamos chegar interrogando os egípcios, ouvi-los-emos afirmar a sua fé numa segunda vida do homem, num lugar donde ninguém pode volver, onde habitam os antepassados. Imutável, essa idéia atravessa intacta todas as civilizações egípcias; nada consegue destruí-la. Ao contrário, apenas o que não resiste às influências diversas, vindas de todas as partes, é o “como” dessa imortalidade. Qual, no homem, a parte durável, que resiste à morte, ou que, revivificada, continua outra existência?

   A mais antiga crença, a dos começos (5.000 anos a.C.), considerava a morte uma simples suspensão da vida. Depois de estar imóvel durante certo tempo, o corpo retomava o “sopro” e ia habitar muito longe, a oeste deste mundo. Em seguida, mas sempre muito remotamente, antes mesmo, talvez, das primeiras dinastias históricas, surgiu a ideia de que somente “uma parte do homem” ia viver segunda vida. Não era uma alma, era um corpo, diferente do primeiro, porém, proveniente deste, mais leve, menos material. Esse corpo, quase invisível, saído do primeiro corpo mumificado, estava sujeito a todos os reclamos da existência: era preciso alojá-lo, nutri-lo, vesti-lo. A sua forma, no outro mundo, reproduzia, pela semelhança, o primeiro corpo. É o ka, o duplo, ao qual, no antigo Império, se prestava o culto dos mortos. (5004-3064 a.C.)

   Uma primeira modificação fez do “duplo” – do ka – um corpo menos grosseiro do que o era na concepção primitiva. Não passava o segundo corpo de uma “substância” – bi – de uma “essência” – baí – e, afinal, de um claror, de “uma parcela de chama”, de luz. Essa fórmula se generalizou nos templos e nas escolas. O povo, esse, se atinha à crença simples, original, do homem composto de duas partes: o corpo e a inteligência – khou – separáveis. Houve, pois, um instante, sobretudo nas proximidades da 18ª dinastia, em que coexistiam crenças diversas. Cria-se, ao mesmo tempo: no corpo duplo, ou ka; na substância luminosa, ou baí, ba; na inteligência, ou khou. Eram três almas.”


GABRIEL DELANNE in A Alma é Imortal, Primeira parte A observação, Capítulo I Golpe de vista histórico – As crenças antigas (4 de 5)

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